sexta-feira, 27 de junho de 2014

Na torcida

Executivo do banco americano Morgan Stanley, Ruchir Sharma escreve no "Times of India" e no "Quartz" que a Copa "vai semear a mudança de regime" no Brasil. Ele vê "raízes socialistas" na política econômica de Dilma Rousseff e diz que Aécio Neves "parece Modi", oposicionista recém-eleito na Índia. No "Financial Times", Jorge Mariscal, do suíço UBS, diz que, "se você está torcendo pela seleção do Brasil, não está torcendo pelo mercado financeiro", que cairia com uma vitória brasileira porque ela ajudaria a reeleger Dilma. Na CNBC, Tony Volpon, do japonês Nomura, diz que "a eleição propriamente começa após a Copa, e penso que há uma probabilidade de a oposição vencer". Seria "uma revolução", pois Aécio "deixou bastante claro que reverterá essas políticas". O canal acrescenta que o americano Citigroup acaba de soltar nota na mesma linha.


Reprodução de Nelson de Sá, na Folha de São Paulo.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Israel distribui mais maconha terapêutica que países da Europa

Tirado da Cabala, "Tikun Olam" em hebraico significa "consertar o mundo". Esse foi o nome escolhido para a principal produtora israelense de maconha de uso medicinal, situada na Alta Galileia, norte do país. "Não somos uma empresa com fins puramente comerciais", afirma Ma'ayan Weisberg, porta-voz dessa fazenda de cannabis homologada pelo Ministério da Saúde. "A ideia original, aliás, era filantrópica."
Quando tudo começou, em 2007, a família Cohen recebeu a autorização para cultivar em casa cerca de 50 plantas de maconha para distribui-la gratuitamente a pacientes que sofrem de patologias dolorosas. Desde então, a iniciativa voluntária se transformou em nada menos que uma empresa muito lucrativa. A Tikun Olam, que emprega cerca de 50 pessoas, diz atender a cada mês entre 3.500 e 4.000 pacientes. Ou seja, mais de um quarto desse mercado que é dividido por oito produtores autorizados.

O número de beneficiários disparou

Em Israel, a maconha continua sendo uma droga ilegal e perigosa aos olhos da lei. Mas seu uso medicinal, regulamentado de forma rígida pelo Estado, aumentou de maneira exponencial nos últimos anos. Em 2010, a venda direta foi autorizada entre produtores certificados e pacientes que possuem uma autorização especial.
O número de beneficiários disparou, passando de algumas centenas para mais de 14 mil, um número que os especialistas esperam ver triplicar em até quatro anos.
A ministra da Saúde, Yael German, explicou em 2013 que cerca de 400 quilos de maconha terapêutica são distribuídos a cada mês em Israel. Mais do que em qualquer lugar da Europa, inclusive na Holanda.

Exportar técnicas

Atualmente, os pacientes israelenses podem comprar a maconha em um centro específico nos hospitais. Mas essa forma de negócio um tanto peculiar é só o início de uma grande reforma de seu modo de distribuição. "Tudo está andando tão rápido que precisamos adaptar o sistema", explica o médico Michael Dor, conselheiro da recém-inaugurada Agência Oficial de Cannabis Medicinal. "No futuro, essa substância poderá ser vendida como um medicamento, na farmácia."
O governo quer lançar dentro de dois meses uma licitação para abrir o mercado a outros produtores. A colheita, a dosagem e o embalamento do produto serão confiados à empresa privada Sarel, principal fornecedora israelense de material médico. A venda de cannabis será feita em uma rede de farmácias autorizadas. Essa reorganização deve ser efetivada no final de 2014.
Essa reforma é mal vista pelos cultivadores de cannabis homologados. Eles alertam para uma centralização que pode acabar entravando a expansão da maconha terapêutica.
Já a Agência da Cannabis afirma que essa nova abordagem permitirá um grande aumento no número de prescrições e, portanto, do mercado. "A próxima etapa é decidir se começaremos a exportar, pois muitos países estão pedindo para ter acesso às nossas técnicas", conclui o Dr. Dor.

Reportagem de Marie de Vergès, para o Le Monde, reproduzido no UOL

Nos EUA, empresas estão lucrando com a morte de funcionários


Este ano, os funcionários do "Orange County Register" receberam um email inquietante da sede corporativa. O grupo proprietário do jornal, Freedom Communications, estava escrevendo para solicitar o consentimento dos trabalhadores para fazer um seguro de vida para eles.

Mas o beneficiário das apólices não seriam seus familiares ou o espólio do empregado segurado, e sim o plano de previdência da Freedom Communications. Repórteres e editores resistiram, inconfortáveis com a ideia de que a empresa poderia lucrar com suas mortes.

Depois de uma intensa campanha de lobby pela gerência da Freedom Communications, o plano finalmente foi posto em prática, um pouco modificado. No entanto, os funcionários do "Register" ficaram abalados.
O episódio do "Register" reflete uma prática comum da América corporativa, mas pouco conhecida: as empresas estão fazendo seguro de vida para seus empregados e recebendo os benefícios quando eles morrem.

Como o seguro de vida de propriedade da empresa oferece para os empregadores generosas isenções fiscais, o mercado é enorme; centenas de empresas têm feito apólices para milhares de empregados. Os bancos são especialmente favoráveis à prática. O JPMorgan Chase e o Wells Fargo detêm bilhões de dólares em seguros de vida em seus livros, que são contabilizados como pontos em sua capacidade de resistir a choques financeiros.

Os críticos, entretanto, dizem que é imoral as empresas lucrarem com a morte dos funcionários, enquanto os próprios empregados não se beneficiam diretamente. Em 2006, foi promulgada uma lei que procurou coibir a prática, restringindo-a aos principais funcionários da empresa, os 35% mais bem pagos, que devem dar o seu consentimento. Apesar disso, a prática continua sendo uma fonte crescente e legal de lucro das empresas, apesar da falta de transparência.

"As empresas detêm essa quantidade monstruosa de cobertura de vida", disse Michael D. Myers, advogado de Houston que entrou na justiça com ações coletivas contra várias empresas com tais apólices. As empresas e os bancos dizem que os ganhos de apólices de seguros são usados para cobrir os cuidados de saúde a longo prazo, remuneração diferida e obrigações de pensão.
"O seguro de vida é uma das formas de reforçar a saúde a longo prazo do plano de pensão e assegurar a sua capacidade de pagar os benefícios", disse o executivo-chefe da Freedom Communications, Aaron Kushner.

E como essas apólices de seguro de vida recebem generosos incentivos fiscais, são veículos de investimento ideal para as empresas que procuram reservar um dinheiro para pagar seus planos de pensão --os prêmios são livres de impostos, assim como todos os retornos de investimento sobre as apólices e os benefícios eventualmente recebidos em caso de morte. As empresas argumentam que, se tivessem que financiar tais obrigações com investimentos tributados normalmente, incorreriam em perdas e não seriam capazes de oferecer os benefícios aos empregados.

