segunda-feira, 30 de setembro de 2013

NSA admite que seus agentes usam banco de dados para espionar amantes

Isso é terrível – até compreensível, mas ainda assim terrível. A NSA foi forçada a revelarcomo seus analistas usavam o imenso banco de dados e as ferramentas de espionagem para bisbilhotar a vida dos seus amados.
Uma carta enviada ao Senador Chuck Grassleyoferece uma lista completa com todos os empregados que o Escritório Geral de Inspeção da NSA determinou terem deliberadamente abusado das capacidades da NSA desde 2003 – o que inclui a espionagem de entes queridos.
lista completa inclui 12 incidentes, dois dos quais ainda estão sendo investigados, e um que pode ser investigado no futuro. Oito dos doze envolve espionagem em esposas, namorada, maridos e namorados.
Um dos incidentes fala em um pedido feito por um funcionário por “seis endereços de email pertencentes a uma antiga namorada, uma pessoa dos EUA” no seu primeiro dia de trabalho. Em outro momento, uma funcionária rastreou um número de telefone encontrado na agenda do marido e ouviu suas conversas porque ela imaginava que ele estava traindo ela. Ramificações das ações variam: o ex-namorado bisbilhoteiro foi rebaixado e recebeu metade do salário durante dois meses, enquanto a mulher ciumenta pediu demissão.
Dito isso, não é surpreendente que ao longo de 10 anos alguns funcionários da NSA tenham abusado dos privilégios, e um total de 12 casos é bem baixo. Mas 12 também pode ser demais quando a NSA já não está em uma posição muito boa, e a última coisa que ela precisa é de histórias de funcionários antiéticos dominando as manchetes. [Chuck Grassley via Christopher SoghoianVerge]

Reprodução do Gizmodo Brasil.

14 fotos tiradas com a primeira câmera do mundo para amadores, há 120 anos

A Kodak não quer mais saber de fotografia, mas há 120 anos, ela foi a primeira a oferecer aos consumidores uma oportunidade de testar – e até mesmo ter – uma câmera.
Lançada em 1888, a Kodak No. 1 foi a primeira câmera voltada para não-profissionais. E graças a um novo conjunto de imagens do National Media Museum, agora podemos ver que tipos de fotos estes primeiros amadores tiraram.
Antes da Kodak chegar ao mercado, a fotografia era exclusiva para profissionais, que operavam suas próprias câmeras caras e muitas vezes enormes. A No. 1, por sua vez, custava apenas US$ 25 – cerca de US$ 600 em valores atuais, quase tanto quanto uma DSLR barata. Era uma câmera para as massas.

Este texto, com as fotos que o ilustram, está no Gizmodo Brasil.

O mensalão PSDB-MG é lindo

O mensalão PSDB-MG é lindo

Num país onde os três poderes devem conviver em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais?

O mensalão do PSDB-MG é mesmo um caso especial.
Criado em 1998 para ajudar a campanha de Eduardo Azeredo ao governo de Minas, até hoje o julgamento não ocorreu.  
A primeira e única condenação acaba de sair. Atingiu um banqueiro do Rural, condenado a 9 anos. Mas a lei lhe confere o direito de pedir recurso, o que quer dizer que tem 50% de chances matemáticas de provar sua inocência em segunda instância. Ninguém ficou indignado com isso, nem achou que seria uma ameaça às instituições ou um estímulo a criminalidade. 
Tudo em paz, ao contrário do que ocorreu com os petistas, que não têm direito a apresentar um recurso pleno, equivalente a um segundo julgamento. Mesmo assim, fez-se um escândalo contra os embargos infringentes.
Leio hoje um artigo que classifica a decisão sobre os embargos como um “segundo roubo.” Um historiador diz nos jornais, hoje, que os embargos infringentes ameaçam transformar o STF numa instituição igual ao Legislativo e ao Executivo.
A pergunta é saber se, num país onde os três poderes devem conviver em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais, um anacrônico Poder Moderador, no estilo de Pedro I durante no império, ou das Forças Armadas em tantas ditaduras, que se consideravam auto destinadas a resolver impasses políticos às costas do eleitorado.
Respeito o direito de todos a opinião mas acho que estamos a caminho de formar uma escola de cinismo à brasileira.
Isso acontece quando se impõem tratamentos diferentes para situações iguais. Os dois lados sabem que estão diante de uma mentira, na qual fingem acreditar. Um lado, porque lhe convém. O outro, porque não tem força para assegurar que a falsidade seja desmascarada.
Os réus do mensalão PSDB-MG tiveram direito ao desmembramento, que não foi oferecido aos petistas. Só isso seria suficiente para definir um abismo – mas não é só. Sua apuração é tão vagarosa que acaba de ser anunciado, oficialmente, que o caso deve ser julgado em 2015. Então fica combinado: um crime quatro anos mais velho será julgado três anos mais tarde.
Enquanto os réus do STF já poderão estar atrás das grades, como querem nossos indignados de plantão, os mineiros estarão ouvindo depoimento, fazendo sua defesa – e ganhando tempo para prescrições.
Ninguém conhece muitos  detalhes do mensalão PSDB-MG por um bom punhado de razões. Uma boa apuração levaria a nomes e pessoas que ninguém tem interesse de colocar sob os holofotes. Quem? Homens de confiança do PSDB instalados no Banco do Brasil. Quem mais? Figurões do PSDB em atividade política, tanto os responsáveis por nomeações no Banco do Brasil como os beneficiários do dinheiro recebido.
Lucas Figueiredo diz, no livro O Operador, que a conta do mensalão PSDB-MG foi de R$ 40 milhões.
Pergunto: além de Eduardo Azeredo, derrotado em 1998, quem mais foi ouvido a respeito, como aconteceu com Lula? 
 
A fábula do mensalão petista diz que o dinheiro para “comprar deputados” saiu da empresa Visanet e, de lá, foi desviado para Delúbio Soares e Marcos Valério. É assim que se procura provar a tese – falsa, na minha opinião – de que houve desvio de dinheiro público.
Como é inevitável numa fábula, havia um vilão necessário no centro desta operação, Henrique Pizzolato, petista histórico, diretor do Banco do Brasil.  Ele foi  condenado como responsável pelos pagamentos. Mas essa visão só pode ser sustentada quando se deixa o mensalão PSDB-MG de lado.
Pizzolato nunca foi o principal responsável pelos pagamentos as agências de Valério. Sequer tomou, solitariamente, qualquer decisão que poderia beneficiar a DNA. Nem estava autorizado a isso. Uma auditoria interna demonstrou que outro diretor, chamado Leo Batista, sem qualquer ligação com o PT, é que tinha a responsabilidade legal de fazer os pagamentos. Se era o caso de acusar alguém sozinho, teria de ser ele. Se era para acusar meia dúzia, deveria estar no meio. Nem era preciso invocar a teoria do domínio do fato. Seu nome está lá, nos papéis oficiais, com atribuições e assinaturas correspondentes. Mas não se fez uma coisa nem outra.
O problema é que Leo Batista e os colegas de diretoria eram, todos,  remanescentes do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, quando o PSDB nomeava cargos de confiança no Banco do Brasil. Esse fato foi descoberto por um auditoria feita pelo banco, logo depois que o escândalo estourou.
Os diretores foram ouvidos e investigados. Mas, curiosamente, o inquérito que apura suas responsabilidades foi mantido em segredo. Sequer foi levado em tempo hábil ao conhecimento dos advogados de Pizzolato, embora pudesse ter sido útil para sua defesa. O próprio Pizzolato só tomou conhecimento da existência do inquérito secreto quando o julgamento estava em curso, em condições extremamente desfavoráveis.  
 
