quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Esperanças alemãs para centenário da 1ª Guerra Mundial podem ser frustradas


Tyne Cot é o maior cemitério de guerra britânico e da Comunidade Britânica, com 11.956 sepulturas, 8.369 delas com combatentes não identificados. Muitos dos homens aqui enterrados foram mortos na batalha de Passchendaele que ocorreu sob chuva, em 1917, quando a área em torno de Ypres tornou-se um lamaçal fedorento, e os homens feridos escorregavam das estruturas de madeira e desapareciam na lama.
Os soldados enterrados em Tyne Cot não descansaram em paz neste ano. Trabalhadores equipados com geradores rugindo e ferramentas pneumáticas de gravação remarcaram e substituíram milhares de lápides aqui e em cemitérios britânicos na Bélgica e na França, em preparação para o esperado aumento no número de visitantes por ocasião do centenário do início da Primeira Guerra Mundial no ano que vem.
"Nossos cemitérios e memoriais são lugares muito fortes, especialmente para os jovens", disse Peter Francis, porta-voz da Comissão de Sepulturas de Guerra da Comunidade Britânica. "Com a chegada do centenário, queremos garantir que nossos locais de visitação estejam prontos para todo esse período de quatro anos".
O mundo está se preparando para comemorar o início da guerra que moldou o século passado, matou 16 milhões de pessoas e tornou-se sinônimo de perda inútil de vida e o início da guerra industrial, onde o indivíduo não era nada diante da artilharia, metralhadoras, gás venenoso, lança-chamas, tanques e lama.
Mas as esperanças de que o centenário vai resultar em uma memória verdadeiramente conjunta da guerra podem ser frustradas. Cada nação está preocupada com suas próprias cerimônias, e a Alemanha atualmente não tem nenhum plano firmado.
O Reino Unido anunciou um programa de 50 milhões de libras (em torno de R$ 170 milhões) em eventos para marcar o centenário de momentos históricos, incluindo a Batalha do Somme em 1916, a Batalha naval de Jutland em 1916 e o armistício de 1918. A Austrália está gastando uma quantia similar. A França, cortada pela maior parte dos 700 km da Frente Ocidental, está realizando uma série de projetos e exposições e, em 2011, abriu o Museu da Grande Guerra, em Meaux, perto de Paris, com um investimento de $ 28 milhões de euros.

Poucos preparativos na Alemanha

Na Alemanha, os preparativos estão muito mais discretos. O governo ainda tem que firmar seus planos. "Estamos em contato com nossos parceiros para coordenar as atividades de comemoração", disse uma autoridade do governo alemão ao "Spiegel Online".
"Dada a natureza global e a natureza complexa do evento que ocorreu há um século, há em cada país uma diversidade de experiências e sentimentos", acrescentou a autoridade. "Cada nação tem o direito a sua própria abordagem. No entanto, percebemos uma grande vontade e empenho de fortalecer as pontes entre os nossos povos, por ocasião do centenário".
A Universidade Livre de Berlim e a Biblioteca Estadual da Baviera lançaram o maior projeto de pesquisa internacional sobre a guerra, e o Museu Histórico Alemão em Berlim está planejando uma grande exposição no próximo ano. Mas o país não está se preparando para grandes cerimônias públicas de memória nacional.
"Para nós, tudo é secundário à Segunda Guerra Mundial e o regime nazista, que domina as memórias das pessoas", disse Fritz Kirchmeier, porta-voz da comissão alemã de sepulturas de guerra.
Kirchmeier disse que o centenário é uma oportunidade para a Europa encontrar uma forma unificada de relembrar a guerra. "A guerra não nos divide tanto quanto a Segunda Guerra Mundial e a tirania nazista; ela não polariza tanto. Não foi marcada por crimes de guerra como a Segunda Guerra Mundial", disse ele. "Pode-se superar as perspectivas nacionais e olhar para as perdas sofridas pelo outro lado. Por exemplo, se você vai ler os nomes dos mortos, por que não ler os nomes de alemães, britânicos, italianos ou russos todos juntos?"
É uma sugestão louvável. Mas há um risco de que a Europa, em meio a todas as promessas de cerimônias comuns, perca essa oportunidade. Há pouco sentido no momento para um objetivo compartilhado por trás dos preparativos.
Qual poderia ser esse objetivo? Reconciliação? Isso já foi alcançado.
Qual seria a ideia? Transmitir uma mensagem de que a Europa, unida pela memória das guerras que a devastaram, compartilha um destino comum e deve continuar a unida? O momento não é para isso. A crise do euro colocou a solidariedade entre os países europeus sob forte tensão. Além disso, a nova geração de líderes que não têm experiência de guerra já não encarna um elo entre o passado sangrento e necessidade de união de hoje.
O ex-chanceler Helmut Kohl, que ajudou a tirar as pessoas mortas dos escombros de bombardeios aliados quando era menino em Ludwigshafen, na Segunda Guerra Mundial, muitas vezes citou a integração europeia como a chave para a paz duradoura. Seu lema era que os litígios antes resolvidos nos campos de batalha agora são resolvidos nas salas de conferência em Bruxelas.
Ele e o presidente francês François Mitterrand fizeram um poderoso gesto de reconciliação e união em 1984, quando deram as mãos durante uma cerimônia em um cemitério de guerra em Verdun, o local de uma das batalhas mais sangrentas da Primeira Guerra Mundial.
O governo alemão gostaria que as cerimônias do ano que vem transmitissem uma mensagem similar.
"Não devemos esquecer o incrível sofrimento que este cataclismo significou para toda uma geração", disse a autoridade. "Queremos salientar a grande conquista da reconciliação na Europa. A maior cooperação e integração na Europa provou ser o caminho certo para sair das sombras escuras da primeira metade do século 20".
No entanto, muitos europeus hoje assumem a paz como um dado garantido. E provavelmente as cerimônias não influenciarão os críticos de uma maior integração.
"Algumas pessoas, especialmente na Europa, vão tentar usar o centenário como uma ocasião para transmitir uma mensagem política moderna", disse o historiador britânico Max Hastings ao "Spiegel Online".
"Mas, pessoalmente, eu pensaria que a mensagem óbvia é que as guerras da Europa foram uma catástrofe para a Europa e não devemos jamais permitir que voltem a acontecer", Hastings continuou. "Eu acho que a maioria dos britânicos iria resistir fortemente a qualquer ideia de ir mais longe e dizer que isso significa maior integração europeia. Politicamente, seria uma batata muito quente no Reino Unido".
Na verdade, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, está sob pressão para lidar com o crescente ceticismo britânico em relação à UE e arrancar algumas concessões de líderes do continente antes do referendo sobre a adesão do Reino Unido à UE em 2017.
Hastings disse que as memórias nacionais obrigatoriamente são muito diferentes. "Na França, essa foi a experiência mais traumática do século 20; algumas partes do país foram devastadas, e 1,5 milhão de pessoas morreram, muito mais do que os britânicos. Nosso país escapou mais ou menos incólume, embora, evidentemente, os britânicos também tenham sofrido muitas baixas".
"Quanto à Alemanha, duvido muito que seja possível chegar a uma visão compartilhada", disse Hastings. "Enquanto a maioria dos alemães aceita a responsabilidade alemã pela Segunda Guerra Mundial, a maior parte hoje acredita que a Primeira Guerra Mundial não foi culpa sua. Alguns de nós historiadores acreditamos que, embora nenhuma nação tenha toda a responsabilidade, a Alemanha era a única nação que em julho de 1914 tinha o poder de evitar uma guerra e optou por não exercê-lo".