Em muitos casos, porém, as empresas podem usar os ganhos isentos de impostos para o que quiserem. "Se você quiser pegar esse dinheiro e construir uma nova agência bancária, tudo bem", disse Joseph E. Yesutis, sócio do escritório de advocacia Alston & Bird, especialista em regulação bancária. "As empresas não prometem às agências reguladoras que vão usá-lo para uma finalidade específica".

Há centenas de bilhões de dólares em vigor nas apólices, o que dá às empresas um fluxo constante de renda, com a morte de funcionários atuais ou antigos, mesmo décadas depois de se aposentarem ou deixarem a empresa.

Aon Hewitt estima que estão sendo postos em prática por ano pelo menos US$ 1 bilhão em novas apólices e que cerca de um terço das 1.000 maiores empresas do país detêm esse tipo de seguro. Analistas da indústria estimam que até 20% de todos os novos seguros de vida são feitos por empresas em nome de seus empregados.

No entanto, é impossível determinar o tamanho exato do mercado do seguro de vida empresarial. Com a exceção dos bancos, as empresas não são obrigadas a comunicar as suas participações em seguros. "Não há nenhuma informação confiável de quem está comprando seguro de vida e para que", disse Steven N. Weisbart, economista-chefe do Instituto de Informação de Seguros.

Os bancos são obrigados a comunicar as suas participações porque os reguladores querem saber quanto dinheiro eles poderiam acessar se tivessem que resgatar as apólices antes da morte do segurado empregado.

Esse número, conhecido como o "valor de resgate em dinheiro" --ou a quantidade que eles poderiam retirar imediatamente-- fornece um vislumbre do tamanho desse investimento.

As apólices do Bank of America têm um valor de resgate em dinheiro de pelo menos US$ 17,6 bilhões (em torno de R$ 42 bilhões). Se o Wells Fargo tivesse que resgatar suas apólices amanhã, recolheria pelo menos US$ 12,7 bilhões. O JPMorgan Chase receberia pelo menos US$ 5 bilhões, de acordo com documentos do Conselho Federal de Exame das Instituições Financeiras.

Como o dinheiro poderia ser obtido pelos bancos rapidamente das companhias de seguros, caso necessário, as participações de seguro de vida são consideradas capital de nível 1, uma medida básica da força de um banco. Muitos bancos têm de 10 a 25% do seu capital de nível 1 investido em seguros de vida, de acordo com o Goldstein Financial Group.

Especialistas do setor de seguros dizem que a maioria dos grandes bancos adiaram novas aquisições de seguros de vida, em parte por causa dos limites sobre quantas apólices podem ter. No entanto, o valor das apólices existentes continua a crescer, com os ganhos do capital investido ultrapassando os benefícios pagos quando os funcionários morrem.

O seguro de vida corporativo nasceu dos chamados seguros para pessoas cruciais, que protegia as empresas contra as consequências econômicas relacionadas à morte de seus altos executivos. A New York Times Co. contratou apólices de seguro de vida para alguns de seus altos funcionários.

Mas com a falta de regulação significativa em torno da prática, ela cresceu sem controle, e logo as empresas estavam fazendo seguro para muitos empregados mal pagos, como faxineiros, e recolhendo milhões de dólares em lucro quando morriam.

Uma série de ações judiciais coletivas, algumas movidas por Myers, questionaram as corporações que abusaram da prática. Várias empresas, incluindo a Wal-Mart, fizeram acordos, pagando milhões para os empregados de baixa patente que tinham sido cobertos. A Receita Federal foi à justiça contra empresas como Winn-Dixie e Camelot Music pela utilização de seguros como esquemas de evasão fiscal.

Os críticos começaram a chamar o seguro do "camponês morto", uma alusão ao romance de Nikolai Gogol "Almas Mortas", no qual um vigarista compra escravos mortos para usá-los como garantia em um negócio.

Apesar das críticas, as empresas e os bancos continuaram a usar as apólices em busca de retornos. Nos anos que antecederam a crise financeira, seguradoras de vida para bancos, incluindo Wachovia e Fifth Third Bancorp, investiram seus prêmios em um fundo hedge administrado pelo Citigroup.

À medida que o valor do fundo aumentou, os lucros foram registrados nos balanços das empresas, aumentando os lucros. Mas, quando o fundo hedge desabou, com o pânico do mercado, também caiu o valor das apólices, levando os bancos a substanciais baixas contábeis.

Esforços foram feitos regular a prática. A Lei de Proteção à Pensão de 2006 incluiu um conjunto de regras para as empresas fazerem seguro de vida de seus funcionários. "O governo fez grandes passos no sentido de limpar a prática", disse J. Todd Chambley, que dirige o setor de benefícios executivos da Aon Hewitt. Ainda assim, a noção de seguros de vida que beneficiam os balanços das empresas, em vez dos indivíduos, permanece sujeita a críticas.

Respondendo aos ataques contra o plano da Freedom Communications, Kushner se defendeu em uma carta aos funcionários. "Os seguros de vida não são macabros, nem as pessoas que o vendem ou o compram", escreveu ele. "O seguro de vida, por sua própria natureza, foi criado para beneficiar as pessoas que amamos e com quem nos preocupamos."

Reportagem de David Gelles, para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradutor: Deborah Weinberg

Análise: Irã apega-se a pequenos gestos em meio à fadiga com revolução

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segunda-feira, 23 de junho de 2014

Multipolar ou multilateral?


Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o total de pessoas deslocadas por guerra atingiu seu nível mais alto: 51 milhões, metade delas crianças. Isso ocorre 25 anos depois da queda do Muro de Berlim, saudada como o "fim da História"!
Faltando pouco para o centenário do atentado de Sarajevo, origem da Grande Guerra, tropas russas se concentram na fronteira ucraniana. Na mesma área estão forças da Otan, incluindo soldados da França e Alemanha, inimigos em 1914.
Para não pensar que a história se repete no cenário europeu, é bom lembrar que 85% dos refugiados estão no Oriente Médio e na África.
Americanos e ingleses tiveram só um êxito: destruir o que restava de relativa estabilidade na região. Ao cometer o crime da invasão do Iraque, causaram a morte de mais de 150 mil pessoas ao custo de um trilhão de dólares, sem trazer nada de durável em democracia.
Tornaram precária a sobrevivência de minorias como os cristãos e criaram condições para a introdução do único flagelo inexistente sob Saddam Hussein: um monstruoso movimento terrorista, mais assustador que Al Qaeda.
Como se não bastasse o assombroso fiasco, só não completaram a destruição da Síria por lhes faltar o apoio de uma população exausta.
O que não impede que reincidentes como Blair atribuam a reviravolta no Iraque à falta de disposição americana para derramar mais sangue na Síria! Não vai demorar muito para que o Afeganistão, corrupto e dividido, siga o mesmo caminho do Iraque.
Eu era subsecretário-geral da ONU na época da invasão do Iraque. Junto com alguns colegas, estive entre os que protestaram em público contra a flagrante violação da Carta das Nações Unidas e do direito internacional.
Era fácil prever o que hoje explode na cara dos americanos: o exemplo da potência atropelando a lei que ela mesma criara encontraria seguidores, talvez até piores.
O cinismo com que russos anexam a Crimeia e desestabilizam a Ucrânia, a sem-cerimônia com que chineses exploram águas territoriais disputadas, o renascimento do nacionalismo japonês, para só citar os grandes, indicam que passamos do mundo unipolar para o multipolar.
O monopólio do poder num só país produziu resultados desastrosos como o do Iraque. Não se pense, porém, que o mundo ficou melhor porque existem agora vários polos de poder além dos EUA.
A combinação de poder militar com nacionalismo exacerbado é que desencadeou as duas guerras mundiais, depois de ter gerado guerras incessantes nos séculos 18 e 19.
Dizem os historiadores que, de todas as formas de distribuição de poder, a mais instável e violenta é a multipolar. O mundo de que precisamos é aquele onde os conflitos e as normas sejam decididos democraticamente por todos.
Essa é a definição de multilateralismo, conceito oposto ao de multipolarismo sem limites a não ser a lei da selva e o "sacro egoísmo".
Para os sem poder militar como o Brasil e a imensa maioria dos países, a garantia dos direitos só pode vir não do multipolarismo de alguns Brics, mas da segurança coletiva e da Carta da ONU.


