quinta-feira, 31 de julho de 2014

Espaço vital e mortal

Destruir por bombardeio a única usina de energia elétrica em Gaza não é procurar e destruir túneis dos combatentes palestinos. É o modo escolhido de causar o dano mais geral à população civil e às instalações essenciais que são os hospitais e postos de socorro ao que reste de vida nas vítimas das bombas, do canhoneio naval e dos tiros de tanques. Crime de guerra, pela Convenção de Genebra, e crime contra a humanidade, pelos princípios da ONU e pelas leis internacionais.
Os túneis como motivo dos ataques são apenas uma mentira a mais. O sistema de informação e vigilância de Israel não seria enganado, enquanto o Hamas construiria rede subterrânea tão extensa e sofisticada quanto diz o governo israelense. Mentira como a velha alegação de que os hospitais, escolas, mesquitas e moradias destruídos serviam de depósitos de armas e munição do Hamas. Se fossem, o ataque a tanto material explosivo teria levado toda Gaza pelos ares há muito tempo. Em vez disso, ruínas e crateras documentadas são compatíveis com o efeito normal dos bombardeios, sem a expansão de paióis explodidos.
O objetivo não são os túneis. Nem o foram os lançadores de foguetes do Hamas, como alegado ao início do atual ataque. O objetivo que pode explicar tamanho massacre é outro. Tem nome, já foi assunto de interesse da imprensa na Europa há uns 30 anos, mas veio a ficar cercado por um silêncio raras vezes transposto. O mesmo silêncio útil, e em grande parte pelas mesmas razões, adotado no último dia 24, quinta-feira.
Uma posse presidencial não é fato que passe sem se fazer notar. Tanto mais se quem deixa o posto é o último estadista de Israel, que se despede da vida pública aos 90 anos, e Nobel da Paz há exatos 20 anos. Foi diante de poucos convidados, no entanto, que Shimon Peres entregou a Presidência a Reuven Rivlin, que fez carreira como advogado de árabes moradores no território israelense. Sem que a atividade profissional tenha qualquer significado político.
O novo presidente de Israel não é apenas de ultradireita, integrante do mesmo Likud do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. Ex-oficial de informação do Exército, Reuven Rivlin defende e incentiva a multiplicação de bairros ("assentamentos") israelenses em terras da Cisjordânia. Combate a hipótese do Estado Palestino previsto no ato de criação de Israel pela ONU. Em último caso, diz, seria admissível conceder aos árabes da Cisjordânia a cidadania de israelenses.
Reuven Rivlin é entusiasta e propagador do plano Grande Israel, hoje raramente citado, ao menos de público. Projeto que se origina (ou termina) em ideia semelhante à do "espaço vital" que figurou nas causas da Segunda Guerra Mundial. Nele se vê a explicação para os continuados "assentamentos", apesar da condenação da ONU e do poder conflituoso que têm, além de serem obstáculo central nos arremedos de diálogo de paz entre Israel e Cisjordânia.
Com o cadastro de Reuven Rivlin, o realce à sua posse tenderia a agravar a imagem de Israel propagada por sua ferocidade bélica. Mas a importância da ligação ostensiva do novo presidente com o plano Grande Israel não é só um prenúncio de sua ação futura. É componente lógico de um plano de ação que está muito acima dos túneis. E é levado pelas bombas à terra necessária à grandeza sonhada.


Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo

Alta comissária da ONU critica EUA por armar Israel


A alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, denunciou nesta quinta-feira (31) os Estados Unidos por proporcionar armamento ao Exército israelense e não fazer o suficiente para deter a ofensiva contra a faixa de Gaza.

"Os Estados Unidos têm influência sobre Israel e deveriam fazer mais para parar as mortes, para que as partes em conflito dialoguem", disse Pillay em entrevista coletiva, na qual falou da ajuda financeira e a entrega de armas dos EUA a Israel.

O porta-voz do Pentágono, o contra-almirante John Kirby, confirmou na quarta-feira as informações sobre o envio a Israel de mais material de guerra dos EUA a pedido das Forças de Defesa israelenses.

A venda de munição é estabelecida para casos de emergência no chamado Inventário de Reservas de Munição de Guerra de Israel, que permite aos israelenses dispor de armamento de maneira urgente.

Entre esse material há partes necessárias para lança-granadas e peças de morteiro de 120 milímetros, como o que provocou ontem a morte de 19 pessoas refugiadas em uma escola das Nações Unidas.

Pillay informou sobre esta entrega de munição e sobre a ajuda que os EUA prestam a Israel para manter em funcionamento o sistema antifoguetes israelense "Cúpula de Ferro", que protege o território israelense dos foguetes lançados a partir da Faixa de Gaza.

"Os Estados Unidos não só fornecem a Israel artilharia pesada usada em Gaza, mas gastou quase US$ 1 bilhão para proteger o país contra os foguetes palestinos. Uma proteção que os civis de Gaza não têm", denunciou Pillay.

A alta comissária insistiu no fato de que os EUA não só ajudem incondicionalmente Israel em tempos de guerra, mas também o faça em tempos de paz, nos quais no entanto Tel Aviv continua violando a lei internacional expandindo seus assentamentos e mantendo um bloqueio à Faixa de Gaza, que é ilegal.

"Os Estados Unidos também deveriam fazer mais para acabar com o bloqueio aos territórios ocupados. Deveria fazer mais para acabar com os assentamentos. Lembremos que os Estados Unidos votam contra, tanto no Conselho de Direitos Humanos como no Conselho de Segurança, todas as resoluções que condenam o bloqueio e os assentamentos".

Crimes de guerra

Pillay se referiu às dezenas de resoluções, relatórios de relatores especiais e conclusões de comissões de investigação internacional nas quais são identificadas flagrantes violações dos direitos humanos e da lei internacional por parte de Israel.

"Parece que há um desafio deliberado de Israel a não cumprir com suas obrigações internacionais. Não deveríamos permitir este tipo de impunidade. Não deveríamos permitir que não se averiguem nem se persigam flagrantes violações", opinou Pillay.

A comissária da ONU lamentou que Israel não tenha estabelecido nenhum mecanismo de prestação de contas e lembrou que onde o sistema interno falha tem que ser aplicado o internacional.
Pilay também acusou Hamas de cometer crimes de guerra ao colocar e disparar foguetes de dentro de uma área altamente povoada. 
A representante da ONU assinalou que, segundo os últimos dados com os quais conta, desde que começou a ofensiva morreram 1.263 palestinos e 59 israelenses.

