quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Relatório da Ouvidoria da Segurança Pública conclui que houve excesso na atuação policial no caso do tatu-bola


Relatório da Ouvidoria da Segurança Pública conclui que houve excesso na atuação policial no caso do tatu-bola

Manifestantes que desinflaram boneco da Coca-Cola foram agredidos no início de outubro

A Ouvidoria da Segurança Pública do Estado concluiu nesta quarta-feira que houve excesso na ação de parte dos policiais e dos guardas municipais durante o confronto no largo Glênio Peres, no dia 4 de outubro.
O entendimento é baseado no depoimento de cerca de 30 pessoas que procuraram a ouvidoria para relatar os acontecimentos na noite em que a polícia entrou em confronto com manifestantes que desinflaram um tatu-bola da Coca-Cola, símbolo da Copa de 2014.
Além dos depoimentos, foram reunidos boletins de ocorrência, fotografias, vídeos e boletins de atendimento médico que foram levados à ouvidoria por manifestantes.
— Fizemos uma análise de toda essa documentação. O relatório faz uma síntese, para o governador, dos fatos que chegaram ao nosso conhecimento. Isso vai encorpar os processos investigatórios dentro do inquérito policial — explica a ouvidora Patrícia Couto.
Os documentos têm caráter indicativo e devem ser incorporados aos processos aos inquéritos policiais em andamento. De 28 e-mails recebidos pela ouvidoria, apenas dois repudiaram a atuação dos manifestantes e consideraram a atuação da polícia adequada e proporcional.
Segundo Patrícia, chama a atenção o grande número de mulheres que fizeram registro e a maneira como foram tratadas pelos policiais, com termos pejorativos.
— Também chama a atenção o relato de policiais que perseguiram os manifestantes pelas ruas no entorno do largo. Isso é muito grave, porque mostra que a ideia não era só cessar a manifestação. O que fica evidenciado nos relatos é que houve uma perseguição, uma espécie de punição e de castigo por estar ali. E também uma desproporção na atuação policial, com cerca de dois policias para cada manifestantes — afirma Patrícia.
A conclusão da ouvidoria não substitui os inquéritos que investigam o caso. O órgão é um canal de acesso da população ao inquérito policial e tem atuação de fiscalização e monitoramento das forças de segurança.

Notícia publicada no sítio do jornal Zero Hora

terça-feira, 30 de outubro de 2012

“A mídia israelense está sendo subjugada”