Texto de Rubens Ricupero, publicado na Folha de São Paulo

O PT diante do espelho


Convenções para sacramentar candidatos costumam ser cerimônias de saudação a bandeiras e de reafirmação de princípios conhecidos. O evento do PT, que oficializou Dilma Rousseff, no essencial manteve o figurino.
Alguns momentos chamaram a atenção. O discurso de Lula conclamando a militância a entrar em campo soou como um mea culpa desses anos todos em que o partido está no poder. Anos em que o PT praticamente desmontou a estrutura deliberativa que o diferenciava dos demais.
Os congressos pouco a pouco se transformaram em centrais de referendo de decisões já tomadas. Núcleos, diretórios e encontros foram esvaziados. Os petistas da base, antes convocados rotineiramente para opinar sobre os destinos da legenda, passaram a ser solicitados sobretudo em momentos eleitorais. Mesmos nestes, o partido muitas vezes recorreu a militantes pagos, contrariando suas origens.
Tolice pensar que, uma vez no governo, o PT pudesse dispensar colóquios de gabinete e acordos partidários. Mas a amplitude de certas composições, assim como o esvaziamento do poder decisório da base, engessou o partido, entupiu suas artérias e afastou os filiados. A perda desse contato ficou evidente nas manifestações de junho passado.
O próprio Lula já admitiu: boa parte das dificuldades do PT decorre da assimilação de práticas que colocam a legenda no mesmo plano das outras. Reconhecer o problema não é sinônimo de sua solução; é apenas um passo. A direção corre atrás do tempo perdido.
Capital acumulado existe. Com todos os erros e tropeços, governos do PT registram um inegável histórico de realizações na luta contra as desigualdades. A combinação de políticas anticíclicas com a ênfase nas questões sociais ajudou o país --ou seja, seu povo-- a atravessar um período turbulento. Esse patrimônio explica tanto a permanência no poder como a dianteira de Dilma nas pesquisas, mesmo bombardeada impiedosamente. Ingenuidade esperar, no entanto, que isso por si só assegure o presente e garanta o futuro.
Queira ou não, o Brasil faz parte de um ambiente internacional cujas variáveis não controla. Se a economia do planeta patina, mais cedo ou mais tarde sobra para nós. Não vivemos num sistema onde todos ganham sempre e ao mesmo tempo. No Brasil, isto só aconteceu em certo momento porque a disparidade é tamanha que melhorar a vida dos mais humildes não implicou prejuízo sensível para os mais ricos --pelo contrário. As estatísticas sobre a evolução de fortunas tropicais são categóricas a respeito.
Mas a gordura é finita. Cada vez mais é necessário partir para opções corajosas, mesmo nos limites da chamada economia de mercado. É uma escolha ideológica, sem dúvida. A tal busca da eficiência, do equilíbrio, do ajuste perfeito não passa de quimera acadêmica para encobrir alternativas fadadas a anular avanços sociais.
Por aqui também valem as palavras de gente como Paul Krugman ao analisar a situação europeia e as políticas draconianas de austeridade. Como se sabe, ele é tão bolchevique como são soviéticos os conselhos consultivos propostos em recente decreto governamental. Diz Krugman: "O hábito da elite europeia de disfarçar a ideologia como conhecimento especializado, de fingir que aquilo que ela deseja fazer é aquilo que precisa ser feito, criou um deficit de legitimidade. A influência da elite repousa em uma presunção de conhecimento superior; quando surge prova de que essas alegações de superioridade são falsas, ela não tem onde se apoiar".
Em outras palavras, alguém tem que ceder. A dúvida é saber se o PT está mesmo disposto a aprofundar um modelo favorável aos mais pobres ou se, em nome de alianças difusas e postos de governo, imagina seguir em frente na base do banho-maria.


Texto de Ricardo Melo, na Folha de São Paulo

Caso extremo de americana com transtorno mental materno reacende tema incômodo

Cindy Wachenheim era alguém com quem as pessoas não achavam que precisavam se preocupar. Ela era uma advogada equilibrada que trabalhava para a Suprema Corte estadual, uma tia favorita que brincava no chão com suas sobrinhas e sobrinhos, e, finalmente, aos 44 anos, a mãe que sempre sonhou ser.
Mas quando seu bebê tinha poucos meses de idade, ela ficou obcecada com a ideia de que tinha lhe causado um dano cerebral irreversível. Nada podia lhe remover essa certeza, nem mesmo as repetidas garantias dos médicos de que ele era normal.
"Eu o amo tanto, mas é obviamente um tipo terrível de amor", ela agonizou em uma carta manuscrita de 13 páginas. "É um amor onde não posso suportar saber que ele sofrerá física, mental e emocionalmente por grande parte de sua vida."
Em 13 de março de 2013, Wachenheim amarrou seu filho de 10 meses em um canguru ao seu peito e saltou para a morte da janela no oitavo andar de seu apartamento no Harlem.
"Eu fiquei muito mal por pensar que, involuntariamente, causei um dano cerebral ao meu bebê lindo e precioso. Eu não quero viver", ela escreveu pouco antes de pular.
A história de Wachenheim fornece um doloroso caso de estudo da experiência de uma mulher com transtorno mental materno em sua forma mais extrema e rara. Ele também ilumina algumas conclusões surpreendentes de pesquisa que estão redefinindo o entendimento científico dessas desordens: que elas frequentemente se desenvolvem mais tarde que o esperado e incluem sintomas não apenas de depressão, mas de males psiquiátricos.
Agora, essas desordens de humor, há muito escondidas em vergonha e medo, estão saindo das sombras. Muitas mulheres têm medo de reconhecer visões assustadoras ou ausência de emoções, acreditando que deveriam estar repletas de alegria maternal ou temendo perder seus bebês.
Mas agora estão surgindo grupos de defesa para transtorno mental materno e algumas mães estão escrevendo em blogs sobre suas experiências com sinceridade notável. Uma dúzia de Estados aprovou leis que encorajam exames, educação e tratamento. E celebridades como Brooke Shields, Gwyneth Paltrow e Courteney Cox revelaram sua depressão pós-parto.
A irmã de Wachenheim, Deb, está entre aquelas que estão quebrando o silêncio.
"Nós tentamos ajudá-la, mas talvez se tivéssemos mais conhecimento sobre os transtornos de humor pós-parto, incluindo o fato de a depressão pós-parto ser apenas um de uma série de transtornos de humor, nós poderíamos ter feito algo diferente que talvez tivesse salvado sua vida", ela escreveu em um e-mail.
A experiência de Cindy Wachenheim desafiava a antiga crença entre médicos e especialistas de que os sintomas surgem poucas semanas após o parto. Ela parecia bem até seu filho ter cerca de 4 meses, disseram a família e amigos. E como uma mulher saudável e ativa, Cindy não tinha fatores de risco que sinalizavam para uma mãe que poderia se tornar delirante e suicida.
"Ela amava a vida, amava a família e era social", disse sua cunhada, Karen Wachenheim.
Na verdade, Cindy, por muito tempo interessada em questões da mulher e em justiça social, identificou anos antes a depressão pós-parto em Karen. "Cindy ligava pelo menos uma vez por dia para checar como eu estava", lembrou Karen. "Ela dizia, 'Talvez você esteja com depressão pós-parto'."
Por insistência de Cindy, Karen procurou terapia e medicação, se recuperando rapidamente.