Claro que você tem todo direito de perguntar o que esses diretores faziam por ali, naqueles anos todos. Abasteciam as agências de Marcos Valério com recursos do Visanet para ajudar a pagar as contas da campanha de 1998 do PSDB. Está lá, na CPMI dos Correios, para  quem o esquema tucano levantou R$ 200 milhões.
 
Imagine, então, o que teria acontecido se todos os réus, acusados do mesmo crime, tivessem sido julgados no mesmo tribunal, com base numa mesma denúncia. O STF seria obrigado a condenar petistas e tucanos pela mesma melodia, decisão que teria coerência com os fatos e provas reconhecidas pelos ministros  – mas teria o inconveniente de esvaziar qualquer esforço para criminalizar o PT e o governo Lula.
Em vez de fazer piadinhas e comentários altamente politizados sobre o “maior escândalo de corrupção da história”,  nossos ministros teriam de dizer a mesma coisa sobre os tucanos.
 
Imagine se Marcos Valério resolvesse colaborar e tentar uma delação premiada para alcançar o PSDB? Quais histórias poderia contar após tantos anos de convívio? Quais casos poderia relatar?
 
Do ponto de vista da investigação policial, o mensalão mineiro seria pura delícia. É que coube ao candidato vitorioso na campanha mineira de 1998, Itamar Franco, receber boa parte dos pagamentos devidos a DNA. Itamar morreu sem falar publicamente  sobre o assunto. Mas seu governo nada tinha a ver com o esquema. Eu já ouvi de um secretario de Itamar um relato consistente sobre tentativas de convencer Itamar, rompido com o PSDB, a honrar compromissos deixados pelos tucanos. Imagine se ele fosse ouvido. Seria um depoimento melhor que o de Roberto Jefferson, podem acreditar.
Mas vamos seguindo a história para chegar ao final. Com início diferente e tratamento diferente, o mensalão PSDB-MG irá terminar, certamente, com outro final. As penas duríssimas da ação penal 470 dificilmente irão se repetir. Varias razões contribuem para isso. Se hoje um número crescente de advogados de primeira linha já questiona as condenações, imagine o que irá ocorrer com o passar do tempo. O saldo político dos embargos infringentes não é favorável a novos linchamentos exemplares.
Quem conhece as relações entre os meios de comunicação de Minas Gerais e o governo de Estado,  butim da campanha de 1998, sabe que não se pode esperar nada igual ao que se viu durante o julgamento da ação penal 470.
No julgamento dos petistas, os meios de comunicação assumiram a dianteira da denúncia e colocaram o STF atrás. Preste atenção: em certa medida, não foi o Supremo que assumiu o protagonismo neste episódio. Isso é o que dizem os jornais e a TV. Na verdade, foram eles, os meios de comunicação, que assumiram um papel central em todo o processo, levando o STF atrás de si.  
Os jornalistas nunca tiveram dúvida sobre a culpa dos réus e, do ponto de vista legal, nem seriam obrigados a tê-las, já que não são juízes. Com base no veredito de seus “repórteres investigativos” jornais e revistas cobraram punições exemplares. Quando ficou claro que não havia provas objetivas, deram sustentação a teoria do domínio do fato. Empurrou o tribunal no caminho de condenações pesadas sob ameaça de acusar todo mundo de fazer  pizza. O STF veio atrás, como o presidente   Ayres Britto deixou claro ao prefaciar o livro de um jornalista que simbolizou essa postura duríssima dos meios de comunicação.
É curioso notar que apenas no julgamento dos embargos infringentes a Corte demonstrou uma postura diversa daquela assumida pelos meios de comunicação.Em mais de 60 sessões, foi a primeira decisão divergente. Tanto a pancadaria a que foi submetido Celso de Mello, como o esforço de outros ministros para dizer que não se fez nada demais são duas faces de uma mesma moeda. É um aperitivo para o que deve ocorrer caso os embargos possam beneficiar os réus.  
 
Imagine se teremos a mesma indignação no mensalão PSDB-MG.
 
Meus leitores sabem que estou convencido de que as principais denúncias do mensalão não foram provadas nem demonstradas. Advogados de cultura jurídica muito maior, como Celso Antônio Bandeira de Mello, Yves Gandra Martins, para citar polos ideologicamente opostos do Direito brasileiro, pensam da mesma forma.
Tenho a mesma visão sobre o mensalão PSDB-MG. Temos verbas de campanhas, que se constituem crime de caixa 2, mas condenações menores. 
Eu acredito que o interesse político em criminalizar Lula e o PT permitiram uma condenação sem provas. Mas será possível fazer a mesma coisa quando esse interesse político não existir? 
É claro que não. E é por isso que o mensalão PSDB-MG deve ficar para longe, bem longe.

Turquia anuncia reforma para aumentar direitos da minoria curda


O primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, anunciou nesta segunda-feira uma série de reformas que garante mais direitos à minoria curda, como o liberação do ensino da língua da etnia. Ele ainda sugeriu a mudança do piso de representatividade do Parlamento para poder abrigar as minorias.
As medidas foram colocadas para tentar salvar o processo de paz entre o governo turco e os integrantes do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, em turco), que há quase 20 anos enfrentam a administração central pelo domínio de uma parte do leste do país.
O chefe de governo anunciou que, a partir de agora, será permitido o ensino de línguas e dialetos vinculados aos curdos em escolas particulares, o que era proibido, e a volta do nome em curdo de algumas localidades que o haviam perdido após o golpe de Estado de 1980.
Erdogan ainda apresentou ao Parlamento um projeto de lei que prevê a redução do piso de representatividade dos partidos no Parlamento de 10% para 5% ou até eliminar a barreira. Com isso, o primeiro-ministro prevê a entrada de minorias no Legislativo nas próximas eleições.
Em discurso no Parlamento, ele chamou a série de medidas de "pacote de democratização" e afirmou que o país vive um momento histórico. "O maior desejo do nosso povo é fortalecer nossa paz doméstica, favorecer nossa coesão social e solidariedade e fortificar nossa tranquilidade".

REJEIÇÃO

O conjunto de medidas, no entanto, não foi bem recebido pela oposição e pelos curdos. A vice-líder do Partido Paz e Democracia (BDP, em turco), Gultan Kisanak, afirmou que essas medidas não atingiram as expectativas dos curdos. "Esse pacote não tem a capacidade de superar as barreiras no processo de paz".
O partido pró-curdo foi o primeiro a se manifestar após o lançamento das medidas de Erdogan. Os líderes políticos da etnia já haviam anunciado que rejeitariam a proposta do governo turco. Eles exigem o ensino de sua língua nas escolas públicas e uma referência explícita a sua identidade na Constituição.
A negociação de paz começou no ano passado, após um acordo entre o governo turco e o chefe do PKK, Abdullah Ocalan, para dar fim ao conflito que já deixou 40 mil mortos. O governo acusa os militantes de não cumprir sua parte do tratado.
O PKK anunciou em março um cessar-fogo unilateral e iniciou em maio a retirada de seus combatentes do território turco para o Curdistão iraquiano, mas no início de mês suspendeu a operação, acusando o governo de não respeitar as promessas de reformas.