Reconhecido pelo seu trabalho de aproximação entre jornalismo e paz no Oriente Médio, o professor Dov Shinar, nasceu em São Paulo, Brasil, em 1936, mas vive em Israel desde 1950. PhD em Comunicação, o jornalista e pesquisador é Decano da Escola de Comunicação do Netanya Academic College e diretor do Fair Media: Centro de Estudos de Conflito, Guerra e Paz.
Na esteira de uma extensa experiência profissional, suas áreas de interesse incluem mídia na guerra e na paz; comunicação e desenvolvimento humano, enfatizando identidade coletiva e memória; dimensões socioculturais de tecnologias da comunicação e comunicações internacionais.
O professor emérito da Universidade de Concordia (Montreal) e da Universidade de Ben-Gurion, defensor do Estado laico em Israel, concedeu esta entrevista em sua casa, em Jerusalém, em dezembro do ano passado, numa tarde de sexta-feira, no início do shabat (shãbath, em hebraico, dia que para os judeus deve ser guardado). Em setembro de 2012, Shinar forneceu novas informações por e-mail sobre o desenrolar dos fatos citados e do ambiente vivido em Israel nesse período.
O resultado pode ser conferido a seguir. A entrevista traz uma análise da atual situação da imprensa em Israel, das pressões políticas que instituições como a Justiça e as universidades sofrem no país e de como o nacionalismo e a religião vêm ganhando espaço nas decisões de Estado.
Shinar também fala das contradições da democracia em Israel, como a existência de censura militar aos órgãos de imprensa da região – instituída em 1945 por meio de medidas de emergência promulgadas por autoridades britânicas no poder na Palestina, que, depois da criação do Estado de Israel (1948), foram incorporadas à legislação israelense e são aceitas pela Suprema Corte. “A censura obriga todos os jornais a serem verificados duas vezes por noite pelos censores, mas não é o que ocorre na prática, graças a um acordo entre os jornais e o Estado”, explica. “Agora, no que diz respeito a temas militares, temas que os próprios jornais consideram delicados, aí, sim, isso é submetido à censura militar.”
Como o senhor vê a situação da imprensa em Israel?
Dov Shinar – O que está acontecendo é uma coisa muito interessante: o funcionamento da mídia não está isolado dos problemas de Israel, dos dilemas da democracia em Israel. Tudo está junto. Por exemplo, a questão da censura. Existe uma espécie de acordo entre os jornais e a censura militar [que pode impedir a publicação – em jornais e revistas – de informações que julgar prejudiciais à manutenção da ordem pública ou que coloquem em risco a segurança nacional]. A censura obriga todos os jornais a serem verificados duas vezes por noite pelos censores, mas não é o que ocorre na prática, graças a um acordo entre os jornais e o Estado. Agora, no que diz respeito a temas militares, temas que os próprios jornais consideram delicados, aí, sim, isso é submetido à censura militar. Mas os jornais não são obrigados a fornecer o jornal inteiro, todas as noites – como está definido na lei, que é do tempo do mandato britânico [após a queda do Império Otomano e fim da Primeira Guerra Mundial, foi instituído um Mandato Britânico para administração da Palestina. A medida durou até 1948], e existe ainda hoje, não foi alterada.
É uma lei de imprensa?
D.S. – Não é uma lei exatamente, é uma medida de emergência que vem do período de dominação britânica na Palestina. Na Segunda Guerra Mundial, foi empregada para combater a propaganda nazista [medida promulgada por autoridades britânicas em 1945 na Palestina ocupada, por meio dos Defence (Emergency) Regulations, que instituíam a censura a livros e jornais. Depois da criação do Estado de Israel, em 1948, as leis foram incorporadas à legislação do país].
Antes da existência desse acordo, o jornal inteiro era submetido à censura?
D.S. – Tudo, o jornal inteiro, até as palavras cruzadas, publicidade, tudo.
Portanto, existe uma censura funcionando?
D.S. – Militar, uma censura militar, uma censura sobre temas relacionados à segurança.
E há casos em que houve veto?
D.S. – Às vezes, sim, em casos que estariam relacionados à segurança do país. Por exemplo, não se revelava o nome do chefe do serviço secreto. Hoje, já se revela. Às vezes, não é permitido divulgar onde aconteceu um incidente na fronteira, porque isso é matéria de segurança nacional. Isso está bem estabelecido, ninguém se aproveita da situação. Mas esse acordo libera a mídia dessa coisa impossível que existia antes. Não dá para submeter o jornal inteiro, todo o noticiário da TV, é impossível. Esse cuidado prévio foi empregado algumas vezes e é parte do acordo, entre o que se chama de Comissão dos Redatores da Mídia e o Exército. Isso funciona com algumas exceções. Houve alguns jornais israelenses que não entraram no acordo e tiveram, durante algum tempo, de submeter todas as matérias duas vezes por noite. E os jornais palestinos que são publicados aqui em Jerusalém – não estão sendo publicados nos territórios, as redações estão em Jerusalém, porque aqui vigora a lei de Israel e eles têm mais defesa da Suprema Corte –, todos têm que submeter todas as matérias à censura. Estão fora do acordo.