Reprodução de notícia da EFE no UOL.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Conceição: o fim do desenvolvimentismo e a democracia social


No apartamento em Cosme Velho (RJ), mestra Maria da Conceição Tavares se isolou um pouco dos amigos, mas não do mundo e do Brasil. Com pouca mobilidade, não deixou de lado nem o cigarro, nem a leitura nem a visão de país.
A mais importante economista da linha dita desenvolvimentista aderiu ao gradualismo. Não se trata de acomodamento trazido pela idade, mas pela própria dinâmica do crescimento brasileiro que acabou definindo um novo modelo - o da democracia social - que ela considera irreversível.
No final dos anos 60, ao lado de Ignácio Rangel Conceição foi o primeiro grande nome da economia a perceber que, após o esgotamento do ciclo de substituição das importações, haveria o ciclo do capitalismo financeiro.
Agora, o ciclo da criação do novo mercado de consumo baseado em políticas de renda impõe uma nova realidade na qual - segundo a mestra - não cabem mais os conceitos históricos de desenvolvimentismo e de industrialização.
O pêndulo do pensamento econômico
Historicamente, o pensamento econômico brasileiro oscilou entre a ortodoxia econômica e o desenvolvimentismo. Em ambos os casos, salários e renda eram variáveis secundárias do modelo.
Na ortodoxia, utilizavam-se de políticas monetária e fiscal para liberar o orçamento público para o pagamento de juros e para a acumulação de riqueza em mãos dos investidores. No desenvolvimentismo, a compressão dos salários era central para a competitividade das indústrias.
Ambos os movimentos foram fundamentalmente concentradores de renda.
Com o avanço da democracia social, Conceição constata que não há mais espaço para a compressão dos salários ou para maxidesvalorizações cambiais ou para política protecionistas - pontos que marcaram o pensamento desenvolvimentista.
Não há maneira de recuperar o espaço da indústria brasileira no mundo nem na economia brasileira, porque externamente nenhum avanço permitirá competir com os asiáticos e o crescimento interno dos serviços faz parte da própria dinâmica capitalista, diz ela.
Considera a desindustrialização como inevitável. Houve um período de maturação industrial  no 2o PND (Plano Nacional do Desenvolvimento). Agora, estamos chegando a outro corte, diz ela.
Como em toda economia industrial madura, o único espaço para crescer é o dos serviços. Se aumentou os serviços, foi à custa de outro setor. Se não foi do agrobusiness e do investimento público, foi a partir da indústria. "Este é o padrão normal de desenvolvimento histórico do capitalismo", sentencia ela.
Crescimento acelerado? Dificilmente se repetirá, diz ela.  O "milagre econômico" ocorreu em um período de instalação da indústria. Depois de instalada, esses saltos econômicos não se repetem.
Também não defende mudanças de modelo econômico. Alguns setores desenvolvimentistas propõem choques de câmbio para devolver competitividade ao país, enquanto se ajusta o custo Brasil. Os impactos sobre a inflação não recomendariam.
O mercado interno e o ajuste ortodoxo
A ideia de abandonar a política do salário mínimo para aumentar a competitividade da indústria não a atrai. A divisão internacional de trabalho mudou. No caso brasileiro, é mais favorável ao agrobusiness que à indústria. Ninguém conseguirá concorrer com a manufatura da Ásia.
Daí porque mais que nunca é necessário preservar o salário mínimo para manter o mercado interno robusto.
É o mercado interno que não permite alarmismo com a economia. Não existe depressão à vista. O que existe é um terrorismo da imprensa mudando as expectativas empresariais, diz ela.
A falta de competitividade internacional é mais um argumento para não baixar o salário mínimo. Sem competitividade externa e sem mercado de consumo interno, a economia desabaria.
É só comparar com América Latina e Europa. Só o fato de não haver desemprego é um enorme sucesso. No Porto, amigos de Conceição assistirão famílias de classe média morando na rua.
É ridículo estar pessimista com o Brasil, comparando com a situação internacional, diz ela.
Se não resistir nas políticas sociais, não teremos mais modelo nenhum.
A busca do crescimento
O investimento em bens de consumo de massa funcionou, garantiu um mercado interno robusto.
Dá para manter alto o consumo, mas não mais como efeito acelerador de crescimento.
O caminho proposto por Conceição é o seguinte:
  1. Destravar o regime de concessões.
  2. Deslanchar os investimentos em petróleo.
  3. Reverter as expectativas do setor privado.
Destravando os dois primeiros itens, o setor privado irá atrás e nós saímos do gargalo atual. Mas para destravar as expectativas empresariais, não se pode deixar a economia afundar. E afundaria na hipótese de arrocho salarial e de um choque fiscal.
O momento não recomenda nenhuma política fiscal contracionista. Os gastos públicos são incomprimíveis. O único gatos comprimível são os juros da dívida pública.
O problema é que o modelo fiscal brasileiro é todo alicerçado em impostos ad valorem diretamente influenciados pelo PIB. Praticamente não existe imposto patrimonial. Nos anos 80 tentou-se um imposto sobre grandes fortunas moderadíssimo, proposto pelo então senador Fernando Henrique Cardoso. Não passou.
Justamente por isso, Conceição defende a flexibilização da política monetária (reduzindo o peso dos juros no orçamento) e a neutralidade da política fiscal, mantendo o que está sendo investido e agregando financiamento novo e concessões.
Revertendo as expectativas, mantém-se a trajetória de distribuição de renda com políticas sociais, e destrava-se o pacote da infraestrutura.
Sobre políticas industriais
Conceição não é a favor de grandes revoluções na política industrial, inserção das empresas brasileiras nas grandes cadeias globais e por aí afora. Considera que a siderurgia, cerveja e carnes conseguiram se inserir nessas cadeias. As demais, dificilmente conseguirão.
O caminho daqui para frente é consertar o que pode ser consertado e aprimorar o que deve ser aprimorado.
"Não estamos mais discutindo modelos, mas o que fazer com setores débeis", diz ela.
Um dos caminhos são as políticas de encadeamento (atuando sobre as cadeias produtivas) e progressos técnicos. Defende políticas moderadas e corretas na direção certa. Aí a economia reage.
Os gargalos na remessa de dólares
Persiste o nó externo, e, segundo Conceição, por erros que se acumularam desde o governo FHC,
Fernando Henrique Cardoso tirou a tributação de 17% sobre remessas de capital, deixando (Francisco) Dornelles (ex-Secretário da Receita) indignadíssimo", diz ela. Em quatro anos ele fez um estrago que Margareth Tachther levou 14 anos para fazer.
Não existe nenhum país do mundo que não discrimine as empresas estrangeiras, concedendo o mesmo tratamento das nacionais, diz ela. Por aqui se dá isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para carro importado.
Quando se trata de remessa para pagamento de tecnologia, alíquota zero de Imposto de Renda. A multinacional contrata uma assistência técnica lá fora, dizendo que está internalizando ativo. Esse pagamento é dedutível do Imposto de Renda por ser despesa. Por ser tecnologia, tributação zero.
Depois exporta e se credita porque supostamente estaria exportando conhecimento e gerando tecnologia no país.
É uma enorme brecha, diz ela. O déficit tecnológico brasileiro saltou de US$ 1 bi/ano em 2000 para US$ 9 bi. Tornou-se remessa de lucros disfarçada.
A situação das contas externas preocupa, mas Conceição não se atreveria a propor controles de capital e imposto patrimonial por serem propostas politicamente irrealistas.