Historiadores têm visão compartilhada

Entre os historiadores, pelo menos, a visão de que a Alemanha tem uma responsabilidade considerável há muito foi estabelecida e é improvável que seja seriamente questionada por ocasião do centenário.
"As lideranças alemães e austríacas não queriam a guerra, mas arriscaram, jogaram um jogo perigoso", diz o professor Oliver Janz, historiador alemão na Universidade Livre de Berlim, que está a cargo do  "1914-1918 On-line", o maior projeto de pesquisa internacional da Primeira Guerra Mundial, que é a compilação de uma enciclopédia em inglês online que deve entrar em operação em outubro de 2014.
Janz, autor do livro recém-publicado "14", disse que, embora a memória pública provavelmente continue segregada por país, as pesquisas já estão chegando a uma visão transnacional.
"Tentamos ver a coisa de uma perspectiva verdadeiramente global, do ponto de vista japonês, sul-africano, latino-americano; temos seções separadas para cada uma dessas regiões e também para países neutros. Estamos tentando reunir as várias perspectivas de cada nação e também chegar a uma imagem comum."
Uma rede de 800 historiadores estará envolvida, e a enciclopédia terá 15 mil páginas de texto, bem como fotos e imagens de vídeo.
"Minha impressão é que temos uma chance de chegar a uma visão transnacional da guerra porque hoje há uma distância suficiente para isso. Nenhum dos combatentes está vivo", diz Janz. "Mas é preciso esforço para se atingir uma perspectiva europeia comum. As pessoas estão acostumadas com a suas respectivas perspectivas nacionais".
Não há nenhum sinal até agora de que o centenário terá qualquer tom de vitória das nações que ganharam a guerra. E ninguém deve discutir o fato que o centenário oferece uma oportunidade para explicar como a guerra aconteceu e seu enorme impacto sobre o século passado.
"A nossa ambição é que muito mais gente passe a ver que não se pode entender o mundo de hoje a menos que se entenda as causas, o curso e as consequências da Primeira Guerra Mundial", disse Diane Lees, Diretora do Museu Imperial da Guerra do Reino Unido.
Do ponto de vista de hoje, é um desafio entender como os países se permitiram ser manobrados de forma que gerações inteiras de homens fossem abatidos em batalhas por alguns quilômetros, às vezes até alguns metros, de território, por quatro anos sem fim.
Esta talvez seja a melhor oportunidade de alcançar uma forma comum de recordação europeia: o sofrimento do soldado comum, um tema primordial da guerra e que foi o mesmo em todos os lados.
Neste sentido, a localização de um dos eventos de abertura do centenário parece particularmente adequada: será realizada no dia 4 de agosto no Cemitério Militar Britânico de St. Symphorien em Mons, na Bélgica, onde um número igual de soldados britânicos e alemães descansa lado a lado.

Texto de David Crossland para a Der Spiegel, reproduzido no UOL. Tradução: Deborah Weinberg

Islamita é preso no Egito, e estudantes protestam nas ruas

Islamita é preso no Egito, e estudantes protestam nas ruas
Essam el-Erian é acusado de incitar violência pelo governo que tomou o poder em julho
DIOGO BERCITODE JERUSALÉM

O líder islamita Essam el-Erian foi preso ontem no Cairo, parte da repressão governamental contra a Irmandade Muçulmana.
Imagens de sua detenção foram divulgadas durante o dia. Nas fotografias, Erian aparece sorrindo, enquanto recolhe os seus pertences.
O anúncio da detenção de Erian levou a manifestações estudantis na Universidade Al-Azhar, no Cairo, recebidas com repressão policial. Cerca de 20 alunos foram presos.
Erian, vice-presidente do braço político da Irmandade, será mantido preso por 30 dias, durante investigações por incitar a violência no país. Ele nega a acusação.
A Irmandade Muçulmana tem sido perseguida no Egito desde o golpe militar que depôs o presidente islamita Mohammed Mursi em julho.
Desde então, mais de 2.000 membros da organização foram detidos. Frequentes embates com as forças de segurança deixaram centenas de mortos, incluindo um massacre na mesquita de Rabia al-Adawiya, em agosto.
A onda repressiva chegou também aos porta-vozes da organização, que nas semanas seguintes ao golpe se tornaram críticos ferozes do governo golpista.
Os líderes islamitas são acusados de incitar a violência durante as manifestações contrárias ao governo de Mursi --deposto por protestos populares, durante manobra das Forças Armadas.
Uma decisão judicial baniu a Irmandade Muçulmana, ao retirar sua autorização de funcionamento como organização não governamental. Os fundos da entidade foram retidos pelo governo.
Há também processo para dissolver o partido Liberdade e Justiça, braço político da Irmandade Muçulmana.
Havia um pedido de prisão a Erian desde julho passado.


Reprodução da Folha de São Paulo.

Autoridades dizem que altos funcionários do governo sabiam de espionagem internacional


Na terça-feira, o chefe da área de espionagem dos Estados Unidos disse que a Casa Branca tinha conhecimento há muito tempo, embora em termos gerais, das atividades de monitoramento internacional realizadas pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), e defendeu de maneira resoluta os métodos de coleta de informações da agência, o que sugere a existência de possíveis rachas dentro do governo Obama.

James R. Clapper Jr., a autoridade em questão, é diretor da área de inteligência nacional dos Estados Unidos. Clapper testemunhou perante a Comissão de Inteligência da Câmara dos Deputados e disse que a NSA mantinha altos funcionários do Conselho Nacional de Segurança informados sobre as operações de monitoramento que estava conduzindo em países estrangeiros. Clapper não disse especificamente se o presidente Barack Obama foi informado sobre esses esforços de espionagem, mas ele pareceu querer desafiar as afirmações feitas nos últimos dias, segundo as quais a Casa Branca teria ficado no escuro em relação a algumas das práticas da agência.

Clapper e o diretor da agência, o general Keith Alexander, rejeitaram vigorosamente as sugestões de que a agência era uma instituição espúria, que realizava vasculhava indiscriminadamente redes de telefonia e internet para obter informações sobre cidadãos comuns e sobre os líderes aliados mais próximos dos Estados Unidos sem o conhecimento de seus superiores em Washington.

O testemunho dos dois ocorreu em meio aos crescentes questionamentos sobre como a NSA recolhe informações no exterior, num momento em que republicanos e democratas pedem uma avaliação por parte do congresso, os parlamentares introduzem um projeto de lei para restringir as atividades da agência e Obama está prestes a impor suas próprias restrições, principalmente em relação ao monitoramento dos líderes dos países amigos. Ao mesmo tempo, funcionários atuais e antigos da área de inteligência dos EUA dizem que há um sentimento crescente de raiva em relação à Casa Branca devido ao que eles consideram uma tentativa de colocar a culpa pela controvérsia diretamente sobre seus ombros.

Segundo Alexander, as reportagens que informaram que a NSA teria acumulado dezenas de milhões de chamadas telefônicas de França, Espanha e Itália são "totalmente falsas". Esses dados, segundo ele, são coletados, pelo menos em parte, pelos próprios serviços de inteligência desses países e fornecidos à NSA.

Ainda assim, tanto ele quanto Clapper disseram que espionar líderes estrangeiros --mesmo os líderes de países aliados-- é um princípio básico do trabalho da área de inteligência e que isso vem ocorrendo há décadas. Segundo Clapper, os países europeus rotineiramente buscam ouvir as conversas dos líderes norte-americanos.

"Parte dessa situação me faz lembrar uma fala do filme clássico 'Casablanca': 'Meu Deus, eles estão jogando aqui'", disse Clapper, ao distorcer a frase dita no filme, que foi proferida por um oficial francês corrupto que finge indignação com a própria atividade da qual ele avidamente participa.