Um filho que era 'meu coração'

Cindy cresceu em Colonie, Nova York, vizinha de Albany, onde foi a oradora de sua turma no colégio. Ela cursou a Universidade Estadual de Nova York, em Buffalo, e a Escola de Direito de Columbia. Ela apreciava o serviço público e conseguiu um emprego fazendo pesquisa e escrevendo para os juízes da Suprema Corte estadual em Manhattan.
Quando a mãe dela adoeceu com leucemia e, posteriormente, seu pai com câncer de pulmão, Cindy viajava para o interior para acompanhá-los nas consultas médicas. Quando seus irmãos ou seus filhos tinham exames médicos, Cindy anotava as datas em sua agenda e avisava na véspera para colegas cobrirem sua falta.
"Eu acho que ela também guardava essas agendas, em uma caixa de sapato", disse o irmão dela, Ron. "Algumas pessoas colecionam selos; ela colecionava essas coisas."
Ela se casou aos 40 anos e ela e seu marido passaram por tratamento de fertilidade. Ela abortou duas vezes. Mas a família e amigos disseram que apesar de lamentar as perdas e ter que lidar com os hormônios de fertilidade, ela permaneceu esperançosa, notando que os médicos disseram ser um bom sinal ela ter conseguido engravidar.
"Ela achava que devia continuar tentando e lidar com cada passo a seu tempo", disse uma velha amiga, Julie Knapp.
Especialistas dizem que há pouca evidência ligando tratamento de fertilidade com transtorno mental pós-parto; de fato, engravidar costuma trazer mais alegria do que estresse. Mesmo assim, Wendy N. Davis, diretora executiva da Postpartum Support International, disse que algumas mulheres experimentam um estresse cumulativo dos "tratamentos de fertilidade, das muitas perdas e das expectativas muito altas de que curtirão o novo bebê".
Posteriormente, Cindy conseguiu uma gravidez normal, com sua única experiência fora do normal sendo uma tendência de ser hiperciente de quando o feto chutava.
Cindy deu à luz normalmente e adorava seu filho, o chamando frequentemente de "meu coração".
"Não diferente de muitas mulheres bem-sucedidas, ela era um tanto perfeccionista e também queria ser a mãe perfeita", disse Deb. Mesmo assim, ela era descontraída nos primeiros meses de vida de seu filho, mesmo quando teve que introduzir o leite em pó precocemente, porque produzia leite materno insuficiente, disse Deb.
Mas quando seu filho tinha 4 meses, Cindy enviou um e-mail para Deb que ele estava fazendo "movimentos espasmódicos estranhos com o braço direito", quase como "se batesse uma asa".

Pequena queda

A pediatra disse que não era nada com que se preocupar, mas Cindy pesquisou diagnósticos na internet. Ela se fixou em um caso ocorrido poucas semanas antes, em agosto, quando, enquanto lavava roupa, ela deixou brevemente o filho em um tapete para bebê no chão. Ele caiu ao tentar se erguer, batendo a cabeça.
Ela passou a acreditar que o episódio insignificante tinha lhe causado problemas neurológicos severos: convulsões, autismo, concussão. Ela passou a se culpar por ter saído da sala, por colocar o tapete em um piso duro. Outros incidentes a alarmaram e ela decidiu que ele estava mais irritadiço, sorrindo menos.
Após consultar dois neurologistas pediátricos, ela consultou um especialista em paralisia cerebral, porque seu bebê nem sempre exibia o reflexo de Landau, uma pose tipo Superman que os bebês fazem quando erguidos no ar, com a barriga para baixo.
Em outubro de 2012, quando seu filho tinha 5 meses, ela enviou um e-mail para um médico que ela visitou naquele dia: "Quando você diz que os bebês não podem ferir seus cérebros mesmo após várias batidas de cabeça de quedas quando estão no chão, isso inclui batidas na parte posterior ou lateral da cabeça?"
O médico respondeu: "Isso mesmo. Batidas de cabeça que o bebê pode sofrer durante movimentos espontâneos não causam lesão. Os bebês são realmente resistentes (felizmente)!
"Cindy enviou ao médico um vídeo de seu filho, notando que "ele quase sempre move a mão direita quando está segurando um brinquedo, tentando pegar algo etc."
O médico respondeu: "Para mim, todos os movimentos dele parecem normais, movimentos apropriados para a idade".
Os irmãos dela asseguravam que seus filhos faziam movimentos semelhantes, mas ela não mudava de ideia. Sem dizer para sua irmã, Deb ligou para a pediatra, que disse também estar preocupada com Cindy. Deb disse que o marido de Cindy também se preocupava, apesar de "parte dele dizer: 'Talvez ela esteja certa. Ela é inteligente e está com o bebê o tempo todo'".
Mesmo assim, tanto o marido de Cindy quanto os irmãos dela insistiam para que ela procurasse por terapia.
"Eu realmente quero que você procure alguém", Deb disse a Cindy por e-mail. "Você não pode continuar assim, pelo seu bem e pelo bem dele."
Cindy concordou, mas insistia que não sofria de nenhum transtorno mental pós-parto. Ela dizia para sua família que estava apenas deprimida por causa do mal que causou ao seu bebê.
"Você não pode imaginar como é acreditar que ele tem uma lesão cerebral e que eu a causei", ela escreveu por e-mail para Deb. "Deve ser um dos maiores pesadelos para qualquer mãe. Eu te amo. Cindy."