Reprodução da Folha de São Paulo

É menino

É menino, a cara do pai, a cara da mãe, esse menino vai ser safado, só quer saber das meninas, só brinca com as meninas, nem parece menino, mas é menino, tem pipi de menino, tem que botar ele no futebol, não é possível que ele odeie futebol, todo menino gosta de futebol, ele ainda vai descobrir que gosta, tem que levar ele pro estádio, ele tem é que passar mais tempo com o pai, isso é falta de pai, ele tem é que sair da aba da mãe, ele tem é que ir pra uma escola só de meninos, isso é falta de porrada, é impressão minha ou desde que ele entrou na escola de meninos ele tá ainda mais menina, acho que ele passa tempo demais com meninos, daí só quer saber de meninos, deve ser isso, é falta de carinho, é falta de mulher, acho que ele tem que passar mais tempo com as meninas, ele tem é que se apaixonar por uma menina, ele acha que gosta de meninos porque ainda não encontrou a menina certa, se ele só se dá bem com meninas deve ser porque gosta tanto de meninas que não consegue sair de perto delas, já saquei qual é a dele, é muito esperto, finge que é menina pra se aproveitar delas, esses são os piores, também não precisava se vestir de menina, acho que ele tá exagerando, coitado dos pais dele, o que é que eu vou falar pros seus avós, acho que o seu avô se mata, pena que ainda não dá pra mandar pro Exército, tem que botar no escoteiro que dali ele vai direto pro Exército, acho que nem o escoteiro vai querer saber dele vestido desse jeito, não acredito que ele quer mudar de nome, isso tem que resolver na terapia, deve ter sido abusado na infância, tá querendo agredir os pais, espera que essa moda passa, hoje em dia a pessoa é obrigada a ser bicha, parece que tem um revolver na cabeça da criançada, é a ditadura gay, tá demorando a passar essa moda, cresceu peito nele ou isso é uma meia, onde foi que os pais erraram, ou quem errou foi a sociedade, a culpa é da televisão, a culpa é da escola, a culpa é de algum tio que deve ter abusado dele, e não é que ele dá uma mulher bonita, nem parece homem, já mandei meu marido sair de perto dele, desculpa, eu me recuso a chamar ele de ela, eu vi ele crescer, ele tem um negócio debaixo da saia, ele é menino, ele sempre vai ser menino, essas coisas a gente não muda, essas coisas a gente não muda, essas coisas não mudam a gente, essas coisas a gente é, a gente é o que a gente for, é menina.


Texto de Gregório Duvivier, na Folha de São Paulo

"Para que raios eu fui eleito?"




Charge do Angeli, na Folha de São Paulo.

Direito à assistência sanitária gratuita é fórmula para lutar contra pobreza, dizem especialistas

