terça-feira, 31 de julho de 2012

CIA minou combate à pólio no Paquistão


CIA minou combate à pólio no Paquistão

Na busca por Bin Laden, vacinadores colheram DNA

Por DONALD G. McNEIL Jr.

O assassinato de Osama bin Laden pode ter feito uma vítima acidental: a campanha global pela erradicação da pólio.
No Paquistão, a decisão da CIA de usar uma equipe de vacinação para entrar no imóvel de Osama bin Laden e colher informações e amostras de DNA claramente afetou a campanha nacional contra a pólio. A questão é: quanto?
Depois que o ardil do médico Shakil Afridi foi revelado por um jornal britânico, há um ano, vacinadores legítimos foram expulsos de aldeias, acusados de serem espiões.
Em junho, comandantes do Taleban em dois distritos proibiram as equipes de vacinação até que os EUA parassem seus ataques com aviões teleguiados. Um deles citou Afridi, que cumpre pena de 33 anos imposta por um tribunal local, como exemplo de como a CIA poderia usar a campanha para acobertar espionagens.
"Foi um retrocesso, sem dúvida", admitiu Elias Durry, coordenador da Organização Mundial da Saúde para a poliomielite no Paquistão.
Mas ele e outros líderes da guerra global à pólio dizem que já se recuperaram de reveses piores. Nos dois distritos, os montanhosos Waziristão do Norte e do Sul, vivem apenas 278 mil crianças menores de 5 anos de idade -o público-alvo da vacinação. No norte da Nigéria, por outro lado, onde a pólio está sendo vencida após anos de resistência da opinião pública, há milhões e milhões de crianças.
Além disso, disse Durry, os vacinadores atingiram 225 mil crianças no Waziristão antes da proibição. Todas elas irão precisar de várias doses para ficarem protegidas, mas cada dose dada é um tempo ganho. A verdade provavelmente só se revelará após o pico de casos da pólio nos meses de verão.
Em julho de 2011, a indignação atingiu o auge, quando o jornal londrino "The Guardian" expôs a conexão da CIA. Ela foi confirmada em janeiro pelo secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta. Em maio, quando Afridi foi sentenciado, grupos humanitários protestaram junto a David Petraeus, diretor da CIA.
"Dificilmente poderia haver iniciativa mais estúpida e certamente haveria uma reação, especialmente no caso da pólio", disse Zulfiqar Bhutta, especialista em vacinas da Universidade Aga Khan, no Paquistão.
Bhutta, que também dirige o comitê de ética científica do governo, disse que Afridi e a CIA deveriam ser "processados ou algo pior". Para estabelecer sua credibilidade, as equipes vacinaram bairros inteiros em Abbottabad sem permissão.
Os casos de paralisia infantil no mundo todo despencaram de 350 mil, na década de 1980, para cerca de 600, atualmente. O Paquistão teve 198 casos, no ano passado. Para cada caso conhecido, há cerca de 200 portadores sem sintomas, acreditam os especialistas. Desde o começo do ano, foram detectados apenas 22 casos no Paquistão. Mas o vírus permanece nas amostras de esgoto, o que significa que as pessoas continuam a evacuá-lo.
Rumores sobre a vacina da pólio abundam: que é um complô ocidental para tornar as meninas estéreis, que não é considerada limpa perante a lei islâmica, que contém o vírus da Aids.
Há cinco anos, quando partidários do Taleban agrediram vacinadores no Afeganistão, a Unicef e a OMS convenceram o líder do Taleban, mulá Muhammad Omar, a expedir salvo-condutos para as equipes.
Agora as agências querem negociar com comandantes locais no Paquistão.
"Eles sabem que não temos nenhum controle sobre os ataques com aviões teleguiados", disse Bruce Aylward, chefe de erradicação da pólio da OMS. "E ainda não conheci um pai que prefira ter um filho paralisado."
Bhutta disse que ainda acredita que o Paquistão irá eliminar a pólio. "Por mais trágico que seja, estou confiante de que a resistência vai sumir", disse ele. "O 'establishment' religioso racional já está envolvido e a minoria lunática é apenas a minoria lunática."



Guerra às drogas migra para a África


Guerra às drogas migra para a África

Por CHARLIE SAVAGE e THOM SHANKER

WASHINGTON - Numa expansão significativa da guerra às drogas, os Estados Unidos começaram a treinar uma unidade de elite da polícia antinarcóticos de Gana e unidades de planejamento na Nigéria e no Quênia, como parte dos esforços para combater os cartéis latino-americanos que cada vez mais usam a África para contrabandear cocaína para a Europa.
O crescente envolvimento na África ocorre após uma escalada dos esforços antidrogas na América Central.
Em ambas as regiões, as autoridades americanas reagem à preocupação de que a repressão em pontos mais diretos do contrabando -como México e Espanha- tenha levado os traficantes a atuarem em Estados menores e com governos mais fracos.
Mais atenção e recursos estão sendo mobilizados para o combate ao narcotráfico agora que as guerras do Iraque e do Afeganistão estão em fase de desmantelamento.
"Vemos a África como a nova fronteira em termos das questões de contraterrorismo e contranarcóticos", disse Jeffrey Breeden, chefe da seção da DEA (agência antidrogas dos EUA) para a Europa, a Ásia e a África.
As iniciativas ocorrem num momento em que várias apreensões foram feitas em Honduras desde maio, mas autoridades americanas tiveram de se justificar depois que agentes da DEA, acompanhando policiais hondurenhos, se envolveram em três operações que resultaram em mortes.
Na África, o esforço para combater o narcotráfico estaria cerca de três anos atrasado em relação à América Central.
Em maio, William Brownfield, secretário-assistente de Estado para questões de drogas e polícia, viajou a Gana e à Libéria para concluir a Iniciativa Cooperativa de Segurança da África Ocidental, que tentará replicar em 15 países as medidas previamente adotadas contra os cartéis na América Central e no México.
Brownfield disse que a intenção em ambas as regiões é melhorar a capacidade das nações para lidar com o narcotráfico, pela construção de instituições próprias e pela cooperação entre elas, partilhando inteligência e operando centros regionais de treinamento para agentes legais.
Mas, acrescentou ele, como os traficantes já se mudaram para a África, há também a necessidade imediata de unidades policiais de elite, já treinadas e submetidas a testes.
Bruce Bagley, professor da Universidade de Miami que se concentra na América Latina e no combate às drogas, disse que o que aconteceu na África Ocidental nos últimos anos foi o mais recente exemplo de um problema de interdição.
"Conforme eles [autoridades] pressionam, eles [traficantes] desviam as rotas, mas não vão parar o fluxo, porque as instituições são incrivelmente fracas -não me importa quantos testes eles façam", disse Bagley. "E sempre há a contrapartida disso. Você começa a matar pessoas em países estrangeiros -sejam elas criminosas ou não- e haverá consequências."
Funcionários do governo americano dizem que, embora a intervenção leve a um aumento na violência ao desafiar organizações que antes operavam impunes, a alternativa a isso é pior. Segundo Brownfield, países de trânsito das drogas acabam por se tornar grandes consumidores.
A ONU afirma que o tráfico e o consumo de cocaína na África Ocidental dispararam nos últimos anos, contribuindo para a instabilidade. Há vários anos, uma quadrilha sul-americana tentou subornar o filho da presidente liberiana para liberar o país para o tráfico de drogas.
Ainda mais preocupante, segundo autoridades americanas, foi um caso em que o grupo Al Qaeda no Magreb Islâmico ofereceu três dos seus militantes para ajudar na transferência de toneladas de cocaína através do norte da África até a Europa -tudo para arrecadar fundos para atentados terroristas.
O processo foi encerrado em maio passado, com a condenação e anúncio da sentença numa corte federal de Nova York.
A ajuda antidrogas dos Estados Unidos à África Ocidental totalizou cerca de US$ 50 milhões em cada um dos dois últimos anos, diante de apenas US$ 7,5 milhões em 2009, segundo o Departamento de Estado.
O Pentágono trabalhou com Cabo Verde para estabelecer um centro regional de detecção de navios com drogas.
É a primeira vez que a DEA patrocina a criação de unidades na África Ocidental, mas a agência já fez isso em outros países com forças de segurança assoladas pela corrupção, como a República Dominicana, El Salvador, a Guatemala e o Panamá.
William Wechsler, principal autoridade antinarcóticos do Pentágono, disse que observar os avanços do narcotráfico na África Ocidental é como assistir a uma repetição da guerra às drogas nas Américas.
"A África Ocidental está agora enfrentando uma situação análoga à do Caribe na década de 1980, em que países em desenvolvimento pequenos e vulneráveis, no meio de rotas do narcotráfico para consumidores ricos, estão amplamente carentes de recursos para lidar com a onda de dinheiro sujo vindo na sua direção."