Consumida pela preocupação

Especialistas dizem que essas perdas de contato com a realidade são sintomas prováveis de psicose pós-parto, que afeta apenas uma ou duas entre 1.000 mães. Cerca de 4% delas ferem seus filhos, cerca de 5% se matam.
Casos flagrantes geralmente surgem logo após o parto; as mulheres podem ouvir vozes ou se sentirem compelidas a causar mal, como Andrea Yates, que afogou seus cinco filhos em uma banheira em 2001, ou Dena Schlosser, que em 2004 arrancou os braços de seu bebê. Ambas as mulheres acabaram sendo declaradas não culpadas por motivo de insanidade.
"Formas mais sutis de psicose podem ser percebidas depois", disse a dr. Katherine Wisner, uma professora de psiquiatria e obstetrícia da Universidade do Noroeste. Essas mulheres "tendem a ter pensamentos delirantes prolongados: 'Há algo realmente errado com meu bebê'".
A maioria dos transtornos de humor maternos não envolvem convicções irreais inabaláveis; a maioria das mulheres sabe que algo que está errado, e apesar de temerem fazer mal aos seus filhos, elas raramente fazem.
No Dia de Ação de Graças de 2012, a família de Cindy se reuniu na casa de seu irmão Ron perto de Albany, e Cindy, normalmente extrovertida, parecia consumida pelos supostos problemas de seu filho. Ela disse a Deb que pensava em suicídio, dizendo: "Como você pode viver sabendo que arruinou a vida do seu bebê e que foi sua culpa?"
Deb ficou atônita. Ela e o marido de Cindy discutiram a situação, na esperança de que terapia resolveria.
Mais tarde durante aquela visita, o bebê rolou para fora de uma cama baixa. Foi uma das várias vezes que Cindy entrou em pânico e o levou para o pronto-socorro, onde os médicos disseram que ele estava bem.
No mês seguinte, Cindy começou a frequentar um psiquiatra, que prescreveu Zoloft, um antidepressivo. Ela visitou brevemente outros psicólogos para psicoterapias. Amigos ofereciam apoio e companhia.
Em um fim de semana em janeiro na casa de Ron, ela parecia mais sorridente e mais participante. Quando Deb perguntou, ela reconheceu que continuava pensando em suicídio, mas que seu psiquiatra lhe disse que não era preocupante demais, "desde que não se tornem mais frequentes", lembrou Deb.
Parentes e amigos agora se perguntam se ela estava fingindo estar se sentindo melhor. "Agora eu acho que ela recuou, para que ninguém pensasse que ela estava louca", disse Karen.
Os especialistas dizem que os sintomas da psicose pós-parto podem flutuar. Às vezes as mulheres ficam "lúcidas e não delirantes", disse Davis, da Postpartum Support International. "Então elas retornam mais facilmente aos delírios do que em outros tipos de psicose."
Os sinais ambíguos de Cindy prosseguiram até março. Ela discutiu voltar a trabalhar e procurar uma creche. Em uma visita a sua sogra em Long Island, ela ligou para Deb enquanto caminhava à beira-mar e parecia bem. Mas no dia seguinte, no domingo, o bebê caiu enquanto empurrava uma cadeira na cozinha de sua avó. Cindy considerou o caso outra "batida de cabeça" desastrosa.
Na terça, Cindy estranhamente cancelou seu horário no psiquiatra, dando a chuva como desculpa. Na quarta, como às vezes fazia, Cindy pediu ao marido que deixasse o trabalho e voltasse para casa. Quando ele chegou, ela disse que a manhã do menino tinha sido difícil, mas que ela estava se sentindo melhor. Após poucas horas, ele voltou ao trabalho.
Naquela tarde, com o bebê preso ao seu peito, ela saltou.
"Eu lamento muito, apesar de saber que nada pode desfazer o mal que fiz", dizia sua carta de despedida. "Eu queria tanto ser mãe e esperava ser uma maravilhosa, e em vez disso me tornei a pior das piores."
À procura de coisas para se culpar, ela descreveu momentos inofensivos: colocar um cobertor leve sob o rosto dele para aquecê-lo, deixá-lo chupar uma folha, colocar brevemente uma moeda na boca dele e imediatamente removê-la. "As coisas que fiz foram horríveis", ela escreveu.
Ela estava certa que seu filho nunca andaria e acreditava que a queda mais recente tinha lhe causado uma concussão. "Eu sinto muito, mas não posso permitir que ele sofra mais e mais."
Ela disse que sabia que outros veriam seu suicídio como resultado de "psicose/depressão pós-parto". Mas, ela disse, "eu sei que estou certa que fiz mal a ele por engano. Eu não estou dizendo que uma voz me disse para fazer isso". Ela até mesmo repreendeu a si mesma por ruir emocionalmente, dizendo que tornou seu filho um bebê menos feliz.
"Eu não sei se existe um inferno", ela escreveu, "mas espero que sim".
Cindy Wachenheim nunca soube que, em seu último ato, seu corpo amorteceu a queda para seu filho e salvou a vida dele. Semanas depois, um menininho sadio deu seus primeiros passos.

Reportagem de Pam Belluck, para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradutor: George El Khouri Andolfato

Egito condena jornalistas da Al Jazeera a sete anos de prisão

Três jornalistas da Al Jazeera acusados de apoiar a Irmandade Muçulmana foram condenados a sete anos de prisão no Egito.

Um tribunal no Cairo condenou o australiano Peter Greste e os egípcios Mohammed Fahmy e Baher Mohamed por espalhar notícias falsas e apoiar o grupo islâmico, que foi banido no país. Eles estão presos há seis meses e negam as acusações.

Nove acusados julgados à revelia, incluindo três jornalistas estrangeiros, foram condenados a dez anos de prisão.

O processo causou indignação internacional em meio a acusações de que teria motivações políticas.

Baher Mohamed foi condenado a mais três anos de prisão em um processo separado envolvendo a posse de armas.

Restrição à imprensa

A Al Jazeera disse que apenas nove dos 20 acusados são funcionários seus. Os outros seriam estudantes e ativistas. Dois deles foram absolvidos nesta segunda-feira.

Fahmy e Mohamed estavam entre os 16 egípcios acusados de pertencer a uma organização terrorista e de "prejudicar a unidade nacional".

Greste, ex-correspondente da BBC, e outros três jornalistas que deixaram o país - os repórteres britânicos Dominic Kane e Sue Turton, também da Al Jazeera, e a jornalista holandesa Rena Netjes - foram acusados de divulgar informações falsas e colaborar com os réus egípcios através de doações em dinheiro, equipamento e informação.
O julgamento ocorre em meio a crescentes restrições ao trabalho da imprensa no Egito.

A Al-Jazeera, sediada no Catar, está proibida de operar dentro do Egito após autoridades terem acusado o canal de transmitir reportagens favoráveis ao ex-presidente Mohammed Morsi e a Irmandade Muçulmana. A Al Jazeera nega as acusações.

O Catar apoia a Irmandade e é visto com ceticismo pelo governo egípcio.