Há seis anos María Rosa Torres teve seu terceiro filho. Do mesmo modo que os anteriores, deu à luz em um hospital público na região central de El Salvador. Teve de pagar US$ 40 (cerca de 30 euros) pelo atendimento. Algo que para sua família, que subsiste com os US$ 150 mensais que ganha seu marido, representou um enorme esforço. Como foram os US$ 5, 20 ou 15 que teve de pagar por consulta cada vez que um dos meninos adoecia. Tanto que só ia ao médico quando era muito urgente, "só pelos meninos".
Assim como acontecia com ela, a cada ano cerca de 150 milhões de pessoas no mundo se veem à beira do abismo por ter de pagar as contas de saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Um abismo do qual Torres não se aproxima há três anos, desde que El Salvador reformou seu sistema público de saúde e eliminou esses pagamentos, chamados paradoxalmente de "cotas voluntárias". Um passo para a universalização da cobertura que também está sendo dada - em ritmos diferentes - por outros países em desenvolvimento, como Serra Leoa, Índia ou Filipinas, e que contrasta com os cortes em saúde nos países desenvolvidos.
O direito à assistência sanitária gratuita para toda a população é uma das fórmulas que os especialistas consideram mais eficazes para lutar contra o círculo da pobreza. As experiências nos países onde se apostou em uma ambiciosa agenda nesse sentido - alguns eliminaram o pagamento direto, outros criaram pré-pagamentos ou seguros de saúde públicos - demonstram que é um bom caminho e que os indicadores melhoram. Seus exemplos serão revisados durante a Assembleia Geral da ONU. Nela, mandatários, especialistas e organizações tentarão definir os novos objetivos - que substituirão os do Milênio cuja data limite é 2015 - que os países em desenvolvimento devem alcançar. Um deles - abrangerão os campos de educação, meio ambiente, igualdade... - poderia ser a universalização da cobertura.
A aposta é cara, mas rentável, segundo os especialistas em saúde pública e a OMS. Esse organismo calculou que o investimento salvaria 8 milhões de vidas por ano e geraria ganhos de cerca de US$ 360 bilhões anuais entre 2015 e 2020; uma quantia, afirma a comissão de macroeconomia dessa instituição em um relatório, que equivale várias vezes ao custo das intervenções sanitárias. Como? Se forem atacadas as doenças evitáveis e se melhorarem os indicadores de saúde, se aumenta a força laboral e a produtividade desses países. Mas apesar desses dados nem todos apoiam a medida. Alguns países, como Moçambique (que dedica menos de 30 euros per capita à saúde, contra os 2.500 da Espanha, por exemplo), não negam a importância da saúde, mas acreditam que a cobertura deve ter limites: só aos menores, ou lactantes e grávidas. Mais que isso seria ilusório, dizem, em um momento em que a ajuda ao desenvolvimento, na qual se apoiam, foi muito cortada.
Os que defendem a ampliação da cobertura não encontram um bom exemplo na deriva sanitária de uma Europa afogada pela crise: Portugal e Itália aumentaram os copagamentos por visita médica, a Espanha excluiu do atendimento normalizado os sem papéis e aumentou a participação do usuário nos medicamentos, inclusive alguns que são administrados nos hospitais; e na Grécia o sistema de saúde está desmoronando.
"A verdade é que, por enquanto, os objetivos a cumprir são só para os países em desenvolvimento. Ainda não há um debate sólido sobre se a agenda deveria ser para todos", aponta Jean McGraw, especialista em saúde pública. "E, embora seja verdade que se parte de bases absolutamente díspares e incomparáveis entre os países ricos e os pobres, seria interessante; porque é uma medida eficaz para acabar com as desigualdades", incide. Nos EUA, menciona, mais de 30 milhões de pessoas carecem de seguro médico. E a reforma da saúde que Barack Obama pretende fazer para garantir a assistência não conseguiu por enquanto ver a luz.
As estatísticas jogam a favor da cobertura global. Em El Salvador, que aumentou seu orçamento para a saúde 78% desde 2006, para 437 milhões de euros, a mortalidade materna baixou de 71,2 mulheres mortas a cada 100 mil nascidos vivos em 2006 para 50,8 em 2011, graças em boa medida ao aumento do atendimento médico nos partos. Esse país centro-americano de 6 milhões de habitantes - no qual 36,5% dos lares vivem na pobreza - conseguiu alcançar dois dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que a ONU define em matéria de saúde com três anos de antecedência. E sua reforma sanitária - inspirada em parte no modelo espanhol anterior aos cortes - é uma referência para a Organização Pan-americana da Saúde.
"Grande parte dos avanços alcançados se deve à eliminação das quotas voluntárias, muito injustas; mas também à criação de ambulatórios públicos em centenas de municípios rurais", apontou Susana Calderón, diretora de saúde da região central de El Salvador, há algumas semanas em uma visita ao país organizada pela rede de ONG Ação pela Saúde Global. Ao todo, foram construídos 600 centros em pequenas aldeias, nos quais atendem um médico e duas enfermeiras. Uma rede chave em um país onde os 2 ou 3 euros que custa o ônibus para ir ao hospital mais próximo ainda são um obstáculo insuperável. Depois da reforma, os cidadãos não pagam pelas consultas nem pelos exames. Tampouco pelos medicamentos prescritos (sempre genéricos).
O governo de Mauricio Funes decidiu dar a tacada mais ampla. Outros países, como Serra Leoa, caminham um pouco mais devagar. Esse Estado da África ocidental estabeleceu em 2010 que a assistência sanitária seria gratuita para as mulheres grávidas e lactantes e para os menores de 5 anos. Desde então, apesar de Serra Leoa - com alguns dos piores números em saúde do continente - ainda estar muito longe das metas demarcadas pela ONU, avançou: a mortalidade em menores de 5 anos caiu de mais 200 para cada mil nascidos vivos em 2006 para 185 em 2011.
"Vamos devagar, mas se conseguiu diminuir o número de partos em casa, e isso teve um efeito positivo", aponta Samuel Kargbo, responsável por saúde reprodutiva no governo de Serra Leoa e um dos principais promotores da reforma. Em um país no qual 70% da população subsistem com menos de US$ 1 por dia, uma cesariana podia custar cerca de US$ 200.
A universalização da cobertura, a eliminação das barreiras econômicas de acesso à saúde, é a receita que os estudiosos dos sistemas de saúde vêm prescrevendo há anos. "Por mais que um país cresça, se houver obstáculos que impeçam o acesso à assistência médica seu desenvolvimento será lastreado e as desigualdades permanecerão", salienta Bruno Meessen, do Instituto de Medicina de Antuérpia. E esse é o espírito com que especialistas como ele pedem que a ONU ampare em sua nova lista de objetivos a cobertura universal. Entretanto, para os países em desenvolvimento, com sistemas de saúde - e muitas vezes bases democráticas - muito frágeis, pouco pessoal especializado e grande população rural, não é fácil. Não só falta orçamento, também é necessário apoio para construir um tecido de proteção social.
Tim Roosen, coordenador da Ação pela Saúde Global - uma rede fundada em 2006 que reúne uma dezena de entidades sem fins lucrativos que apoiam a assistência universal -, explica que mais de 60 países pediram assistência técnica à OMS para fazê-lo. "E já se ampliou em parte com a cobertura em países como Tailândia, Brasil e México", diz.
A OMS acredita que a melhor fórmula de financiar os sistemas de saúde é por meio de impostos - como se faz na Espanha -, e nunca de cotas diretas dos cidadãos. "Se há algum tipo de pagamento no momento do uso, este não deve representar jamais uma barreira ao acesso", repete Margaret Chan, a diretora desse órgão, na maioria de suas intervenções sobre o assunto, ao qual dedicou este ano seu relatório anual.
Também para os pesquisadores da Fundação Rockefeller - que tem um departamento dedicado especificamente a estudar o assunto e que, como a fundação Bill e Melinda Gates, tem o foco na cobertura global -, a eliminação desses pagamentos diretos dos pacientes é o primeiro passo para avançar para a cobertura global. Sem esse passo, alerta Robert Marten, um de seus especialistas, dificilmente se pode combater o HIV, ou doenças como a tuberculose ou a malária, das quais milhões de pessoas morrem por ano.
A Assembleia da ONU e o debate sobre as novas metas a perseguir depois de 2015 chegam em um momento chave. A crise econômica aperta e os especialistas concordam que é hora de definir prioridades. Serra Leoa, por exemplo, está agora diante de um dilema fundamental. Financiou sua reforma de saúde e a assistência gratuita aos grupos vulneráveis graças a doações de países ricos - como Reino Unido - e de organismos internacionais. O dinheiro, entretanto, acaba e o governo analisa agora a fórmula para aumentar suas receitas fiscais. O país está mergulhado em um debate no qual a sociedade civil propõe taxar a indústria extrativa - ouro e diamantes - e dedicar esses impostos à educação e à saúde gratuitas. O que decidir, acrescenta seu responsável de saúde reprodutiva, será chave para seus vizinhos, que poderão imitá-la.
Mas, apesar de ser uma via a explorar, Roosen lembra que a ajuda dos países desenvolvidos continua sendo vital para sustentar os sistemas de saúde e apoiar a reforma. "São necessários até 45 euros por pessoa por ano para garantir o acesso às operações mais essenciais, como estima a OMS. Não há uma única opção política para alcançar essa meta em todos os países, já que todos têm circunstâncias muito diferentes. Há muitas opções, como sistemas contributivos, fiscais ou uma combinação de ambos", resume o coordenador da ação pela saúde global.
Em El Salvador, a saúde pública é financiada diretamente por meio do orçamento do Ministério da saúde, que representa 2,4% do PIB. Uma aposta, afirma a ministra María Isabel Rodríguez, "no direito à saúde como princípio básico". Sobretudo em uma época em que o cinturão para outras finalidades está cada vez mais apertado. Mas sua reforma sanitária também tem arestas: os hospitais públicos salvadorenhos se destinam aos cidadãos que não são cobertos pelo seguro que as empresas deveriam contratar para seus trabalhadores. Entretanto, a falta de centros privados em algumas áreas e a falta de meios fazem que a saúde pública assuma, sem apoio financeiro do setor privado, o cuidado também daqueles que deveriam estar cobertos por outro lado.
O desabastecimento de medicamentos em ambulatórios e hospitais (onde os usuários os recolhem) também é um problema, afirma Margarita Posadas, do Fórum Nacional de Saúde. A lei de medicamentos genéricos e de preço controlado baixou El Salvador do primeiro lugar no ranking dos países onde os remédios são mais caros, mas conta com uma forte oposição dos laboratórios. Estes preferem pagar as multas por não servir a tempo ou não se apresentar nos concursos, porque afirmam que não é rentável para eles. O que não ocorreu, embora seus adversários o previssem, foi um aumento descontrolado de visitas ao médico, afirma a ministra.
Em Serra Leoa o sistema se viu em graves dificuldades para enfrentar a demanda. Mas não por visitas desnecessárias, e sim por falta de meios, dizem no governo. Tanto que Kargbo foi obrigado a ir à rádio para pedir às mulheres que só vão ao posto de saúde em casos urgentes. Esse país também criou um grupo de funcionários que garante que a assistência para o grupo de população definido seja realmente gratuita. Já que esse tipo de corrupção pode ser outro dos possíveis pontos fracos da reforma.
Em El Salvador os cidadãos sabem que não devem pagar nada. Antes, o preço variava em função de quem atendia. E não havia regateio. Roberto Vargas, 63, que aguarda no corredor do hospital de San Vicente (centro do país), explica que há até pouco tempo quase não ia ao médico para tratar da hipertensão e da diabetes que sofre. "Não tinha com quê", disse. Agora lhe detectaram problemas renais agudos que talvez, com prevenção, teriam sido mais leves. Casos como o desse agricultor aposentado são salientados por Daniel Lestir, coordenador da Médicos do Mundo em El Salvador. É o exemplo de que o objetivo deve ser a cobertura total: "Os programas de atendimento gratuito exclusivamente materno-infantis provocam o esquecimento do resto da população. A saúde é universal e deve cobrir a todos". Ao exemplo de El Salvador acrescentam-se outros, como o de certos estados da Índia, que avançam lentamente; ou as Filipinas, que à cobertura universal acrescenta agora pequenas melhoras, como o acesso a anticoncepcionais gratuitos.
A falta de meios e a crise fazem que especialistas como Lestir ou Meessen reconheçam que é preciso ir passo a passo. Mas insistem em que, embora em princípio só uma parte da população tenha cobertura, a intenção deve ser ampliá-la. Por isso, dizem, a importância de conseguir incluir essa cartada na nova agenda da ONU. O coordenador da Ação pela Saúde Global acredita que os objetivos até agora definidos em termos de saúde (como a redução da mortalidade materno-infantil) tiveram um grande impacto, mas não conseguiram que os governos modifiquem seus sistemas para que o atendimento chegue aos mais pobres: "E se não cumprirem o direito à saúde para todos os cidadãos os Estados não prosperarão nem crescerão, e os pobres continuarão empobrecendo cada vez mais".