Qual análise o senhor faz da situação da democracia no país?
D.S. – O atual momento da democracia de Israel é muito interessante e muito assustador. Hoje existe um ataque, não sei se planejado, contra as instituições democráticas. Por exemplo, vejam a questão da Justiça. No início de 2012, a então presidente da Suprema Corte [Dorit Beinisch] completou a idade limite de 70 anos, e foi aposentada compulsoriamente. Na escolha de um novo presidente, o natural seria que a próxima pessoa a ocupar o cargo fosse outra mulher [Miriam Naor], então a juíza mais sênior. No entanto, um truque parlamentar da extrema-direita [a Lei Grunis, aprovada no início de 2012, alterou a legislação anterior que impedia juízes que estivessem a menos de três anos da aposentadoria de assumirem a presidência da Suprema Corte] permitiu a outro juiz assumir o cargo – Asher Grunis [dois anos e 324 dias até a aposentadoria], menos liberal do que a candidata natural. De qualquer forma, a direita agiu nesse sentido. Há um ataque da extrema-direita nacionalista, parte religiosa, parte não. O interessante é que, por enquanto, o juiz Grunis está surpreendendo os responsáveis pelo truque, seu comportamento está absolutamnte de acordo com as normas judiciais democráticas.
Um ataque?
D.S. – Sim, uma manobra destinada, afinal, a enfraquecer a Suprema Corte, que era liberal, talvez não tanto quanto a esquerda gostaria, mas que era independente de pressões políticas. Mexeram no processo de escolha de juízes, com a alegação de que as minorias estavam mal representadas. Chegaram a propor no parlamento uma lei que obrigasse os candidatos a juiz a aparecer frente a uma comissão política. Enfim, a Suprema Corte como instituição (o Judiciário) está sob ataque. A Suprema Corte era considerada pelos atacantes como esquerdista, de extrema-esquerda, porque muitas vezes tomava decisões favoráveis aos árabes, aos homossexuais, ou seja, era uma corte liberal.
E esses ataques limitam-se ao Judiciário?
D.S. – Não. Veja, com a mídia também há problemas. Por exemplo, em relação à chamada Libel Law [que trata de crimes contra a honra – calúnias, injúrias e difamação] existente em Israel. Há a ideia de torná-la muito mais severa. A que existe atualmente diz que se você considera que determinado jornalista falou mal de você, precisa provar o prejuízo provocado pela publicação do artigo ou da reportagem. Há quem queira eliminar isso – o eventual prejudicado não precisará provar o eventual prejuízo. E a multa a ser imposta ao jornalista e ao jornal será muito mais alta, caso a decisão seja desfavorável a eles. A mídia está sendo subjugada. Veja, o Canal 10 de TV descobriu muita coisa criticável sobre Bibi [Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelense], as viagens de primeira-classe que ele fez, as relações particulares, coisas muito criticadas por aqui [em Israel]. Fatos que, aliás, também aconteceram com seu antecessor, Ehud Olmert. Bem, o jornalista desse canal, que divulgou esses fatos terá dificuldades com a mudança. Além disso, diz-se – não há provas, porém – que funcionários do gabinete de Bibi teriam se envolvido em manobras para estrangular financeiramente o canal.
Isso é parte desse ataque contra a mídia?
D.S. – Sim. Há também um ataque contra as instituições de ensino superior – as universidades. Vou dar um exemplo. Existe um processo de avaliação de qualidade por parte do Conselho de Educação Superior [Council for Higher Education], que é o órgão que controla as verbas do governo para a educação superior. Há dois anos avaliaram os programas de comunicação e, no ano passado, foi a vez de Ciências Políticas. Na Universidade Ben-Gurion, onde trabalhei, há muita gente tentando avançar com o sionismo, mudar um pouco aquele sionismo clássico, que não via os árabes. Para o sionismo clássico, de quando Israel foi estabelecido, os árabes eram transparentes, parte da paisagem. “Nós viemos conquistar o deserto”, dizia-se. Existem movimentos para mudar isso; desde os anos 1950 e 60, há pessoas tentando reconhecer que isso foi um erro, tentando fazer e dizer coisas que muita gente não gosta que sejam ditas. Eu trabalhei na Ben-Gurion dez anos e não gostava muito dessa gente que já estava cruzando as fronteiras, passando para o outro lado, os chamados pós-sionistas.
O que quer dizer “passar para o outro lado”?
D.S. – “Passar para o outro lado” é dizer que o sionismo é colonialista, que o sionismo não é um movimento de liberação nacional do povo judeu, que está integrado com religião, integrado com perseguições, com o Holocausto, com tudo isso. Enfim, há os que dizem que esse tipo de sionismo é colonialismo e que isso não pode ser assim – e é certo que não pode ser, colonialismo não é bom em nenhuma hipótese. No entanto, essas pessoas deram início, de certa maneira, a um processo de erosão da legitimidade de Israel. E aí entra a questão da avaliação acadêmica, que acabou se transformando em uma espécie de julgamento político. Diga-se de passagem que essa crítica não é ingênua, no relatório diz-se que “a qualidade dos artigos que eles publicam etc. etc.”; enfim, ataca-se a “qualidade” do trabalho, quando de fato o que se quer é fazer uma avaliação das ideias.