Questionado sobre se a Casa Branca tem conhecimento sobre a coleta de informações realizada pela NSA, que inclui dados sobre líderes estrangeiros, Clapper disse: "Eles podem [ter esse conhecimento], e eles têm". Mas, acrescentou ele: "Eu tenho que dizer que isso não se estende até o nível dos detalhes. Estamos falando de uma iniciativa grande aqui, com milhares e milhares de requisitos individuais".

A Casa Branca vem enfrentando críticas devido às práticas de monitoramento da NSA desde as primeiras revelações feitas por Edward J. Snowden, ex-prestador de serviços da agência, em junho passado. Mas, nas últimas semanas, o governo norte-americano vem enfrentando dificuldades para controlar uma nova tempestade diplomática relacionada a informações segundo as quais agência monitorou o celular da chanceler alemã Angela Merkel durante mais de uma década. Funcionários da Casa Branca disseram que o presidente Obama não sabia desse monitoramento, mas que ele disse a Merkel que os Estados Unidos não estão monitorando seu celular no momento e nem vão monitorá-lo no futuro.

Nesta quarta-feira, uma delegação de altos funcionários alemães deveria se reunir na Casa Branca com Clapper, Susan E. Rice, conselheira de segurança nacional do presidente, Lisa Monaco, conselheira sobre segurança interna e contraterrorismo de Obama e com outros funcionários.

Várias autoridades norte-americanas atuais e de administrações passadas disseram que os presidentes norte-americanos e seus principais assessores de segurança nacional sabem e sabiam há muito tempo sobre quais líderes estrangeiros os Estados Unidos espionam ou espionaram.

"Seria inusitado que os altos funcionários da Casa Branca não soubessem a fonte exata e o método dessa coleta (de dados)", disse Michael Allen, funcionário do Conselho de Segurança Nacional do governo George W. Bush e ex-diretor de pessoal da Comissão de Inteligência da Câmara dos Deputados. "Essas informações ajudam os responsáveis pelas instâncias decisórias a avaliar a confiabilidade dos serviços de inteligência".

Allen, autor do livro "Blinking Red" ("Vermelho Piscante", em tradução livre), sobre a reforma da área de inteligência, disse que essas informações muitas vezes chegam ao presidente durante sua preparação para telefonemas ou reuniões com líderes estrangeiros.

A Casa Branca se recusou a discutir suas políticas de inteligência enquanto aguarda a conclusão de uma revisão das práticas de coleta de informações que será concluída em dezembro. Mas um alto funcionário do governo observou que a grande maioria dos dados de inteligência que constavam dos briefings secretos e diários de Obama se concentrava em ameaças potenciais, abarcando desde conspirações da Al-Qaeda até o programa nuclear iraniano.

"Essas são questões de interesse primordial para os EUA", disse o funcionário, que falou sob condição de anonimato devido ao teor delicado do tema. "Agora Obama não está recebendo muitos informes da inteligência sobre a Alemanha".

Outro alto funcionário do governo disse que o presidente norte-americano geralmente não depende de relatórios da inteligência para se preparar para reuniões ou telefonemas com Merkel.

"Ele a conhece bem, ele fala com ela regularmente, e os nossos governos trabalham juntos todos os dias em uma ampla gama de questões", disse essa autoridade, que também falou sob condição de anonimato por causa de preocupações diplomáticas. "Como nós falamos com os alemães com muita frequência, nós sabemos o posicionamento deles e eles sabem o nosso posicionamento em relação à maioria das questões".

Clapper e Alexander tiveram uma recepção calorosa do presidente da Comissão de Inteligência da câmara, o deputado Mike Rogers, republicano do Michigan, que defendeu os métodos do NSA e disse que foi adequadamente informado sobre as atividades da agência.

Mas, em outros pontos de Capitol Hill, a indignação dos aliados dos Estados Unidos tem claramente alimentado preocupações.

A senadora Dianne Feinstein, democrata da Califórnia que atua como presidente da Comissão de Inteligência do senado e é uma das mais ferozes defensoras das operações de monitoramento dos EUA, disse na segunda-feira passada que ela "não acredita que os Estados Unidos deveriam estar coletando dados de chamadas telefônicas ou de e-mails dos presidentes e primeiros-ministros dos países aliados". Feinstein disse que sua comissão realizará uma "grande revisão" dos programas de inteligência.

Outro forte defensor da NSA, o presidente da Câmara John A. Boehner, republicano de Ohio, concorda que "é preciso haver uma revisão, que deve haver uma revisão e que ela deve ser profunda", disse ele. "Nós temos a obrigação de manter o povo norte-americano seguro. Nós temos obrigações para com os nossos aliados ao redor do mundo".

"Mas, tendo dito isso, nós temos que encontrar o equilíbrio correto aqui", acrescentou ele. "Atualmente, nós estamos em desequilíbrio".

Um assessor de Boehner disse que "o presidente da câmara ainda acredita que nossos programas de monitoramento salvam vidas, mas o presidente Obama tem que se esforçar mais para gerenciá-los e para explicá-los".

Na terça-feira passada, deputados democratas e republicanos apresentaram um projeto de lei para restringir algumas das práticas da NSA, incluindo a coleta de dados em massa de ligações telefônicas dentro dos Estados Unidos.

"O quadro que temos é o de um sistema de monitoramento que enlouqueceu", disse o deputado John Conyers, democrata do Michigan e um dos patrocinadores do projeto de lei. "A nossa comunidade de inteligência tem operado sem a supervisão adequada do congresso nem o respeito pela privacidade e pelas liberdades civis dos norte-americanos".

Até mesmo os membros da Comissão de Inteligência da câmara já brigaram sobre o que os órgãos de inteligência teriam lhes dito em relação à espionagem de líderes estrangeiros. O deputado Adam Schiff, democrata da Califórnia e membro sênior da comissão, disse que só ficou sabendo sobre as práticas de espionagem da NSA após as recentes reportagens divulgadas pela mídia.

"Você considera que a escuta de líderes de países aliados é uma atividade de inteligência significativa que exige a produção e a entrega de relatórios para as comissões de inteligência?", Schiff perguntou a Clapper.

Clapper disse que as agências "corresponderam totalmente a essa exigência".

Schiff discordou de Clapper e disse que as agências têm muito trabalho a fazer "para garantir que nós recebamos todas as informações de que precisamos". Ele disse que as informações divulgadas sobre essas escutas poderão criar uma "reação contrária" significativa.

Rogers contestou a afirmação de Schiff e disse que Schiff precisa de um tempo para se informar sobre quais dados a comissão havia recebido.

"Dizer que, de alguma maneira, nós estamos no escuro sobre essa questão é incompreensível para mim", disse Rogers. "É falso sugerir que esta comissão não tinha conhecimento total e completo das atividades da comunidade de inteligência conforme foi ordenado no âmbito das prioridades de inteligência nacionais para incluir fontes e métodos".

Reportagem de Mark Landler e Michael S. Schmidt, para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradutor: Cláudia Gonçalves

Morre ilustrador Renato Canini, aos 77 anos

Morre ilustrador Renato Canini, aos 77 anos

Desenhista atribuiu toques brasileiros a Zé Carioca


O ilustrador Renato Canini, morreu na noite desta quarta-feira, em Pelotas, vítima de um mal súbito. Natural de Paraí, no Rio Grande do Sul, ele vivia em Pelotas há 20 nos ao lado da esposa Maria de Lourdes Martins Canini. O desenhista, que tinha 77 anos, foi homenageado em 2003 com o Troféu HQ Mix, recebendo o título de "Grande Mestre" do quadrinho
nacional e teve como principal marca o trabalho de “abrasileirar” o personagem Zé Carioca, da Disney. 