Só os ricos vão ao paraíso


Só os ricos vão ao paraíso

Você certamente já ouviu falar do "impostômetro", aquele gigantesco placar que a Associação Comercial de São Paulo montou para mostrar quanto o brasileiro paga de impostos.
No começo da tarde de ontem, a conta já ia algo além de R$ 855 bilhões neste ano. Revoltante, não é? Afinal, ninguém gosta de pagar imposto, ainda mais quando o retorno em serviços é pobre.
Mas há a outra face do "impostômetro", muito mais revoltante, mas que em geral fica nas sombras em que se move a alta finança. No domingo, o "Observer" jogou um pouco de luz nos números do que se poderia chamar de "sonegacionômetro" -ou seja, o dinheiro desviado para os paraísos fiscais.
Um levantamento da Tax Justice Network mostrou que os paraísos fiscais escondem fabulosos US$ 21 trilhões, pilha que equivale à riqueza somada dos Estados Unidos e do Japão, a primeira e a terceira maiores economias do mundo.
Ontem, a Folha expôs o lado local: brasileiros depositaram de 1970 até 2010 cerca de US$ 520 bilhões (ou mais de R$ 1 trilhão) nessas contas, nas quais "se pode guardar dinheiro em razoável sigilo, sem ter de responder a muitas perguntas nem pagar imposto".
O valor equivale a pouco mais de um quinto do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro do ano passado e o arrecadado em impostos nos últimos seis meses e 23 dias.
O autor do estudo, James Henry, ex-economista-chefe da consultoria McKinsey e especialista em paraísos fiscais, calcula que metade dos ativos existentes em paraísos fiscais pertença a apenas 92 mil pessoas, ou 0,001% da população mundial.
Depois, quando aparece um movimento de protesto contra o 1% mais rico nos Estados Unidos, ainda tem gente que o classifica como radical.
Esconder dinheiro não é ação individual, relata James Henry: "Essa riqueza é protegida por um bando altamente bem pago de profissionais nas indústrias de 'private banking', jurídica, de contabilidade e da indústria de investimentos".
Ou seja, o sistema financeiro, o mesmo que frauda a taxa denominada Libor, que lava dinheiro do narcotráfico, que frauda as contas públicas da Grécia, por exemplo, está também envolvido nesse esquema de esconder fortunas.
Sou capaz de apostar que todos os donos dessas fortunas usam equipamentos públicos, para cuja consecução não contribuíram com impostos. No Brasil, certamente muitos põem filhos nas faculdades públicas, embora escondam o dinheiro para não pagar impostos que custeiam tais escolas.
O pior é que, desde a crise de 2008, os líderes do G20 -exatamente os mais importantes do mundo- pregam o fim dos paraísos fiscais, que não obstante continuam funcionando -e aumentando o volume de recursos que movimentam.
Essa distorção, para usar uma palavra suave, foi apontada como uma das causas da instabilidade financeira global. Como a instabilidade continua, como os paraísos continuam, só se pode concluir que quem manda no mundo não são governantes eleitos, mas, sim, o que os argentinos chamam apropriadamente de "pátria financiera".



Pela extinção da PM


Pela extinção da PM

No final do mês de maio, o Conselho de Direitos Humanos da ONU sugeriu a pura e simples extinção da Polícia Militar no Brasil. Para vários membros do conselho (como Dinamarca, Espanha e Coreia do Sul), estava claro que a própria existência de uma polícia militar era uma aberração só explicável pela dificuldade crônica do Brasil de livrar-se das amarras institucionais produzidas pela ditadura.
No resto do mundo, uma polícia militar é, normalmente, a corporação que exerce a função de polícia no interior das Forças Armadas. Nesse sentido, seu espaço de ação costuma restringir-se às instalações militares, aos prédios públicos e aos seus membros.
Apenas em situações de guerra e exceção, a Polícia Militar pode ampliar o escopo de sua atuação para fora dos quartéis e da segurança de prédios públicos.
No Brasil, principalmente depois da ditadura militar, a Polícia Militar paulatinamente consolidou sua posição de responsável pela completa extensão do policiamento urbano. Com isso, as portas estavam abertas para impor, à política de segurança interna, uma lógica militar.
Assim, quando a sociedade acorda periodicamente e se descobre vítima de violência da polícia em ações de mediação de conflitos sociais (como em Pinheirinho, na cracolândia ou na USP) e em ações triviais de policiamento, de nada adianta pedir melhor "formação" da Polícia Militar.
Dentro da lógica militar, as ações são plenamente justificadas. O único detalhe é que a população não equivale a um inimigo externo.
Isto talvez explique por que, segundo pesquisa divulgada pelo Ipea, 62% dos entrevistados afirmaram não confiar ou confiar pouco na Polícia Militar. Da mesma forma, 51,5% dos entrevistados afirmaram que as abordagens de PMs são desrespeitosas e inadequadas.
Como se não bastasse, essa Folha mostrou no domingo que, em cinco anos, a Polícia Militar de São Paulo matou nove vezes mais do que toda a polícia norte-americana ("PM de SP mata mais que a polícia dos EUA", "Cotidiano").
Ou seja, temos uma polícia que mata de maneira assustadora, que age de maneira truculenta e, mesmo assim (ou melhor, por isso mesmo), não é capaz de dar sensação de segurança à maioria da população.
É fato que há aqueles que não querem ouvir falar de extinção da PM por acreditar que a insegurança social pode ser diminuída com manifestações teatrais de força.
São pessoas que não se sentem tocadas com o fato de nossa polícia torturar mais do que se torturava na ditadura militar. Tais pessoas continuarão a aplaudir todas as vezes em que a polícia brandir histericamente seu porrete. Até o dia em que o porrete acertar seus filhos.



domingo, 29 de julho de 2012

Casal negro americano tem casamento negado por racismo

Um casal do Mississippi, sudeste dos EUA, sofreu um duro golpe quando o pastor da igreja que frequentavam comunicou que o casamento não poderia ser celebrado no local por serem negros, informou o canal ABC.

O pastor Stan Weatherford afirmou à emissora que nunca havia sido celebrado um casamento de negros na Primeira Igreja Batista de Crystal Springs, no Mississippi, desde a inauguração do templo em 1883.

Ele afirmou que vários integrantes brancos da congregação foram contrários, de forma violenta, à celebração do casamento de Charles y Te'Andrea Wilson. Alguns o ameaçaram de demissão.

Weatherford, branco, ofereceu ao casal a possibilidade de celebrar o matrimônio em outra igreja, de maioria negra.