Reportagem de Maria R. Sahuquillo, para o El País, reproduzida no UOL. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Casal cujo filho morreu de câncer aos 11 ajuda a criar casa de cuidado paliativo para crianças

Casal cujo filho morreu de câncer aos 11 ajuda a criar casa de cuidado paliativo para crianças

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Francesco Beira, filho do empresário Waldir Beira Júnior, 48, e da psicóloga Priscila Machado, 39, morreu em 2011, aos 11 anos, por consequência de um tumor cerebral. Na reta final, os pais decidiram cuidar dele em casa. Nesta terça (1º) será aberto em São Paulo um centro de cuidados paliativos para crianças, com a ajuda de recursos doados pela família.
Leia o depoimento do casal à Folha.
*
O Francesco nasceu uma criança normal, saudável. Quando tinha um ano e cinco meses, acordou um dia com o pescoço torto. Levamos ao pediatra e ele achou que podia ser torcicolo.
Dias depois, apresentou vômitos em jatos, levamos de novo ao médico e descobrimos um tumor que ocupava um quarto do seu cérebro.
O primeiro neurocirurgião não deu esperança. Aconselhou-nos a voltar para casa e esperar o fim. Inconformados, consultamos outro neuro, que indicou a cirurgia.
Após 14 horas de intervenção, foi possível remover toda a massa tumoral. Ele ficou com sequelas, precisou de traqueostomia para respirar e sonda para se alimentar. Também não falava e não movimentava o braço direito.
Iniciamos uma série de terapias, ele melhorou bastante, mas três meses depois uma nova ressonância apontou que o tumor tinha voltado quase do mesmo tamanho. Outra cirurgia foi feita.
Ao todo, foram sete recidivas do câncer, seguidas de cirurgias, químio por nove anos e 30 sessões de radioterapia.

ATIVIDADES

Mesmo assim, Francesco era uma criança feliz. Com muita físio e outras terapias, conseguiu desenvolver bem a coordenação motora. Nadava, pintava, ia para a escola. Viajou com a gente para a Europa, para a Disney.
Arrastava um pouco a perna, tinha a boquinha um pouco torta, mas brincava como qualquer criança.
Em 2009, ele teve a recidiva no lugar mais nobre do cérebro, no tronco cerebral.
Continuamos a químio, mas não havia mais nada a fazer. Foi necessário colocar uma válvula intracraniana.
Ele começou a apresentar uma decadência física grande, não andava, não fazia xixi, cocô.
O neuro decidiu fazer uma cirurgia para melhorar a qualidade de vida, tirando um pouco da massa tumoral. Era uma cirurgia arriscada, sabíamos que o caso era incurável, mas confiávamos que ele teria mais qualidade de vida.
E, dentro daquela situação, ele teve. Já na UTI recuperou alguns dos estímulos.
Intensificamos as terapias [além do oncologista e de uma clínica-geral, fisioterapeutas, fonouaudióloga, terapeuta ocupacional e psicóloga cuidavam do menino], ele teve uma melhora visível.
Mas a saúde dele piorou em abril de 2010. Teve um sangramento no cérebro. Passou a usar cadeira de rodas, não falava, respirava graças a uma traqueostomia.
Intensificamos as sessões de reabilitação, mas ele não respondia. Para não estressá-lo, decidimos manter só as terapias necessárias para a qualidade de vida. Dispensamos uma fonoaudióloga. Meu filho não iria mais falar. Mantivemos a fisioterapeuta. Não queríamos vê-lo atrofiar.

PASSEIOS

Decidimos que ele teria mais prazer. Bloqueávamos um dia da semana para passear. Na cadeira de rodas, com o aparelho de respiração, enfermeira, íamos a museus, parques.
Ele foi ficando pior. Para a comunicação, usávamos uma folhinha com as letras, e ele ia apontado para cada uma com o dedo da mão esquerda até formar as palavras.
Tinha dificuldade para dormir e a gente não descobria por quê. Até que ele disse que tinha medo de passar mais um Natal no hospital. Já tinha passado três internado. Prometemos que ele passaria aquele Natal em casa.
No dia 17 de dezembro, ele entrou em coma e tivemos que interná-lo às pressas. Ele saiu do coma, só mexia os olhos. Conseguimos levá-lo para casa na manhã do dia 25. Cumprimos a promessa, ele passou o Natal em família. Mas, no dia 27, o aniversário dele, já tinha voltado para a UTI do hospital.

CONFORTO

No início de janeiro de 2011, cientes de que a medicina não podia fazer mais nada por ele, o trouxemos para casa. Ele precisava dormir bem, longe do barulho incessante, da luz forte e das manipulações [exames, medição de pressão, aspiração] da UTI. Enquanto víamos perspectiva de cura, o hospital era a tábua de salvação. Depois, passou a ser um fardo.
Queríamos que ele tivesse paz e montamos uma UTI no quarto dele. Concentrávamos as manipulações em um determinado horário e ele tinha horas de tranquilidade.
Nessa reta final, ele só mexia o olho direito, no sentido vertical. Um olhar para cima era sim, e para baixo, não.
Ele esteve lúcido o tempo todo, as irmãs [Giovanna, hoje com 15 anos, e Chiara, 5] iam brincar com ele. Ele colecionava carrinhos e, da cama, continuamos comprando brinquedos pela internet.
Montamos uma rotina para dar paz a ele até o final. Ouvíamos música. Deitávamos com ele na cama e ficávamos abraçados, beijando-o. Começamos a lembrar os bons momentos juntos.
Na semana da sua partida, numa terça-feira, ele entrou em coma. Não acordou mais. No sábado, teve morte cerebral. No domingo, acordamos com o alarme das máquinas. O monitor mostrava os batimentos cardíacos caindo. Segurei [Waldir] uma mãozinha dele e a Giovanna pegou a outra. Às 10h45, o coração parou. Era 13 de fevereiro de 2011. Ele tinha 11 anos.
Foi uma experiência intensa. Pensamos nas mães cujos filhos estão morrendo sozinhos na UTI, olhando para o teto. Sem a companha dos pais, dos irmãos, justamente no momento em que um mais precisa do outro.
Foi pensando na importância desse cuidado, do amor e carinho no fim da vida, que decidimos apoiar financeiramente a construção do hospice. Usamos os recursos da conta do Francesco.
Oferecer a uma outra criança tudo aquilo que o nosso filho teve de bom no fim da vida era o melhor que tínhamos a fazer.

Reprodução da Folha de São Paulo

Quatro anos após golpe, Zelaya tenta eleger sua mulher em Honduras

Quatro anos após golpe, Zelaya tenta eleger sua mulher em Honduras

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A TEGUCIGALPA (HONDURAS)

Na última terça-feira, o ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya voltou à embaixada brasileira pela primeira vez desde janeiro de 2010, quando deixou a representação rumo ao exílio após 121 dias no prédio. Tanto agora como quatro anos atrás, a motivação é a mesma: voltar ao comando do país, perdido após um golpe.
Desde que foi autorizado a regressar a Honduras, em maio de 2011, Zelaya organizou um novo partido, Libre (Libertad y Refundación), mirando as eleições de 24 de novembro. Impedido de concorrer à Presidência por já ter ocupado o cargo, lançou a própria mulher, Xiomara Castro, 53.
A ex-primeira-dama passou a ser conhecida após o golpe de junho de 2009, que expulsou Zelaya de Honduras. Sozinha no país, participava de protestos exigindo a volta do marido. Sua projeção aumentou quando ele conseguiu retornar clandestinamente e se abrigou com ela na embaixada.
Além de Xiomara, outros cinco antigos "moradores" da representação diplomática são candidatos a deputado (incluindo o próprio Zelaya), a maioria pela primeira vez. Outros que acompanharam o casal integram a campanha como assessores próximos.
Nesta semana, a visita de Zelaya à embaixada foi em tom de campanha. Diante das câmeras, ele mostrou o seu antigo "quarto", um cubículo cheio de livros, entregou uma coroa de flores ao embaixador Zenik Krawctschuk e contou histórias da época.
Ainda traumatizada pela longa estadia, Xiomara não participou da visita.