Canini iniciou sua carreira no mundo das ilustrações aos 21 anos. À época, foi admitido pela revista Cacique após enviar alguns desenhos e ter o trabalho aprovado. Depois, colaborou com charges e o talento próprio para diversas publicações. Em 1967, foi contratado para ilustrar uma revista da Igreja Metodista. 

Aos poucos, Canini viu a carreira decolar. Depois do primeiro trabalho em São Paulo, foi chamado para trabalhar na Editora Abril. O que lhe tornaria um mestre no que fazia, porém, veio em 1970. Já de volta ao Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, o ilustrador "abrasileirou" o personagem Zé Carioca, dando um estilo mais brasileiro ao desenho de histórias em quadrinhos. Fez isso por cerca de cinco anos o que o tornou célebre como ilustrador. 

Em 2005, ele recebeu o título de Cidadão Pelotense. O enterro de Canini será nesta quinta-feira, às 16h, no Cemitério Ecumênico São Francisco de Paula, Capela B. 


Reprodução do Correio do Povo

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Guru de Marina disse que é preciso aumentar a carne e o leite

Guru de Marina disse que é preciso aumentar a carne e o leite


Convém prestar atenção no que dizem os pensadores que integram o círculo mais influente de Marina Silva, a não-candidata que modificou o quadro da disputa quando aderiu ao PSB de Eduardo Campos

Num momento em que a oposição faz o possível para transformar a economia no ponto central da campanha presidencial, convém prestar atenção no que dizem os pensadores que integram o círculo mais influente de Marina Silva, a não-candidata que modificou o quadro da disputa quando aderiu ao PSB de Eduardo Campos. 
Há opiniões surpreendentes e até constrangedoras pelo conteúdo antipopular e pelo caráter elitista. 
 
Apontado como o mais influente conselheiro econômico de Marina Silva, autorizado inclusive a dar entrevistas nessa condição, Eduardo Gianetti da Fonseca elaborou uma formula muito peculiar para executar o programa de desenvolvimento com sustentabilidade, talvez a meta mais associada a líder da Rede. Lembrando que o gado brasileiro responde por emissão de gases que geram grande quantidade de C02, Gianetti afirma que, para evitar novos desastres ambientais, preocupação central de Marina Silva, “o preço da carne vai ter de ser muito caro, o leite terá de ficar mais caro.” 
 
Essas e outras ideias de Gianetti se encontram no livro “O que os economistas pensam sobre sustentabilidade,” do jornalista Ricardo Arnt. Um dos mais preparados jornalistas brasileiros que se dedicam ao assunto, diretor da revista Planeta, Ricardo Arnt procura nesta obra descobrir como quinze economistas tentam combinar a necessidade de manter e até ampliar o crescimento da economia com a preservação ambiental. O livro foi publicado em 2010 e não pode ser visto, obviamente, como a divulgação de receitas de governo para 2014. Não são palavras de assessores de campanha. Se o assunto é explosivamente político, o teor é acadêmico. 
 
Mas é claro que as entrevistas contêm valores, princípios e referências de longa duração, de grande utilidade no momento atual. Entre os entrevistados, há economistas do PT, como Aloizio Mercadante, e também identificados com o governo Lula-Dilma, como Luciano Coutinho. Delfim Netto também foi ouvido. Arnt ouviu vários gurus de Marina Silva e eles chamam muita atenção, por motivos compreensíveis, em função da agenda ambiental em sua identidade. 
Pela função que lhe foi atribuída na campanha, o lugar de Gianetti é especial. 
 
Falando de um país no qual a maioria da população começou, apenas nos últimos anos, a experimentar uma melhoria em no padrão de consumo, o que inclui uma melhoria na qualidade da alimentação, Gianetti fala sem rodeios. “Comer um bife é uma extravagância do ponto de vista ambiental.” (página 72). 
 
Outra “extravagância” que o incomoda envolve as viagens de avião. Referindo-se a um benefício que só muito recentemente perdeu caráter luxuoso, para se transformar num progresso acessível a muitos brasileiros, provocando uma irritação nem sempre justificada em cidadãos que passaram a enfrentar filas nos aeroportos, Gianetti fala: “Pegar um avião para atravessar o Atlântico é uma extravagância sem tamanho, do ponto de vista ambiental. Você emite mais dióxido de carbono do que um indiano durante uma vida.”(página 71).
 
É curioso ouvir de um dos profetas da globalização a todo preço uma queixa contra as "extravagâncias" das viagens aéreas. 
 
Na prática, podemos até discutir o conteúdo “ambiental” do bife e de uma viagem paga em muitas prestações por nossa classe média. Podemos ainda tentar encontrar soluções que preservem a vida no planeta de riscos desnecessários e mesmo evitar medidas suicidas a longo prazo. 
 
O surpreendente é que, convidado a encontrar uma solução para evitar tal “extravagância” Gianetti traga de volta medidas clássicas da história brasileira, aquelas que preservam o consumo dos cidadãos do alto da pirâmide e penalizam o pessoal da parte debaixo. Diz que a “mudança decisiva” consiste em elevar o preço de “tudo que tem impacto ambiental.” 
 
Mostrando uma visão de cima para baixo da economia, longe de qualquer interferência dos interesses do povo, ele deixa claro que os preços podem impor uma realidade que a maioria das pessoas não aceitaria de livre e espontânea vontade. “ Eu não acredito que essa mudança virá porque as pessoas se tornaram conscientes e querem ajudar as gerações futuras. (...) Virá por uma mudança de preços relativos: terá de ficar muito caro fazer certas coisas.” 
 
Ameaçando até ecologistas com menos dinheiro no banco, ele afirma: “essas pessoas que viajam alegremente, cruzando o Atlântico, e que se consideram ambientalistas, quando chegar a hora de pagar a conta da extravagância que estão fazendo, vão chiar. “ 
 
Numa postura de quem acha que o arrocho no consumo virá de qualquer maneira, como uma fatalidade a que estamos todos condenados, ele faz uma ressalva. “O caminho que estou propondo é sofrido mas preserva a liberdade.” Em seguida, como se merecesse apoio por ser favorável à solução menos ruim, o economista afirma: “Se vier de outra maneira, vai ser impositivo. Será como foi nos países socialistas durante décadas. Fecha-se a possibilidade.” A formula, então, é conhecida. Ou se faz sacrifício. Ou é ditadura. 
 
Dentro do raciocínio, faz lógica. Por trás dessa visão de desenvolvimento e sustentabilidade, encontra-se um ponto de vista externo ao Brasil e aos brasileiros. É uma noção que vem de fora e envolve nosso lugar na história da humanidade. 
 
É fácil entender qual é: os países pobres, com seus bilhões de habitantes, consumistas insaciáveis (Gianetti chega a falar em “corrida armamentista do consumo”) se tornaram uma ameaça a estabilidade e ao futuro do planeta. Diz Gianetti: 
 
“Criamos no mundo moderno um sistema que é quase uma regra de convivência: você busca situações e posses que deem a você algum tipo de admiração, de respeito, daqueles que estão a seu redor. Contrapartida disso, quando se espalha e se massifica em escala planetária, na China, na Índia, no Brasil, é a destruição irreparável da natureza.” 
 
Você reparou: quando chineses, indianos e brasileiros entram no mercado de consumo, ocorre o apocalipse: “a destruição irreparável da natureza.”
 
Será mesmo da natureza que o assessor de Marina Silva está falando? 
 
É claro que não. Estamos falando da vida daqueles milhões de cidadãos do mundo, inclusive brasileiros, que só agora conquistaram algum direito a melhoria, a um certo bem-estar. Nada revolucionário. Mas um progresso que não cabia no horizonte de seus pais nem de seus avós.