"Minha filha de nove anos vai à igreja conosco. Como você vai dizer a sua filha de nove anos 'não podemos casar aqui porque, advinha querida, nós somos negros'"?, disse Charles Wilson ao canal WAPT-TV, uma filial da ABC.

Ele explicou que o casal pretendia passar a integrar a igreja depois do matrimônio, programado para 20 de julho. Após o veto, transferiram a cerimônia para outra igreja e se casaram no dia 21 de julho.

Vários moradores ficaram chocados com a decisão do pastor.

"Esta igreja era a casa deles", disse Theresa Norwood, de 48 anos.


"O que Jesus teria feito? Teria casado eles, sem nenhuma dúvida, porque isto é o correto. Todos somos filhos de Deus", completou.




Notícia da AFP, reproduzida no UOL

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Austeridade coloca antiguidades em risco


Austeridade coloca antiguidades em risco

Por RANDY KENNEDY

KYTHIRA, Grécia - Cortes profundos estão sendo feitos nos orçamentos culturais, como parte das medidas de austeridade impostas à Grécia pelas potências europeias. Os efeitos dos cortes na cultura já estão sendo sentidos pelo público. Galerias e museus estão fechando suas portas.
Mas arqueólogos e curadores gregos e internacionais avisam que as consequências reais dos cortes levarão anos para aparecer plenamente e serão muito mais graves no caso de artefatos da antiguidade e estudos históricos. Nos últimos seis meses, dezenas dos arqueólogos mais experientes a serviço de órgãos públicos -os que têm mais anos de serviço e recebem os maiores salários, € 1.550 mensais, ou um pouco menos de US$ 2.000- foram obrigados a se aposentar precocemente, por causa de um plano de redução de 10% da força de trabalho do Ministério da Cultura e do Turismo. Graças às aposentadorias regulares e aos atritos ocorridos nos últimos dois anos, a equipe de arqueólogos encolheu ainda mais, de 1.100 para 900 profissionais, segundo o sindicato que representa a categoria.
Num momento em que impostos estão sendo elevados, aposentadorias e pensões sofrem cortes e o desemprego chega a mais de 21%, esse êxodo de arqueólogos do país não se destacou em meio à paisagem econômica sombria. Mas acadêmicos dizem que os cortes estão levando ao sumiço de antiguidades. Os culpados principais disso não são ladrões de museus ou saqueadores de sítios de antiguidades, mas as intempéries do vento e da chuva e as máquinas de empresas de construção.
Num leito seco de rio na ilha de Kythira, numa manhã de abril, Aris Tsaravopoulos -arqueólogo antes a serviço do governo, mas que foi obrigado a deixar seu emprego em novembro- apontou para um trecho do leito do rio que desabara numa tempestade, alguns meses antes. Pedaços de cerâmica minoica se espalhavam pelo leito do rio, em sua maioria do segundo milênio a.C..
Tsaravopoulos, que dirigiu projetos arqueológicos e supervisionou escavações estrangeiras na ilha por mais de 15 anos, disse que o sítio pode fazer parte de um túmulo ou ser um lixo da antiguidade. Alguns dos artefatos já tinham sido carregados pela água. Enchendo os bolsos de cacos de cerâmicas maiores para datar e armazenar, Tsaravopoulos disse: "A próxima chuva grande vai carregar mais pedaços e em breve não restará nada."
No passado, Tsaravopoulos teria organizado uma escavação de emergência num local como esse. Agora, explicou, a única coisa que pode fazer é alertar colegas do serviço arqueológico estatal, que já estão sobrecarregados de trabalho. São poucas as chances de um trabalho de resgate ser realizado em tempo hábil.
Em Messênia, na península do Peloponeso, foram interrompidos os trabalhos de escavação de um templo do século 6 a.C., no alto de uma montanha, descoberto em 2010. Xeni Arapogianni, a arqueóloga do Estado responsável pela região e que dirigiu a escavação inicial do templo descoberto recentemente, foi obrigada a se aposentar precocemente no ano passado, antes de completar as pesquisas para publicações sobre a descoberta.
Outra repercussão dos cortes de despesas é o cancelamento das licenças de arqueólogos do governo para fazer pesquisas.
É claro que sítios arqueológicos foram perdidos ou mal conservados antes da crise econômica atual, em parte devido à imensidão da tarefa. É possível que haja dezenas de sítios não explorados em Kythira. A Grécia possui 19 mil sítios arqueológicos declarados, além de 210 museus.
"Creio que este ministério poderia dobrar ou triplicar o número de arqueólogos que emprega e ainda assim não teria profissionais em número suficiente", disse Pavlos Geroulanos, que foi ministro da Cultura e do Turismo da Grécia até as eleições de 6 de maio. "Há tanta coisa aí fora e tanto trabalho a ser feito!" lamentou ele.



Frota velha e sanções ameaçam voos no Irã


Frota velha e sanções ameaçam voos no Irã

Por THOMAS ERDBRINK

TEERÃ - O comandante Houshang Shahbazi se preparava para pousar em outubro passado no Aeroporto Internacional Imã Khomeini, em Teerã, quando uma luz vermelha começou a piscar na cabine do Boeing-727 de 40 anos de idade, indicando um problema técnico muito grave: o trem de pouso dianteiro estava travado.
Enquanto os passageiros se preparavam para o pouso forçado, Shahbazi segurou os controles e tentou não pensar em destroços e corpos carbonizados.
Quando esse piloto entrou para a companhia aérea estatal do Irã, em 1983, sua frota de aviões Boeings e Airbus estava impecável.
Mas após 17 anos de sanções americanas que impedem o Irã de comprar novos aviões ocidentais ou peças de reposição, Shahbazi diz sentir vergonha diante dos seus passageiros e raiva pelas políticas dos EUA, que ele culpa por acidentes que deixaram mais de 1.700 mortos.
As sanções obrigam o Irã, rico em petróleo, a usar aviões russos de baixa qualidade e a remendar jatos mais antigos durante períodos bem superiores ao que seria a vida útil normal.
Raramente se passa um ano sem um acidente aéreo e a maioria dos aviões do Irã são proibidos de entrar na União Europeia.
"Nossos aviões estão completamente gastos", disse Shahbazi. "Na realidade, cada voo pode ser o nosso último."
Mas, como se viu, aquele voo procedente de Moscou, na Rússia, não foi o seu último.
Shahbazi fez um pouso milagroso, manipulando habilmente os freios.
Dias depois, ele soube que o trem de pouso havia falhado por falta de pressão hidráulica -típica consequência do desgaste. "Não precisa ser assim", disse. "Os EUA podem nos autorizar a comprar aviões."
As sanções às companhias aéreas foram adotadas em 1995, no governo de Bill Clinton. Durante negociações recentes, potências mundiais ofereceram a suspensão dessas sanções caso o Irã pare de enriquecer urânio.
"Eu apoio a pressão sobre os nossos líderes", disse a dona de casa iraniana Janet, 54.
"Mas não entendo por que os EUA querem fazer mal a nós, pessoas comuns do Irã. Não temos o direito de viajar em segurança?"
O presidente Barack Obama disse que está preocupado com os iranianos, mas que eles precisam culpar seus próprios líderes.
Em 2010, seu governo obrigou empresas internacionais de petróleo a pararem de reabastecer aviões da Iran Air na Europa e Ásia, o que obrigou ao cancelamento de rotas importantes.
Para Ali Rastegar, 27, e sua irmã Hanieh, 30, é difícil encontrar um culpado pela morte do seu pai. O Boeing-727 no qual ele trabalhava caiu em janeiro de 2011 nos arredores de Oroumieh (oeste).
"Meu pai sempre me dizia para nunca trabalhar no ar", disse Ali. "Ele dizia que era perigoso demais."
O acidente deixou 77 mortos, a maioria universitários. "É claro que eles ainda estariam vivos se tivéssemos aviões novos", disse Rastegar, enquanto sua irmã chorava discretamente.
"Não se resolve isso com reparos constantes", afirmou o rapaz, que estuda para ser mecânico de aviões. "Mas é tudo o que podemos fazer por enquanto."
Shahbazi iniciou uma campanha independente para convencer o governo Obama a suspender as sanções sobre peças de reposição e aviões novos e já obteve a adesão de mais de 125 mil iranianos no seu site.
"Peço ao presidente Obama que assuma a responsabilidade e pense em nós, o povo iraniano", disse ele. "Não deveríamos perder nossas vidas por causa da política."