Isso aconteceu antes?
D.S. – Não, é a primeira vez que existe um ataque deste tipo. Já houve outros tipos de ataque. Por exemplo, a Universidade de Haifa, há muitos anos era considerada ruim pela direita. Por quê? Porque muitos árabes vivem no norte do país, e vão estudar nessa universidade, e porque existiam por lá movimentos de protesto árabes. Porque, afinal, é uma universidade, é um milieu acadêmico. Essa universidade funciona bem, com os estudantes árabes. Mas, para a direita, isso é ruim. Enfim, acho que esse pessoal pós-sionista dispara no próprio pé; eles se abriram aos ataques da direita. Se você faz as suas publicações na literatura acadêmica e entra em um debate, em uma discussão, tudo bem, mas se você começa a ser ativista, escrever no jornal, escrever na internet...
Fazer propaganda?
D.S. – É isso, eles cruzaram a fronteira entre a academia e o ativismo, e isso está causando muitos problemas e não está ajudando a causa liberal, até porque está chegando ao exército também. O que está acontecendo no exército? Cinquenta por cento dos oficiais no exército hoje são religiosos. O exército está mudando um pouco neste sentido, não necessariamente na relação entre soldados e oficiais religiosos e não religiosos, mas no problema – central – da decisão de quem é a última palavra, do comandante ou do rabino.
Mas existe esta questão?
D.S. – Sim, quando você tem essa massa de oficiais religiosos, em grande parte brilhantes e patriotas, você não pode ignorar o tema. Por exemplo, quando houve a saída de Gaza com Ariel Sharon no governo, muitos soldados religiosos se recusaram a cumprir a ordem. Isso pode ser resolvido. Mas o que você faz quando existe um costume religioso, como aquele que proíbe as mulheres de cantar em público? Para os religiosos, a mulher cantando em público diz respeito à sedução. Mas este, afinal, é um costume de países e religiões repressivas, não do judaísmo. A proibição não está escrita em lugar algum. Há cerimônias públicas, por exemplo a cerimônia realizada em memória de [Yitzhak] Rabin [primeiro-ministro israelense assassinado em 1995], em que soldados começam a sair quando as mulheres cantam – e isso se converte em um problema institucional.
A quem responde o oficial, ao comandante ou ao rabino, há uma confusão de esferas, não?
D.S. – Não é só uma confusão de esferas. Veja, eu não acredito em teoria da conspiração; isso reflete o que está acontecendo na sociedade. O público recebe o governo que merece. Esse governo de direita foi eleito pelo público. Não sei se é conspiração. Mas sem dúvida é uma tendência muito assustadora.
O que aconteceria, por exemplo, se Tzipi Livni [política israelense, ex-líder do partido Kadima]fosse eleita primeira-ministra? Não bateriam continência?
D.S. – Não é só isso. Ela poderia não ser eleita por ser mulher. Fui fazer um exame médico numa destas instituições médicas que temos aqui; você paga ao governo o seguro médico e pode se registrar em uma de quatro ou cinco empresas que fornecem o serviço em Jerusalém. A instituição que escolhi fica em um bairro localizado entre a parte religiosa e a não religiosa da cidade, e há pacientes religiosos e não religiosos. Quando você faz uma reserva de horário, solicitam, se for mulher, que leve o comprovante e vá vestida apropriadamente. Isso é um escândalo! Eles me explicaram o que acontece: se uma menina for à clínica com uma saia um pouco curta, uma camiseta, os religiosos ficam nervosos. Mas o problema é deles, é um problema de hormônios, não de religião. Então, a mídia está no meio dessa confusão toda. Estão tentando intimidá-la. Muitas dessas pessoas estão na fronteira do fascismo.
À esquerda, não há os que acusam o seu discurso de ser uma defesa, em nome da liberdade de imprensa, da imprensa de direita também?
D.S. – Muito pouco. O que acontece é que isso traz à superfície um debate sobre o que é liberdade de imprensa: estão dizendo que a mídia está abusando da liberdade de imprensa. O que existe aqui é um “complexo” da direita, que acha que a esquerda ainda está no governo. Ora, a esquerda não está no governo neste país desde 1977, com exceção do período de Rabin, de três anos [1992-1995], e do [Ehud] Barak [1999-2001], de um ano e meio… A direita gosta de dizer: “Como pode acontecer isso, não vamos deixar…”. Mas o que quer dizer isso? Como, “não vamos deixar”? Ora, eles estão no governo. Agora estão dizendo: “Até que enfim, o governo está governando”. Mas em muitos casos é justamente o governo que não deixa as coisas acontecerem. Quer dizer, há os que dizem que se trata do “complexo de Massada” [referência ao episódio em que judeus resistiram até a morte contra os romanos na fortaleza de Massada no ano 73, optando pelo suicídio em massa em vez de se entregarem], estão levando a gente à situação de Massada, de se suicidar em massa. Por quê? Se você não tem legitimidade no mundo, se você não pode nem fazer guerra nem fazer a paz com os árabes… hoje é muito difícil controlar a balança do poder, esta balança do poder militar. As pessoas têm de saber que Israel não é homogêneo.