Reprodução da BBC Brasil no UOL Notícias

Dez anos sem Brizola, o galo


Há dez anos, morria o grande Leonel de Moura Brizola, o homem da Legalidade. Hoje, quero falar como a ele se referem os gaúchos nas ruas, nos bares e em qualquer simples: esse era galo. É assim que se diz. O velho Briza era de faca na bota. Esse era dos nossos. As expressões populares destacam a coragem, o ímpeto, o espírito de fogo, o entusiasmo e o engajamento do líder trabalhista. Houve poucos como Brizola neste nosso universo político de eternos defensores do poder e de reprodutores das desigualdades. Brizola errou e acertou como todo mundo. Acertou muito mais. Nunca se omitiu. Além de ter sido um grande construtor de escolas, iniciou a reforma agrária no Rio Grande do Sul.
Fazer isso exigia fibra, valentia e determinação.
Em 1961, Brizola impulsionou o MASTER, o Movimento dos Agricultores Sem Terra, antecessor do MST. Naqueles tempos de vergonhosa concentração de terras, deu uma estocada magistral no latifúndio soberano e intocável. Brizola criou o Instituto Gaúcho de Reforma Agrária. Na Fazenda Sarandi, berço da reforma agrária, enfrentou o absurdo: 20 mil hectares improdutivos. Em 1962, bancou a reforma agrária do Banhado do Colégio, em Camaquã, 25 mil hectares para famílias desesperadas por trabalho. Para coroar seu reformismo, usou 45% das terras herdadas por sua mulher, Neusa, para uma experiência, na fazenda Pangaré, em Palmares: 30 agricultores receberam 1.038 hectares para a instalação da cooperativa Bacopari. A imprensa e os setores conservadores caíam de pau em cima dele. Nunca seria perdoado.
Tocou no ponto mais sensível do conservadorismo.
Foi o melhor governador da história do Rio Grande do Sul. Encampou as companhias estrangeiras de luz e telefone. Deu um tapa na cara do parasitismo internacional que prestava maus serviços, ganhava muito dinheiro e ignorava os apelos dos seus clientes. Eu me orgulho de ter escrito um livro, “Vozes da legalidade”, em homenagem às façanhas de Brizola. Guardo as primeiras linhas na ponta da língua: “Conta-se que o caçula rejeitou o próprio nome antes mesmo de saber o significado de um nome, como se houvesse uma misteriosa educação pelo nome, uma pedagogia da identidade, ele que, depois de se impor um nome, faria ecoar seu sobrenome pelo mundo inteiro, como se em cada etapa da sua vida precisasse de um novo batismo, chamando para si, numa solidão orgulhosa e inexplicável, por vezes melancólica e demorada, a tarefa de sentir o momento da virada e de se renomear até alcançar renome. Nascido Brizola, em Cruzinha, pedaço de Carazinho, distrito de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, em 22 de janeiro de 1922, chamado de Itagiba por uma mãe zelosa e aflita…”
Itagiba virou Leonel, que virou Leonel Brizola. Andou pelo mundo. Viveu a amargura do exílio. Coloriu os debates políticos com sua retórica maravilhosamente floreada de metáforas e tiradas espirituosas. Deixou um legado, do seu governo no Rio Grande do Sul, de 5902 escolas, 278 escolas técnicas e 131 ginásios. Até hoje, não foi batido.
Esse era galo.
Daí o ódio por ele dos conservadores.

sábado, 21 de junho de 2014

Apertem os cintos!

Enquanto o espetáculo da Copa do Mundo se desenrola a olhos vistos, distraindo um pouco dos problemas cotidianos, no mundo menos glamouroso da política real desenha-se um cenário preocupante. Se nada mudar, quando o país sair do sonho futebolístico vai se ver em meio a uma turbulência de longa duração.
O combustível básico da inquietude é a insatisfação com os sinais de que a economia parou. A falta de perspectiva torna mais aguda a irritação de todos a cada dia. É como em um congestionamento quando nada se mexe: o número de exasperados cresce de maneira contínua.
Em seguida, entrará em cena uma campanha eleitoral agressiva. Nem pode ser diferente, pois os partidos e candidatos precisarão dialogar com o humor daqueles que vão decidir na urna eletrônica. A disputa tensa e polarizada, com acusações pesadas, vai acentuar o clima de vale-tudo que se espalha Brasil afora.
Mas o pior está por vir. Quando se busca avaliar, nos diversos campos, as alternativas oferecidas para desobstruir o engarrafamento, o pessimismo aumenta. Com exceção de algumas poucas vozes isoladas, a solução apresentada é quase sempre a mesma: "ajuste". Discute-se o tamanho do ajuste, sua intensidade e duração, mas é raro alguém discordar que ele virá em 2015.
Para os que não gostam de discussões econômicas, traduzo. Há inúmeras variações, mas ajuste, quer dizer, em linhas muito amplas, aumento de preços represados, sobretudo na área de energia, e em consequência, aumento de juros para segurar a inflação causada pela elevação de tarifas. Depois, corte de gastos públicos, em parte para pagar juros. Para os "ajustistas" mais radicais seria bom que houvesse também um aumento do desemprego em função da contração da atividade econômica, resultando em aumento da competitividade nacional pelo barateamento da mão de obra.
Ou seja, se alguém na "fila" está achando que, passadas as eleições, a situação do "trânsito" vai melhorar, enganou-se. A julgar pelo que se lê, vai piorar. Como cientista político que busca estar atento aos movimentos da sociedade brasileira, vejo-me na obrigação de advertir que tais receitas vão jogar gasolina em uma situação de per si explosiva. Vale lembrar que junho de 2013 foi o início de uma longa fase de luta, em que diferentes camadas entraram em um conflito distributivo acirrado.
Por isso, prefiro ainda ouvir as poucas cabeças que tentam pensar propostas diferentes, como a de Benjamin Steinbruch na Folha (17/6) e a de Amir Khair no "Estado de S. Paulo" (15/6). Precisamos escapar do famigerado "ajuste", o qual, além do mais, passe o trocadilho, é sempre injusto com quem tem menos.


Texto de André singer, publicado na Folha de São Paulo

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Blindado, Felipe 6º é coroado e defende 'unidade' da Espanha

Blindado, Felipe 6º é coroado e defende 'unidade' da Espanha
Novo rei pede 'renovação' da monarquia, cuja popularidade cai; atos pró-república são vetados
Filho de Juan Carlos diz que terá 'conduta íntegra', em referência ao caso de corrupção que desgastou a família
LEANDRO COLONENVIADO ESPECIAL A MADRI