Invasão na natureza promove epidemias


Invasão na natureza promove epidemias

Por JIM ROBBINS

O termo "serviços do ecossistema" faz referência às muitas maneiras em que a natureza apoia o empreendimento humano. Por exemplo, as florestas filtram a água que bebemos; aves e abelhas polinizam plantações.
Se deixamos de entender e cuidar do mundo natural, isso pode suscitar a falência desses sistemas e nos afetar de maneiras sobre as quais pouco sabemos. Um exemplo é um modelo de doença infecciosa em desenvolvimento que mostra que as epidemias -Aids, Ebola, a Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e centenas de outra- ocorridas nas últimas décadas são consequência de interferências humanas com a natureza.
Descobrimos que a doença é um problema ambiental. Sessenta por cento das doenças infecto-contagiosas emergentes que afetam os humanos têm origem em animais -mais de dois terços delas em animais silvestres.
Um esforço global está sendo feito, envolvendo veterinários, biólogos, físicos e epidemiologistas, para tentar compreender a "ecologia da doença". Faz parte do projeto Predict, financiado pela Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional). Com base nos modos em que as pessoas alteram a terra -com a construção de uma nova estrada ou fazenda, por exemplo-, especialistas procuram descobrir os locais onde as próximas doenças provavelmente vão atingir os humanos e como identificá-las quando emergem, antes de se disseminarem. Estão colhendo amostras de sangue, saliva e outros de espécies de animais silvestres de alto risco, visando criar um acervo de vírus, para facilitar a identificação rápida de algum deles que possa infectar humanos. E estão estudando maneiras de gerir florestas, fauna e animais de criação para impedir doenças de deixar as florestas e se converterem na próxima pandemia.
Não é um problema apenas de saúde pública, mas também econômico. O Banco Mundial estimou que uma pandemia grave de gripe pode custar US$ 3 trilhões à economia mundial.
O problema é exacerbado pelo modo como os animais de criação vivem em países pobres, que pode intensificar e difundir doenças transmitidas por animais silvestres. Um estudo recente do Instituto Internacional de Pesquisas com Animais de Criação constatou que mais de 2 milhões de pessoas por ano morrem de doenças transmitidas aos humanos por animais.
O vírus Nipah, no sul da Ásia, e o vírus aparentado Hendra, na Austrália, são os exemplos mais urgentes de como a perturbação de um ecossistema pode provocar doenças. Os vírus se originaram de raposas-voadoras, ou morcegos comedores de frutas. Esses morcegos costumam ficar pendurados de cabeça para baixo; eles mastigam a polpa das frutas, cuspindo os sucos.
Como os morcegos evoluíram concomitantemente com o vírus, sofrem poucos efeitos dele. Mas, a partir do momento em que o vírus passa dos morcegos para espécies que não evoluíram com ele, pode ocorrer uma epidemia, como foi o caso em 1999 na zona rural da Malásia. É provável que um morcego tenha deixado um pedaço de fruta mastigada cair num chiqueiro na floresta. Os porcos se infectaram e o vírus passou para os humanos, contaminando 276 pessoas. Muitas destas sofreram problemas neurológicos permanentes e incapacitantes e 106 delas morreram. Não existe cura nem vacina. Desde então, houve 12 surtos menores no sul da Ásia.
Na Austrália, onde quatro pessoas e dezenas de cavalos já morreram da Hendra, a suburbanização atraiu morcegos infectados, que antes viviam nas florestas, para pastos e quintais. Se esses vírus evoluírem de modo a serem transmitidos facilmente através do contato casual, o receio é que a doença possa se espalhar pela Ásia e o mundo.
"É apenas uma questão de tempo até chegar a cepa que conseguirá ser transmitida com eficácia entre pessoas", diz Jonathan Epstein, veterinário da EcoHealth Alliance, organização de Nova York que estuda as causas ecológicas das doenças.
"Qualquer doença emergente nos últimos 30 anos ou 40 anos surgiu em consequência da invasão de terras silvestres por humanos e de mudanças demográficas", afirma Peter Daszak, ecologista de doenças e presidente da EcoHealth.
As doenças infecciosas emergentes ou são tipos novos de patógenos ou tipos antigos que sofreram mutações, como ocorre todos os anos com o vírus da gripe. A Aids passou de chimpanzés para os humanos na década de 1920, quando caçadores na África comeram os animais.
As doenças sempre saíram das florestas e da fauna e chegaram às populações humanas: a peste e a malária são dois exemplos disso. Mas, segundo especialistas, o número de doenças emergentes quadruplicou no último meio século, em grande medida devido ao avanço humano sobre áreas silvestres, especialmente em regiões tropicais. As viagens aéreas e o tráfico de animais silvestres aumentam o potencial para surtos graves de doenças em grandes centros populacionais.
Para os especialistas, a chave para a prevenção da próxima pandemia está na compreensão do que eles chamam dos "efeitos protetores" da natureza intacta. Um estudo mostrou que, na Amazônia, um aumento de 4% no desmatamento resultou no aumento de quase 50% na incidência da malária, porque os mosquitos transmissores da doença se multiplicam em áreas recentemente desmatadas.
Especialistas em saúde pública começaram a incluir a ecologia em seus modelos. A Austrália acaba de anunciar um esforço de muitos milhões de dólares para estudar a ecologia do vírus Hendra e dos morcegos.
Não é apenas a invasão de paisagens tropicais intactas que provoca doenças. O vírus do Nilo Ocidental chegou aos Estados Unidos vindo da África, mas se disseminou na América porque um de seus hospedeiros favoritos é o tordo americano, que vive bem em gramados e campos agrícolas. E os mosquitos, que transmitem a doença, são especialmente atraídos pelos tordos.
"Quando fazemos coisas que reduzem a biodiversidade de um ecossistema -cortamos a floresta ou substituímos habitats por campos agrícolas-, tendemos a eliminar espécies que exercem papéis protetores", diz Richard Ostfeld, pesquisador da doença de Lyme.
Para os especialistas, a melhor maneira de prevenir surtos entre humanos é através da Iniciativa Uma Saúde -um programa global que defende a ideia de que a saúde de humanos está estreitamente interligada com a dos animais e da ecologia, todas precisam ser geridas de modo holístico.
"Não se trata de manter as florestas intactas e livres de humanos", diz Simon Anthony, virologista molecular na EcoHealth. "Se você puder entender o que é que motiva o surgimento de uma doença, pode aprender a modificar os ambientes de maneira sustentável."
O problema é enorme e complexo. Estima-se que apenas 1% dos vírus silvestres seja conhecido. Outro fator importante é a imunologia da fauna silvestre, uma ciência ainda emergente.
O destino da próxima pandemia pode depender do trabalho da Predict. A EcoHealth e suas parceiras estão estudando os vírus tropicais transmitidos por animais silvestres para construir um acervo de vírus.
Pesquisadores da Predict estão observando a interface em que sabidamente existem vírus mortais e onde populações humanas estão derrubando a floresta.
A EcoHealth também revista bagagens em aeroportos, em busca de animais silvestres importados que possam ser transmissores de vírus mortais. E seu programa PetWatch avisa consumidores sobre os riscos de adotar animais de estimação exóticos vindos de locais de risco em florestas.