Espionar líderes é preciso, diz diretor de inteligência dos EUA

Espionar líderes é preciso, diz diretor de inteligência dos EUA
Em depoimento, James Clapper afirma que ação não é indiscriminada e que União Europeia também espiona
Diretor da NSA nega que tenha interceptado telefonemas na Europa e diz que agência evitou mais de 50 atentados
JOANA CUNHADE NOVA YORK

Após as novas revelações de que o celular da chanceler alemã, Angela Merkel, teria sido espionado pelos EUA, o diretor da inteligência nacional americana, James Clapper, defendeu a espionagem de líderes estrangeiros.
"Conhecer as intenções dos líderes é uma espécie de princípio básico do que nós coletamos e analisamos", declarou Clapper, que chefia as agências responsáveis por esse tipo de ação nos EUA.
O diretor, que depôs ontem no Comitê de Inteligência da Câmara americana, afirmou, porém, que a ação da NSA (Agência de Segurança Nacional) não é indiscriminada.
Segundo Clapper, países aliados, incluindo integrantes da UE (União Europeia), também espionaram os EUA.
Questionado na mesma audiência, o general Keith Alexander, diretor da NSA, voltou a negar que o órgão tenha interceptado milhões de telefonemas de cidadãos europeus e disse serem completamente falsas as novas revelações do ex-técnico da CIA Edward Snowden.
De acordo com Alexander, foram os serviços de inteligência europeus que coletaram registros telefônicos em zonas de conflito e outras áreas fora de suas fronteiras e os compartilharam com a agência norte-americana.
"São informações que nós e nossos aliados da Otan coletamos em defesa de nossos países e para dar suporte a nossas operações militares."
Assim como em outros depoimentos, há poucos meses, Clapper e Alexander citaram a manutenção das ameaças de terrorismo desde os atentados do 11 de Setembro como justificativa para as ações da agência e contabilizaram mais de 50 planos de ataques evitados no período.
A argumentação responde à recente elevação no tom das críticas ao programa de espionagem americano e à demanda por legislação no Congresso para reforma dos serviços de segurança.
A presidente da Comitê de Inteligência do Senado, Dianne Feinstein, afirmou anteontem que a supervisão das práticas de vigilância promovidas pela NSA deve ser reforçada com uma profunda revisão do programa. Apesar de ser forte defensora do trabalho da NSA, Feinstein disse que se opõe totalmente à coleta de dados de países aliados praticada pela agência.
Outro apoiador da NSA, o republicano John Boehner, presidente da Câmara, também questionou o monitoramento americano. "Revisões são necessárias. Temos obrigações diante de nossos aliados pelo mundo", disse.

VULNERÁVEL

O escândalo repercutiu no Brasil quando a presidente Dilma Rousseff e a Petrobras foram citadas como alvo da espionagem americana nos documentos revelados por Snowden em setembro.
A crise, porém, entrou numa nova fase na semana passada, quando o jornal britânico "The Guardian" publicou que ao menos 35 líderes mundiais também foram monitorados pelo serviço de inteligência norte-americano.
Sob pressão, a Casa Branca estuda medidas para amenizar a crise por meio de uma revisão nos processos.
Clapper e Alexander afirmaram que há perspectiva de maior transparência nos esforços de vigilância, mas ressalvaram que a dimensão de uma eventual reforma pode rá deixar o país vulnerável ao terrorismo.


Reprodução da Folha de São Paulo

Lutador de kung fu faz referência a Mursi e é banido por militares

Um lutador de kung fu egípcio teve uma medalha de ouro confiscada e foi banido de representar seu país em futuras competições depois de demonstrar apoio ao presidente islamita deposto Mohammed Mursi.
Mohamed Youssef subiu ao pódio de um campeonato em São Petersburgo, na Rússia, usando uma camiseta fazendo alusão à praça Rabaa al-Adawiya, onde uma concentração dos simpatizantes de Mursi no Cairo foi brutalmente dispersada pelas forças de segurança, em agosto, deixando centenas de mortos.
"O lutador de kung fu Mohamed Youssef será deportado da Rússia por conta de seu comportamento", disse Gamal al-Jazzar, diretor da Associação de Kung Fu do Egito, ao jornal "Al Ahram".
"Ele também será banido do Campeonato Mundial que começa no dia 27 de novembro, na Malásia", acrescentou.
Mohammed Mursi, primeiro presidente democraticamente eleito do Egito, foi deposto pelo Exército no dia 3 de julho, após atos populares reivindicarem sua saída do governo.
Ele era acusado de tentar transformar o país em um Estado islâmico.
Desde então, violentos confrontos entre as forças de segurança e membros da Irmandade Muçulmana, de Mursi, deixaram centenas de mortos.


Reprodução da Folha de São Paulo

Estupradores de Mumbai não tinham medo da lei

Às 17h30 daquela quinta-feira, quatro jovens estavam jogando cartas, como de costume, quando o celular de Mohammed Kasim Sheikh tocou e ele anunciou que era hora de sair à caça. Presas tinham sido avistadas, disse ele a um amigo. Quando o dono da casa perguntou o que eles iriam caçar, Sheikh disse: "um belo veado".

Quando os dois homens saíram apressados da residência, o anfitrião sorriu, imaginando que eles não gostavam de perder no jogo.

Duas horas depois, uma fotojornalista de 22 anos saía mancando de um edifício em ruínas. Ela havia sido estuprada repetidas vezes por cinco homens. Um deles pediu para que ela imitasse cenas pornográficas exibidas em um telefone celular. Depois que a moça deixou o local do estupro, os homens se dispersaram e voltaram para suas esposas ou mães – ao menos aqueles tinham esposas e mães –, pois era hora do jantar. Nenhuma de suas vítimas anteriores tinha ido à polícia. Por que esta iria?

O julgamento do caso de estupro coletivo em Mumbai teve início em um tribunal sonolento e mal frequentado, sem a pressão dos repórteres que registraram cada reviravolta de um caso semelhante, ocorrido em Nova Déli, no qual uma mulher morreu depois de ser estuprada por vários homens dentro de um ônibus particular. Os acusados, que estavam descalços e se sentaram em um banco ao fundo do tribunal, observavam os argumentos com expressões vazias, como se eles estivessem sendo proferidos em mandarim. Todos se declararam inocentes.

Mas o caso de Mumbai oferece um vislumbre incomum sobre um grupo de jovens entediados que já cometeram o mesmo crime tantas vezes que até chegaram a desenvolver uma rotina. A polícia diz que os homens já estupraram pelo menos cinco pessoas no mesmo local. O jeito confiante e relaxado dos acusados reforça a ideia de que aqui na Índia o estupro tem sido um crime em grande parte invisível, para o qual as condenações são raras e cujas vítimas costumam sair silenciosamente de cena. Só após a prisão dos acusados, num momento em que a violência sexual vem ganhando as manchetes e tem sido alçada ao topo da agenda das autoridades locais, é que a gravidade do crime foi compreendida.

Um editor da publicação onde a fotógrafa trabalha, que falou sob a condição de anonimato para proteger a identidade da vítima e estava presente quando uma testemunha identificou o primeiro dos cinco suspeitos – um jovem –, disse que o adolescente se esvaiu em lágrimas assim que foi acusado.

Mumbai é uma mistura anárquica, com seus arranha-céus ladeados por pequenas favelas e imóveis desocupados que se transformaram praticamente numa selva. Um desses lugares é Shakti Mills, onde estão as ruínas dos dias prósperos da indústria têxtil de Mumbai. Quando a noite cai, Shakti Mills se transforma em um traiçoeiro trecho de escuridão em meio à cidade, repleto de buracos e detritos, mas ainda próximo o suficiente de Mumbai para que seja possível olhar para cima e observar as luzes piscantes do Hotel Shangri-La.