O senhor está usando a palavra liberal no sentido da democracia americana…
D.S. – Exatamente… a esquerda do Partido Democrata dos Estados Unidos, criticada pelo [movimento conservador]Tea Party; aqui, é muito difícil, porque os liberais neste sentido estão sendo acusados de traírem o sionismo e, portanto, Israel. Eu trabalhei no Canadá algum tempo; na primeira ocasião, eu trabalhava meio período na universidade e na outra metade do tempo dava palestras sobre Israel; isso foi no tempo do [Yitzhak] Shamir [primeiro-ministrode Israel nos períodos 1983-1984 e 1986-1992] no fim dos anos 80. Muitas vezes eu chegava a algum lugar e tentava explicar que se pode ser muito leal a Israel e ser crítico do governo que está no poder – e muito pouca gente aceitava isso na comunidade judaica.
E hoje isso mudou ou essa mentalidade permanece?
D.S. – Não, hoje isso mudou. Hoje você tem novas organizações, como a JStreet, nos Estados Unidos, que já aceitam as teses da esquerda.Mas a maioria, a liderança das comunidades judaicas do mundo, é conservadora. Acho que, no Brasil, também. Fiz algumas palestras lá [no Brasil]; eu me saí mais ou menos bem, não me atacaram, é gente civilizada. Mas é um problema, Israel sempre é um problema, não importa o que você faça… [risos]
No espectro dos jornais de Israel, hoje, o que ler?
D.S. – O que você quer ler? O Jerusalém Post está bem à direita. O Haaretz, às vezes é acusado de ser de esquerda, mas não é. O Haaretz tem uma tradição liberal, é um tipo de O Estado de S.Paulo, o antigoEstadão. É independente, sempre foi privado.
Pertence a uma família?
D.S. – Sim, é de uma família, os Schocken. Há um jornal chamado Israel Hoje [em hebraico, Israel HaYom], que é de um dos maiores; pertence a um homem riquíssimo, Sheldon Adelson, apoiador de Bibi (e financiador de Mitt Romney). É o jornal do Bibi. O Yedioth Ahronoth também é um jornal de uma família, a Mozes. O Maariv é uma empresa com cotação em Bolsa. O Yedioth já foi o de maior circulação, mas hoje a liderança é do Israel Hoje, porque é gratuito. O proprietário é muito rico e banca o jornal. Agora, em geral todos os jornais estão com grandes problemas econômicos em Israel por causa da TV e da internet. OYedioth é um jornal bastante estabelecido, não há perigo, mas o Maariv, por outro lado, sempre conviveu com o perigo de fechar, e hoje esse perigo se tornou real. E existem os jornais da direita, como o Makor Rishon.
É um jornal popular?
D.S. – Não muito popular. Esse pessoal que apoia a direita não lê muito jornal, não. Vê televisão, vê essa coisa de cozinha na TV, reality shows.
É também considerado um quality paper?
D.S. – Não, é um jornal partidário, mas tem alguns bons jornalistas, um deles está até no Knesset [parlamento israelense]. Aliás, há uma grande representação de jornalistas no Knesset agora, do Partido Trabalhista, do Likud, do Kadima.
Como o senhor avalia a questão do Campo da Paz?
D.S. – O Campo da Paz não está muito bem representado na mídia tradicional, está muito mais na internet. No Centro Peres para a Paz [organização sem fins lucrativos fundada em 1996 pelo ex-primeiro-ministro e atual presidente de Israel, Shimon Peres, com a finalidade contribuir para promoção da paz entre Israel e seus vizinhos árabes, especialmente os palestinos], há acesso à mídia, por exemplo, e a promoção de jogos de futebol entre israelenses e palestinos. Isso não é um mero jogo, a mídia gosta dessas coisas, mas isso não tem um impacto muito forte no processo de paz. Há um projeto que trabalha crianças em idade escolar e que trata de como utilizar a mídia em relação ao conflito. Houve também projetos relacionados à formação de jornalistas. Há uma ONG chamada Search for Common Ground que financiou um projeto muito interessante de instrução de jornalistas israelenses e palestinos sobre jornalismo profissional em condições de conflito. Há um projeto do nosso centro de pesquisa para treinar professores na análise da cobertura do conflito como tema de estudos, juntamente com uma revista chamada Palestine-Israel Journal. Eles estão trabalhando com o chamado “peace journalism” [ou jornalismo da paz, procura apresentar uma cobertura com destaque para o contexto histórico que gerou o conflito, as iniciativas de paz e as alternativas não violentas de enfrentamento]. Enfim, existem muitos projetos desse tipo, que estão tentando atingir jornalistas individualmente.
O senhor não está desanimado?
D.S. – Não, não estou desanimado, mas preocupado com o rumo dos eventos. A experiência histórica e as conotações deste rumo me preocupam. Por exemplo, a mudança da solidariedade coletiva que no passado foi baseada na justiça distributiva e evitou diferenças sociais exageradas (que existem hoje em dia) para uma filosofia capitalista radical que está mudando as bases da solidariedade – da justiça social ao nacionalismo e à religião.