Al Qaeda abre caminho na guerra da Síria


O bloqueio às sanções no Conselho de Segurança da ONU contra o regime que governa a Síria e a proximidade desse país do Iraque facilitaram que várias células do grupo terrorista Al Qaeda se infiltrassem entre os grupos opositores sírios, o que provoca inquietação no governo americano e seus aliados e está dando motivos para a desconfiança de países aliados do presidente Bashar al-Assad, como a Rússia.

A duração do conflito, que começou há mais de 16 meses, permite que diversos jihadistas operem de forma contínua na Síria e que tenham formado seus próprios grupos, empregando as mesmas táticas e recorrendo à mesma propaganda que a Al Qaeda.

Os EUA possuem pouca informação sobre a heterogênea oposição síria, especialmente porque a CIA não conseguiu obter dados suficientes, afetada pelo fechamento da embaixada americana em Damasco em fevereiro. Mesmo assim, altos funcionários do Departamento de Estado e da Casa Branca consideram um fato que células jihadistas operam de forma independente junto a grupos que os EUA consideram legítimos, unidos no Conselho Nacional Sírio, com cujos representantes a chefe da diplomacia americana, Hillary Clinton, se reuniu em dezembro em Genebra.

Os analistas de inteligência dos EUA concordam que a Al Qaeda pôde se infiltrar na oposição síria sobretudo pela proximidade do Iraque, país vizinho no qual o grupo terrorista manteve uma presença robusta e constante depois da retirada total das tropas americanas, em dezembro passado. Na segunda-feira, uma onda de atentados em 18 cidades do Iraque provocou pelo menos 107 mortes e deixou duas centenas de feridos. Os jihadistas que atuam hoje na Síria aproveitaram as vias de transporte, o material e a logística existentes no Iraque.

"Estamos 100% seguros, devido à nossa coordenação com o governo sírio, de que os nomes em nossas listas de homens procurados são os mesmos que possuem as autoridades sírias, especialmente nos últimos três meses", declarou ao "New York Times" Izzat al Shahbandar, assessor do primeiro-ministro iraquiano, Nuri al Maliki.

Já em fevereiro o diretor de Inteligência Nacional americano, James Clapper, advertiu em uma audiência no Senado que "a Al Qaeda está se estendendo à Síria". "É um fenômeno preocupante, que vimos recentemente, e segundo o qual há extremistas infiltrados em grupos opositores", acrescentou. "E parece que os grupos de oposição não percebem em muitos casos que se encontram infiltrados por esses extremistas."

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse nesta quarta-feira que os rebeldes sírios que tomaram o controle de vários postos na fronteira entre a Síria e a Turquia são suspeitos de ser aliados da Al Qaeda. "De acordo com algumas informações, esses postos não foram tomados pelo Exército Livre da Síria, mas grupos relacionados à Al Qaeda", disse em entrevista coletiva, segundo a agência Reuters.

"Se nossos aliados apoiam a tomada de territórios por parte de terroristas, gostaríamos que nos esclarecessem que posição mantêm na Síria", acrescentou, referindo-se às potências ocidentais.

Uma das grandes razões que o regime de Assad alegou para justificar a campanha de repressão contra sua população é que por trás do movimento de oposição se encontra na realidade a Al Qaeda. Diversos jihadistas criaram em janeiro, dentro da Síria, o grupo Jabhat al Nusra, inspirado na Al Qaeda, empregando iconografia e materiais de propaganda semelhantes aos dessa rede terrorista internacional.
Nestes meses seus integrantes publicaram vídeos na internet nos quais reivindicam a autoria de diversos atentados. A agência estatal síria Sana atribuiu diversos ataques à Al Nusra, incluindo muitos que na realidade foram cometidos por outras forças, não jihadistas.

"Estamos vendo sem dúvida uma presença crescente de agentes da Al Qaeda na Síria", explica o professor Bruce Riedel, um veterano da CIA e especialista em terrorismo e política internacional no Centro Saban para o Oriente Médio do Instituto Brookings.
"Não é uma grande parte ou uma parte importante da oposição ao regime, mas é uma parte que as potências ocidentais devem considerar, sobretudo porque aporta uma série de técnicas muito identificáveis, como ataques suicidas ou o emprego de explosivos, que são técnicas já testadas em outros países como o Iraque, onde a Al Qaeda demonstrou ser muito resistente."

Em fevereiro, o líder da Al Qaeda Ayman al Zauahiri fez um apelo aos jihadistas do Oriente Médio para que fossem lutar na Síria. "Apelo a todos os muçulmanos e a todos os homens nobres e livres da Turquia, Iraque, Jordânia e Líbano para que acudam em apoio a seus irmãos na Síria com tudo o que possuem, sua riqueza, suas opiniões e sua informação", dizia o comunicado. "Se quisermos liberdade, devemos nos livrar desse regime. Se quisermos justiça, devemos contra-atacar esse regime. Se quisermos independência, devemos enfrentar esse regime."

A Al Qaeda, um grupo sunita, chamou seus integrantes para a ação na Síria, alegando que a maioria da população desse país pertence a esse mesmo ramo da ortodoxia islâmica e foi oprimida durante décadas por uma minoria alauíta --uma seita derivada do xiismo--, à qual pertencem o presidente Bashar al-Assad e seu círculo de poder. Seus chamados à ação começaram a dar resultados em janeiro, quando ocorreram na Síria os primeiros atentados suicidas com artefatos explosivos.
Segundo o Instituto para o Estudo da Guerra, com sede em Washington, desde então houve uma dezena de ataques suicidas nesse país e de quatro deles a Al Nusra assumiu a autoria através de diversos comunicados.
Reportagem de David Alandete


Tradutor:
 Luiz Roberto Mendes Gonçalves




Do El País, reproduzido no UOL

terça-feira, 24 de julho de 2012

Em busca de inimigos


Em busca de inimigos


Os EUA são muitas vezes criticados por não dedicarem atenção suficiente à América Latina. Nesse estágio da campanha presidencial, os institutos de pesquisa tendem a publicar relatórios, na permanente esperança de que o novo governo, que assumirá em janeiro, leve em conta aquilo que recomendaram.
Mas, dessa vez, o candidato republicano, Mitt Romney, já fez uma declaração concreta sobre qual seria sua política para com a América Latina.
Ele pretende promover "uma política ativa na América Latina, apoiar aliados democráticos e com relacionamento baseado em economia de mercado, conter forças internas desestabilizadoras, como gangues e terroristas, e combater influências externas desestabilizadoras, como o Irã".
Para Cuba, a "estrela-guia" dessa política seria "o sonho realizável de uma Cuba livre". Isso significa "nada de acomodação ou apaziguamento".
Os EUA "não repousarão até o dia em que o regime dos Castro termine e sua história esteja escrita entre as dos mais desprezados déspotas, tiranos e fraudadores do planeta".
Romney promete se afastar do que define como "estratégia de apaziguamento de Obama", que ele vê como "concessão unilateral -e contraproducente- a uma ditadura".
Romney promete reintroduzir as restrições de viagens e remessas de dinheiro a Cuba. Implantará, de fato, a Lei Helms-Burton, a fim de ordenar que a máxima pressão seja exercida contra o regime cubano.
Usará a rádio e TV Marti e a internet para acusar policiais, juízes e funcionários do aparato estatal de segurança, "que serão individualmente responsabilizados por suas ações".
Romney diz que, em seus primeiros cem dias de governo, iniciará uma política de diplomacia e promoção do comércio para criar "uma zona econômica das Américas, ao modelo Reagan". Isso combaterá os modelos de Cuba e da Venezuela.
Pretende estabelecer um grupo unificado de trabalho com todos os países do hemisfério para combater o crime e o terrorismo e adotar ações de inteligência e policiais.
O Brasil não é mencionado na proposta de Romney. Já Chávez merece citação direta. Romney critica Obama por afirmar que "Chávez não representa ameaça para os EUA".
Ele anunciou sua política para a América Latina em Miami e tenta atrair eleitores de origem cubana e exilados venezuelanos, hoje mais de 200 mil e mais de metade deles moradores da Flórida. Legisladores republicanos de origem cubana e que representam a Flórida ocupam posições importantes no Congresso.
Andres Oppenheimer, colunista do "Miami Herald", diz que os EUA estão criando uma situação de "quem é responsável pela perda da América Latina". Romney está bem avançado na busca de inimigos.