Reprodução de texto de Luís Nassif, no Jornal GGN.

A VERSÃO DE LACERDA PARA O VOTO DO BRASIL


A tensão entre a diplomacia brasileira e a israelense por causa do conflito em Gaza, classificado como "massacre" pela presidente Dilma Rousseff, jogou luz sobre uma figura histórica: o diplomata brasileiro Oswaldo Aranha. Ele presidiu a sessão da ONU que aprovou a partilha da Palestina, com a posterior criação do Estado de Israel.
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No livro "Depoimento" (ed. Nova Fronteira), o ex-governador e jornalista Carlos Lacerda deu a sua versão para o fato histórico: segundo ele, Aranha, chefe da delegação do Brasil para a Assembleia da ONU, teria votado contra a orientação do governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, transmitida a ele pelo então ministro das Relações Exteriores, Raul Fernandes.
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"O Oswaldo Aranha mudou o voto do Brasil. Fez o Brasil votar a favor da partilha da Palestina, ou seja, da criação do Estado de Israel. Nessa ocasião, comecei uma série de artigos combatendo essa posição, sustentando que o Brasil, tendo uma comunidade judaica tranquila e uma comunidade árabe também tranquila, não tinha que se meter numa partilha que, necessariamente, ia dar numa guerra, e que o Brasil não devia participar dessa responsabilidade", diz Lacerda.
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"Que o senhor [então presidente americano Harry] Truman tomasse posição porque precisava do eleitorado judaico dos EUA, compreende-se, mas nós, que não precisávamos disso, tínhamos que nos abster."
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Segundo ele, o Brasil "deveria se poupar, porque não tendo ou não podendo ser suspeitado de intuitos imperialistas, poderia futuramente até ser usado como um dos intermediários possíveis entre as partes litigantes, ao passo que, tomando partido, teria que sustentar o seu voto o resto da vida".
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Lacerda passou então a atacar o chanceler.
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"Um dia Raul Fernandes me chamou ao Itamaraty e disse: Carlos, você, além de jornalista, é meu primo, então não vou mostrar ao jornalista, vou mostrar ao meu primo porque não quero que você me julgue mal'. E mostrou suas instruções [a Oswaldo Aranha]: Na questão da Palestina deveis abster-vos de votar'."
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Oswaldo Aranha, segundo Lacerda, ignorou solenemente. "O fato é que o Oswaldo, envolvido pelo [jornal] The New York Times', envolvido pelo clima muito pró-judaico de Nova York, envolvido enfim por uma série de coisas, tornou-se, assim, um dos heróis da nação israelita, porque mudou o voto do Brasil."
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Lacerda disse ainda que Oswaldo Aranha "pode ter tido outros méritos, menos esse: a presidência [da Assembleia da ONU] só coube a ele porque era rotativa".


Reprodução de parte da coluna de Mônica Bérgamo, na Folha de São Paulo

Mundo árabe acompanha trágico êxodo de sua população cristã


Pela primeira vez em quase 2.000 anos, praticamente não existem mais cristãos na cidade antiga de Mossul, no norte do Iraque, um dos primeiros locais de implantação do cristianismo. Esse é só mais um passo em uma tragédia que nada nos últimos 30 anos parece conseguir deter: a extinção dos cristãos nessa parte do Oriente Médio que viu surgir o segundo grande monoteísmo.
Esse desaparecimento vem ocorrendo em meio à indiferença e à impotência, sobretudo da União Europeia. Uma parte da História está sendo apagada, carregada pela tormenta desse século, em um Oriente Médio sujeito a uma crise aguda de declínio político-religioso.
As notícias de Mossul, que costumava abrigar uma comunidade de 5.000 a 25 mil cristãos, são mais do que entristecedoras. A cidade, assim como todos os antigos vilarejos assírios-caldeus das cercanias, caiu nas mãos do "Estado Islâmico" --o "califado" decretado pelos jihadistas que se apropriaram de parte do Iraque e da Síria.
Os jihadistas desenharam um "N" --de "nassarah", cristãos em árabe-- em cada casa visada. Através de panfletos e alto-falantes, os milicianos deram algumas horas aos cristãos para escolherem: converter-se ao islamismo, pagar um imposto especial para não-muçulmanos ou ir embora. As casas foram "confiscadas".
Os cristãos fugiram de Mossul e dos vilarejos dos arredores. No último posto de controle antes do Curdistão vizinho, os jihadistas "pegaram dinheiro, joias, telefones e até as bolsas de roupas e de comida", contaram os refugiados ao enviado especial do "Le Monde". O Vaticano acredita que os jihadistas tenham incendiado o arcebispado siríaco de Mossul.