Texto e entrevista vistos no Observatório da Imprensa

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O ar profundamente humano do STF


Períodos eleitorais deixam nervos à flor da pele e o comportamento do STF (Supremo Tribunal Federal) não tem ajudado a trazer bom senso para o debate político.
O que se passa é apenas mais um capítulo de um penoso processo de aprendizado democrático. Especialmente em um momento em que as urnas tornam mais distantes os sonhos de uma rotatividade no poder.
Do lado de parte da mídia, há uma tentativa insistente de envolver Lula no julgamento e, se possível, de processá-lo e fazê-lo perder seus direitos civis. Do lado de parte do PT, um chamado à resistência capaz de elevar ainda mais a temperatura política.
No meio, botando lenha na fogueira, os doutos Ministros.
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Mentes mais conspiratórias à esquerda podem suspeitar da preparação de um novo golpe. Mentes conspiradoras à direita podem mesmo acreditar que poderão fomentar o golpe.
No fundo, o que ocorre com o Supremo é apenas uma manifestação eloquente de humanidade. Não da grande humanidade, dos princípios que consagram homens e civilizações. Mas das fraquezas e vaidades que tornam - do mais solene magistrado ao mais simples cidadão - os homens iguais entre si.
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O capítulo atual do aprendizado é o da exposição do STF à luz dos holofotes, com transmissão ao vivo e, pela primeira vez, analisando um processo penal. Vaidosos por natureza, como o são todos os intelectuais dotados de conhecimento especializado – e, no caso do STF, com esse conhecimento sendo manifestação de poder – os Ministros foram expostos ao desafio de se tornarem celebridades e não perderem a linha.
Alguns não conseguiram.
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Foi o que levou um Celso de Mello a colocar gasolina na fogueira, e esforçar-se tanto pelo grande momento de oratória, insistir tanto na ênfase definitiva, a ponto de comparar partidos políticos ao PCC.
O mesmo fez Marco Aurélio de Mello, com sua defesa do golpe de 64. O Ministro que sempre se jactou de chocar os pares – inclusive com alguns posicionamentos históricos – com a concorrência inédita dos demais ministros precisou avançar alguns tons na competição. E pode haver prato melhor do que um Ministro da mais alta corte defendendo uma transgressão à Constituição?
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Essa mesma sensação de poder acometeu Joaquim Barbosa, a ponto de avançar sobre colegas que ousassem discordar da voz de Deus. Contra os advogados dos réus, não a explosão de trovões – que só são utilizados contra iguais – mas o riso irônico de quem trata com personagens insignificantes, perto da grandeza do Olimpo.
Todos trovejam e Ayres Britto passarinha, com sua voz de pastor das almas, tentando alcançar o tom grave dos colegas mais eloquentes.
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No plano real, fechadas as cortinas do espetáculo, não há possibilidade de se alcançar Lula. A teoria do “domínio do fato”, encampada pelo Procurador Geral da República, subiu na escala hierárquica e pegou José Dirceu e José Genoíno. Mas mesmo o PGR considerou exagero alçar voo para mais um degrau e alcançar Lula. Definitivamente, Lula está fora do processo.
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Assim, as investidas dos Ministros do STF explicam-se muito mais pelas fraquezas humanas, pelo estrelismo que acomete espíritos menos sábios, do que pelo maquiavelismo político. Eles são humanos. Apenas não foram informados disso.

Frases e análises do Gerundino Contra a Maré


1) Governante populista: aquele que faz demagogia a favor do povo e não somente às custas dele.
2) Governante responsável: aquele que só comete irresponsabilidades a favor dos ricos.
3) Líder neopopulista: aquele que usa o dinheiro do petróleo para comprar os pobres e não mais só os ricos
4) Domínio do fato: teoria usada para condenar quando a prova material dos fatos escapa do domínio dos juízes.
5) Voto responsável e desinteressado: quando um empresário vota num candidado que promete baixar impostos.
6) Via brasileira capitalista para a revolução socialista: a compra da direita pela esquerda.
7) Voto interesseiro e perigoso para a democracia: quando o povão vota em quem promete aumentar benefícios sociais.
8) Liberdade de imprensa: direito de a mídia conservadora detonar a esquerda e silenciar sobre a direita.
9) Ortodoxia econômica segundo um velho neoliberal em estado de excitação máxima e de confiança mínima: Estado mínimo quando o lucro for máximo. Estado máximo quando o lucro for mínimo.
10) Eleições livres: quando o candidato das elites vence mesmo alterando as regras do jogo.
11) Fim das ideologias: afirmação ideológica de um ideólogo que se vê como objetivo, neutro e imparcial.
12) Fim da oposição direita – esquerda: afirmação da direita para condenar a esquerda e se apresentar sensatamente como centro. O problema é que o centro costuma ser radicalmente de direita.
13) Liberdade de imprensa: quando um grupo de comunicação pode controlar a maioria dos meios sem ser limitado por alguma lei de desconcentração como as existentes em países ditatoriais a exemplo dos Estados Unidos.
14) Fulano afirma: “A violência tem a ver com a taxa de natalidade. A população pobre continua parindo acima da média. É culpa do bolsa-família”. Conclusão lógica: o aumento da violência no Brasil é culpa do bolsa-família.
15) Beltrano diz: “Muito bom o teu texto. Estou dizendo isso para acumular pontos e poder criticar quando não gostar”. Resposta lógica: Ah, pensei que fosse um elogio. Mas é uma ameaça.
16) Internet ilimitada na linguagem das operadoras de telefone: internet com limitações a partir de certo momento.