A fotógrafa e seu colega, um homem de 21 anos, eram estagiários de uma publicação de língua inglesa e decidiram incluir as ruínas do complexo Shakti Mills em um ensaio fotográfico sobre os prédios abandonados da cidade, segundo o editor. Naquela quinta-feira de agosto, eles chegaram ao complexo fabril em ruínas cerca de uma hora antes do pôr do sol.

Os cinco homens que eles encontraram vieram das favelas próximas ao complexo fabril.

Nenhum dos homens tinha emprego fixo. Eles diziam a suas famílias que queriam uma vida melhor, um trabalho em um escritório ou em uma fábrica, mas esse trabalho nunca parecia chegar. Eles passavam o tempo jogando cartas e bebendo. O luxo da parte mais rica da cidade era esfregado na cara deles todos os dias por meio das formas sinuosas do Lodha Bellissimo, um prédio de 48 andares que estava sendo construído em um terreno adjacente.

Apenas Kasim Sheikh, 20, o jogador de cartas que recebeu o telefonema, parecia ter deixado a pobreza para trás. Ele usava camisas espalhafatosas e conseguia bicos de garçons para seus amigos em festas de casamento. Ele já havia sido condenado por roubo e, ocasionalmente, fornecia informações para a polícia, de acordo com o comissário de polícia de Mumbai, Himanshu Roy.

Quando outro de seus amigos, Salim Ansari, 27, pai de dois filhos, avistou os estagiários na fábrica naquele dia, a primeira coisa que ele fez foi ligar para Sheikh para informar que a presa havia chegado.

Nada a perder

Nos últimos meses, desde o estupro coletivo em Nova Déli, a violência sexual tem sido discutida continuamente na Índia. Mas ainda há poucas respostas claras para as dúvidas relacionadas à frequência desse tipo de crime ou sobre suas causas.

Um dos problemas desse tipo de delito é que seus autores provavelmente não consideram suas ações como um crime grave, mas sim como algo mais próximo de uma travessura. Uma pesquisa realizada em seis países asiáticos – a Índia não estava entre eles – com mais de 10 mil homens e publicada pela revista Lancet Global Health em setembro passado apresentou dados surpreendentes. O levantamento constatou que, quando a palavra "estupro" não era usada como parte de um questionário, mais de um em cada 10 homens da região admitiu ter feito sexo à força com uma mulher que não era sua parceira.

Questionados sobre os motivos que os levaram a tomar tal atitude, 73% dos homens disseram que a razão era "porque eles tinham direito". Cinquenta e nove por cento dos entrevistados disseram que sua motivação foi "a busca por diversão".

A fotógrafa e seu colega foram até a fábrica, mas perceberam que, visualmente, o local não era o que eles queriam. Foi nesse momento que os dois homens se aproximaram deles, disse a vítima à polícia posteriormente, e se ofereceram para mostrar um ponto mais afastado. Nesse local, as imagens eram melhores, e os dois já estavam trabalhando durante meia hora quando os dois homens voltaram.

"A presa está aqui"

Dessa vez, eles voltaram com um terceiro homem, Kasim Sheikh, que disse algo estranho à fotógrafa e seu colega – "Nosso chefe viu vocês dois e vocês têm que vir com a gente agora" –, e ele insistiu para que eles se aprofundassem ainda mais no complexo. Enquanto eles caminhavam, a fotógrafa ligou para um editor, que disse para eles saírem imediatamente dali. Mas já era tarde demais.

"Venha aqui para dentro, a presa está aqui", Sheikh chamou, e mais dois homens se juntaram a eles.

Os homens disseram que o colega da fotógrafa era suspeito de assassinato, pediram para que os dois retirassem seus cintos e os usaram para amarrar o homem. Depois disso, disse a mulher à polícia, "o terceiro homem e um homem de bigode me levaram para um lugar que parecia um cômodo todo destruído".

Os homens tinham feito a mesma coisa de um mês antes, disse Roy, o comissário de polícia, quando se revezaram no estupro de uma atendente de call center de 18 anos que, acompanhada de seu namorado, havia torcido o tornozelo e estava tentando pegar um atalho através do complexo fabril desativado. Eles também estupraram uma mulher que trabalhava como catadora em um depósito de lixo, uma prostituta e um homem vestido de mulher, disse Roy.

Por fim, eles levaram a fotógrafa, que estava chorando, para fora do local. Antes de soltá-la, eles ameaçaram fazer o upload do vídeo do ataque na internet caso ela denunciasse o crime – uma estratégia que já havia funcionado com as vítimas anteriores.

Mas ela não hesitou. A fotógrafa e seu colega pegaram um táxi para o hospital mais próximo. Lá, eles denunciaram o crime.

Resposta enérgica

Apesar de os homens que estavam na fábrica não terem consciência, o crime de estupro se transformou em uma questão de grande importância para a opinião pública na Índia, um indicativo que está relacionado à identidade de uma cidade. As autoridades de Mumbai, que tinham dito que o estupro coletivo registrado em Nova Déli não poderia ter acontecido aqui, ficaram horrorizadas e deram início a uma ampla e enérgica resposta, como se um ato de terrorismo tivesse ocorrido na cidade.

A polícia acionou suas redes de informantes nas favelas e todos os cinco suspeitos foram presos e confessaram rapidamente o crime.

Mas, em vários bairros localizados nos arredores de Mumbai, as pessoas ainda estão tentando ligar o crime aos homens comuns que elas conheciam.

Shahjahan Ansari, a esposa do mais velho dos acusados, Salim Ansari, parecia aterrorizada quando um desconhecido apareceu em sua porta. Os vizinhos começaram a evitar a família desde que a notícia da prisão de Salim tornou-se pública, e mulher do acusado passou a temer a atenção extra.

Ansari relembrou o tempo de dias melhores, antes de seu marido perder o emprego em uma fábrica que produzia caixas de papelão. Ele tinha tanto orgulho de seu trabalho na fábrica, que era equipada com grandes máquinas, que levava seus filhos para ir vê-lo trabalhar nos turnos de domingo.

"Eu quero que meus filhos cresçam e sejam bons seres humanos, e isso é tudo", disse a mãe.


Reportagem de Ellen Barry e mansi Choksi, para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradução: Cláudia Gonçalves