Mercado negro de órgãos humanos cresce na Europa


Mercado negro de órgãos humanos cresce na Europa
POR DAN BILEFSKY

BELGRADO, Sérvia - Pavle Mircov e sua parceira, Daniella, verificam nervosamente sua caixa de e-mail a cada 15 minutos, desesperados pela salvação: um comprador disposto a pagar quase US$ 40 mil por um de seus rins.
O casal, que tem dois filhos adolescentes, colocou seus órgãos à venda em um site de anúncios seis meses atrás, depois que Mircov, 50 anos, perdeu o emprego em uma fábrica de carne aqui. Ele disse que não conseguiu encontrar trabalho e ficou desesperado.
"Quando você precisa colocar comida na mesa, vender um rim não parece um sacrifício tão grande", disse.
Enfrentando a pobreza esmagadora, alguns europeus estão vendendo seus rins, pulmões, medula óssea ou córneas, informam especialistas. Esse fenômeno é relativamente novo na Sérvia, país que foi massacrado pela guerra e luta com a crise financeira que varreu o continente.
A disseminação da venda ilegal de órgãos na Europa foi facilitada pela internet, a escassez global de órgãos para transplantes e traficantes prontos para explorar a miséria econômica.
Na Espanha, na Itália, na Grécia e na Rússia, anúncios de pessoas que vendem órgãos -assim como cabelo, esperma e leite materno- aparecem na internet. Os preços chegam a US$ 250 mil para um pulmão.
No fim de maio, a polícia israelense deteve dez membros de uma rede criminosa internacional suspeita de tráfico de órgãos na Europa, segundo autoridades da União Europeia. Os suspeitos visavam pessoas pobres na Moldávia, no Cazaquistão, na Rússia, na Ucrânia e em Belarus.
"O tráfico de órgãos é uma indústria em crescimento", disse Jonathan Ratel, um promotor especial da UE que está conduzindo um caso contra sete pessoas acusadas de atrair vítimas pobres da Turquia e ex-países comunistas para Kosovo, para vender seus rins, com falsas promessas de pagamentos de até US$ 20 mil. "Grupos do crime organizado estão atacando os vulneráveis dos dois lados da rede de suprimentos: pessoas muito pobres e pacientes ricos e desesperados que farão qualquer coisa para sobreviver."
Os principais países fornecedores têm sido tradicionalmente a China, a Índia, o Brasil e as Filipinas. Mas especialistas dizem que os europeus são cada vez mais vulneráveis.
Estima-se que de 15 mil a 20 mil rins sejam vendidos ilegalmente em todo o mundo por ano, segundo a Organs Watch, um grupo de direitos humanos em Berkeley, Califórnia, que acompanha o comércio ilegal de órgãos. A Organização Mundial da Saúde estima que apenas 10% das necessidades globais para transplantes de órgãos estão sendo supridas.
O comércio de órgãos na Sérvia é ilegal e pode ser punido com até dez anos de prisão. Mas isso não desanima a população de Doljevac, uma cidade pobre com 19 mil habitantes no sul da Sérvia, cujo governo recusou uma tentativa dos moradores de registrar uma agência local para vender seus órgãos no exterior.
Violeta Cavac, dona de casa que defende a rede, disse que a taxa de desemprego em Doljevac é de 50% e que mais de 3 mil pessoas queriam participar. Segundo ela, privados de um canal legal para vender seus órgãos, os moradores agora tentam vendê-los na vizinha Bulgária ou em Kosovo.
"Eu venderei meu rim, meu fígado ou qualquer coisa para sobreviver", disse ela.
As autoridades insistem que a Sérvia não é tão pobre que as pessoas precisem vender seus órgãos e informam que nenhum caso de tráfico de órgãos na Sérvia foi processado nos últimos dez anos. Especialistas que estudam a venda de órgãos ilegais disseram que os processos são raros porque os transplantes ocorrem em terceiros países, tornando difícil rastreá-los.
A economia em crise da Sérvia leva ao desespero


Na China, cresce a pressão contra a lei do filho único



Pan Chunyan foi pega em sua mercearia quando estava grávida de quase oito meses de seu terceiro filho. Homens que trabalhavam para uma autoridade local a prenderam com duas outras mulheres e, quatro dias depois, a levaram para um hospital, onde a forçaram a colocar sua impressão digital em um documento, dizendo que ela concordava com o aborto. Uma enfermeira então injetou uma droga em seu corpo.

“Após receber a injeção, todos os capangas desapareceram”, disse Pan, 31, em uma entrevista por telefone de sua casa, na província de Fujian, no sudeste. “Minha família estava comigo de novo. Eu chorei e esperava que o bebê sobrevivesse.”

Mas, após horas de trabalho de parto, o bebê nasceu morto em 8 de abril, “todo preto e azul”, disse Pan.

Os recentes relatos de mulheres sendo coagidas pelas autoridades locais a realizar abortos em estágios avançados de gravidez colocaram a política de controle populacional da China em destaque e provocaram protestos entre conselheiros de políticas e acadêmicos, que pressionam as autoridades do governo central a mudar ou derrubar uma lei que penaliza as famílias por terem mais de um filho.
A pressão para alterar a política também cresce em outras frentes, à medida que os economistas dizem que o envelhecimento da população chinesa e o encolhimento da oferta de mão de obra barata e jovem será um fator significativo na redução da taxa de crescimento econômico do país.

“Um envelhecimento da população em idade de trabalhar está resultando em escassez de mão de obra, em uma economia menos inovadora e menos vibrante e em um caminho mais difícil para uma atualização industrial”, disse He Yafu, analista de demografia. A população de 1,3 bilhão da China é a maior do mundo, e o governo central ainda parece focado em limitar esse número por meio da política de um só filho, disse He. A abolição da política do filho único, entretanto, pode não bastar para aumentar a taxa de natalidade a um nível “saudável” por causa de outros fatores, ele disse.

Além do debate sobre a própria lei, os críticos dizem que a fiscalização do cumprimento da política leva a abusos, incluindo abortos forçados, porque muitos governos locais recompensam ou penalizam as autoridades com base em quão bem elas mantêm a população sob controle.

