quinta-feira, 17 de julho de 2014

Palestina, o sonho acabou?

As explosões que abalam Gaza e Israel abafaram um ruído que é potencialmente muito mais perigoso.
Refiro-me às declarações do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu de que Israel tem de se assegurar de que "não haverá outra Gaza na Judeia e Samaria" (como os judeus se referem ao território que a comunidade internacional trata por Cisjordânia e é habitado majoritariamente pelos palestinos).
Mais especificamente, Netanyahu declarou:
"Acho que o povo de Israel compreende agora o que eu sempre disse: não pode haver uma situação, sob qualquer acordo, na qual nós renunciemos ao controle de segurança no território a oeste do rio Jordão" (de novo, os territórios palestinos).
Tradução, segundo David Horovitz, fundador e editor do "Times of Israel", preciosa fonte de informação sobre a região:
"Não renunciar ao controle de segurança a oeste do rio Jordão, deve-se enfatizar, significa não dar a uma entidade palestina plena soberania lá. Significa não aceitar as demandas de Mahmoud Abbas [presidente da Autoridade Nacional Palestina], as demandas de Barack Obama, as demandas da comunidade internacional. (...) Essa sentença, muito simplesmente, determina o fim da noção de que Netanyahu consentiria no estabelecimento de um Estado palestino".
Com isso, prossegue Horovitz, "torna-se fora de questão uma Palestina plenamente soberana".
Tem razão: se já é perto de impossível alcançar um acordo sobre a delimitação dos territórios nos quais os palestinos terão soberania, torna-se inteiramente inviável qualquer entendimento que lhes ofereça soberania apenas parcial e se lhes é imposto um controle de segurança feito por uma potência estrangeira que não é exatamente bem amada nos territórios.
Como a anexação por Israel dos territórios palestinos teria um preço elevadíssimo, é razoável supor que Netanyahu esteja pensando em uma solução menos radical: a manutenção do status quo, em que a segurança de Israel fique mais ou menos garantida pelo muro que separa o Estado judeu dos territórios.
Funcionaria? Não, respondeu Philip Gordon, coordenador da Casa Branca para o Oriente Médio:
"Como Israel permanecerá democrático e judeu se tenta governar os milhões de palestinos que vivem na margem ocidental [do Jordão]? Como terá paz se não quer delinear uma fronteira, encerrar a ocupação e permitir aos palestinos soberania, segurança e dignidade?".
Se pensam assim um jornalista judeu e um alto funcionário do maior aliado de Israel, imagine-se então o que pensam os árabes e aliados menos incondicionais.
Posto de outra forma, Netanyahu está desejando uma não-solução. Mais: antes de poder implementá-la ainda tem de resolver a sua prioridade mais urgente, que ele mesmo diz que é "dar conta do Hamas".
Não é à toa, pois, que o escritor israelense Et­gar Ke­ret escreve para "El País" que, "nos bons tempos", conseguia produzir um texto pela paz a cada dois meses. Agora, "ao sentar-me diante do computador, não me saía nada".


Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo

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