Maior doadora de leite materno do Brasil processa Danilo Gentili após piada

Conhecida por ser a maior doadora de leite humano do Brasil, a técnica de enfermagem Michele Rafaela Maximino, 31, entrou na semana passada com uma ação de ressarcimento por danos morais contra o humorista Danilo Gentili, do programa “Agora é Tarde”, da Rede Bandeirantes.
No programa do último dia 3, o comediante fez piadas em rede nacional utilizando uma foto dela sem autorização. Gentili chegou a comparar Michele com o ator pornô Kid Bengala. “Em termos de doação de leite, ela está quase alcançando o Kid Bengala.”
Ao ser exibida uma foto de Michele no programa no momento em que ela fazia a ordenha para doar o leite,  o comentarista Marcelo Mansfield, colega de palco de Gentili, ainda afirmou que não era uma “espanhola, mas uma América Latina inteira”.
Michele, moradora da pequena cidade de Quipapá, na zona da mata de Pernambuco, diz que pretende parar de doar leite pois se sente humilhada. “As pessoas nas ruas têm me chamado de vaca, vaca do Gentili. Parabenizar pelo meu ato, ninguém faz, mas xingar é o que mais acontece nas ruas depois da piada na TV”, reclama.
Segundo Michele, que conseguia retirar até dois litros de leite por dia, a repercussão negativa  prejudicou até a sua produção de leite. Atualmente, ela conta que consegue retirar apenas 600 ml por dia. Ela já chegou a doar mais de 351,8 litros para unidades de saúde.
Michele é mãe de duas crianças – Gabriel, 3, e Mariana, 1 ano e quatro meses – e doa o seu leite desde que a caçula tinha apenas sete meses. Ela conta que Mariana ainda é alimentada por ela que diariamente estereliza os potes, faz a ordenha e congela o leite para fazer a doação. Ela e o marido ainda rodam 80 km para levar o leite até o Hospital e Maternidade Jesus Nazareno, em Caruaru. “É um ato de amor para salvar outras vidas”, comenta Michele. A filha dela também nasceu prematura e foi aí que ela descobriu a importância da doação de leite humano.
A diretora geral da maternidade Flora Raquel de Freitas Araújo confirma que a produção de leite de Michele chegou a ser responsável por 90% do estoque do banco de leite da maternidade, que foi criado em 2007. Ela ressalta que como a doadora está abalada psicologicamente o estoque reduziu no último mês. “Em setembro, ela doou 39 litros e agora em outubro conseguiu 17”, lamenta a diretora da unidade hospitalar.
Flora Raquel diz que o hospital está dando ajuda psicológica para Michele. “O programa de TV fez um desserviço em rede nacional ao relacionar a mama de uma mulher que amamenta ao ato sexual. Acho que eu e todas as mulheres que assistiram ficaram ofendidas”, diz a diretora do hospital, que é o maior da rede pública de Pernambuco em número de partos. Por mês acontecem, em média, 500 partos na unidade.
Conforme mostrou o Maternar no post ‘Mães de leite´ salvam vida de bebês prematuros nas UTIs, a doação de leite materno ajuda a salvar diariamente vida de bebês prematuros que não podem ser alimentados por suas mães.
O advogado de Michele, Cláudio Lino, diz que ação foi ingressada na 2ª Vara Cível do Fórum de Olinda no dia 22 de outubro. “O humor ultrapassou dos limites. Expor uma mãe de família com termos chulos, como relacionar a doação de leite com a masturbação fere a dignidade dela”, diz o advogado. “Ela mora em uma cidade pequena e tem sido motivo de piadas.”
A assessoria de imprensa da Rede Bandeirantes informou que a emissora não se posiciona sobre questões jurídicas. Já a assessoria do comediante não retornou os telefonemas feitos pelo Maternar.


Passagens aéreas no Brasil subiram 131,5% acima da inflação desde 2005

Passagens aéreas no Brasil subiram 131,5% acima da inflação desde 2005

Dados do IBGE serão apresentados pelo presidente da Embratur amanhã

O preço das passagens aéreas no Brasil aumentou 131,5% acima da inflação desde 2005, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A informação será apresentada pelo presidente do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), Flávio Dino, na reunião marcada nesta quinta-feira entre o governo e representantes das companhias aéreas.

O objetivo do encontro é tentar convencer as empresas de que os preços cobrados no país são altos demais. “Espero que eles colaborem, que haja uma compreensão de que se deve explorar o turismo, não os turistas”, disse Dino. Segundo ele, o desequilíbrio entre demanda e oferta e o aquecimento do mercado faz com que haja práticas comerciais abusivas - que ficam mais evidentes no caso das festas de fim de ano e agora da Copa do Mundo do ano que vem -, sendo verificados aumentos de até 1.000% no preço das passagens. “Não temos nenhum fator econômico objetivo no que se refere a custo ou tributação que justifique esse aumento, que é obviamente abusivo”, acrescentou.

As quatro empresas que operam no Brasil – TAM, Gol, Azul e Avianca – vão participar da reunião de amanhã, além de representantes da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), da Secretaria de Aviação Civil e do Ministério da Justiça. Segundo Dino, se as empresas não atenderem ao “chamado do bom-senso”, é possível que haja mudanças na regulação do setor, inclusive acabando com a chamada liberdade tarifária. “A liberdade tarifária não é um dogma, pode ser revista a qualquer tempo. Esse seria um caminho, voltar a praticar uma administração de preços como já foi feito no passado”, explicou.

Outra medida para reduzir o preço das passagens no país é ampliar a oferta mediante a abertura do mercado para empresas estrangeiras fazerem voos domésticos no Brasil. “Se as empresas atuais não conseguirem ter práticas adequadas e oferecer bons serviços a preços justos, o mercado brasileiro é altamente atrativo para outras empresas”. Segundo ele, não é válido o argumento de que essa ação levaria a uma desnacionalização do setor, porque as empresas atuais também já não são totalmente nacionais. Para essa mudança, seria preciso alterar o Código Brasileiro Aeronáutico.

Os preços da hotelaria também estão na mira da Embratur. Segundo o ranking que será apresentado na reunião, o Rio de Janeiro aparece em quarto lugar nas tarifas de lazer, com diária média de US$ 210, atrás apenas de Miami, Punta Cana e Nova York. “Aí junta passagem aérea, que muitas vezes também é mais barata. É por isso que o cidadão de classe média prefere viajar para o México, para Montevideu, por isso que os voos internacionais estão abarrotados de brasileiros”.

Para a Copa do Mundo, Dino defende que a Fifa e a Match, empresa suíça escolhida para intermediar as vendas de pacotes de turismo para a Copa, liberem os quartos que já foram adquiridos nas cidades-sede para que a oferta aumente e os preços sejam reduzidos. “Constatamos que, além de eles terem o monopólio, colocaram uma taxa de intermediação de 40% sobre o valor que estão pagando, que é abusivo. Se não rompermos esse monopólio, temos uma oferta muito diminuta no mercado”, disse. 


Reprodução do Correio do Povo

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Cientistas da computação "provam" existência de Deus

Dois cientistas formalizaram um teorema sobre a existência de Deus escrito pelo matemático Kurt Gödel. Mas o viés de Deus é uma espécie de distração – o verdadeiro passo à frente é o exemplo que ele estabelece de como os computadores podem tornar mais simples o progresso científico.
No que diz respeito às manchetes, está é certamente uma atraente. "Cientistas provam a existência de Deus", escreveu o jornal diário alemão Die Welt na semana passada.
Mas, não é nenhuma surpresa, há uma ressalva bastante significativa nessa afirmação. Na verdade, o que os pesquisadores em questão dizem ter realmente comprovado é um teorema apresentado pelo renomado matemático austríaco Kurt Gödel – e a verdadeira notícia não é sobre um Ser Supremo, mas sim sobre o que se pode alcançar hoje nos campos científicos usando uma tecnologia superior.
Quando Gödel morreu em 1978, deixou para trás uma teoria tentadora baseada nos princípios da lógica modal – a teoria de que deve existir um ser superior. Os detalhes matemáticos envolvidos na prova ontológica de Gödel são complicados, mas em essência, o austríaco argumentou que, por definição, Deus é aquele para o qual não se pode conceber nada maior. E embora Deus exista no entendimento do conceito, poderíamos concebê-lo como algo maior se ele existisse na realidade. Portanto, ele deve existir.
Mesmo na época, o argumento não era exatamente novo. Durante séculos, muitos tentaram usar esse tipo de raciocínio abstrato para provar a possibilidade ou a necessidade da existência de Deus. Mas o modelo matemático composto por Gödel propôs uma prova da idéia. Seus teoremas e axiomas – pressupostos que não podem ser comprovados – podem ser expressos como equações matemáticas. E isso significa que podem ser comprovados.