Gregos e Troianos


Gregos e Troianos


A classe artística é dividida. O cinema, apesar das divergências, sempre soube se posicionar em bloco. O caráter industrial das artes e ciências cinematográficas obriga o mais experimental dos cineastas a lidar com a tecnologia e o mercado. Além disso, o poderio dos blockbusters iguala o mais comercial dos filmes brasileiros ao mais autoral deles. Os ianques nivelam todo mundo por baixo.
Já no teatro, as versões brasileiras dos musicais da Broadway enfrentam as mesmas vicissitudes do empreendedor médio: alto custo da mídia, da produção, baixo valor do ingresso e dependência da isenção fiscal. Mas a falta de um inimigo comum acentua a cizânia.
Ouvi de um colega que os teatros de shopping deveriam ser boicotados por serem os responsáveis pelo vício do público em comédias ligeiras. Ficaríamos melhor sem eles? Pensei. Resolveríamos o descompasso com o espectador? Ou reduziríamos ainda mais o interesse vacilante da sociedade pelo que ocorre em cena?
Na minha adolescência, o teatro tradicional, feito por produtores como meu pai, era taxado de teatrão. Os grupos de pesquisa demonstravam insatisfação por ter que dividir os parcos recursos com a vertente considerada antiquada. O teatrão acusava as cooperativas de falta de consistência.
O Norte e Nordeste se queixam do monopólio do sul, a periferia reclama da capitalização dos grandes centros, os negros cobram uma reparação e os anônimos veem nos ditos famosos, muitas vezes cunhados de globais, a razão de ser de seu anonimato.
Como criar uma política pública justa diante de tamanha Babel?
Perguntei a Danilo Miranda, diretor do Sesc São Paulo, qual a sua opinião sobre o futuro da Lei Rouanet. Miranda acredita que ela será modificada, e precisa ser, segundo ele, para separar de maneira mais clara o que é marketing do que é investimento em cultura em troca de isenção fiscal das empresas.
A observação procede. Uma atenção maior do ministério para a linha tênue que separa a publicidade do patrocínio fortaleceria os fundamentos da Lei Rouanet e beneficiaria a todos democraticamente.
O Sesc São Paulo sempre teve uma visão ampla de educação, cultura e lazer. Focado na qualidade do que apoia e na população que pretende atingir, o Sesc oferece desde aulas de macramê, até um centro de pesquisa teatral como o CPT, de Antunes Filho.
Quando prefeita, Marta Suplicy se baseou no modelo do Sesc para construir uma rede de centros educacionais unificados, os CEUs, nos bairros carentes da capital.
Projetados para servirem apenas à comunidade, o circuito da periferia paulistana acabou entrando para o calendário das companhias nacionais de teatro.
Os prefeitos que sucederam Marta tiveram a honradez de dar continuidade ao projeto, ampliando sua política de ocupação. Hoje, os CEUs fomentam não apenas a cultura do seu entorno, como também o teatro que se produz no restante do país.
Minha mãe percorreu os CEUs com o espetáculo "Viver Sem Tempos Mortos", baseado na vida de Simone de Beauvoir. Poucas vezes a vi tão impressionada.
Foram oferecidas oficinas sobre o pós-Guerra e o existencialismo nos dias que precederam as apresentações lotadas, repletas de pessoas que nunca haviam pisado em um teatro. Sem demagogia, as educadoras elaboraram um trabalho exemplar de formação de plateia, tão fundamental quanto a do artista, mas raras vezes compreendido.
Quando "Viver Sem Tempos Mortos" submeteu seu projeto ao Ministério da Cultura, parte do órgão se mostrou avesso à sua aprovação. O assunto seria elitista demais para uma política de inclusão e um monólogo com uma atriz consagrada prescindiria do apoio da lei. O então ministro, Juca Ferreira, deu o parecer favorável.
A ideia de que a periferia deve consumir periferia e a elite, elite, subestima obra e plateia. O "Viver..." é a prova de que a ligação de Simone e Sartre não deixa de ser folhetim, assim como o Criolo prova que o hip-hop pode soar a Sinatra.
Marta é uma boa notícia para a cultura, um nome forte dentro e fora do partido.
Espero que a ministra leve sua experiência dos CEUs adiante e que conduza o ministério de forma a diminuir o arrivismo entre gregos e troianos.



