A Coreia do Sul é o mais bem-sucedido caso de industrialização tardia. O país, que hoje tem 50 milhões de habitantes, superou o subdesenvolvimento, atingindo renda per capita, infraestrutura, serviços públicos, consumo massificado e outras características que o colocam entre as nações mais prósperas do mundo.
Dado o sucesso, o capítulo sobre o país, dos professores da Unicamp Adriana Nunes Ferreira e Mariano Laplane, no livro "Padrões de Desenvolvimento Econômico, Estudo Comparativo de 13 Países: América Latina, Ásia e Rússia", organizado pelo economista Ricardo Bielschowsky, só poderia ser interessante.
Marcante na estratégia é o descomunal intervencionismo. O Estado vedou a entrada do capital estrangeiro, concedeu subsídios aos grupos nacionais e orientou os ciclos de investimento, mas também fixou metas de exportação, reprimiu sindicatos e por décadas dificultou que os excedentes se direcionassem ao consumo de luxo, às aplicações financeiras ou à exploração imobiliária.
Assim, a taxa de investimento manteve-se alta, chegando a quase 40% do PIB na virada dos anos 1980 para os 90, de modo a promover as vendas externas e o crescimento, cuja média de 1953 a 1993 superou 7%.
A trajetória coreana pode ser dividida em três fases. De 1953 a 1961, após a Guerra da Coreia e sob forte influência dos EUA, há as reformas agrária e da educação, além da privatização de estatais que na origem eram de capital japonês.
Mesmo mantendo um crescimento acelerado, o governo civil foi derrubado em meio a acusações de favorecimento nas privatizações. O período do nacional-desenvolvimentismo se inicia em 1962 com a instalação de uma ditadura militar que se estendeu até 1993.
O regime nacionalizou bancos, porém manteve as empresas em mãos privadas. Após uma fase de substituição de importação de bens de consumo leves, na década de 1970 foi a vez da indústria pesada: siderurgia, máquinas, automóveis, construção naval, química e eletroeletrônica.
Dados o restrito mercado interno e a escassez de recursos naturais, o país, para obter divisas e operar em escalas eficientes, buscou as vendas externas.
Nesse momento, governo e grupos privados mostram poder de readequar a estratégia de industrialização, percebendo que o dinamismo passaria a vir da eletrônica. Para tanto, foi importante a atuação como fornecedores de indústrias japonesas de eletrônicos de consumo.
No início dos 1980, a crise da dívida afetou bem menos a Coreia, que, em relação à América Latina, tinha um grau bem menor de abertura financeira. Com isso, o país não sofreu com a interrupção dos fluxos privados de financiamento externo.
Ainda assim, o ajuste passou pela privatização de bancos, que foram incorporados aos grupos econômicos ("chaebol") para novamente alavancar as exportações.
No fim da década, com dinamismo tecnológico e experiência em estratégias de comercialização e marketing, uma preocupação havia muito presente em razão da necessidade de exportar, os "chaebols" buscaram a internacionalização. Assim, o mundo conheceu a força das marcas Hyundai, Samsung, entre outras.
Ao longo do tempo, a ação estatal foi legitimada pelo crescente sucesso de suas empresas. Mas é claro que esse sucesso também conferiu mais independência aos grupos privados, bem como fez florescer a democracia a partir de 1994.
No terceiro período, houve a liberalização do sistema financeiro e dos fluxos de capitais com o exterior, alavancando um endividamento externo que expôs o país aos riscos que levaram à crise de 1997. O Estado teve de novo papel decisivo, promovendo a fusão de grupos em dificuldades com os mais fortes e incentivando a concentração dos conglomerados em seus núcleos de negócios.
Houve ainda privatizações e internacionalizações no sistema financeiro. Porém o Estado mantém as diretrizes de longo prazo no desenvolvimento tecnológico, o apoio creditício especializado, como o do Banco de Desenvolvimento da Coreia, e participações em firmas privatizadas.
Depois de aproveitar com grande êxito a proximidade com as potências dos EUA e do Japão, a Coreia enfrenta o desafio de lidar com a ascensão da China, que representa oportunidades para as maduras e inovadoras empresas coreanas, mas também é uma ameaça nos mercados doméstico e global.
Texto de Marcelo Miterhof, publicado na Folha de São Paulo.
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