INEXPERIÊNCIA

Casada desde os 16 anos com Zelaya, com quem tem quatro filhos, ela não tem curso superior, nunca havia sido candidata nem ocupou cargo público. Antes do golpe, sua experiência política resumia-se ao papel de primeira-dama e a experiências como membro do Rotary Club de Catacamas, cidade de cerca de 120 mil habitantes.
Na última quarta, a Folhaacompanhou sua participação em um fórum sobre energia. Ali, reforçou a principal proposta da campanha, a convocação de uma Assembleia Constituinte, fez vários elogios ao governo do marido e defendeu a revisão de contratos de energia, à semelhança do que foi feito na Venezuela, na Bolívia e no Equador.
Às vezes ficava sem fôlego, sugerindo nervosismo, e interrompia bruscamente a fala quando seu tempo terminava.
"O melhor governo de Honduras foi o do presidente Zelaya", disse à reportagem, na saída, ao ser questionada sobre o papel do marido caso vença. "Imagine o benefício de ter uma pessoa ao meu lado que não só pode aconselhar como também impulsionar muitas das ações que ele iniciou e que não foram concluídas em seu governo."
A inexperiência não a tem impedido de liderar a maioria das pesquisas. Em levantamento CID/Gallup divulgado na semana passada, obteve 29%, em empate técnico com Juan Orlando Hernández.
Enquanto Xiomara se esforça para parecer preparada, Hernández tenta se desvencilhar do presidente Porfirio Pepe Lobo, desgastado pelo momento econômico ruim e pelos altos índices de violência --Honduras tem a maior taxa de homicídio do mundo.
A favor dele, estão a campanha com mais recursos, a simpatia da maioria dos meios de comunicação e o tradicional bipartidarismo hondurenho: desde 1982, quando acabou um breve regime militar, se revezam no poder o Partido Nacional, de Lobo e Hernández, e o Liberal, ao qual Zelaya era filiado, atualmente em terceiro.


Reprodução da Folha de São Paulo

Em defesa dos desafinados e dos sem mérito

Admiro o mérito.
Mas posso ser contra.
Pode não haver mérito no mérito. É um dom.
O sujeito nasce com um talento. Nem sempre o aproveita. Pode desperdiçá-lo. Mas não pode inventá-lo. Ou tem ou não tem. Não há treinamento capaz de me fazer virar Neymar. O problema é que, como diz a canção, “no peito dos desafinados também bate um coração”. O mérito é questão de sorte, de destino, de roleta natural. Uma sociedade justa premia o mérito. Uma sociedade ideal premia o mérito e protege os sem mérito. Todos nós.
Cheguei a uma conclusão absolutamente original: este mundo é uma esculhambação. Como pode estar certo um mundo em que as pessoas quando ficam velhas e mais próximas das doenças se aposentam e passar a ganhar menos? Deviam ter economizado para viver bem?
Quantos conseguem realmente fazer isso na vida?
O aposentado deveria receber um prêmio. Ganhar mais para terminar bem os seus dias. Nenhum país tem como sustentar tal sistema? Depende. Ao contrário do que dizem os simplórios, não sou comunista nem jamais foi marxista. Estou mais próximo da social-democracia, da doutrina social cristã e do trabalhismo como doutrina social. O mérito faz bem à sociedade. Aqueles que têm mérito, contudo, precisam converter esse mérito em benefício da sociedade, não apenas em privilégio próprio.
O que fazer com todos os que nascem sem talento especial? O sistema da competição total, o da lei do mais forte, apresenta uma solução simples: esquecê-los. Que se virem. Azar deles. Na alta, o especulador, o “yuppie”, como era chamado em 1980, despreza toda legislação trabalhista. Na baixa, vive de seguro-desemprego e de proteção social.
Por que estou falando tudo isso? Sei lá. Porque estou ficando velho. Por que ainda não esqueci a peça no São Pedro com o filho limpando o velho que sujava o fraldão. Porque me horroriza esta sociedade organizada para o bem passageiro dos jovens, ricos e sem problemas de saúde. Como pode um mundo no qual todos estão de passagem ser organizado como se todos fossem eternos? O discurso do mérito, que tem seu valor e legitimidade, é uma forma mais sofisticada e renovada da lei do mais forte. Estou querendo favorecer o preguiçoso? Longe de mim. Preguiça se combate e até, vez ou outra, se vence. Meu problema é com a falta natural de talento. Os sem talento devem chupar o osso? Somos todos coproprietários deste condomínio chamado universo.
O sujeito que enriquece com talento para explorar petróleo explora um manancial coletivo. Ah, meu negócio é o Eike Batista?
Nem tinha pensado nesse energúmeno. Por que essa violência, essa deselegância, essa raiva, essa grosseria? Sei lá. Foi só para impressionar. Acho. Como pode uma maioria sem talento nem mérito se curvar diante de uma minoria que estabelece os critérios da sua meritocracia? Agimos todos como se não fôssemos envelhecer. Gostamos de pensar que seremos a exceção. Afinal, temos os nossos mérito. Eu só acredito em sociedades capazes de garantir a felicidade dos sem mérito. O contrário é muito fácil.

"Eu não sou um daqueles esquerdistas loucos"

ENTREVISTA - SLAVOJ ZIZEK
"Eu não sou um daqueles esquerdistas loucos"
O filósofo contra o relativismo cultural
RESUMO Autor de novo livro sobre o totalitarismo, o esloveno relativiza a sua crítica à democracia liberal, dizendo que ainda é melhor ser controlado nos EUA do que na China. Dizendo-se excluído da grande mídia por ser taxado de radical, afirma que não se pode comparar a União Soviética de Josef Stálin à Alemanha de Adolf Hitler.

RICARDO MIOTO

O FILÓSOFO ESLOVENO Slavoj Zizek, 64, conhecido tanto pelo jeito informal quanto pelo elogio à violência como forma de ação política, diz ser mal interpretado quando tomado como um defensor do terrorismo ou crítico ferrenho à social-democracia.
Em entrevista à Folha, ele critica a opressão nos países ocidentais, demonstrada pelas revelações sobre espionagem, mas também o relativismo cultural da esquerda.
Lançando agora "Alguém Disse Totalitarismo? Cinco Intervenções no (Mau) Uso de uma Noção" [trad. Rogério Bettoni, Boitempo, R$ 39, 184 págs.], Zizek defende ainda a dissociação entre a violência na Alemanha nazista e na União Soviética sob Stálin. Para o filósofo, o caso soviético foi um desdobramento trágico de um propósito original nobre, enquanto os nazistas sempre desejaram aquilo que colheram. Leia a seguir trechos da entrevista.
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Folha - O senhor faz uma crítica muito forte à democracia liberal. Diz, no novo livro, que os partidos de esquerda erraram ao aceitá-la e que não tem medo de ser visto como antidemocrático ou totalitário.
Slavoj Zizek - Veja bem, não estou dizendo que a democracia liberal seja algo ruim. Claro que eu prefiro isso a uma ditadura aberta. Mas a democracia liberal tem as suas limitações.
Em primeiro lugar, seus mecanismos tradicionais não são fortes o suficiente para controlar problemas ecológicos e econômicos.
Em segundo, veja o que as revelações recentes sobre espionagem nos dizem. É fácil ver o jeito como somos oprimidos e controlados em um Estado abertamente autoritário, como a Rússia ou a China. Se alguém diz "na China, nossa liberdade é limitada", meu Deus, você está falando o óbvio!
Mas o fato é que, na democracia liberal, também somos muito controlados e oprimidos, embora a maioria das pessoas tenha a sensação de que suas vidas são livres.
Isso não quer dizer que todo controle seja igual. Claro que, nesse sentido, prefiro os EUA à China. O que teria acontecido com Bradley Manning [soldado do Exército americano condenado por vazar documentos ao Wikileaks] se ele fosse chinês ou russo? Na China, teriam prendido até a sua família.