A julgar pela conversa nos microblogs por toda a China e artigos nos jornais estatais sobre os casos de abortos forçados, a política de um só filho está sendo questionada mais amplamente do que em anos recentes. No mês passado, ela foi duramente criticada por um grupo de acadêmicos e ex-altos conselheiros de políticas em um fórum na Universidade de Pequim, co-organizado pelo Birô Nacional de Estatísticas para discutir os resultados do censo de 2010. Os acadêmicos no encontro ficaram ultrajados com o caso de Feng Jianmei, uma vítima de aborto forçado em estágio avançado de gravidez no início de junho, que se tornou de amplo conhecimento após fotos de seu feto morto de 7 meses terem sido postadas na internet por um parente.

“Eu acho que o direito de ter filhos é um direito do cidadão”, disse Zhan Zhongle, um professor de direito da Universidade de Pequim que enviou uma petição assinada por acadêmicos e líderes empresariais ao Congresso Nacional do Povo, pedindo aos seus membros para derrubarem a lei.

As autoridades realizaram mudanças na política ao longo dos anos e, segundo uma estimativa, agora há pelo menos 22 formas pelas quais os pais podem se qualificar a exceções na lei. Mas a maioria dos adultos permanece restringida por ela e não há sinal de que seu fim esteja sendo estudado. O Congresso Nacional do Povo, um legislativo que apenas confirma as leis, dificilmente acatará a petição de Zhan sem apoio dos escalões mais altos do Partido Comunista.

Ainda assim, algumas ex-autoridades e acadêmicos que foram chave na elaboração da lei original estavam presentes no fórum, aumentando as esperanças entre os críticos de longa data de que as preocupações seriam ouvidas pelos membros da Comissão Nacional para População e Planejamento Familiar.

A crise diplomática de meses atrás em torno de Chen Guangcheng também provocou mais atenção à política. Chen, um advogado autodidata que recentemente escapou da prisão domiciliar e partiu para Nova York, talvez seja o defensor mais famoso das mulheres forçadas a aborto e esterilização; o trabalho dele provocou a ira das autoridades locais, e o governo central ignorou a perseguição que ele sofreu na província de Shandong.

Não há estimativas confiáveis sobre o número de esterilizações e abortos forçados, mas não parece ser tão desenfreado quanto há uma década ou duas. Ainda assim, os casos recentes mostram que a fiscalização excessivamente zelosa da política de um só filho continua sendo um problema. A “Xinhua”, a agência de notícias estatal, noticiou que forçar mulheres grávidas no terceiro trimestre a abortar é ilegal.

Além das preocupações de advogados e defensores de direitos humanos, economistas e líderes empresariais expressaram ansiedade diante do impacto da queda da taxa de crescimento da população sobre a economia. Liang Jianzhang, um conhecido executivo com diploma de doutorado em economia pela Universidade de Stanford, e Li Jianxin, um demógrafo da Universidade de Pequim, estimaram que, até 2040, o número de chineses com mais de 60 anos seria de 411 milhões, em comparação aos atuais 171 milhões. A população em idade de trabalhar --pessoas de 20 a 60 anos de idade-- cairia dos atuais 817 milhões para 696 milhões.

O censo nacional de 2010 mostra que a taxa média de natalidade por lar chinês é de 1,181; ela é mais baixa nas zonas urbanas e maior nas zonas rurais. Há alguns estudos, incluindo um experimento de longo prazo em um condado na província de Shanxi, onde a lei de planejamento familiar foi suspensa, mostrando que as famílias não teriam mais filhos mesmo se a lei fosse abolida. Acadêmicos dizem que os motivos são a rápida modernização e um deslocamento em massa para as zonas urbanas --os pais frequentemente dizem que não podem arcar em ter mais que um filho --ou talvez dois. Isso significa não apenas que a política do filho único pode não mais ser necessária, mas também que seu abandono não necessariamente beneficiaria a economia.

Apesar de mais debate poder ocorrer, a comissão de planejamento familiar continua defendendo a política de um só filho. Ela realizou uma conferência semestral na quinta-feira e, em seguida, postou uma declaração em seu site, elogiando a política como tendo evitado 400 milhões de nascimentos desde que foi adotada em 1980.

Desde os anos 80, as autoridades locais que fracassavam em cumprir um padrão estabelecido de controle do crescimento da população costumavam ser penalizadas em suas avaliações para promoção, independentemente de quão bem se saíssem em outras categorias.

Mayling Birney, uma acadêmica da Escola de Londres de Economia e Ciência Política que está estudando o sistema de avaliação, afirma que muitas das autoridades locais dizem que a cota de controle da população continua sendo um dos principais critérios para o veto de promoções e tão importante quanto a meta de manutenção da estabilidade e de crescimento da economia local. “Essa pressão realmente vem do governo central”, ela disse. “As ações das autoridades de escalão mais baixo são provocadas pela forma com as autoridades superiores as recompensam e punem.”

Alguns sites de governos municipais que apresentam as metas para as autoridades listam o controle populacional como uma prioridade. Em um levantamento realizado por Birney no ano passado, algumas autoridades disseram que podem receber um alerta, serem multadas ou até mesmo afastadas do cargo se não cumprirem as metas de planejamento familiar.

Esse é o caso na cidade de Daji, disse Pan, a mulher forçada a realizar um aborto em estágio avançado de gravidez em abril.

Pan, uma moradora de Daji, disse que Ma Yuyao, o chefe da comissão de planejamento familiar da cidade, “marca pontos para promoção” ao manter a população baixa. Muitos pais dispostos a pagar a multa de US$ 7.200 por um terceiro filho ainda são coagidos ou forçados a realizar o aborto para assegurar que as metas sejam cumpridas, disse Pan. Daji é uma área rural, e os casais aparentemente são autorizados a ter dois filhos sem serem penalizados.

O marido de Pan, Wu Liangjie, disse que o casal deu US$ 8.700 a Ma, como ele exigiu, mas Ma ainda assim ordenou o aborto. Ma não foi encontrado para comentário. Uma mulher que atendeu ao telefone na sede do governo municipal disse que as autoridades não comentariam.

Wu viajou para Pequim várias semanas atrás para pedir orientação de advogados para abrir um processo. Mas, na semana passada, nem ele nem Pan atenderam aos seus celulares, aumentando as suspeitas de que a autoridade de Daji os intimidou.

Pan disse anteriormente que homens começaram a segui-la depois que as fotos dela no hospital foram postadas na internet por simpatizantes. Quanto ao futuro, ela disse que ela e seu marido não planejam ter outro filho de novo. “Nós dois sentimos como se tivéssemos quase morrido”, disse Pan, “ou como se tivéssemos perdido metade de nossas vidas”.

Reportagem de Edward Wong.
(Mia Li contribuiu com pesquisa)
Tradutor: George El Khouri Andolfato