O rei Felipe 6º, 46, foi coroado nesta quinta-feira (19) com um discurso de "renovação" e pela "unidade" do país, em uma celebração na qual a família real foi blindada contra protestos.
Com a proibição judicial de uso de símbolos e manifestações pró-república, o clima em Madri foi festivo e favorável ao novo rei.
Ele "jogou em casa", sem torcida adversária, apesar do baixo público em grande parte das avenidas por onde ele e a rainha Letizia passearam num luxuoso Rolls Royce, sob escolta da guarda real.
O tão esperado discurso no Congresso ficou dentro das expectativas --sóbrio, em tom de defesa da "unidade", falando em mudança: "Encarno uma monarquia renovada para novos tempos".
Estabeleceu ainda como "prioridade" a recuperação da economia do país, cuja fragilidade desgastou a monarquia. "Temos também a obrigação de transmitir uma mensagem de esperança, especialmente aos mais jovens, para a solução de seus problemas e, em particular, a obtenção de emprego."
O pai de Felipe 6º, o rei Juan Carlos, 76, que abdicou do trono, foi discreto. Na companhia da rainha Sofia, surgiu ao lado do filho por alguns minutos na varanda do Palácio Real para saudar as centenas de pessoas que, sob um calor de 30°C, esperavam um aceno. Apesar da abdicação, Juan Carlos continuará com o título de rei.
Na região do Palácio Real, bem como no percurso de carro feito pelo casal, só era permitido se manifestar a favor do rei, com gritos de "viva o rei", "viva a monarquia", "viva a Espanha", entre outros.
Cerca de 7.000 agentes foram escalados para os festejos. Policiais usaram detectores de metais e revistaram todos que queriam circular na rota por onde o rei passaria.
Ao menos oito pessoas foram detidas durante o dia por se manifestarem contra a monarquia, mas nada que tenha ameaçado a celebração real (leia texto abaixo).
Cristina, filha de Juan Carlos e irmã do rei Felipe 6º, foi a grande ausente. Ela e seu marido, Iñaki Urdangarin, são suspeitos de crime fiscal e lavagem de dinheiro por meio de uma ONG, episódio que desgastou a família real recentemente e contribuiu para Juan Carlos sair de cena.
Em seu discurso, o novo rei afirmou que vai prezar pela "dignidade da instituição, preservar seu prestígio e observar uma conduta íntegra, honesta e transparente".
Um dos seu principais desafios será enfrentar o referendo, não reconhecido pelo governo espanhol, de independência da Catalunha, marcado para novembro.
"Quero reafirmar, como rei, minha esperança na unidade da Espanha", disse Felipe 6º. "Nesta Espanha unida e diversa, baseada na igualdade dos espanhóis, cabemos todos. Cabem todos os sentimentos e sensibilidades", acrescentou.
O novo casal real recebeu 2.000 convidados para um coquetel no palácio. O discurso de Felipe 6º foi interpretado em Madri como um sinal de que ele está disposto a recuperar a imagem arranhada da monarquia espanhola, que a cada ano vem perdendo popularidade, sobretudo entre os mais jovens.
Desde a abdicação de Juan Carlos, cresceram os protestos a favor de um referendo pró-república. O deputado Gaspar Llamazares, do partido da Esquerda Plural, por exemplo, boicotou a sessão desta quinta-feira (19) que proclamou o novo rei.


Reprodução da Folha de São Paulo

Destaque do blogueiro para a manifestação democrática da justiça espanhola.

O que querem os Estados Unidos

O relacionamento entre os Estados Unidos e o Brasil anda péssimo desde que Edward Snowden, ex-agente da Agência Nacional de Segurança (NSA), revelou documentos que mostravam o Brasil como um dos maiores alvos de espionagem pela agência.
Os abusos incluíam coleta em massa de milhões de registros de e-mail e telefones de brasileiros, escuta das comunicações pessoais da presidente Dilma Rousseff e invasão dos sistemas de computação da estatal brasileira Petrobras, com claros benefícios comerciais para grandes empresas norte-americanas.
Dilma resumiu tudo de forma muito sucinta em um discurso franco nas Nações Unidas em setembro, denunciando "grave violação de direitos humanos e liberdades civis" e "desrespeito à soberania nacional".
Mas agora, graças a novos documentos revelados por Ryan Devereaux, Glenn Greenwald e Laura Poitras no Intercept, descobrimos que existe outra agência norte-americana trabalhando com a NSA que representa ameaça semelhante: a Agência de Combate às Drogas (DEA). De acordo com os documentos, não se trata apenas de a NSA ajudar a DEA a capturar traficantes, mas de a DEA ajudar a NSA quanto a seus programas de espionagem não relacionados a drogas.
Do Intercept: "A DEA na verdade é uma das maiores operações de espionagem que existe", disse Finn Selander, antigo agente especial da DEA. "Os países permitem que entremos porque não nos veem como organização de espionagem".
Essa é potencialmente uma violação de confiança diplomática ainda mais grave do que a espionagem pela NSA que Dilma denunciou na ONU. Governos permitem o acesso da DEA a recursos policiais, de inteligência e militares --o que pode incluir escutas-- como parte de um esforço colaborativo com os Estados Unidos para combater o crime organizado. Não esperam que, ao fazê-lo, estejam involuntariamente auxiliando a NSA e o enorme aparelho de inteligência norte-americano em espionagem não autorizada, para propósitos políticos ou comerciais.
Enquanto isso, no Brasil, ainda que Dilma tenha recebido o vice-presidente americano, Joe Biden, nesta semana, em visita oficial em Brasília, não parece que receberá um pedido formal de desculpas do presidente Barack Obama nem a garantia de que os abusos não se repetirão no futuro.
Parece que uma melhora no relacionamento terá de esperar até as eleições presidenciais brasileiras em outubro. Embora os detratores de Dilma digam que isso acontece porque ela está fazendo pose para fins eleitorais, o mais provável é que os cálculos eleitorais estejam acontecendo do outro lado: Washington espera ver um presidente mais subserviente à política externa dos Estados Unidos. Afinal, o problema do desrespeito norte-americano à soberania da América Latina vai muito mais fundo que os escândalos de espionagem. Ainda que tenha sido George W. Bush que o expressou de modo mais aberto --os países "estão ou conosco ou contra nós"--, esse continua a ser o princípio que orienta as ações de Washington no continente.


Texto de Mark Weisbrot, publicado na Folha de São Paulo

Com -4,6ºC em Ausentes, RS volta a ter marcas negativas

Com -4,6ºC em Ausentes, RS volta a ter marcas negativas

Porto Alegre registrou a temperatura mais baixa do ano com 3ºC



O Rio Grande do Sul registrou nesta sexta-feira marcas negativas pelo nono dia no ano, segundo a Metsul Meteorologia. A mínima do Estado ocorreu em São José dos Ausentes, nos Campos de Cima da Serra, onde os termômetros marcaram -4,6ºC. 

Santa Rosa registrou a segunda temperatura mais baixa do Estado: -3ºC. Em Canela, na Serra gaúcha, os termômetros chegaram a -2,6ºC e em Santana do Livramento, André da Rocha e Quaraí, na Fronteira Oeste, as mínimas variaram de -1,8ºC a -1,6C. 

Em Vacaria a mínima foi de -0,9ºC, em Alegrete, -0,7ºC e em Santa Maria -0,6%. Em Erechim, no Norte do Estado, a temperatura também baixou, às 10h os termômetros ainda marcavam 2ºC e foi registrada a segunda geada forte consecutiva do ano. Já em Porto Alegre a mínima foi de 3ºC, segundo o sistema Metroclima a mais baixa do ano. 