Com exceção do Líbano, a região inteira está perdendo suas minorias cristãs

Por generosidade do povo das montanhas, pelo senso tradicional de hospitalidade ou por solidariedade de ex-perseguidos, os curdos, muçulmanos sunitas, têm acolhido os cristãos do Iraque. Irbil, a capital do governo regional do Curdistão do Iraque (GRC), é provavelmente a última cidade do Levante onde se constroem igrejas.
De passagem por Paris, Fouad Hussein, diretor de gabinete do presidente do Curdistão do Iraque, Massoud Barzani, observou que o GRC não recebia nenhuma ajuda por sua hospitalidade --seja da ONU, do Vaticano ou da União Europeia.
O exílio dessas famílias de Mossul é o último episódio do drama vivido pela população cristã do Iraque, uma das mais antigas da região. Segundo várias estimativas, o Iraque contaria com quase um 1,5 milhão de cristãos no final dos anos 1980 (entre 20 milhões de habitantes).
Os anos de embargo da ONU levaram muitos deles a imigrar. Em 2003, no momento da intervenção norte-americana, eles não passavam de 800 mil. Considerados "pró-americanos", eles seriam o alvo privilegiado de atos de violência cometidos em nome da luta contra o ocupante. E hoje, eles são quantos? Talvez ainda algumas dezenas de milhares.
Com exceção do Líbano, é toda a região que tem perdido suas minorias cristãs, vítimas da ascensão do islamismo político, das guerras que devastam o mundo árabe, forçadas ao exílio pelas dificuldades econômicas e por um clima político marcado pela intolerância e pelo fanatismo.
Os árabes cristãos não são as únicas vítimas desse expurgo religioso: é todo o mundo árabe que está sendo amputado.

A impaciência imperial de Aécio


Às favas os escrúpulos com a história do aeroporto de Cláudio. O avô de Aécio, Tancredo Neves, construiu uma pista de pouso de terra em Cláudio (MG), nos domínios da família de sua mulher, Risoleta. (Preço: R$ 500 mil em dinheiro de hoje, da Bolsa da Viúva.) Mais de 20 anos depois, seu neto Aécio desapropriou a área e fez uma nova pista no melhor padrão da modernidade. (Preço: R$ 13,9 milhões, novamente da Viúva.) A pista fica a 6 km da fazenda da Mata, onde ele costuma repousar.
Diante da denúncia, o candidato justificou-se dizendo que as terras não eram de sua família. Claro, o novo aeroporto só poderia ser construído se elas pertencessem ao Estado. Em seguida, o tucanato disse que isso era coisa de petista, vazamento. Falso. Toda a documentação do caso é pública. Era um competente serviço do repórter Lucas Ferraz. Noutra linha, Aécio informou que o aeroporto, localizado a 32 km em linha reta de outro já equipado, fazia parte do programa de modernização dos transportes de sua gestão. Tudo bem, mas, em todo o Estado, só concluiu dois, o de Cláudio e o da Zona da Mata.
Desde que o caso foi revelado, no dia 20, Aécio Neves repete: "Está tudo esclarecido". Chega a incomodar-se com perguntas: "De novo?" Às favas os escrúpulos com a história do aeroporto de Cláudio. Aécio poderá impedir que o PT se mantenha no poder por 16 anos, e isso basta.
Se Aécio Neves fosse um senador ou apenas ex-governador de Minas, o assunto poderia ir para o gavetão de casos pendentes, onde estão outras questões. Por exemplo: a refinaria de Pasadena, as traficâncias do doleiro Youssef, os guardanapos de Sérgio Cabral e o cartel da Alstom. Coisa de petistas, peemedebistas e tucanos. A diferença está no fato de que ele é candidato a presidente da República. A sua atitude em relação ao episódio instrui o julgamento que se faz de sua postulação, refletindo-se sobre o que faria se episódios semelhantes acontecessem quando ele estivesse no Planalto. "De novo?" e "está tudo esclarecido" são impaciências imperiais.
A pista de Cláudio incomoda, mas deriva de uma visão patrimonialista do poder. A impaciência imperial é bem outra coisa. Reflete, a um só tempo, a ideia de que, seja o que for que se discute, daqui a um mês o assunto estará esquecido, ou ainda que manda quem pode e obedece quem tem juízo, inclusive parando de perguntar o que não deve. Trata-se de um erro crasso de conduta política, até mesmo de marquetagem.
Uma pessoa pode querer votar em Aécio porque não engole as explicações do comissariado para o mensalão, as petrorroubalheiras e o aparelhamento do Estado pelos petistas. Prefere Aécio porque tem uma esperança. Esse eleitor pode ter seguido a vida de Lula indo do pau de arara ao fusca e dele aos aviões de carreira. Sofre ao vê-lo nos jatinhos de empreiteiras. A esperança era de vidro e se quebrou.
Agora, ele tem outra: Aécio. Se o aeroporto em Cláudio é tudo o que se pode dizer contra seu candidato, ele ainda acredita que seja a melhor aposta. Há sempre um momento em que pode ser preferível mandar às favas alguns escrúpulos, mas, quando um candidato à Presidência da República veste o manto da impaciência imperial, a vítima de sua atitude é a esperança dos outros.


Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo

terça-feira, 29 de julho de 2014

Francisco é o primeiro papa a visitar igreja evangélica pentecostal


Francisco é o primeiro papa a visitar igreja evangélica pentecostal

Pontífice pede desculpas por perseguição a fiéis ocorrida durante o fascismo na Itália
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

O papa Francisco tornou-se, nesta segunda-feira (28), o primeiro líder da Igreja Católica a fazer visita a uma igreja evangélica pentecostal --ramo do protestantismo considerado grande "competidor" dos católicos na disputa por novos fiéis no mundo.
Francisco viajou de helicóptero à cidade de Caserta, no sul da Itália, e foi à Igreja Evangélica da Reconciliação, cujo prédio ainda está em obras. O papa também se reuniu privadamente com o pastor evangélico Giovanni Traettino, amigo de longa data.
No sábado (26), o papa já tinha estado em Caserta para celebrar uma missa em honra à padroeira santa Ana, evento que reuniu aproximadamente 200 mil católicos.
Falando nesta segunda a cerca de 350 fiéis na igreja evangélica, o pontífice pediu desculpas pela perseguição católica aos pentecostais durante o regime fascista na Itália (1922-1943), quando a prática de sua fé era proibida.
"Entre os que perseguiam e denunciavam pentecostais, quase como se fossem pessoas loucas tentando destruir a raça [humana], havia também católicos", discursou.
"Eu sou o pastor dos católicos e peço o seu perdão por aqueles irmãos e irmãs católicos que não compreenderam e foram tentados pelo Diabo", acrescentou o papa.
Francisco também citou o ineditismo da visita. "Alguém vai se surpreender: O papa foi visitar os evangélicos?'. Mas ele foi ver seus irmãos."
O papa defendeu ainda a "unidade na diversidade" dentro do cristianismo. "O Espírito Santo cria diversidade na igreja. A diversidade é bela, mas o próprio Espírito Santo também cria unidade, para que a igreja esteja unida na diversidade: (...) uma diversidade reconciliadora."
O protestantismo pentecostal é uma corrente surgida nos EUA, no início do século 20, com ênfase na experiência direta de Deus por meio dos dons do Espírito Santo, como os de curar e de falar línguas desconhecidas.
Antecessores de Francisco no papado, como João Paulo 2º, já haviam pedido perdão pela perseguição a protestantes históricos depois da Reforma, a partir do século 16.