Qual seria a alternativa às democracias liberais?
Bom, não é um problema simples. Não concordo com quem diz que bastaria que um Hugo Chávez assumisse o comando e tudo se resolveria... Não é só uma questão de imperialismo americano ou algo assim, é toda nossa organização social, tecnológica.
Você vai se surpreender, mas sou contra ficar esperando uma revolução. O Brasil, apesar de todas as limitações, mostra que é possível melhorar as coisas. Se os pobres estão melhor, se a classe média se fortaleceu, é cínico dizer: "Ah, mas são as mesmas velhas relações capitalistas".
Eu discordo daquela esquerda que nega isso, para quem a social-democracia é um compromisso com a burguesia que só atrapalha a revolução autêntica. Mas isso não significa que não exista uma problemática tendência neutralizante da democracia liberal.

Mas o sr., como intelectual e escritor, não utiliza justamente a liberdade da democracia para expor suas ideias e convencer as pessoas?
Veja, não sou daqueles que dizem "nossa liberdade é ilusão, vamos jogá-la fora". A liberdade é muito preciosa.
Mas você pergunta sobre a minha condição pessoal. Não é que eu possa publicar tudo que eu queira. Recentemente recebi muitos ataques. Na "New Republic", no "New York Times". O "The Telegraph", na Inglaterra, disse que eu era um fascista de esquerda. Fui acusado até de defender um novo holocausto. E o espaço para responder, quando existe, é mínimo.

A liberdade deles de criticar não é a mesma que o sr. tem para opinar?
Mas há a proporção, é diferente. Publicar na mídia marginal, em pequenas editoras, é fácil, mas a grande mídia é muito fechada.
Não sou só eu. Veja Noam Chomsky. É um intelectual extremamente conhecido, mas você nunca o viu na grande mídia americana. E não estou falando da Fox News. Você nunca viu Chomsky ser convidado a falar na CNN, mesmo no "New York Times" ele é boicotado. Claro que você pode falar que Chomsky é livre para fazer o que quiser, mas há essa exclusão do espaço público.

Vejo seu nome na grande mídia.
Sim e não. Há três ou quatro anos, publicaram aqui e ali sobre mim no "New York Times". Agora não mais. Na França, há dois ou três anos, escrevia regularmente para o "Le Monde". Agora estou fora, fui considerado radical demais. Na Alemanha foi parecido.
Não é paranoia minha. Não estou dizendo que haja conspiração, mas que, se você passa de determinado um ponto, decidem que isso é demais. Eu fico me perguntando que limite é esse. Sempre fui muito crítico à esquerda, escrevo muitas críticas a Stálin.

Sobre Stálin, o senhor defende que não há como comparar a União Soviética de Stálin com a Alemanha nazista de Hitler.
Veja, a União Soviética stalinista foi horrível. A quantidade de assassinatos, o sofrimento.
O que eu digo é que Stálin e Hitler não foram iguais. A prova, para mim, é a existência de dissidentes. Stálin teve a todo tempo de lutar contra quem o questionava. Muita gente dizia que Stálin tinha traído o comunismo autêntico, Trótski é um exemplo. Desculpe, mas não havia ninguém assim no nazismo, nenhum grupo questionando Hitler, dizendo que ele era um traidor do nazismo autêntico.
Na União Soviética, algo que originalmente era para dar na libertação do povo --a Revolução de Outubro-- terminou em um pesadelo. Mas o objetivo inicial era outro. O nazismo era diferente. Os nazistas conseguiram exatamente o que eles queriam.

Mas o sr. escreve que não vê contradição entre violência e política.
Esse é um ponto importante a esclarecer. Há uma violência no mundo para permitir que as coisas continuem como são. Violência para mim não envolve só armas, polícia, gangues.
Há, por exemplo, a violência social, a violência econômica --uma crise financeira brutal que acaba com empregos e economias de milhões não é uma violência?
Para entender o terrorismo, por exemplo, você tem de entender esse tipo de violência. Não estou dizendo que uma coisa justifica a outra. Mas a violência econômica ou social tem consequências.

Que relação há entre essa forma de ver a violência e a crítica que o sr. faz à noção de direitos humanos?
Eu não sou um daqueles esquerdistas loucos, que acham que os direitos humanos são apenas uma ideologia do imperialismo. Eu concordo que, em algumas situações, direitos humanos podem ser importantes.
Eu não compro o relativismo de esquerda que diz que nós não deveríamos impor uma noção ocidental de direitos humanos. Isso justifica qualquer coisa. Se estão arrancando os clitóris das mulheres, dizem "é a cultura deles, não deveríamos intervir". É nesse sentido que critico a tolerância.
O que me incomoda é que as decisões de intervenção em nome dos direitos humanos são arbitrárias. Agora se fala muito na Síria. Mas, se você quiser ver sofrimento de verdade, vá ao Congo.
Em dez anos, morreram 4 milhões de pessoas. O Estado não funciona, os poderosos aterrorizam a população enquanto vendem minerais preciosos a empresas ocidentais. Esse é o pesadelo verdadeiro sobre direitos humanos. Mas ninguém se importa. Os países estão fazendo negócios lá --e não só os EUA mas também a China, vários outros--, então ninguém dá bola.
Eu fui a Ramallah, na Palestina, e falei: "Vocês sofrem com Israel, mas, para as pessoas do Congo, mudar para cá seria um sonho".
Decide-se fazer intervenções por motivações geopolíticas e econômicas. Aí, de repente, surgem milhões de imagens terríveis do lugar. Agora lemos todos esses artigos sobre como o Irã é opressivo para as mulheres. Mas o Irã é um paraíso feminista perto da Arábia Saudita, e não se fala sobre isso.

O sr. diz que o totalitarismo é mal compreendido. Em que sentido?
Eu não gosto do termo totalitarismo. Ele tem sido usado de maneira muito genérica. Do mesmo jeito que, nos anos 1960, manifestantes de esquerda diziam que os Estados Unidos eram fascistas.
Meu medo é que o mesmo aconteça com o termo "totalitário" e ele acabe sem sentido, banalizado. Veja como Hannah Arendt usava o termo. Ela é muito específica: apenas nazistas e soviéticos --e estes somente por alguns anos-- foram totalitários.
O que muda agora dizer que Assad é totalitário? Claro que ele é um cara mau. Mas totalitário? Ao falar isso, uma análise real de como funciona o regime, das suas particularidades, se torna difícil.

O sr. defende muito a ordem, acha que o mundo é melhor quando tudo está organizado. Seria, nesse sentido, um totalitário?
Nesse sentido, sim. Esse é, aliás, o meu problema com o Brasil. Rio, Carnaval, Bahia, eles dançam muito, se divertem muito, por mim iriam a um gulag [risos].
A sério: eu não acho que desordem, Carnaval, seja libertação. O problema das nossas sociedades é que elas são muito caóticas.
É isso que os americanos não entendem: se você quiser ser um ser humano verdadeiramente livre --ir aonde você quiser, encontrar quem você quiser--, você precisa de uma estrutura muito rígida de ordem pública, de boas maneiras. Sem isso, nossa liberdade é sem sentido. Liberdade e ordem andam juntas. Veja a economia soviética. Não é que ela fosse superorganizada. É o contrário. Por baixo da superfície planejada, nada funcionava, um grande improviso. A União Soviética era autoritária, mas ela não era organizada. O que ela precisava não era de mais caos, mas de mais ordem.
Para isso, acho que precisamos de mais Estado, de poderes internacionais. Os problemas que confrontamos não serão resolvidos nesse nível estúpido de comunidades locais, democracia local.

