Destruir por bombardeio a única usina de energia elétrica em Gaza não é procurar e destruir túneis dos combatentes palestinos. É o modo escolhido de causar o dano mais geral à população civil e às instalações essenciais que são os hospitais e postos de socorro ao que reste de vida nas vítimas das bombas, do canhoneio naval e dos tiros de tanques. Crime de guerra, pela Convenção de Genebra, e crime contra a humanidade, pelos princípios da ONU e pelas leis internacionais.
Os túneis como motivo dos ataques são apenas uma mentira a mais. O sistema de informação e vigilância de Israel não seria enganado, enquanto o Hamas construiria rede subterrânea tão extensa e sofisticada quanto diz o governo israelense. Mentira como a velha alegação de que os hospitais, escolas, mesquitas e moradias destruídos serviam de depósitos de armas e munição do Hamas. Se fossem, o ataque a tanto material explosivo teria levado toda Gaza pelos ares há muito tempo. Em vez disso, ruínas e crateras documentadas são compatíveis com o efeito normal dos bombardeios, sem a expansão de paióis explodidos.
O objetivo não são os túneis. Nem o foram os lançadores de foguetes do Hamas, como alegado ao início do atual ataque. O objetivo que pode explicar tamanho massacre é outro. Tem nome, já foi assunto de interesse da imprensa na Europa há uns 30 anos, mas veio a ficar cercado por um silêncio raras vezes transposto. O mesmo silêncio útil, e em grande parte pelas mesmas razões, adotado no último dia 24, quinta-feira.
Uma posse presidencial não é fato que passe sem se fazer notar. Tanto mais se quem deixa o posto é o último estadista de Israel, que se despede da vida pública aos 90 anos, e Nobel da Paz há exatos 20 anos. Foi diante de poucos convidados, no entanto, que Shimon Peres entregou a Presidência a Reuven Rivlin, que fez carreira como advogado de árabes moradores no território israelense. Sem que a atividade profissional tenha qualquer significado político.
O novo presidente de Israel não é apenas de ultradireita, integrante do mesmo Likud do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. Ex-oficial de informação do Exército, Reuven Rivlin defende e incentiva a multiplicação de bairros ("assentamentos") israelenses em terras da Cisjordânia. Combate a hipótese do Estado Palestino previsto no ato de criação de Israel pela ONU. Em último caso, diz, seria admissível conceder aos árabes da Cisjordânia a cidadania de israelenses.
Reuven Rivlin é entusiasta e propagador do plano Grande Israel, hoje raramente citado, ao menos de público. Projeto que se origina (ou termina) em ideia semelhante à do "espaço vital" que figurou nas causas da Segunda Guerra Mundial. Nele se vê a explicação para os continuados "assentamentos", apesar da condenação da ONU e do poder conflituoso que têm, além de serem obstáculo central nos arremedos de diálogo de paz entre Israel e Cisjordânia.
Com o cadastro de Reuven Rivlin, o realce à sua posse tenderia a agravar a imagem de Israel propagada por sua ferocidade bélica. Mas a importância da ligação ostensiva do novo presidente com o plano Grande Israel não é só um prenúncio de sua ação futura. É componente lógico de um plano de ação que está muito acima dos túneis. E é levado pelas bombas à terra necessária à grandeza sonhada.
Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo.
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