Reprodução da Folha de São Paulo

Sexo, segredo e traição


Uma conversa com um taxista do Rio de Janeiro pode se tornar uma verdadeira aula sobre o mundo secreto do sexo e da traição.
Um taxista de 49 anos me contou: "As pessoas se sentem seguras aqui dentro, desabafam, contam segredos. Eu gosto de escutar as histórias, gosto de conversar. Muitas vezes a corrida dura mais de uma hora. No final, já somos amigos íntimos".
Outro, de 62 anos, disse: "Todos os dias recebo alguma cantada no táxi. A maior parte de mulheres na faixa dos 50, 60, 70 anos. Se a conversa é boa, elas me convidam para beber alguma coisa. Eu ganhei este anel de ouro de uma coroa de 56 anos que mora numa cobertura do Leblon. Outra me deu uma camisa de mais de trezentos reais".
Ele explicou a ousadia delas: "Se eu recusar o assédio, ela nunca mais vai me ver na vida. Se eu aceitar, sei como deixar uma coroa muito satisfeita. Ela não tem nada a perder. Por que não arriscar?".
Eles dizem que é muito comum receberem convites para ir ao apartamento das passageiras e deixar o taxímetro correndo na bandeira dois. "É só observar a quantidade de táxis vazios parados nas ruas. O que você acha que os motoristas estão fazendo?".
Um taxista de 53 anos disse: "Tem muita garota que se oferece para fazer sexo oral só para não pagar a corrida. São estudantes, gatinhas da zona sul. Elas fazem por diversão, não precisam de grana".
Eles afirmam que, além de serem alvos das mulheres, também são muito assediados por homens. "Eles sentam no banco da frente e colocam uma nota de cem reais na minha coxa. Se eu ignoro, eles colocam outra nota de cem. Ficam olhando ostensivamente para a minha braguilha. É incrível a quantidade de 'viado' no Rio de Janeiro".
Contam que é muito frequente testemunharem traições conjugais. "Outro dia um executivo de terno e gravata dizia para a esposa pelo celular que iria chegar tarde porque tinha uma reunião de trabalho. Deixei o cara num bar e ele foi recebido com o maior beijo na boca. Só um detalhe: de outro homem".
Para minha surpresa, descobri uma realidade que eu desconhecia completamente: um mundo em que o sexo ocupa um lugar central e no qual as mulheres podem ser muito agressivas no jogo da conquista.
Você sabia que os homens também são vítimas de assédio sexual?


Texto de Mirian Goldenberg, na Folha de São Paulo

A lição de Daniel


Daniel Barenboim não é apenas um dos músicos mais completos da atualidade; pianista e maestro com interpretações maiores. Na verdade, Barenboim é um homem de rara coragem e visão, capaz de atitudes políticas de forte significado. Judeu argentino, o músico é atualmente cidadão palestino e israelense e, por atos políticos desta natureza, sua voz deveria ser mais ouvida no momento atual.
Há alguns dias, ele escreveu um impressionante artigo, "Podemos viver juntos", no qual lembrava que nunca haverá solução militar para o conflito Israel-Palestina.
Ações como as que vemos atualmente não levarão a aumento algum da segurança de Israel, nem destruirão o Hamas. Por isto, diz Barenboim: "Não faz sentido que Israel se recuse a negociar com o Hamas ou que se recuse a reconhecer o governo de unidade; não, Israel deve escutar os palestinos que estão dispostos a falar a uma só voz".
Claro que alguns dirão: "Mas como negociar com alguém que não reconhece seu direito de existência?". Se assim fosse, não haveria razão alguma para os palestinos negociarem com um governo israelense comandado pelo Likud, partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Em seu programa, o Likud simplesmente não reconhece o direito de existência de um Estado palestino à oeste do rio Jordão. No entanto, os palestinos negociam com representantes de um partido que nega seu direito de existência.
Sim, mas como negociar com "terroristas"? Esta era, vejam vocês, a mesma pergunta feita pela administração colonial britânica na Palestina, referindo-se a grupos judaicos de luta armada atuantes nos anos 40, como Irgun, Stern e Haganá. Tanto foi assim que os britânicos sequer votaram a favor da criação do Estado de Israel.
"Terrorista" foi também a palavra usada por Albert Einstein e Hannah Arendt em carta ao "New York Times" (4/12/1948) para se referir ao futuro primeiro-ministro de Israel, Menachen Begin, líder do futuro Likud. Mas, se há algo que a história das lutas de ocupação (Argélia, Vietnã, Irlanda etc.) nos ensina, é: chega uma hora em que você terá que negociar com os "terroristas". Foi isso que a Inglaterra fez com o IRA (Exército Republicano Irlandês), e será isso que, um dia, Israel terá que fazer com o Hamas.
Não é o caso aqui de justificar o Hamas. Trata-se de um grupo que representa o que há de pior no mundo árabe, com um projeto autoritário, destrutivo e demente de sociedade religiosa. Mas seu destino será, provavelmente, o mesmo de grupos muçulmanos como a Irmandade Muçulmana ou o Nahda tunisiano: serão expulsos do poder pelo próprio povo que eles julgam representar. Mas para tanto, o governo de Israel deveria começar por parar de dar a ocasião perfeita para eles posarem de mártires.