No livro, o sr. conta a história de um amigo americano que foi à Romênia após a democratização, nos anos 1990, quando a polícia secreta local decidiu ser mais amigável. No hotel, ele ligou para a esposa e disse que o país era pobre, mas as pessoas muito agradáveis. Ao desligar, o telefone toca: um oficial da polícia secreta que ligava para agradecer as palavras gentis. O sr. dedica o livro a esse policial.
Essas histórias sempre me fascinaram, histórias de como, na passagem de um sistema para o outro, a linguagem e algumas regras de comportamento se conservam e criam confusão.
O sujeito da polícia é um caso. Na época da queda do comunismo na Iugoslávia, havia uma rádio independente, de estudantes. Eles convidaram um antigo comunista, um "real" burocrata, para falar.
Perguntaram a ele sobre sexo, e ele queria agradar os jovens, mostrar que aceitava os novos tempos. Então ele disse: "Eu concordo com vocês, sexo é um instrumento muito importante na construção do progresso social e político da nação". Todos ficaram sem reação [risos]. Eu amo esses momentos.

Reprodução da Folha de São Paulo

NSA usa dados para traçar perfil de americano, diz NYT

NSA usa dados para traçar perfil de americano, diz NYT
Há três anos, agência faz análise que antes era restrita a alvos estrangeiros
Metadados telefônicos são cruzados também com informações bancárias e até de localização por GPS
DE SÃO PAULO

O "New York Times" revelou ontem que, desde 2010, a NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) submete dados telefônicos e de internet de cidadãos americanos a análises computacionais para elaborar gráficos identificando suas conexões, seus companheiros de viagens, sua localização em determinados momentos e outras informações pessoais.
Esses dados são ainda combinados com informações de fontes públicas, empresariais e outras para elaborar um perfil mais completo do alvo da espionagem. Como exemplo dessas outras informações, o "New York Times" cita códigos bancários, dados de seguros, perfis de Facebook e até localizações por GPS.
A revelação foi feita com base em documentos vazados pelo ex-técnico da NSA Edward Snowden --que, desde junho, vem divulgando o alcance da atuação da agência-- e em conversas com outros ex-funcionários do governo.
O jornal diz ainda que esse tipo de análise era vetado até 2010, mas as restrições acabaram sendo levantadas para permitir a descoberta de conexões entre os alvos de monitoramento da NSA no exterior e pessoas nos EUA.
Antes, a agência já coletava os chamados metadados (que incluem, por exemplo, o registro dos números ligados e a localização e duração das chamadas, mas não seu conteúdo). No entanto, a análise computacional para o estabelecimento da rede de contatos era permitida apenas no caso de estrangeiros.
Segundo o "NYT", essa análise permite à agência descobrir os amigos e conhecidos das pessoas em questão, identificar onde elas estavam em determinado momento, obter pistas sobre filiações políticas ou religiosas e detectar comunicações sensíveis como a com um amante ou com um parceiro de conspiração.
"É o equivalente digital de seguir um suspeito", disse à publicação americana o professor Orin S.Kerr, da universidade George Washington.
O "NYT" informa ainda que a NSA vinha pressionando pelo menos desde 1999 para poder fazer esse tipo de análise de dados de americanos. Isso porque os agentes de inteligência ficavam frustrados por ter de interromper o monitoramento das redes de contatos de suspeitos no exterior quando ela levava a telefones ou emails de americanos.
Em 2006, novo pedido foi feito para a realização desse tipo de análise. Em 2008, o governo Bush deu sua autorização, e teve início um projeto piloto, com duração de um ano e meio. Em novembro de 2010, a política foi adotada de forma definitiva.
Em um memorando de 2011 sobre a mudança, foi explicado que os contatos de americanos poderiam ser rastreados desde que isso fosse importante para o trabalho de inteligência no exterior. Os detalhes não deveriam ser divulgados a outras agências, a não ser quando indispensável.
Os documentos obtidos de Snowden não revelam quantos cidadãos do país foram afetados pela medida.


Reprodução da Folha de São Paulo

Pressões e exceções

O desabafo do ministro Celso de Mello, acusando "inaceitáveis pressões" dos meios de comunicação sobre ele, e a reação da Folha, que se sentiu injustiçada na generalização, tocam em dois problemas importantes nas relações entre o jornalismo e os leitores/ouvintes. Um, problema atual. O outro, permanente.
A dura reação da Folha (27.set), que em editorial apoiou a decisão do ministro por um recurso para determinados réus do mensalão, não é incompatível com a verdade subjacente nas duras palavras do ministro. É fácil comprová-la a cada dia, para quem lê mais de um jornal, ou ouve rádio e TV.
O jornalismo brasileiro atual volta a uma prática, em graus diferenciados segundo as numerosas publicações, que exigiu muito esforço em meados da minha geração profissional para reduzi-la até o limite do invencível. A opinião está deixando de restringir-se aos editoriais e aos comentaristas autorizados a opinar, sejam profissionais ou colaboradores. A objetividade possível do noticiário, que, entre outros efeitos, trouxe aos meios de comunicação maior respeito ao leitor/ouvinte e maior fidelidade aos fatos, sofre crescente infiltração de meras opiniões. Muitos títulos são como editoriais sintetizados, parecem mesmo, por sua constância, contarem com o amparo ou indiferença das orientações de edição.
Nesse sentido, ainda se não houvesse comentários com cobranças, explícitas ou transversais, a Celso de Mello em seu voto decisivo, o fundo de mensagem imposto ao leitor/ouvinte, na quase totalidade dos meios de comunicação mais relevantes, de fato foi na linha da percepção do ministro. E ficou ainda mais perceptível com essa peculiaridade brasileira que são as cadeias multimídias, em que as mesmas pessoas dizem e escrevem as mesmas coisas várias vezes por dia, em jornal, em diversos horários de rádio, idem em televisão. Lembra o princípio da lavagem cerebral. E, de quebra, há os respectivos blogs.
Mesmo que em algumas ocasiões permitisse impressão contrária, a Folha distinguiu-se do panorama dos meios de comunicação. Além de preservar sua posição contrária a prisões de condenados que não representem perigo para a sociedade, concordou com a validade dos embargos infringentes defendidos por Celso de Mello, no desempate entre os ministros do Supremo. Mas reagiu, no tom em que costumam ser suas reações, ao que considerou como falta de necessária ressalva, por sua atitude, na generalização do desabafo de Celso de Mello.
Generalizações são um problema antigo, presente e suponho que futuro no jornalismo. Posso dizer que a mim incomodam muito, quando não há, ou não sei, como evitar mais uma. E muitas são inevitáveis mesmo. Todos os meios de comunicação usam expressões como "o repúdio dos manifestantes aos políticos", "a Justiça distingue ricos e pobres", e inumeráveis outras, nas quais é claro que não se incluem todos os políticos, nem significam que todos os juízes julgam diferentemente, e por aí em diante. Mas assim são e continuarão as generalizações neste e nos demais meios de comunicação, daqui e de toda parte.
Certas generalizações já pressupõem as exceções. Ainda bem. Mas não deixam de ser um problema no jornalismo --para quem pensa nos problemas-- porque não deixam de conter e transmitir alguma injustiça.


Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo