sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A Europa e o mercado no mundo de poliana



O início desta última semana de setembro foi estranho. Depois de uma forte baixa na semana anterior, após o Fed adotar a “Operação Twist” para tentar estimular o investimento, as principais bolsas do mundo estiveram novamente em alta, atribuída ao otimismo dos investidores em relação a uma solução da crise europeia. As ações dos bancos franceses mais ameaçados subiram 13% a 17% na terça-feira 27 de setembro, quase 33% em três dias.
Enquanto isso, dirigentes das economias do mundo punham as barbas de molho à espera de uma moratória da Grécia já tida como inevitável. Os riscos-país da Itália e Espanha são agora superiores ao Brasil. Os riscos dos bancos dos EUA, Alemanha e Reino Unido são comparáveis ao da dívida soberana do Brasil e o dos franceses o ultrapassa (para não falar dos italianos e espanhóis).
A recessão, segundo vários analistas, já é realidade nos EUA e na Zona do Euro e deve durar pelo menos até o primeiro trimestre de 2012. No Brasil, segundo o jornal Valor Econômico, a presidenta Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda Guido Mantega voltaram de reuniões com autoridades e empresários nos Estados Unidos convictos de que a crise mundial é pior do que esperavam e a Grécia “está por poucos dias”. Analistas apostaram que o Copom reduzirá a Selic em 0,75% a 1% na reunião de 19 de outubro. O banco central de Israel, liderado pelo ortodoxo Stanley Fischer, cortou seu juro básico de 3,25% para 3% no dia 26, apesar de a inflação no país estar acima da meta.
Nos termos do acordo acertado em 21 de julho, a Grécia receberia um segundo resgate de 109 bilhões de euros (além dos 110 bilhões de 2010) e os credores da Grécia trocariam cerca de 135 bilhões em títulos com vencimento até 2020 por outros, garantidos pela União Europeia, com vencimentos em décadas futuras e sofreriam uma perda de 21% em valor presente. Mas isso agora parece insuficiente. Com a piora do desempenho econômico da Grécia, suas necessidades de financiamento aumentaram.

Ao mesmo tempo, sete dos 17 integrantes da Zona do Euro, liderados pela Alemanha, passaram a exigir que o setor privado (principalmente bancos franceses) arque com uma parcela maior da perda. Trata-se de uma queda de braço entre alemães e franceses sobre como salvar os credores.
O suposto novo pacote europeu, no qual as bolsas estariam apostando, consiste em autorizar a Grécia a um “calote” de 50% do valor da dívida, que assim cairia de 150% para 75% do PIB. O país permaneceria na Zona do Euro e continuaria a receber ajuda. Além disso, haveria uma recapitalização em massa dos bancos da região (o FMI estima que precisam de 200 bilhões de euros, analistas privados falam em 390 bilhões) e o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira seria ampliado de 440 bilhões de euros para 2 trilhões a 3 trilhões, valor compatível com o das dívidas soberanas na berlinda (4,5 trilhões de euros na soma dos PIIGS, sem contar Bélgica e França).
Tal programa pode bastar para equacionar o problema dos bancos no médio prazo, pois o valor do Fundo garantiria as dívidas soberanas europeias até o fim de 2014, pelo menos. Mas não resolve o problema da Grécia (para não falar de Portugal e outros países em dificuldade que alegarão, com razão, que precisam do mesmo desconto), pois com o crescimento econômico travado pela perda de competitividade e medidas de austeridade, a dívida voltará a crescer. O beco seria esticado, mas continuaria sem saída.
O pacote serviria apenas para ganhar mais tempo e, o que é mais importante sob a ótica de curto prazo do mercado financeiro, tem poucas chances no atual quadro político europeu. Mesmo sendo pensado para contornar tanto quanto possível a necessidade de aprovação parlamentar, pois deixa aos governos nacionais a responsabilidade por apenas 20% do drástico aumento do Fundo Europeu e o restante aos tecnocratas do Banco Central Europeu. A Europa apela cada vez mais a subterfúgios para evitar o debate público e democrático de seus problemas e isso a faz perder apoio popular, num círculo vicioso que pode conduzir à desintegração ou a um autoritarismo disfarçado.
E mesmo o subterfúgio não é tão simples. O presidente do Bundesbank, banco central da Alemanha, criticou a proposta dizendo que alavancar o Fundo pelo BCE equivale a financiar o orçamento do Estado pela emissão de moeda, algo que é proibido pelo tratado da UE. A Standard & Poor’s advertiu que isso pode levar ao corte da nota AAA de que o Fundo Europeu hoje desfruta e terá consequências negativas também para o crédito da França e Alemanha. Para acalmar a enfurecida coalizão governista alemã, que tem sofrido sucessivas derrotas eleitorais para a centro-esquerda devido ao voto de protesto contra sua política europeia, o ministro da Fazenda alemão Wolfgang Schäuble negou oficialmente a existência do plano e se disse contrário à ampliação do Fundo.
Foi contestada até mesmo a atuação do BCE ao comprar títulos de dívida para conter a disparada do risco-país da Itália e Espanha, que se mostrou relativamente bem-sucedida nas últimas semanas. O jurista alemão Marcus Kerber quer processar no Tribunal Europeu o presidente do banco, o francês Jean-Claude Trichet, por violar o artigo 123 do Tratado de Lisboa sobre o funcionamento da União Europeia, que proíbe ao BCE e aos bancos centrais nacionais a compra direta de dívida pública, para garantir sua independência.
No dia 28, o português Durão Barroso, atual presidente da Comissão Europeia, foi ao Parlamento Europeu garantir que a Grécia continuará na Zona do Euro e defender a criação de eurobônus e de um imposto sobre transações financeiras (análogo à CPMF brasileira) que arrecadaria 55 bilhões por ano. Ao mesmo tempo, porém, queixou-se da necessidade de aprovar todas as medidas por unanimidade. Negociá-las entre 27 governos leva um tempo enorme – e fazê-las aprovar por todos os parlamentos é ainda mais difícil. A autorização ao Fundo Europeu para comprar títulos de dívidas soberanas, decidida em 21 de julho, ainda dependia da ratificação do parlamento da Eslováquia – que se recusava a por um só centavo nele –, depois de a Comissão Europeia muito ter custado para persuadir os deputados da Finlândia. Cada um desses dois países tem apenas 1% da população da União.
As novas medidas com que sonha Barroso sofrem oposição ainda mais substancial: o Reino Unido não quer ouvir falar de imposto financeiro. Países mais prósperos, como a Alemanha, são contra os eurobônus, que ao unificar a dívida europeia nivelariam o juro e o risco europeu pela média. E o tempo corre. O governo grego pode pagar suas contas só até meados de outubro, mas a Alemanha adiará a decisão sobre os 8 bilhões da sexta parcela do acordo de 2010 até o último momento – e a resposta pode ser “nein”.
Se os políticos alemães estão de mau humor, o povo grego, do lado mais fraco da corda, tem muito mais razões para estar farto. Os funcionários públicos que ainda têm emprego – inclusive professores, policiais e fiscais da receita – perderam 20% ou mais dos vencimentos, o rendimento familiar médio caiu 50% e o desemprego cresceu de 8% para 16%, com um salário-desemprego de meros 454 euros mensais. O número de suicídios mensais dobrou desde o início da crise. Aumentaram os moradores de rua e os dependentes de drogas, pelo desemprego, corte nas pensões e aposentadorias e expulsão de instituições psiquiátricas que não podem mais sustentar seus pacientes. Pobres e idosos remexem latas de lixo e restos de feira para sobreviver.
“Não é mais seguro para nós sair à rua”, disse um político do partido governista grego (socialista) ao jornal alemão Frankfurter Rundschau. Quando aparecem em público, são alvo de assédio, ovos e pedras. No dia 26, estudantes invadiram os estúdios da TV estatal para protestar contra os cortes de gastos na educação. Uma greve dos transportes voltou a parar Atenas no dia 28 e greves de servidores foram marcadas para outubro.
O primeiro-ministro Giorgios Papandreou foi a Berlim no dia 27 e dizer aos empresários alemães que seu país faz “esforços sobre-humanos” para cortar o déficit, mas se os gregos receberem apenas punição e desprezo dos europeus, a crise “não será uma oportunidade, mas uma causa perdida”. Pior que as privações é a percepção – muito realista – de que não há perspectiva de recuperação. A Grécia topode ser empurrada a uma solução “argentina” – um calote unilateral com impacto muito maior que o de uma moratória organizada, mesmo de 50% do valor.
Naquele dia, o Parlamento grego aprovou, com o voto de 154 dos 300 deputados, um imposto de emergência sobre imóveis, em média de mil euros anuais por família e deveria render dois bilhões de euros anuais. Mas manifestantes fizeram fogueiras com as notificações, entregues junto com a conta de luz, e uma pesquisa de opinião diz que 23% das famílias recusarão pagá-la. O próprio vice-primeiro-ministro, Theodoros Pangalos, que possui várias propriedades por herança, diz não ter os 17.500 euros que deve e terá de vender uma delas. E se não achar comprador? “Então Venizelos (ministro da Fazenda) terá de me prender”. É o dilema de todo um país. Como não se pode colocá-lo todo na cadeia – até porque isso apenas aumentaria os gastos de um Estado já sobrecarregado – tudo indica que o país acabará por se ejetar da Zona do Euro, por mais que haja Polianas dispostas a apostar em contrário.




quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A primeira resposta



Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, se convenceu de que os Estados Unidos não são mediadores, mas parte do conflito Israel-Palestina. A frase, do colunista do jornal espanhol El País M. Á. Bastenier, ilustra bem os motivos que levaram Abbas a propor unilateralmente o reconhecimento do Estado Palestino diante da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (Onu). Quando foi eleito presidente, Barack Obama, então dono de um discurso a prometer aproximação e diálogo com os povos do Oriente Médio, era visto por Abbas e pelos palestinos como a esperança por novas abordagens nas negociações de paz. Por fim um governante norte-americano estaria disposto a pressionar Jerusalém pelo fim das construções de assentamentos judeus em território ocupado, pré-condição palestina para a retomada do diálogo. Não foi o que aconteceu. Como seus antecessores, Obama percebeu que é preciso mais do que palavras de boa vontade para avançar em qualquer resolução da disputa e que, diante da proximidade de sua tentativa de reeleição em 2012, seria demasiadamente imprudente descontentar os interesses do lobby pró-Israel em seu país. 
Caso venha a se sentar à mesma mesa do premiê Benjamin Netanyahu e dialogar sem pré-condições, como defendeu cinicamente o líder israelense em Nova York, Abbas será conivente com as constantes agressões israelenses no território ocupado, isto é, para além da linha verde, demarcação territorial das fronteiras anteriores à guerra de 1967. Agressões que, mal o documento pelo reconhecimento palestino foi apresentado à Onu, na sexta-feira 23, ganharam um novo capítulo.
O comitê regional de habitação de Jerusalém aprovou, nesta terça-feira 27, a construção de 1,1 mil novas residências para colonos judeus em Gilo, bairro na zona oriental da capital e em território que pertenceria ao futuro Estado Palestino. Um porta-voz do Ministério do Interior israelense argumentou que o plano de expansão estava há 60 dias em estágio de consulta pública e que seu anúncio se deve ao cronograma do projeto, não a pressões políticas. Entretanto, não faltaram vozes a acusar a medida como a primeira retaliação israelense contra a jogada dos palestinos na Onu, um sinal de que algo profetizado pelo próprio Abbas pode vir a acontecer. Como um Davi que desafia um Golias, tempos difíceis esperam a população palestina da Cisjordânia. A construção dos novos assentamentos deve ocorrer a partir de 2013.
O anúncio da ampliação dos assentamentos ocorre um dia depois de o Conselho de Segurança da Onu concordar em designar uma comissão para estudar o pleito pelo reconhecimento de um estado da Palestina. Normalmente, o processo levado a cabo pela comissão integrada por todos os 15 países membros do Conselho dura ao redor de 35 dias, mas diplomatas ocidentais já admitiram que o prazo pode ser bastante ampliado para o atual caso.
Principal aliado de Israel, os Estados Unidos se limitaram a protestar e classificar os novos assentamentos de “contraproducentes para o reinício de negociações diretas”. O Departamento de Estado defendeu que a expansão das construções em solo ocupado é corrosiva para o próprio Estado israelense.
A retórica norte-americana parece cada vez mais frágil. Na Assembleia Geral da Onu, Obama repetiu mais uma vez o mantra de que a paz não virá de nenhuma ação unilateral por parte dos palestinos. Acontece que a Palestina convive diariamente com ações unilaterais do outro lado, como mostra a expansão dos assentamentos e o constante relato de ataques por partes de colonos a mesquitas na Cisjordânia. Obama afirmou neste ano que acreditava num acordo de paz baseado nas fronteiras anteriores a 1967, simbolicamente um dos maiores avanços já dado por um líder norte-americano. Mas seu discurso perde credibilidade na medida em que praticamente nenhum avanço é alcançado na contenção dos assentamentos judeus na Cisjordânia, o principal pleito palestino para reiniciar as conversações.
Apesar do discurso de Benjamin Netanyahu ter sido uma tentativa bastante evidente de vitimar-se perante a comunidade internacional, alegando que seu governo sempre esteve disposto a estender a mão aos palestinos, Ramallah também tem pontos frágeis a serem resolvidos que, de certa forma, dão combustível à intransigência israelense. À sombra da aliança política que permitiu a reconciliação entre Hamas e Fatah, a insistência do grupo que governa a Faixa de Gaza em não reconhecer a existência do Estado judeu serve de justificativa para Jerusalém alegar que o retorno às fronteiras de 1967 trariam insegurança a Israel.
Após uma moratória de dez meses, o governo israelense retomou a construção de assentamentos judeus na Cisjordânia há um ano. O reinicio do avanços dos assentamentos foi a justificativa da Autoridade Palestina para abandonar a negociações pela paz.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Museu de horrores recorda ditadura na República Dominicana

Museu de horrores recorda ditadura

Por RANDAL C. ARCHIBOLD

SANTO DOMINGO, República Dominicana - Melba Navarro congelou diante da imagem de um homem com olhos esbugalhados e a boca aberta, em estado de terror. Ou seria de dor? Ele estava amarrado a uma cadeira elétrica.
"Como era horrível o sofrimento", disse ela diante de uma réplica da cadeira _uma cadeira simples de madeira com cinto, uma lâmpada pequena no braço e um cabo que ia de uma alavanca até uma tomada.
Chocar a consciência das pessoas é o que visa o novo Museu Memorial da Resistência Dominicana, que destaca com crueza os anos de governo repressor neste país, principalmente os 30 anos da ditadura de Rafael Trujillo, entre 1930 e 1961, considerados alguns dos mais sangrentos da América Latina.
Este museu praticamente grita para que seja ouvida a dor da época. Um holograma animado traz de volta à vida as três irmãs Mirabal, dissidentes cujo assassinato, em 1960, pelas forças de Trujillo dinamizou a oposição interna ao ditador. Anos depois, as irmãs deram o tema do romance "No Tempo das Borboletas", de Julia Alvarez. Os criadores do museu pretendem apresentar também gravações em áudio de sessões de tortura daquela época, conhecida como o Trujillato.
Pelas contas do museu, mais de 50 mil pessoas morreram no período de opressão e turbulência política de 1916 a 1978, incluindo pelo menos 17 mil haitianos em um massacre cometido na fronteira por forças dominicanas sob ordens de Trujillo, em 1937.
"Estamos resgatando a memória", disse Luisa de Peña Diaz, 44 anos, diretora e uma das fundadoras do museu. Seu pai foi morto em 1967 quando tramava uma insurreição contra o presidente da época, Joaquín Balaguer.
O governo dominicano atual apoiou a criação do museu, contribuindo com US$2 milhões, boa parte do custo de construção.
Desde sua inauguração, em 31 de maio, o museu recebeu milhares de visitantes, mas deve ter concorrência em breve.
Embora os historiadores concordem que Trujillo merece um lugar no hall da fama da tirania, sua família criou um site na internet, Museo Generalisimo Trujillo, anunciando planos para um museu em honra a ele e que vai contestar partes do registro histórico.
O museu contrário foi idealizado por L. Ramfis Domínguez-Trujillo, neto do ditador. Ele admite que seu avô foi "um ditador militar que não tolerava a liberdade de expressão", mas acha que o número de mortos que lhe é atribuído é exagerado.
"Ele cometeu vários excessos? Sem dúvida. Era humano. Ele foi um monstro? De modo algum", falou Domínguez-Trujillo, 41 anos, em entrevista concedida ao telefone desde Miami, onde vive.
Durante o governo de Trujillo, retratos e monumentos a ele pipocaram em todo o país. Uma rede de espiões seguia os passos dos dissidentes e dava cabo deles. Mulheres jovens que tinham caído nas graças do ditador tinham de se entregar a ele ou corriam risco de serem mortas.
Com a ajuda da CIA, segundo um relatório de 1975 do Senado americano, Trujillo foi assassinado em 1961 por membros do exército e civis, mas seguiram-se anos de turbulência até 1978, quando o governo emitiu um decreto libertando vários prisioneiros políticos.
Alguns dos visitantes mais entusiasmados ao museu vêm sendo jovens, que ficam chocados com os acontecimentos.
"Nossa geração não sabe o que aconteceu", comentou Mabel Rodríguez, 17 anos, quando visitou o museu um dia. "É triste e deprimente como eles torturavam todo o mundo, mas isso faz parte de nossa história. Essas pessoas que eram torturadas estavam protegendo nosso país."


A saúde dos impostos

A saúde dos impostos

SÃO PAULO - Nos estratos mais ricos da sociedade, que costumamos confundir com a classe média, é difícil encontrar quem não levante a voz contra os impostos -extorsivos, como se gosta de dizer. De fato, a nossa carga tributária, em torno de 35% do PIB, além de alta, é atípica para países pobres como o Brasil.
É uma taxa equiparável à de nações como Reino Unido, Alemanha ou Portugal, nas quais os serviços públicos são incomparavelmente melhores. Mas os países da OCDE (com renda e IDH bastante elevados) destinam, em média, 6,5% do PIB à saúde. Nós destinamos apenas 3,6%.
A carga brasileira é pesada, mas o dinheiro que chega à saúde é insuficiente. Quem não precisa encarar as filas e os horrores do sistema público tende a se incomodar apenas com os excessos da tributação.
Há agora uma grita geral contra a criação da CSS, a Contribuição Social para a Saúde. Entre impostos, contribuições e taxas federais, seria o 64º tributo do país. Mas a questão assim está mal posta. Como lembrou Gustavo Patu, nesta mesma página, entidades empresariais contrárias à contribuição não abrem mão das taxações destinadas às confederações da indústria e do comércio.
Os que pregam que a tragédia social se resolve apenas combatendo a corrupção e os desperdícios do Estado são tão demagogos quanto aqueles para quem isso não tem importância. Num país tão desigual, é preciso desmistificar quem paga o que em benefício de quem.
Com os impostos indiretos embutidos no que consome, o pobre destina proporcionalmente mais que o rico ao Estado. Os impostos por aqui são regressivos.
Taxamos muito o consumo (ninguém percebe o que paga), mas a tributação da renda e do patrimônio é baixíssima para os padrões internacionais. Os ricos reclamam da voracidade do Estado. Enquanto isso, ser pobre e ficar doente no Brasil segue sendo um péssimo negócio


Morreu o cientista que fez primeira fertilização in vitro

MELBOURNE, 27 Set 2011 (AFP) -O cientista e ginecologista australiano Carl Wood, responsável pela primeira gravidez por meio de fertilização in vitro (FIV) em 1973 e pelo primeiro bebê de proveta a partir de um embrião congelado uma década depois, faleceu ao 82 anos.

Carl Wood, que sofria do mal de Alzheimer desde 2004, morreu no dia 23 de setembro em uma clínica de Melbourne.

Seu laboratório na prestigiosa Monash University de Melbourne desenvolveu a primeira gravidez por FIV em 1973, cinco anos antes do nascimento na Inglaterra de Louise Brown, o primeiro ser humano concebido por FIV.

A fertilização não prosperou e a gravidez foi interrompida poucos dias depois, mas os trabalhos de Wood foram cruciais para o posterior desenvolvimento da FIV.

Após o nascimento do primeiro bebê de proveta australiano em 1980, o cientista foi responsável por dois feitos inéditos em 1983: o êxito de uma FIV com um embrião congelado e uma gravidez a partir de um óvulo fecundado.





Notícia da AFP, vista no UOL

Blog do Emilio Pacheco: Escurinho

Blog do Emilio Pacheco: Escurinho

Pelo Blog do Emílio Pacheco acabo de saber do falecimento de Escurinho, antigo jogador do Internacional na década de 1970, agora de saudosa memória.
Pelo jeito, faleceu por conta de complicações de diabetes.
Uma pena.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Vladimir Safatle e a Comissão da Verdade: "A ditadura venceu. Por enquanto."

"No Brasil, pelo menos por enquanto, a ditadura venceu no propósito de fazer da tortura um tema de natureza pessoal do torturado. Um questão individual e não um tema político de interesse de toda a sociedade. Um dos maiores desafios da Comissão da Verdade será romper essa blindagem. O primeiro passo é superar a armadilha que consiste em circunscrever a questão da tortura no perímetro das demandas de reparação. Como se fosse um ponto fora da curva, um segmento de um tempo passado. Não é assim: estudos mostram que o Brasil é o único lugar do mundo onde os casos de tortura aumentaram, em vez de diminuir com o fim da ditadura.

Portanto, não se trata de uma lembrança ruim de alguns cidadãos.
Ela está presente na vida da sociedade, ainda que a opinião pública tenha sido preparada para não enxergá-la. Não por acaso, a Constituição de 1988 no capítulo relativo à segurança nacional é quase identica à lei de segurança nacional da ditadura, de 1967. Não é mera coincidencia. Assim como não o é o fato de grandes empresas conhecidas pelo financiamento à repressão serem hoje protagonistas habituais dos casos de corrupção envolvendo políticos e negócios do públicos. Elas não foram punidas pelo crime na ditadura. Continuaram a trocar favores dentro do aparelho de Estado na democracia. O mecanismo persiste intacto.

Essa face da corrupção os conservadores preferem esquecer. Eis aí mais um sintoma da persistencia de questões não resolvidas em nome de uma anistia mútua falaciosa. Como se voce pudesse equiparar quem pegou em armas para lutar contra um regime ilegal, com gente que reprimiu, prendeu e torturou para sustentar um golpe de Estado. Nada disso, porém, deve levar a Comissão da Verdade à armadilha da individualização e do acerto de contas. Que interesse teria hoje prender um general de pijama de 86 anos? Nenhum.

Prefiro a solução da África do Sul. Mandela trouxe o tema da tortura e da repressão para o presente, de forma pedagógica. Resgatou práticas tribais do perdão. Nelas o torturador fica de frente para a sua vítima. Ouve dela o relato minucioso dos danos que causou.Então pede perdão. E o ofendido perdoa. É uma aula de democracia e de educação política para as novas gerações e para toda a sociedade. O dia em que o Brasil fizer isso, aí sim, a ditadura terá sido derrotada".


Visno no Blog das Frases, na Agência Carta Maior

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Justiça com a barrica


Justiça com a barrica
SÃO PAULO - Não há o menor risco de que uma figura influente ou endinheirada seja condenada por crime de corrupção pela Justiça brasileira. Se esse medalhão for um político, tipo peixe graúdo, aí então a disposição do Judiciário para absolvê-lo será ampla, geral e irrestrita.
O aparato legal do país opera de maneira seletiva e distorcida: provê justiça de menos para o conjunto da sociedade, sobretudo para os mais pobres, e zela demais pela impunidade de quem está por cima da carne seca. Exagero retórico?
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) acaba de anular as provas colhidas pela Polícia Federal durante a Operação Boi Barrica, que investiga atividades suspeitas do empresário Fernando Sarney, filho do próprio.
É um repeteco do que o mesmo STJ já havia feito meses atrás, quando anulou as provas obtidas pela PF na Operação Castelo de Areia, investigação que envolvia a empreiteira Camargo Corrêa e dúzias de políticos.
Nos dois casos, os ministros do STJ consideraram que as escutas telefônicas -sempre autorizadas pela Justiça- não estavam suficientemente embasadas e, com isso, jogaram no lixo (ou varreram para debaixo do tapete) toda a sujeira revelada a partir delas. Não é trivial.
Em relação a Sarney, a investigação começou quando se detectou um saque em espécie no valor de R$ 2 milhões à véspera da campanha eleitoral de 2006. Roseana, sua irmã, era candidata. Depois disso, o empresário foi indiciado sob acusação de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Na prática, nada disso vale mais.
Não se trata de passar um cheque em branco à PF nem de desconhecer que ela comete, sim, abusos e também deve ser criticada por isso. Mas quem exorbita nesse episódio escandaloso? É a polícia? Ou é um Judiciário que afaga descaradamente investigados que possuem poder político ou econômico? Tem boi nessa linha. Ou melhor: tem barrica à mostra sob o manto da legalidade.



Israel tem que sair de Masada


Israel tem que sair de Masada

ISRAEL REVIVE o complexo de Masada, a fortaleza em que 960 judeus resistiram até a morte às hordas romanas, vitoriosas no ano 73.
Complexo de Masada é um tema frequente no léxico político-diplomático de Israel, por designar a sensação de que o mundo inteiro está contra os judeus.
Nos últimos anos, a expressão caíra em desuso mas reapareceu ontem na mídia, explicitamente, e no Parlamento, indiretamente.
Carlo Strenger, chefe do Departamento de Psicologia da Universidade de Tel Aviv, escreveu no jornal "Haaretz" que o governo israelense "continua a ser guiado pelo mito de Masada, em vez de [adotar] uma avaliação realista da realidade internacional".
No Parlamento, a líder oposicionista Tzipi Livni afirmou que o governo está contando a história do momento como se "todos fossem contra nós", como se "todo o mundo fosse antissemita".
A líder oposicionista acrescentou que Israel não tem apenas inimigos, mas também um grande amigo, os Estados Unidos, que, no entanto, estão sendo colocados contra as cordas pelo que chama de "estupidez diplomática" do governo: "Eles [os EUA] não entendem a teimosia sobre os assentamentos, eles não acreditam no primeiro-ministro de Israel quando ele diz 'dois Estados' mas não faz nada para isso".
Essa sensação de isolamento -uma característica relativamente permanente da psique coletiva de Israel- tem até motivos objetivos para ressurgir. Escreve, por exemplo, Bradley Burston, colunista do "Haaretz": "É a primeira vez desde a fundação de Israel, em 1948, que o Estado não tem como aliada nenhuma das três potências regionais, Egito, Turquia e Irã".
Para fechar o cerco, vem o pedido da Autoridade Palestina de reconhecimento do Estado palestino, o que, qualquer que seja a fórmula afinal aprovada, colocará o que boa parte dos israelenses veem como inimigo em pleno território que esses mesmos israelenses consideram seu (a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, para não falar da faixa de Gaza), mas que a legalidade internacional atribui aos palestinos faz 64 anos.
Refugiar-se de novo nessa Masada muito ampliada que é o território hoje ocupado por Israel e colonos não vai resolver o problema.
Nem os palestinos conseguirão jogar os judeus ao mar, como muitos de fato gostariam, nem Israel vai conseguir empurrar os palestinos para a Jordânia, uma limpeza étnica que aparece e desaparece em segmentos radicais da sociedade israelense.
Resta, pois, negociar a solução dos dois Estados, para o que Netanyahu terá que ceder territórios, já que a Autoridade Palestina calcula que seu pedido de Estado cobre apenas 22% do território originalmente destinado a ele pela ONU.
É penoso, mas, como escreve o ex-chanceler israelense Shlomo Ben Ami, "enquanto não terminar a ocupação [dos territórios palestinos], enquanto Israel não viver em fronteiras internacionalmente reconhecidas e os palestinos não recuperarem sua dignidade como nação, a existência do Estado judeu não estará assegurada".
Masada, pois, continuará assombrando Israel.



Um jogo sobre o ciclo de vida dos "smartphones"


Já previa punição, diz autor de jogo banido

Apple tira do ar game polêmico que traz críticas às condições de trabalho para a fabricação de smartphones

Criadores de Phone Story prometem doar valor arrecadado a ONG de defesa dos direitos trabalhistas


CARLOS OLIVEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Soldados gritam com mineiros escravos no Congo, seguranças usam uma rede elástica para impedir suicídios de um prédio e trabalhadores recolhem lixo eletrônico em condições deploráveis.
Esses são alguns estágios do jogo Phone Story, aplicativo polêmico que se propõe a mostrar o ciclo de vida de um smartphone.
Lançado na semana passada na loja virtual da Apple por US$ 0,99 (R$ 1,69), Phone Story foi banido quatro horas após ser anunciado e depois de ter sido baixado por cerca de mil usuários.
No dia seguinte, foi lançado em uma versão para Android, sistema operacional do Google para portáteis.
Criado pela desenvolvedora italiana MolleIndustria e idealizado pelo núcleo ativista Yes Lab, o jogo faz alusões à Apple e aos suicídios em 2010 na fábrica chinesa Foxconn, que produz componentes para Apple, HP e Dell.
Também traz referências às acusações de extração por escravos do minério Coltan, usado em dispositivos eletrônicos devido à sua resistência a calor, na República Democrática do Congo.
Michael Pineschi, do Yes Lab, falou à Folha sobre o desenvolvimento de Phone Story. "Lançamos o jogo como aplicativo para smartphones, porque isso cria uma interação direta: o telefone fala com você sobre o ciclo de vida dele", argumenta.
Sobre a menção à Apple no aplicativo, Pineschi diz que "todos os smartphones (e dispositivos eletrônicos) sofrem desses problemas, mas a Apple é o grande arquétipo".
O ativista admite que a retirada do jogo da Apple Store não foi surpresa. "Esperávamos que ele seria banido em algum momento".
Segundo o desenvolvedor Paolo Pedercini, da MolleIndustria, o jogo foi criado em pouco mais de dois meses, durante o "tempo livre", com auxílio financeiro do festival britânico de cultura digital AND (Abandon Normal Devices) e da bienal de design de Gwangju (Coreia do Sul).
"Mas tudo será doado, então o orçamento foi zero". O programador diz que as doações, que serão registradas no site da MolleIndustria, irão para a Sacom, ONG que defende direitos trabalhistas baseada em Hong Kong, assim que Apple e Google enviarem o dinheiro.
A versão para o Android está disponível no Android Mar-ket brasileiro por R$ 1,71. Segundo o programador, ela foi construída na madrugada seguinte ao banimento. Cerca de 3.000 pessoas baixaram essa versão do app.
A MolleIndustria é especializada em jogos com críticas ao capitalismo. Além de Phone Story, já fez Oilgarchy, sobre a indústria do petróleo, e McDonald's Videogame, sobre a rede de fast-food.



A impostura do impostaço


A impostura do impostaço

O IMPOSTAÇO SOBRE os carros importados parece, a cada dia, mais uma impostura muito mal ajambrada. Uma enganação mesmo. Dizer que se trata de "medida protecionista" já é sofisticar demais a discussão, além de uma reação estereotipada a qualquer medida de política industrial. Mas nem precisamos nos perder em debates sobre "desenvolvimentismos" ou "liberalismos". O buraco é mais embaixo.
Primeiro, de que "proteção" se trata? Para escapar do IPI maior, os carros deverão ter conteúdo mínimo nacional ou regional (do Mercosul/México). Mais da metade dos importados neste ano veio do Mercosul e do México, com os quais o Brasil tem acordo especial de comércio de carros. Lembre-se de que os acordos automotivos "hermanos" são uma série de concessões arrancadas basicamente pela Argentina, acordos e tratados organizados com influência além da conta das montadoras instaladas lá e cá.
O que vem ao caso, no que diz respeito à "proteção", é que as montadoras já instaladas aqui acabam de ganhar reserva extra de mercado de importação. Caso o imposto vingue, podem ficar com 50% do mercado de importados mais um adicional resultante do aleijamento dos importadores chineses e coreanos (28% do mercado, neste ano).
Segundo, ainda a proteção, agora no caso de peças e partes importadas. Os carros deverão ter um conteúdo nacional mínimo de 65%. Como vai se medir o teor "brazuka" ou "hermano" do carro? Pelo preço.
Como no preço final dos bens entra qualquer coisa, do cafezinho da fábrica à publicidade, pode-se imaginar quanta gambiarra pode ser feita a fim de burlar a norma dos 65%. Ou de cumpri-la de modo não muito interessante para a indústria de peças locais, fabricando aqui o esqueleto mais vulgar do carro, importando "peças com mais conteúdo tecnológico" ou "valor agregado", seja lá qual for o clichê, coisas que em tese o governo gostaria de ver fabricadas por aqui.
Terceiro, o que significa "nacionalização"? O carro pode ser "nacionalizado" com peças e tecnologias inferiores? Mais caras? Quarto, ainda não está explicado por que o governo desistiu do projeto original do "Brasil Maior" ("política industrial" lançada em agosto), em que previa reduzir impostos para as montadoras caso elas incrementassem seus produtos, inclusive com mais "conteúdo nacional". Quinto, o que sabemos da rentabilidade do setor automobilístico? É crítica? É ótima? O favor que receberam vai redundar em benefícios para quem? Não saberemos. As contas das montadoras são fechadas.
Sexto, nos últimos 12 meses, o preço médio dos carros novos caiu uns 3%, ante inflação média de mais de 7%. Depois do impostaço os preços vão subir? E daí?
Sim, sim, é verdade que as empresas brasileiras estão apanhando com a brutal desvalorização do dólar, com as moedas asiáticas desvalorizadas, com os dumpings etc. etc. Com a piora do câmbio real (inflação em alta). Com a falta de mão de obra qualificada. Com os custos indecentes de capital (juros altos), de energia etc. etc. Mas qual o projeto de médio e longo prazos para lidar com esses problemas? Quase nada além de uma linha de montagem de esparadrapos, dos juros camaradas do BNDES a impostaços como esse dos carros, por exemplo.

Para os palestinos, vale a pena o risco de apostar na ONU

Para os palestinos, vale a pena o risco de apostar na ONU

Isabel Kershner 
Em Kalandia (Cisjordânia) 

Está longe de ser claro o que acontecerá quando os palestinos forem à Organização das Nações Unidas (ONU) na próxima semana, para buscar o reconhecimento de seu Estado. Mas a iniciativa está engajando uma população palestina que se tornou profundamente cínica, após 20 anos de negociações de paz intermitentes entre israelenses e palestinos.

Muitos palestinos aqui, neste campo de refugiados entre Ramallah e Jerusalém, disseram estar empolgados com a perspectiva de seu território ser declarado um Estado, mas eles reconhecem que isso não melhoraria imediatamente suas vidas. Em vez disso, eles se preparam para medidas possivelmente punitivas por parte dos Estados Unidos e de Israel.

“Abu Mazen está fazendo uma coisa boa, mas as reações podem ser ruins”, disse Khairiyya Abd al Rahman, 66 anos, uma moradora matrona do campo de refugiados.

Abu Mazen é o nome popular do presidente palestino, Mahmoud Abbas. Ir à ONU permanece uma aposta cara para Abbas. Independente de seu sucesso ou fracasso, a frustração dos palestinos provavelmente aumentará se a realidade não mudar. E apesar de muitos palestinos dizerem que não preveem o estouro de um terceiro levante, eles alertam que algo pode vir a ocorrer se não houver um progresso mensurável.

“É claro que a frustração pode se transformar em caos”, disse Najeh Abd al Majid, outro morador do campo, um local frequente de confrontos entre jovens palestinos e militares israelenses.

Quando a reunião anual da ONU tiver início na segunda-feira, a liderança palestina poderá levar sua solicitação de reconhecimento do Estado ao Conselho de Segurança, onde os Estados Unidos prometeram usar seu poder de veto, ou poderá optar pela votação na Assembleia Geral, uma rota mais modesta, que elevaria a representação palestina ao de um Estado observador não-membro, semelhante ao da Santa Sé.

Israel e os Estados Unidos tentaram impedir o confronto, alertando sobre consequências nefastas. Israel não expressou as possíveis consequências de uma votação, mas alguns na direita pediram pela suspensão da transferência da receita dos impostos à Autoridade Palestina, o cancelamento dos acordos e a anexação dos territórios contendo assentamentos judeus na Cisjordânia. Também houve conversa em Washington sobre corte de fundos.

Mas o sentimento da população palestina é fortemente favorável à ação na ONU, sejam quais forem os riscos. “Nós temos que fazê-lo”, disse Selwa Yassin, 51 anos, do vilarejo de Ein Yabrud, no distrito de Ramallah.

“As consequências não podem ser piores do que perder toda a Palestina”, disse Yassin. Por ora, a liderança palestina está tentando estimular o clima festivo.

Em Ramallah na terça-feira, voluntários distribuíram aos donos de lojas e motoristas bandeiras com logo da campanha “Palestina, Estado Nº194 da ONU”, uma referência a se tornar o 194º membro da organização.

Aqueles com conhecimento dos detalhes dizem que a meta é se tornar um Estado membro pleno. “Nós não queremos uma posição honorária”, disse Qusai Khatib, 40 anos, um barbeiro e professor em Kalandia. “Isso não teria nenhum gosto.”

Para os palestinos que buscam a independência, mesmo um Estado virtual representaria uma nova fase de uma longa luta. Mas em um reflexo da postura conflituosa da liderança palestina em relação à sua própria iniciativa, Abbas parece querer agitar as coisas no exterior, evitando ao mesmo tempo qualquer grande turbulência em casa.

Suas instruções são para que manifestações pacíficas ocorram no centro das cidades palestinas, longe de quaisquer pontos de atrito com os israelenses.

Os organizadores pediram que a população palestina vá às ruas duas vezes, em 21 de setembro, na abertura do debate geral na Assembleia Geral da ONU, e em 23 de setembro, quando Abbas deverá discursar.

“Do nosso lado, nenhum confronto, nenhum caos”, Abbas disse aos repórteres em Ramallah na semana passada. “Nossas instruções são muito rígidas: não ir aos bloqueios de estrada, não provocar nenhum atrito com os israelenses, não ir na direção dos israelenses. Se eles vieram às cidades, não reagir.”

A liderança palestina recrutou Abdallah Abu Rahma, um defensor da não-violência e um líder do movimento de resistência popular de Bilin, um vilarejo da Cisjordânia, como coordenador da campanha “Palestina 194”;

“Nós estamos tentando ser como a Primavera Árabe”, disse Abu Rahma, “e levar um grande número de palestinos às praças”. A disposição de evitar confronto deriva do desejo da liderança de preservar seus interesses, segundo especialistas palestinos. Entre outras coisas, a Autoridade Palestina, que governa na Cisjordânia, deseja manter a cooperação de segurança com Israel e impedir que seu rival, o Hamas, o grupo militante islâmico que controla Gaza, explore qualquer tumulto. Ela também deseja continuar com os esforços de construção de Estado e evitar mais danos à situação financeira já precária da autoridade.

“Este é o resultado de um processo de barganha dentro da liderança palestina”, disse Khalil Shikaki, um proeminente analista político palestino em Ramallah. “Trata-se de um equilíbrio entre aqueles que querem fazer algo dramático e aqueles que desejam manter o status quo, por mais desprezível que a situação possa ser.”

Shikaki acrescentou que Abbas, que é cauteloso por natureza, também não deseja colocar em risco a chance de retomada das negociações com os israelenses.

Os palestinos dizem temer provocações dos colonos israelenses. Os extremistas já aumentaram suas atividades, vandalizando duas mesquitas em vilarejos da Cisjordânia neste mês.

As forças armadas israelenses disseram que tolerarão manifestações palestinas dentro dos limites das cidades e que, de modo geral, agirão com restrição.

O general Michael Edelstein, o oficial de comando de paraquedistas e infantaria, responsável por manter a ordem neste mês, disse aos repórteres que o exército se equipou com uma grande variedade de armamentos não letais. Ele adquiriu mais de 20 caminhões com canhões de água, que podem disparar jatos de água ou espalhar um líquido malcheiroso; enormes alto-falantes que podem emitir um barulho intolerável para dispersar manifestantes; e lançadores de gás lacrimogêneo adaptados com miras, para permitir que os soldados mirem melhor quando dispararem as bombas de gás.

Os palestinos insistem que a nova ênfase é na resistência pacífica, após duas intifadas que resultaram em poucos resultados. Mas há preocupação de que encorajar manifestações populares nas ruas possa liberar forças imprevisíveis.
“As pessoas não estão interessadas em confrontos”, disse Yusef Ehab, 18 anos, que trabalha na loja de brinquedos de sua família, no centro de Ramallah. Isso seria do interesse dos israelenses, ele disse, porque “Israel está interessado em mostrar como os palestinos são violentos”.

“Pacificamente, pacificamente”, ele disse, erguendo suas mãos em um sinal de rendição.

Tradução: George El Khouri Andolfato 

 The New York Times, reproduzido no UOL.

domingo, 25 de setembro de 2011

Sr. Presidente (Barack Hussein Obama)!



Vamos encarar o fato, Presidente Obama, seu discurso nas Nações Unidas desta semana foi tão somente enrolação, essência de política doméstica com vistas ao ciclo eleitoral estadunidense de 2012. Aqui, eu me refiro principalmente à questão do reconhecimento de um Estado Palestino.

Sr. Presidente, o senhor já foi acusado de ser excessivamente profissional. Eu sei que os políticos precisam ser eleitos ou reeleitos para que tenham êxito. Gente de consciência que fica sentada ao lado do campo político têm de soltar as rédeas do político. Ainda assim, com seu perdão, eu lamento seu desempenho opaco em relação com uma variedade de pontos. O senhor parece não estar disposto a jogar duro politicamente com respeito às questões que nosso país está enfrentando.

Sim, eu sei que as coisas poderiam ser piores. Sim, posso imaginar um dos principais contendentes republicanos, suponhamos Rick Perry, fazendo o discurso nas Nações Unidas depois de ter sido eleito em 2012. Sim, eu me lembro do Presidente Bush. Eu moro no Texas. Posso imaginar o Presidente Rick Perry. Eu entendo seu ponto claramente. Eu deveria ter cuidado ao fazer minhas críticas.

Mesmo assim, eu tenho uma pergunta básica para o senhor. E eu a faço como judeu. Mesmo administrando as artimanhas políticas necessárias para navegar no cenário político estadunidense, o senhor realmente crê em suas próprias palavras com respeito ao Estado Palestino?

Eu estou fascinado, Sr. Presidente. Sua discussão sobre o reconhecimento do Estado Palestino centra-se fundamentalmente sobre o Estado de Israel, a história judaica e o Holocausto. Por quê isso, Sr. Presidente? Eu escutei suas palavras com interesse.

“Mas entendam isto também: O compromisso dos EUA com a segurança de Israel é indestrutível. Nossa amizade com Israel é profunda e duradoura. E, assim, cremos que qualquer paz duradoura deve reconhecer as preocupações muito reais que Israel enfrenta a cada dia.

Vamos ser honestos conosco mesmos: Israel está rodeado de vizinhos que lhe livraram repetidas guerras. Cidadãos israelenses foram mortos por foguetes lançados sobre suas casas e por homens bombas em seus ônibus. As crianças de Israel ficam adultas sabendo que por toda a região outras crianças são ensinadas a odiá-las, um pequeno país de menos de oito milhões de pessoas olha para fora a um mundo onde os líderes de nações muito maiores ameaçam varrê-lo do mapa. O povo judeu carrega o fardo de séculos de exílio e perseguição e as recordações frescas de saber que 6 milhões de pessoas foram eliminadas simplesmente por serem o que eram.

Esses são os fatos. Eles não podem ser negados.

O povo judeu ergueu um Estado exitoso em sua pátria histórica. Israel merece ser reconhecido. Merece ter relações normais com seus vizinhos. E os amigos dos palestinos não lhes fazem nenhum favor ao ignorar esta verdade, assim como os amigos de Israel devem reconhecer a necessidade de buscar uma solução de dois estados com um Israel seguro junto a uma Palestina independente.”

Eu leio também o resto de seu discurso. Fecho meus olhos por um momento e o vislumbro em seu modo professoral. Eu o ouço discursar, de uma perspectiva judaica, sobre por que Israel é importante para os judeus. O senhor recita o que quase se tornou mecânico em minha comunidade. O senhor está certo quando fala sobre séculos de exílio e perseguição, a devastação e o Holocausto e o retorno à pátria antiga.

E logo, o senhor se refere aos palestinos. Ouço com expectativa. Mas, Sr. Presidente, fico frustrado. Parece que em sua interpretação histórica os judeus, o Holocausto e a história judaica simplesmente desabam sobre os palestinos. Ou melhor, há a história judaica e, então, há os palestinos, que também merecem um estado.

O fato de os judeus terem expulsado os palestinos e tomado sua terra parece ser um incidente para o senhor. Na verdade, o senhor nunca menciona isso. O senhor não emprega a expressão “limpeza étnica”, que ocorreu com os palestinos na criação do Estado de Israel.

Para o senhor, Sr. Presidente, os palestinos e a Palestina são problemas que devem ser tratados. Não pude sentir de seu discurso que há questões de carne e sangue que precisam ser expostas e corrigidas. Assim como foi necessário para os judeus. Assim como continua sendo necessário para os judeus.

Parece que sua lousa presidencial está repleta de judeus e história judaica. Quando o senhor se refere aos palestinos, volta-se para a lousa e escreve – “Problema”. Como o senhor se referiu ao “problema” várias vezes, em minha imaginação, o senhor também o envolve num círculo. Daí, o senhor volta a seu assunto principal – a história judaica.

Foguetes sendo lançados sobre Israel a partir de Gaza. Sr. Presidente, o senhor se esqueceu da Operação Chumbo Derretido, a invasão de Gaza por Israel logo após o senhor ser eleito presidente?

Árabes falando mal de Israel. O senhor deveria me acompanhar em uma de minhas giras de palestras. O senhor ouviria o que as audiências de judeus e não-judeus estadunidenses têm a dizer sobre árabes, muçulmanos e palestinos. Em momentos desprevenidos e frequentemente em público, o senhor procurou ouvir as discussões sobre os palestinos na “única democracia do Oriente Médio”, nosso grande aliado, Israel?

Sr. Presidente – e com todo o devido respeito – permita-me dizer claramente que o senhor não fala por mim nem por muitos outros judeus que não acham que “algo” aconteceu aos palestinos como se fossem simplesmente um subproduto da história judaica. Nós não pensamos que os palestinos existem sem uma história ou sem um destino dentro de sua própria terra.

Certamente, como o senhor diz, poderia ser pior, Sr. Presidente. Mas, talvez, já seja pior. Quando eu ouvi suas palavras, eu pensei que o final tinha chegado. Eu segurei minha cabeça com as mãos – a história judaica não deveria acabar nisto. Eu queria abafar suas palavras. Eu queria que o senhor falasse sobre outras coisas das quais o senhor entende melhor ou, pelo menos, que lhes são mais próximas do coração. Eu queria algo mais do que a rotação do ciclo político.

Sim, os judeus realmente carregam séculos de exílio e perseguição. Os judeus europeus sim sofreram seis milhões de mortes. Eu sei disso como judeu. Eu cresci com essas recordações. Mas Sr. Presidente, como uma criança que aprende nossa história, eu nunca imaginei que os judeus fossem usar esses séculos de exílio e perseguição, nossos seis milhões de mortos, como um instrumento cego contra um outro povo. Nunca! Nem mesmo em minha imaginação mais selvagem. Não!

Ao ouvi-lo, eu imaginei como as coisas terminam. Como a história judaica terminou – em limpeza étnica e ocupação.

Mas, Sr. Presidente, isto também pode ser nosso começo. Esse começo somente vai vir quando a verdade for contada pelos judeus e pelos palestinos juntos. E sim, talvez um dia, pelo Presidente dos Estados Unidos da América.

Fonte originalhttp://americas.mediamonitors.net/content/view/full/89992

Tradução: Jair de Souza



O texto é de autoria de Marc C. Ellis, e foi visto na Agência Carta Maior

sábado, 24 de setembro de 2011

O Judiciário de confiança abalada



Na sua história, o judiciário passou por momentos difíceis. Lembro da cassação, pela ditadura, dos íntegros ministros Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos tiveram recentemente a memória desrespeitada pelo ministro Eros Grau, que deu pela constitucionalidade da lei de autoanistia, esta elaborada pelo regime militar para encobrir arbitrariedades e garantir impunidade a autores e partícipes de assassinatos, torturas e terrorismo de Estado.
Na presente quadra, o Judiciário passa por outro tipo de dificuldade e decorre de um processo de perda de credibilidade pela população. Isso pela ausência de imparcialidade e pela falta de trato igualitário dos cidadãos perante a lei. De permeio, episódios desmoralizantes vieram a furo, como, por exemplo, a falsa comunicação de crime feita pelo ministro Gilmar Mendes: afirmava ser vítima de grampo e, com particular teatralidade, levantou suspeitas contra a Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
O sentimento de descrédito teve início quando, em decisão monocrática a contrariar súmula do STF impeditiva de se pular o exame por instâncias inferiores, o ministro Mendes concedeu, sem consultar o Plenário e num diligenciar inusual, habeas corpus liberatório a Daniel Dantas. Pouco depois, tornava-se público o conteúdo de uma interceptação telefônica realizada com ordem judicial e a dar conta da preocupação de Dantas com os juízes de primeira instância, uma vez que, perante tribunais superiores, teria a impunidade garantida. Convém lembrar que a prisão cautelar de Dantas foi imposta por juiz federal de primeiro grau em face da Operação Satiagraha.
Por outro lado, não tardou para, em sede de habeas corpus, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por 3 votos contra 2, anular a Operação Satiagraha e a sentença condenatória de Daniel Dantas por consumada corrupção ativa. Para os ministros julgadores, exceção a Gilson Dipp e Laurita Vaz, a participação de agentes da Abin, órgão oficial e subordinado à Presidência da República, foi ilegal e contaminou toda a apuração. Em outras palavras, o acessório a caracterizar, no máximo, uma mera irregularidade, valeu mais do que a prova-provada da corrupção: Daniel Dantas, conforme uma enxurrada de provas e gravações feitas com o acompanhamento da equipe da Rede Globo, procurou, por interpostos agentes, corromper policiais em apurações na Satiagraha. Na casa de um dos enviados de Dantas, a Polícia Federal apreendeu 1,1 milhão de reais.
Outra decisão que abalou os pilares da credibilidade e da confiança popular no Judiciário consistiu na anulação da Castelo de Areia, a envolver dirigentes da construtora -Camargo Corrêa. Por 3 votos a favor dos acusados e 1 -contrário, o STJ anulou todas as provas da operação. A tese é que as provas tinham origem em denúncia anônima. O voto vencido explicitou que investigações, e não a denúncia anônima, tinham motivado as interceptações. No mesmo sentido e anteriormente manifestara-se de forma unânime o Tribunal Regional Federal de São Paulo.
Quando ainda mal absorvidos pela sociedade civil os episódios acima mencionados, veio a furo outro caso de estupor. Esse a envolver como figura principal Fernando Sarney, filho do presidente do Senado. A 6ª Turma do STJ, sem que ministros convocados pedissem vista dos autos após o voto do relator, anularam a chamada Operação Boi Barrica.
Para a Turma, a decisão judicial que havia autorizado a quebra de sigilos não tinha sido suficientemente motivada. Isso tudo com desprezo ao relatório do Conselho de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda: o relatório indicava suspeita de lavagem de dinheiro por membros do clã Sarney e durante campanha eleitoral de Roseane ao governo do Maranhão.
Nesse caso, a verdade real foi desprezada por um garantismo baseado no subjetivismo da suficiência, e o inquérito acabou reduzido a pó. Como num passe de mágica, não existe mais nenhuma prova dos crimes de lavagem de dinheiro, desvio de dinheiro público e tráfico de influência.
De lembrar, logo no início das apurações da Boi Barrica, a concessão de liminar que proibiu o jornal O Estado de -S. Paulo de noticiar fatos em apuração e relacionados a Fernando Sarney. O desembargador censor foi posteriormente reconhecido como suspeito de parcialidade por vínculos com o senador Sarney.
Num pano rápido, em nome de um falso garantismo poderemos ter anulações a beneficiar o ex-governador José Roberto Arruda (Operação Caixa de Pandora), os envolvidos em desvios de recursos do Ministério do Turismo (Operação Voucher) e em superfaturamentos de obras do Ministério de Minas e Energias (Operação Navalha). No imaginário popular, ao que parece, a deusa grega da Justiça, Têmis, cedeu lugar ao deus romano Janus bifronte. Das suas duas caras, uma garantiria a saída pela porta da impunidade a poderosos e potentes.