Texto de Vladimir Safatle, na Folha de São Paulo

Um médico pra chamar de seu


Nunca houve um médico como o doutor Clodoaldo. Pelo menos não para a minha família. Clínico-geral, ele era a referência para qualquer tipo de problema. Do mal de Parkinson da minha avó, passando pela erisipela da minha tia e a hérnia do meu pai, ele sempre foi pau pra toda obra.
Era o médico da nossa família. E de milhares de outros ribeirão-pretanos que lotavam o seu consultório, na Vila Tibério, à procura de solução para os seus problemas de saúde. Estou usando as frases no passado apenas por não ter notícias recentes do dr. Clodoaldo. As últimas que tive, ano passado, davam conta de que ele continuava na ativa, aos 83 anos, atendendo de 15 a 20 pessoas todos os dias.
Preciso em seus diagnósticos, praticamente salvou a vida do meu pai anos atrás quando detectou uma apendicite supurada. Meu velho já tinha passado duas vezes pelo pronto-socorro. Nas duas vezes, foi "examinado" pelos doutores de plantão, que mal o tocaram.
Prescreveram analgésicos e o mandaram de volta para casa. Com muita dor e febre, ele procurou o dr. Clodoaldo no consultório que, num simples toque, percebeu a gravidade e o encaminhou direto para a cirurgia. Sorte. Já estava com infecção generalizada.
Mais sorte ainda foi ter caído nas mãos do dr. Balduíno, experiente cirurgião do aparelho digestivo, que tão bem soube conduzir o caso. Aos 84 anos, dois infartos e uma dengue complicada no currículo, "seu" Haroldo segue firme e forte cultivando a sua horta.
A história é só para lembrar a diferença que faz na vida a gente ter um bom médico. O nosso médico. Também tenho a minha, a Lilian, muito mais do que a minha ginecologista. É a pessoa que já me orientou nas mais diversas situações, mesmo à distância. De uma intoxicação alimentar na Colômbia a uma crise de sinusite nos EUA.
A Lilian e o Clodoaldo são dois exemplos de médicos que me fazem acreditar veemente que a maior parte das nossas queixas pode ser resolvida longe dos pronto-socorros, sem necessidade de exames invasivos ou do uso de alta tecnologia. Só depende de alguém que te escute, que te toque e que te enxergue.
Por isso é bem-vinda a iniciativa de alguns planos de saúde de investirem em programas de saúde da família, conforme reportagem publicada nesre domingo (27). São ainda iniciativas isoladas, mas representam um passo para melhorar a assistência privada no país.
Presente no SUS há 20 anos, o PSF (Programa de Saúde da Família) já promoveu importantes mudanças na saúde pública (ainda há muito o que melhorar, não há dúvida) e deveria ser usado como modelo para os planos privados.
Aliás, o ideal seria que os dois sistemas (público e privado) conversassem de alguma forma.
Não é preciso ser um PhD pela Universidade Harvard para saber que uma rede de cuidados básicos, bem articulada com os demais níveis de assistência, é o pilar de qualquer qualquer sistema sério de saúde. Essa história que a gente assiste hoje, de o paciente ficar rodando de médico em médico, de pronto-socorro a pronto-socorro, é a coisa mais contraproducente que existe.
Ninguém ganha com isso. Os planos perdem dinheiro. E o paciente, muitas vezes, a vida.


Texto de Cláudia Collucci, na Folha de São Paulo

Líbia se vê à beira do caos três anos após queda de Gaddafi

A violência na Líbia, que já dura há meses, assumiu uma nova dimensão. Com mais de cem mortos em duas semanas de confrontos, combates que se intensificam perto de Trípoli e em Benghazi, uma ameaça de explosão em um gigantesco depósito de gasolina na entrada da capital, além de cortes de água, energia elétrica e internet, confirma-se a ausência de uma autoridade central, e os estrangeiros estão deixando o país o mais rápido possível.

A Líbia entrou em um conflito que é ainda mais ameaçador pelo fato de apresentar dimensões múltiplas, misturando fatores locais e internacionais.
Três anos após a queda de Trípoli em agosto de 2011, o caos prometido pelo Líder líbio, Muammar Gaddafi (morto três semanas depois em Sirte), parece ao ponto de tomar conta da Líbia.
Em 2011, após meses de combates e uma intervenção da Otan, com ataques aéreos e apoio clandestino aos rebeldes, a capital líbia caiu nas mãos de uma coalizão de brigadas originárias de diferentes cidades.
Atualmente, esses grupos estão disputando o controle da capital, enquanto outros se enfrentam na Cirenaica, tendo como pano de fundo a corrida pelo controle dos recursos petroleiros, o avanço ou o aniquilamento de grupos armados islamitas, e uma briga de influências entre padrinhos financiadores do Golfo (Emirados Árabes Unidos, especialmente), resultando em uma exposição do país ao risco de caos, como a Somália no início dos anos 1990, quando rebeldes aliados para expulsar Siad Barre em seguida devastaram Mogadício e destruíram as estruturas do Estado.
Isso quer dizer que o endurecimento dos combates na entrada sul de Trípoli, mas também em Benghazi, ao leste, representa uma ameaça ao país. Ainda mais porque outras regiões, como o sul ou zonas próximas da capital, onde atualmente não há combates, também estão sujeitas a uma fragmentação dos governos locais.
As eleições de 25 de junho foram, a sua maneira, um dos detonadores da situação atual, devido à influência política da tendência islamita. Mas as alianças vão bem além disso, ainda que aparentemente tenha sido somente pelo controle do aeroporto de Trípoli que os combates estouraram no dia 13 de junho.
A brigada originária de Zintán (uma cidade a uma centena de quilômetros ao sudoeste de Trípoli, muito ativa durante a guerra anti-Gaddafi), ainda controla o aeroporto e resiste aos ataques da brigada de Misrata (porto da costa leste de Trípoli).
O local do aeroporto agora está seriamente danificado, assim como os aviões de linha líbios que não puderam ser evacuados de última hora para Malta por pilotos heroicos.

Falta de combustível à vista

Para piorar, começou um incêndio no domingo (27) à noite nos reservatórios de combustível da empresa Brega (cerca de 6 milhões de litros), ao sul da cidade. A explosão desse estoque de hidrocarbonetos poderá ter consequências incalculáveis. Ainda que o incêndio seja controlado, a falta de gasolina deverá se tornar dramática.
Essa possibilidade não assusta os combatentes de Zintán e Misrata. Essas duas brigadas haviam participado do ataque a Trípoli de agosto de 2011.
Com a queda da capital, cada grupo se apossou de parte dos imensos estoques de armas do regime Gaddafi e, portanto, dispõe de um poder de fogo capaz de devastar uma parte de Trípoli. No domingo, um tiro de foguete Grad contra uma zona residencial do sul da cidade matou um grupo de 23 trabalhadores egípcios.

Poucos voos partindo do aeroporto militar

A França e o Reino Unido acabaram ordenando no domingo que seus cidadãos (uma centena, no caso da França) deixassem o país o mais rápido possível.
Os Estados Unidos, na véspera, haviam evacuado sua própria embaixada formando um gigantesco comboio a partir do sul de Trípoli, onde se encontra sua representação diplomática. Sob proteção de fuzileiros navais e de aviões de caça, os veículos deixaram Trípoli e chegaram à Tunísia por terra. Alguns poucos voos ainda decolam do aeroporto militar, com certos riscos.
As embaixadas da Holanda e da Bélgica foram fechadas "temporariamente". A Alemanha está pedindo para que seus cidadãos deixem o país, onde estão expostos a "crescentes riscos de sequestros e de ataques". Um comboio da embaixada do Reino Unido foi atacado e um de seus veículos blindados foi alvo de tiros.
Também no leste do país os combates continuam. As forças do general Haftar, aliado da brigada de Zintán e de partes do Exército nacional, sobretudo seu componente aéreo (tendo, portanto, aviões de caça), estão desde fevereiro em disputa com uma coalizão na qual se encontram grupos islamitas.

Reportagem de Jean-Phillippe Rémy, para o Le Monde, reproduzida no UOL

Visibilidade no sexo e na política

Estudo indica que, para mulheres, homens tornam-se sexualmente invisíveis a partir dos 39 anos.
Salvo exceções determinadas pelo capital simbólico: beleza, poder, prestígio e dinheiro.
Políticos, ao contrário, começam a tornar-se visíveis a partir dos 40.
Só perdem a visibilidade depois dos 80.
Haverá uma relação entre invisibilidade sexual e visibilidade política?
Eis uma hipótese para investigação.


Bombardeio israelense deixa inativa única central elétrica de Gaza

Bombardeio israelense deixa inativa única central elétrica de Gaza

Usina fornece 30% da eletricidade consumida na região


A única central elétrica da Faixa de Gaza ficou fora de funcionamento após os bombardeios do exército israelense, anunciou nesta terça-feira o diretor-adjunto da autoridade de Energia do reduto palestino, Fathi al-Sheikh Jalil.

Foram noticiados grandes incêndios no setor da central (no centro do território palestino), impedindo o acesso dos veículos de auxílio. Esta usina fornece cerca de 30% do consumo de eletricidade de Gaza. 

Além disso, segundo Jalil, "cinco das dez linhas elétricas provenientes de Israel para abastecer a Faixa de Gaza foram atingidas pelos bombardeios israelenses, e os serviços de manutenção não conseguem ter acesso à zona para consertá-las".

Além da falta crônica de água, o reduto palestino, submetido desde 2006 a um bloqueio imposto por Israel, sofre grandes problemas de fornecimento de eletricidade.

Ataques matam 26 palestinos 

Os ataques de Israel contra a Faixa de Gaza mataram vinte e seis palestinos nas primeiras horas desta terça-feira, incluindo nove mulheres e quatro crianças, após uma segunda-feira particularmente sangrenta no conflito com o movimento islâmico Hamas. "Sete pessoas, sendo cinco mulheres e uma criança, foram mortas em um bombardeio que destruiu um prédio de três andares em Rafah", no sul da Faixa de Gaza, informou nesta terça-feira Ashraf al-Qudra, porta-voz dos serviços de emergência.

No campo de refugiados de Bureij, no centro da Faixa de Gaza, disparos da artilharia de Israel mataram mais onze palestinos, “incluindo três crianças e duas mulheres, e outras 15 pessoas ficaram feridas” na manhã de terça, segundo Al-Qudra, que não precisou onde ocorreram as mortes. 

1.047 vidas perdidas


Desde o início da ofensiva de Israel, há 22 dias, os bombardeios contra a Faixa de Gaza já mataram 1.104 palestinos - mais de 70% civis - e deixaram cerca de 6.200 feridos. Israel também sofreu baixas na segunda-feira. Quatro militares – tripulantes de tanque – foram mortos por um tiro de morteiro ao longo da fronteira com a Faixa de Gaza, e outro soldado caiu em combate no território palestino.


Reprodução do Correio do Povo

O sionismo cristão evangélico, a igreja palestina e a comunicação do amor de Cristo aos muçulmanos


O salão de conferências do Hotel Intercontinental de Belém, a cidade onde Jesus nasceu, fervilhava com cerca de quinhentos cristãos provenientes de mais de vinte países. E ali estava eu, em uma das mais importantes cidades da Cisjordânia (incrustada no Estado de Israel e com uma população majoritariamente muçulmana), participando de um “transcendente encontro” organizado pela milenar, outrora grande, mas hoje pequena, igreja palestina. Era o segundo dia da conferência e eu ainda estava tentando digerir tudo o que estava vendo e escutando.

À medida que a conferência se desenvolvia, comecei a ter o sentimento de que talvez a igreja evangélica ocidental (a) seja parcialmente responsável pelo sofrimento que os cristãos palestinos vivem há mais de cinco décadas e (b) esteja contribuindo para criar barreiras para a comunicação do amor de Cristo aos muçulmanos da Palestina e de todo o mundo.

É provável que em um primeiro momento esta afirmação possa parecer muito radical, mas, nas próximas linhas, tentarei explicar por que faço estas afirmações.

Quando o Estado de Israel foi formado, em 1948, milhares de palestinos árabes (muçulmanos “e” cristãos) foram expulsos das terras onde eles e seus ancestrais viviam há mais de mil anos. Isto fez com que campos de refugiados palestinos (volto a insistir: compostos por muçulmanos “e” cristãos) fossem formados em diferentes países do Oriente Médio e na própria Palestina. Estes campos existem até hoje. As pessoas que neles vivem são consideradas cidadãs de segunda classe, sem esperança e sem perspectiva de um futuro melhor. Milhares de árabes palestinos, assim como de judeus, já morreram como resultado das tensões causadas por esta situação. A cada semana, mais mortos (e famílias dilaceradas) são adicionados à lista.

Esta realidade faz com que os muçulmanos em geral, mas particularmente os que vivem no Oriente Médio e Norte da África, alimentem uma forte animosidade contra os judeus e cristãos de todo o mundo.

É claro que, independentemente da nossa posição teológica, não é difícil entender a razão de tanta animosidade em relação aos judeus. Porém, por que esta animosidade (para não dizer ódio) se estende aos cristãos? Em parte por causa das convicções e ações de cristãos evangélicos sionistas.

Para entendermos melhor o que isto significa, é importante primeiramente definirmos dois termos:

1. Sionismo: é “o movimento nacional para o retorno do povo judeu à sua pátria e a retomada da soberania judia na Terra de Israel. Desde o seu início o sionismo advogou objetivos tangíveis e espirituais. Judeus de todas as tendências -- esquerda, direita, religiosa e secular -- formaram o movimento sionista e, juntos, trabalharam para alcançar os objetivos traçados”.1

2. Sionismo cristão evangélico: é o apoio dos cristãos evangélicos “à causa sionista... Alguns cristãos creem que o retorno dos judeus a Israel está em consonância com a profecia bíblica”.É importante salientar que para tais cristãos Deus continua a tratar o povo de Israel como “a menina dos seus olhos”. A formação do Estado de Israel (com a extensão geográfica mencionada no Antigo Testamento) e a reconstrução do Templo em Jerusalém são condições “sine qua non” para a volta de Cristo.

Portanto, o sionismo cristão evangélico é um sistema teológico que não apenas reconhece o direito dos judeus de terem uma pátria (muitos cristãos reconhecem este direito), mas que vai além e acrescenta a isto uma complexa interpretação das profecias do Antigo Testamento, aplicadas ao moderno Estado de Israel. 

E qual é o resultado prático desta interpretação literal? Um apoio incondicional de milhões de cristãos evangélicos ocidentais a praticamente todas as decisões e ações políticas do governo israelense. 

Isto não deveria nos surpreender, já que é um desenrolar lógico do sionismo cristão evangélico. Se o Estado de Israel tem o mandato divino de controlar toda a Palestina e reconstruir o Templo em Jerusalém, e com isto criar as condições necessárias para a volta de Cristo, então devemos dar todo o apoio necessário para o governo israelense. Se nós apoiarmos o povo de Deus (isto é, Israel), nós seremos abençoados!

Com isto:
1. O que às vezes se assemelha a uma limpeza étnica de árabes palestinos (muçulmanos e cristãos) é interpretado como se fosse a implementação da vontade de Deus e o cumprimento de profecias. 

2. O muro de cerca de 10 metros de altura e de quilômetros de extensão, que separa Belém e outras cidades da Cisjordânia de Israel, e que traz consequências políticas, econômicas e sociais irreparáveis para os árabes palestinos(muçulmanos e cristãos), é visto como um mal necessário.

3. Cristãos sionistas de todo o mundo enviam milhões de dólares para Israel, para sustentar a criação de assentamentos considerados ilegais pelas Nações Unidas, acirrando a violência entre árabes e judeus.4 5

4. Igrejas evangélicas no Ocidente desenvolvem liturgias com aparatosos componentes do judaísmo vétero-testamentário, produzindo uma quase idolatria aos costumes e tradições judaicos.

5. Poderosas organizações cristãs ocidentais fazem um forte “lobby” junto aos seus governos para que aceitem a violenta repressão que o governo israelense faz sobre os árabes palestinos (muçulmanos e cristãos).6

6. Várias organizações cristãs apoiam os esforços de grupos ortodoxos radicais judeus para a reconstrução do Templo em Jerusalém, o que implicaria a destruição da Mesquita de Omar e o Domo da Rocha, com resultados catastróficos.

É bem possível que a esta altura alguns já estejam se perguntando: por que repetir tantas vezes a expressão “muçulmanos e cristãos”? A razão é simples: geralmente esquecemos que, diferentemente do que acontece em alguns países muçulmanos, na Palestina existe uma igreja oficial e historicamente reconhecida e os cristãos palestinos também estão sofrendo como resultado das ações do Estado de Israel. Há uma igreja ancestral na “Terra Santa”, que está minguando não necessariamente por causa da perseguição dos muçulmanos, mas, principalmente, como resultado da política israelense, que tem o apoio de milhões de cristãos ocidentais.

Além disso, muçulmanos de todo o mundo estão acompanhando o desenrolar destes acontecimentos e chegam à conclusão de que há uma nova cruzada sendo desencadeada contra os seguidores de Maomé.8Isto traz um acirramento e polarização das posições, fazendo com que seja cada vez mais difícil para um cristão apresentar-se a um muçulmano e dizer que está trazendo as boas novas do amor de Deus em Cristo Jesus.

Será que o sionismo cristão evangélico está nos ajudando na tarefa de anunciar ao mundo, e particularmente aos muçulmanos, que Cristo é a nossa paz? Será que com o apoio incondicional que muitos de nós temos dado ao Estado de Israel não estamos construindo enormes barreiras para que os muçulmanos entendam que a mensagem que Cristo trouxe com a nova aliança é uma mensagem de reconciliação? Será que, como cristãos, não podemos amar o povo judeu e orar pela paz de Jerusalém, sem que isto nos leve a sermos condescendentes com os abusos cometidos pelo governo israelense?

N.B.: O autor participa ativamente do trabalho de várias organizações missionárias brasileiras e internacionais. Porém, as ideias expressadas neste artigo são de sua exclusiva responsabilidade e não representam, necessariamente, o posicionamento teológico das organizações com as quais ele está envolvido.


Texto de Marcos Amado, na Ultimato.

Marcos Amado é diretor para a América Latina do Movimento de Lausanne e missionário da Sepal.

Notas
1. http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/Zionism/zionism.html 
2. http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/Zionism/christianzionism.html
3. https://en.wikipedia.org/wiki/Israeli_West_Bank_barrier#Effects_on_Palestinians
4. Uma das organizações que solicitam contribuições de cristãos para “adotarem” financeiramente assentamentos judeus considerados ilegais pela ONU é a Christian Friends of Israeli Communities.
5. Veja também um artigo sobre a participação dos evangélicos dos Estados Unidos no fortalecimento do atual Estado de Israel por razões teológicas: . 
6. Uma destas organizações é a Unity Coalition for Israel (UCFI), que exerce forte influência sobre os membros dos partidos Democratas e Republicanos, nos Estados Unidos . Outra destas organizações, chamada Christian Coalition, investe uma parte considerável do seu orçamento de 25 milhões de dólares anuais em ações pró-Israel. 
7. SIZER, Stephen. “Christian zionism”; road-map to Armageddon? Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2004. p. 234.
8. Para entender um pouco mais sobre por que os muçulmanos creem que os países “cristãos” lançaram uma nova cruzada contra os muçulmanos, veja um dos muitos exemplos disponíveis na internet