Provando a existência de Deus com um MacBook

É aí que entram Christoph Benzmüller, da Universidade Livre de Berlim, e seu colega Bruno Woltzenlogel Paleo, da Universidade Técnica de Viena. Usando um computador MacBook comum, eles demonstraram que a prova de Gödel estava correta – pelo menos em nível matemático – por meio da lógica modal superior. Sua apresentação inicial no servidor de artigos científicos arXiv.org é chamada de "Formalização, Mecanização e Automação da prova da existência de Deus de Gödel".
O fato de que a formalização desses teoremas complicados pode ser feita por computadores abre todo tipo de possibilidades, disse Benzmüller à Spiegel Online. "É totalmente incrível que a partir deste argumento liderado por Gödel, todas essas coisas possam ser provadas automaticamente em poucos segundos ou menos num notebook comum", disse ele.
O nome Gödel pode não significar muito para alguns, mas entre os cientistas ele goza de uma reputação semelhante à de Albert Einstein – que era seu amigo. Nascido em 1906 na então Áustria-Hungria e hoje a cidade tcheca de Brno, Gödel mais tarde estudou em Viena antes de se mudar para os Estados Unidos após a eclosão da 2ª Guerra Mundial para trabalhar em Princeton, onde Einstein também estava. A primeira versão desta prova ontológica está em anotações datadas de cerca de 1941, mas foi só no início da década de 1970, quando Gödel temia que pudesse morrer, que ela veio a público.
Agora Benzmüller espera que usar um exemplo que atraia tantas manchetes possa chamar atenção para o método. "Eu não sabia que criaria tanto interesse público, mas (a prova ontológica de Gödel) foi definitivamente um exemplo melhor do que alguma coisa inacessível em matemática ou inteligência artificial", acrescentou o cientista. "É uma coisa muito pequena e clara, porque estamos lidando apenas com seis axiomas num pequeno teorema. (...) Pode haver outras coisas que usam um lógica similar. Podemos desenvolver sistemas de computador para verificar cada única etapa e verificar se estão certas agora?"

"Uma lógica expressiva ambiciosa"

Os cientistas, que vêm trabalhando juntos desde o início do ano, acreditam que seu trabalho pode ter muitas aplicações práticas em áreas como inteligência artificial e verificação de software e hardware.
Benzmüller também apontou que há muitos cientistas trabalhando em áreas semelhantes. Ele próprio foi inspirado a enfrentar o problema por um livro intitulado "Tipos, Tableaus e o Deus de Gödel", de Melvin Fitting.
O uso de computadores para reduzir a carga dos matemáticos não é novo, embora não seja bem recebido por todos no campo. O matemático norte-americano Doron Zeilberger tem citado o nome Shalosh B. Ekhad em seus trabalhos científicos desde 1980. Segundo a Fundação Simons com sede em Nova York, o nome é na verdade um pseudônimo para os computadores que ele usa para ajudar a provar, em segundos, teoremas que antes exigiam página após página de raciocínio matemático. Zeilberger diz que deu ao computador um nome humano "para mostrar que os computadores devem receber o crédito quando isso é devido". O "fanatismo centrado no humano" por parte dos matemáticos, diz ele, tem um progresso limitado.
Em última análise, é improvável que a formalização da prova ontológica de Gödel conquiste muitos ateus, tampouco que conforte os verdadeiros crentes, que podem argumentar a ideia de que um poder superior é aquele que desafia a lógica, por definição. Para os matemáticos que procuram maneiras de abrir novos caminhos, no entanto, a notícia pode representar uma resposta às suas orações.

Texto de David Knight, para a Der Spiegel, reproduzida no UOL. Tradução: Eloise de Vylder

Da falsidade

Dias sombrios. Nesses momentos, volto às minhas origens filosóficas, o jansenismo francês do século 17 e seu produto essencial, "les moralistes" (que em filosofia nada tem a ver com "moralista" no senso comum). Os moralistas franceses eram grandes especialistas do comportamento, da alma e da natureza humana. Nietzsche, Camus, Bernanos e Cioran eram leitores desses gênios da psicologia. Pascal, La Rochefoucauld e La Bruyère foram os maiores moralistas.
O Brasil, que sempre foi violento, agora tem uma nova forma de violência, aquela "do bem". E, aparentemente, quase todo mundo supostamente "inteligente" assume que é chegada a hora de quebrar tudo. Nada de novo no fronte: os seres humanos sempre gostaram da violência e alguns inventam justificativas bonitas pra serem violentos.
Impressiona-me a face de muitos desses ativistas que encheram a mídia nas ultimas semanas. Olhar duro, sem piedade, movido pela certeza moral de que são representantes "do bem". Por viver a milhares de anos-luz de qualquer possibilidade de me achar alguém "do bem", desconfio profundamente de qualquer pessoa que se acha "do bem". Quando o país é tomado por arautos do "bem social", suspeito de que chegue a hora em que a única saída seja fugir.
A fuga do mundo ("fuga mundi") sempre foi um tema filosófico, inclusive entre os jansenistas, conhecidos como "les solitaires" por buscarem viver longe do mundo. Eles tinham uma visão da natureza humana pautada pela suspeita da falsidade das virtudes. O nome "jansenista" vem do fato de eles se identificarem com a versão "dura" (sem a graça de Deus, o homem não sai do pecado) da teoria da graça agostiniana feita pelo teólogo Cornelius Jansenius, que viveu no século 16.
Pascal, La Fontaine e Racine eram jansenistas. Aliás, grande parte da elite econômica e intelectual francesa da época foi jansenista. Por isso, apesar de Luís 13 e 14 (e de seus cardeais Richelieu e Mazarin) e da Igreja os perseguirem, nunca conseguiram de fato aniquilá-los.
Hoje, por termos em grande medida escapado das armadilhas morais do cristianismo (não que eu julgue o cristianismo um poço de armadilhas, muito pelo contrário), tais como repressão do outro, puritanismo, intolerância, assumimos que escapamos da natureza humana e de sua vocação irresistível à repressão do outro, ao puritanismo e à intolerância.
Elas apenas trocaram de lugar. A face do ativista trai sua origem no inquisidor.
Uma das maiores obras do jansenismo é "La Fausseté des Vertus Humaines" (a falsidade das virtudes humanas), de Jacques Esprit, do século 17. Ele foi amigo pessoal do Conde de La Rochefoucauld. Alguns especialistas consideram o conde um discípulo de Esprit. A edição da Aubier, de 1996, traz um excelente prefácio do "jansenista contemporâneo" Pascal Quignard.
O pressuposto de Esprit é que toda demonstração de virtude carrega consigo uma mentira e que as pessoas que se julgam virtuosas são na realidade falsas, justamente pela certeza de que são virtuosas.
A certeza acerca da sua retidão moral é sempre uma mistificação de si mesmo. Os jansenistas sempre disseram que os que se julgam virtuosos são na verdade vaidosos. Suspeito que o que vi nos olhos desses ativistas nessas últimas semanas era a boa e velha vaidade.
Mas hoje, como saiu de moda usar os pecados como ferramentas de análise do ser humano e passamos a acreditar em mitos como dialética, povo e outros quebrantos, a vaidade deixou de ser critério para analisarmos os olhos dos vaidosos. Melhor para eles, porque assim podem ser vaidosos sem que ninguém os perceba. Vivemos na época mais vaidosa da história.
"A verdade não é primeira: ela é uma desilusão; ela é sempre uma desmistificação que supõe a mistificação que a funda e que ela (a desmistificação) desnuda", afirma Pascal Quignard no prefácio do livro de Esprit. Eis a ideia de moral no jansenismo: a verdade moral é sempre negativa, sempre ilumina a sombra que se esconde por trás daquele que se julga justo.
Que Deus tenha piedade de nós num mundo tomado por pessoas que se julgam retas.


Texto de Luiz Felipe Pondé, na Folha de São Paulo.