Do The New York Times, reproduzido no UOL

domingo, 22 de julho de 2012

Todos são suspeitos até que se prove o contrário


Um empresário foi morto após levar dois tiros na cabeça durante uma abordagem policial em um bairro nobre da capital paulista na noite de quarta (18). Um estudante de 19 anos também foi alvejado e morto, nesta quinta, após perseguicão policial na cidade de Santos. Em janeiro, um estudante foi agredido e ficou sob a mira do revólver de um policial militar no campus do Butantã da USP porque não quis mostrar a sua documentação. Neste ano, a PM foi acusada de usar métodos de tortura para desocupar a comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos, e a Cracolândia da Luz, na região central de São Paulo. No ano passado, a mesma polícia reprimiu passeatas de jovens que defendiam o debate sobre a descriminalização da maconha com balas de borracha, gás lacrimogênio e bombas de efeito moral. Isso sem contar os que tombam diariamente em bairros pobres, cujas mortes são registradas como “autos de resistência” ao invés de execução.
A história do empresário morto na quarta me fez lembrar a de outro homem – os dois tinham a mesma idade, 39 anos. Este foi encontrado enforcado pouco mais de duas horas após ter sido preso. Supostamente, era traficante e transportava cocaína. Supostamente, teria se enforcado usando um cadarço de sapato. Supostamente. Um policial afirmou que o acusado usou um pedaço de papelão para arrastar um cadarço que estava fora da cela a fim de se esforcar. Risível.
Ao contrário de outros países, como a Argentina, o Brasil não consegue tratar suas feridas abertas na ditadura para que cicatrizem. Apenas as tapa com a cordialidade que nos é peculiar, o bom e velho, deixa-pra-lá, em nome de um suposto equilíbrio e da governabilidade. Dessa forma, o Estado não deixou claro aos seus quadros que usar da violência, torturar e matar não são coisas aceitáveis. E com a anuência da Justiça que, através do seu silêncio, manteve aqueles crimes impunes.
Enquanto não acertarmos as contas com o nosso passado, não teremos capacidade de entender qual foi a herança deixada por ele. A ditadura se foi, sua influência permanece. Não somos um país em que o Estado respeita os direitos humanos e não há perspectivas para que isso passe a acontecer.
O impacto desse não-apoio se faz sentir no dia-a-dia nas blitz, nos distritos policiais, nas salas de interrogatórios, nas periferias das grandes cidades, nos grotões da zona rural, com o Estado aterrorizando parte da população (normalmente mais pobre) com a anuência da outra parte (quase sempre mais rica). A justificativa é a mesma usada nos anos de chumbo brasileiros ou nas prisões no Iraque e em Guantánamo, em Cuba: estamos em guerra. Guerra contra a violência, guerra contra as drogas, guerra contra inimigos externos. Ninguém explicou, contudo que essa guerra é contra os valores que nos fazem humanos e que, a cada batalha, vamos deixando um pouco para trás.
Nossa política para tratar dos abusos durante a ditadura prevê compensações financeiras para quem sofreu nas mãos do Estado. Seguindo a mesma linha, o governo do Estado de São Paulo anunciou, nesta sexta, uma indenização à família do empresário, defendendo o treinamento dado aos seis policiais. Paga-se – e não se fala mais nisso.
Nada sobre rediscutir a filosofia da corporação. Pois o problema não se resolve apenas com aulas de direitos humanos e sim com uma revisão sobre o papel e os métodos da polícia em nossa sociedade. Setores da polícia estão impregnados com a ideia de que nada acontecerá com eles caso não cumpram as regras. Outra parte sabe que a mesma sociedade está pouco se lixando para eles e suas famílias, pagando salários ridículos e cobrando para que se sacrifiquem em nome do patrimônio alheio.
Parte da população apoia esse tipo de comportamento policial. Gosta de se enganar e acha que se sente mais segura com o Estado agindo dessa forma. Essas pessoas são seguidoras da doutrina: “se você apanhou da polícia é porque alguma culpa tem”.
E se não se importam com inocentes, imagine então com quem é culpado. Para eles, é pena de morte e depois derrubar a casa e salgar o terreno onde a pessoa nasceu, além de esterilizar a mãe para que não gere outro meliante. Enfim, mais do que um país sem memória e sem Justiça, temos diante de nós um Brasil conivente com a violência como principal instrumento de ação policial.

Texto do Blog do Sakamoto

terça-feira, 17 de julho de 2012

A idiota de Deus

A idiota de Deus



Meus leitores sabem o quanto abomino aeroportos. Criei mesmo a expressão "churrasco na laje" para descrever essa sensação de que somos atropelados por uma mistura de música brega e pessoas mal-educadas.
Não se trata de preconceito (no sentido banal que a palavra ganhou depois de virar chiclete com banana na boca de todo mundo) porque não acho que as pessoas não sabem se comportar nos aeroportos porque são de classe social ou cor específicas. Trata-se apenas de falta de educação.
Voltando de um compromisso profissional fora de São Paulo, me encontrei num aeroporto de uma cidade em que as pessoas ainda têm o hábito de ir aos domingos assistir avião subir e descer. O aeroporto em questão tem mesmo um espaço dedicado a "vista panorâmica" da pista de pouso e decolagem. Que horror.
Só pessoas loucas viajam por vontade própria. As normais o fazem por obrigação. Penso mesmo que em alguns anos aeroportos serão os piores lugares para você ser visto, assim como ser visto algemado numa delegacia de polícia. Uma vergonha.
Proponho que as autoridades (vamos "evoluir" nesta direção) proíbam todos, salvo os passageiros, de entrarem no aeroporto. O mesmo tipo de atitude solene e silenciosa dos hospitais deveria ser cobrada nos aeroportos.
Estava eu, então, estoicamente suportando os berros das crianças que lá estavam vendo os aviões, com seus pais que nunca entendem que berros de crianças são apenas berros de crianças e não manifestações sagradas de seus pequenos deuses.
Em meio a isso, bárbaros batendo fotos de si mesmos na frente dos portões de embarque com suas dez malas e funcionárias das empresas aéreas descabeladas justificando o injustificável overbooking.
De repente paro em frente a um balcão desses cafés, sem saber exatamente o que fazer, já que teria que esperar naquele pequeno pedaço de inferno por duas horas. Então, uma jovem garçonete sorriu pra mim. Com seu uniforme amassado, seu rosto cansado, seu corpo pequeno, ela parecia um anjo caído do céu no corpo de uma pequena e pobre princesa africana.
O mundo parou. Seu sorriso e sua generosidade suspenderam o mecanismo infernal do lugar.
Ela me pergunta o que eu quero. Não respondo porque não sabia se queria alguma coisa. Ela então me puxa pela mão e me mostra uma mesa vazia, sem cadeiras, num canto minimamente longe do inferno. Põe-se a limpar a mesa, busca uma cadeira e me dá um cardápio na mão. Volta alguns segundos depois e anota meu pedido.
Nos minutos que se seguem, enquanto tomo um café, acompanho seus movimentos delicados e ágeis, ouvindo, anotando pedidos, limpando mesas. De vez em quando se volta para mim, e repete seu sorriso aberto e generoso. O contraste da cor da sua pele com a cor dos seus dentes produzia uma beleza peculiar. De onde vem tamanha doçura?
Meu Deus, quanta doçura num pequeno corpo como aquele que corre de um lado para o outro, servindo tanta gente, como eu, sem doçura alguma.
Deve ter sido sensações como essas que levou Joaquim Nabuco, o grande pensador conservador brasileiro, a ver o horror que era a escravidão, e lançar a campanha abolicionista. Ainda que no famoso caso dificilmente Joaquim Nabuco estivesse contemplando um sorriso.
Como ele, sou pernambucano. Venho de uma terra onde as diferenças sociais são vistas como marcas da natureza, como montanhas, vales e pragas. Não sou dado a arroubos políticos, sou um niilista e cético. Sou versado em dialética materialista, psicanálise, mercantilização da vida e nos sete pecados capitais. Não tenho esperança alguma.
Por isso mesmo, sempre que percebo a generosidade no mundo, fico paralisado. O mundo cai no silêncio como se ali estivesse Deus em pessoa, cobrindo a precariedade humana com sua misericórdia.
Quando o espírito humano se ergue, o corpo cai de joelhos, dizia o saudoso Otto Maria Carpeaux citando algum luminar alemão.
Antes de eu embarcar, ela me disse: "Deus te abençoe".
Fosse eu um Dostoiévski, diria que fui visitado por uma "idiota de Deus", aquele tipo que ele tinha em mente quando disse que a beleza salvaria o mundo.



Comentário rápido: parece que às vezes basta um sorriso ingênuo de uma garçonete de cafeteria para quebrar o mau humor de um filósofo algo misantropo e rabugento.