Reprodução do Correio do Povo.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Boa como antes, obra atual de Chico não fala com o presente

Boa como antes, obra atual de Chico não fala com o presente
Alvo de ódio na internet, artista que ajudou a pensar o séc. 20 faz 70 hoje
LUIZ FERNANDO VIANNAESPECIAL PARA A FOLHA

Se era incômodo para Chico Buarque ser classificado como unanimidade nacional, ele completa aliviado hoje seus 70 anos. Chico é odiado por muita gente.
Ao menos é o que se deduz da fartura de comentários negativos que podem ser lidos em sites noticiosos e nas redes sociais.
O nível é similar ao utilizado contra a presidente Dilma Rousseff na abertura da Copa --os autores devem ser da mesma (falta de) classe e ter o mesmo, digamos, pensamento político.
Chico já riu desse ódio em vídeo divulgado em 2011, quando do lançamento de seu último CD de inéditas. Mas tanta fúria talvez não se resuma ao proverbial horror brasileiro, que Tom Jobim ressaltava, a quem faz sucesso.
Ao contrário do que prega o lugar-comum, as composições mais recentes de Chico são, no mínimo, do mesmo nível das que ele fez em décadas passadas. Mas dizem pouco, ao menos diretamente, sobre o tempo presente.
Nem há presente em muito do que ele vem escrevendo desde o final dos anos 1980. Seus quatro romances publicados embaralham épocas e lugares, driblando linearidades. Bem diferente da novela política "Fazenda Modelo" (1974).
São várias as canções em que o tempo corre a despeito de realismos: "Todo o Sentimento", "Valsa Brasileira", "Futuros Amantes", "Bolero Blues" etc.
As melodias se tornaram ainda mais complexas; as harmonias, mais imprevisíveis.
Cobra-se dos grandes artistas uma produção que acompanhe e explique a atualidade. A velocidade das informações e de tudo tornou arriscadíssima essa missão.
E Chico, ao contrário de Caetano Veloso, não se preparou para ela.
Na última vez em que o compositor tentou entrar no debate público, quebrou a cara. Sua opinião a favor da proibição de biografias não autorizadas mostrou que devia ter conversado e pensado mais antes de falar.
A privatização no Brasil do espaço público (nos aspectos físico e simbólico) levou o individualismo e, por tabela, a intolerância a determinarem o rumo das discussões.
Transformado na arena principal, o Facebook reflete isso. As opiniões precisam ser tão rápidas quanto peremptórias; ou se é PT ou PSDB; ou se é qualquer coisa ou se é contra qualquer coisa.
Fazer selfies e trocar diariamente a foto do perfil é o que muitos parecem entender como participar da vida pública.
Basta olhar para a obra de Chico, sobretudo a recente, e ver que ele não tem os melhores recursos para viver nessa selva.
Se a nossa vida pessoal virou mercadoria tão barata, como ter calma e delicadeza para apreciar canções como "Nina" e "Sem Você 2", nas quais os sentimentos são bens valiosos?
Ainda bem que, tão forte que é, "Sinhá" se impôs em meio à barulheira.
Já faz tempo que Chico Buarque perdeu o sentido da urgência. E nós vivemos soterrados por ela.
Mesmo no passado, ele nem sempre foi feliz quando quis falar do momento em que vivia. Uma peça como "Roda Viva" e canções como "Agora Falando Sério" e "Cara a Cara" mostram os perigos da instantaneidade.
Ele acertou muito mais quando se aproximou do presente a partir da poesia ("Sabiá"), do humor ("Acorda, Amor") ou da história ("Calabar").
Mas isso de pouco vale a quem descobriu na internet um parque de diversões para seus monstrinhos interiores. Essa turma vê (e condena) Chico como representante dos status quo acadêmico (é filho de um grande historiador), cultural e agora político (com o PT no poder).
Não interessa que ele seja um dos artistas fundamentais para se pensar o Brasil do século 20. Quem odeia, por definição, não pensa.
E Chico ainda desperta inveja por ter um apartamento em Paris, onde, para sorte dele, passa o dia de hoje. Estivesse andando por aqui, poderia ouvir mais de perto um corinho virtual: "Chico, vai tomar no c...". Talvez o corinho surja nos comentários a este texto.

Forças Armadas silenciam sobre tortura e assassinatos na ditadura

Forças Armadas silenciam sobre tortura e assassinatos na ditadura
Exército, Marinha e Aeronáutica negam ter usado quartéis em desacordo com legislação da época
Comissão da Verdade apontou 24 vítimas em instalações militares que foram objeto de sindicâncias internas
LUCAS FERRAZDE SÃO PAULO

As Forças Armadas silenciaram sobre os assassinatos e casos de tortura ocorridos em suas unidades durante a ditadura militar (1964-1985) em investigação interna realizada a pedido da Comissão Nacional da Verdade.
Exército, Marinha e Aeronáutica afirmaram em relatórios enviados na terça-feira (17) à comissão que não houve desvio de finalidade em suas unidades e que as setes instalações citadas no pedido de investigação funcionaram no período de acordo com a legislação vigente à época, como informou o jornal "O Globo" nesta quarta-feira (18).
Sobre os casos de presos políticos detidos, torturados ou assassinados nas unidades citadas, as três Forças não fizeram qualquer menção.
O Ministério da Defesa e os comandantes militares não se manifestaram sobre a conclusão dos trabalhos. Os membros da comissão informaram que primeiro vão analisar os resultados e que o grupo deve se pronunciar sobre o tema nos próximos dias.
No dia 1º de abril, data que marcou os 50 anos do início da ditadura, as Forças Armadas anunciaram a abertura da investigação para apurar a prática de tortura e mortes ocorridas em sete unidades militares durante o período.
Era, desde a redemocratização, a primeira apuração dos próprios militares sobre os crimes da ditadura.
Céticos desde o início sobre a real disposição das Forças Armadas em investigar os próprios crimes, os comissários queriam, com o pedido, forçar os militares a se posicionar sobre o assunto, ainda hoje um tabu nos quartéis.
Foram sete as instalações analisadas: as unidades dos antigos DOIs (Destacamentos de Operações de Informações do Exército) no Rio, em São Paulo e no Recife; os quartéis da 1ª Companhia da Polícia do Exército da Vila Militar, no Rio, e do 12º Regimento de Infantaria do Exército, em Belo Horizonte; a Base Naval da Ilha das Flores e a Base Aérea do Galeão.
Dezenas de presos foram torturados ou mortos nesses locais. No pedido, a Comissão da Verdade apontou 15 presos torturados e 9 mortos nessas unidades. Em todos esses casos, o Estado brasileiro reconheceu a responsabilidade nos episódios e indenizou vítimas e familiares.
Embora independentes, os relatórios das Forças Armadas são similares no conteúdo. Citam documentos e leis da época, fazem um longo e prolixo histórico sobre as unidades, mas não abordam as mortes e torturas. Exército, Marinha e Aeronáutica alegaram não ter documentos --que dizem terem sido destruídos-- que pudessem "corroborar a afirmação" da comissão de que houve "desvio de finalidade" nas instalações militares. Para as instituições, não houve qualquer irregularidade.
"Não foram encontrados registros formais que permitam comprovar ou mesmo caracterizar o uso das instalações militares para fins diferentes dos que lhes tenham sido prescritos", afirma o relatório do Exército, referindo-se ao DOI de São Paulo, um dos mais violentos da repressão.

Reprodução da Folha de São Paulo