O lamento de um dinossauro


O lamento de um dinossauro

MARIO CHIMANOVITCH

Como velho jornalista da velha escola, aquela que nos ensinava na unha e nos cascudos de chefias que acatávamos sem chiar, gratos por podermos conviver com nomes cujo simples som nos intimidava, observo que em algum momento algo muito importante se rompeu -e ninguém lhe deu a menor importância.
Hoje, por todo lado, apregoa-se que só o novo é bom e todos disputam a honra de serem mais novos do que os demais.
Ser velho, nestes tempos estranhos, é ser um estorvo, ser inútil, um dinossauro improvável, movimentando-se num universo de frágeis louças. Eu sou um dinossauro e vivo trombando o grande rabo da minha longa história contra as prateleiras deste mundo asséptico. Acho que estou sobrando.
Muito se fala, nos discursos eleitoreiros, das bondades que cada campanha sugere a seu candidato, para agradar a nós, os mais velhos. Cada vez que vejo um almofadinha desses abraçando a senhorinha sofrida e prometendo-lhe mundos e fundos, a ira me sobe à cabeça e por pouco não arremesso a bengala que me ampara de encontro ao televisor.
Porque, no fundo, no fundo mesmo, o que todo mundo quer é tirar a nós, os velhos, do caminho e dos cofres da previdência. Somos aquelas criaturas que parecem servir, apenas, para confrontar cada jovem pimpão com sua própria finitude e com o fato de que a única alternativa disponível à morte, por enquanto, é mesmo sobreviver, como der. E é aqui que a coisa complica.
Provavelmente nunca na história se desprezou tanto a experiência e a memória dos mais velhos como nas últimas décadas. Se você, como eu, é um jornalista "das antigas", vale menos que um PC 386, daqueles que um dia pareceram uma enorme inovação e hoje não passam de lixo eletrônico descartável e, como tal, ambientalmente incorreto.
Eu me sinto ambientalmente incorreto quando tento mostrar o muito que a memória de duas guerras cobertas, alguns prêmios de imprensa e reportagens memoráveis, inutilmente, me ensinou.
Desempregado desde 2007, sobrevivendo de cada vez mais raros bicos, sinto que cheguei aos meus limites. A autoestima se esfacela e posso entender porque tantos não resistiram e acabaram sucumbindo ao álcool, às drogas ou, tanto pior, à ideia da própria morte.
Tolo e romântico que sempre fui, imaginava que essa vivência toda, mais tarde, me permitiria ajudar os mais novos a melhorarem o mundo imperfeito que é o campo de colheita dos bons jornalistas. Ledo engano, porém.
Tudo o que a história pode ensinar a um jovem, ao que parece, pode ser encontrado nos meandros da nebulosa da internet. Com a vantagem de que lá não haverá nenhum velho chato para dizer que noutros tempos, no meu tempo, algo era assim ou assado por causa disto ou daquilo.
A informação brotará do tablet, cristalina, fria e desinfetada pelo distanciamento tecnológico. O dedicado repórter, com o ímpeto de seus jovens anos, vai poder navegar pelos escaninhos da memória que me resta, sem precisar me aturar e a minha própria história.
Acho que vou ter de procurar emprego de empacotador de caixa de supermercado. E se um dia algum candidato se aproximar de mim, entre um pé de alface e uma caixa de ovos, agradecerei cada migalha que os governos me oferecerem como dádiva. Ao menos assim, talvez, eu tenha alguma utilidade.

MARIO CHIMANOVITCH, 67, é jornalista há 44 anos. Repórter investigativo, cobriu conflitos no Oriente Médio, na África e na Amazônia


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Obama tornou-se lendário antes mesmo de enfrentar os principais desafios de governo

Barack Obama era um estudante da Escola Secundária Punahou, no Havaí, na primeira vez que participou de um debate. Na época, ele já era o tipo de pessoa que os Estados Unidos conheceriam três décadas mais tarde, a pessoa que os telespectadores viram na terça-feira da semana passada e ontem: persuasivo, superior a seu adversário na maior parte do tempo, às vezes calmo, às vezes agressivo e sempre incrivelmente inteligente.

O debate colegial girou em torno do controle de armas. Seu colega Jeff Cox se preparou durante semanas, mas ele não foi páreo para Obama. Seus colegas ficaram emocionados, mas quando eles abriram seus anuários no final do ano escolar, Obama tinha escrito as seguintes palavras: “Jeff, eu realmente gostei de debater com você. Você é um cara legal e bom de discussão. Mas nenhum de nós levou o debate realmente a sério”.

Ele pode ter sido honesto em sua declaração, mas o comentário deixou um gosto amargo na boca. Obama soou como um sabichão que estava zombando de quem tinha parado para ouvir seus argumentos naquela noite. 

Obama é presidente dos Estados Unidos há pouco menos de quatro anos, e pouco antes de sua possível reeleição, em 6 de novembro próximo, sua aparente firme convicção de superioridade em relação a todos a sua volta pode se transformar em sua ruína. Quem é Romney, afinal de contas? Será que Obama já não lidou com ele em uma enxurrada de anúncios de TV que pintaram seu adversário como um capitalista sem escrúpulos, alguém que está interessado apenas em benefícios fiscais e em seus amigos bilionários? Obama já havia deixado claro à sua equipe que não considerava Romney um adversário sério.

Geralmente, Obama consegue se mostrar um orador brilhante e, a julgar pela forma como ele trata os redatores de seus discursos, é claro que ele se considera melhor do que eles. Na verdade, há muitas áreas nas quais ele parece se sentir superior aos outros. Ele despreza as práticas da baixa política, as picuinhas das negociações com os líderes do Congresso, suas obrigações sociais em Washington e a necessidade de ser sociável com colegas de partido.   

Uma disputa eleitoral inesperadamente apertada      

Muita frequentemente, Obama dá a impressão de que Washington é muito entediante para o seu gosto e que as negociações políticas são banais demais. Ele não distribui assentos em seu camarote presidencial no Kennedy Center como recompensa por serviços prestados e ele não gosta de dar carona a políticos locais em sua limusine quando retorna ao aeroporto após suas aparições de campanha.

Ao contrário do ex-presidente Bill Clinton, que recompensou seus cabos eleitorais com uma noite em um dos quartos históricos da Casa Branca, Obama não se preocupa com as necessidades de seus colegas de trabalho. Sempre que possível, ele insiste em jantar com sua família às 18h30. Segundo o livro de Michael Grunwald, intitulado “The New New Deal: The Hidden Story of Change in the Obama Era” (O novo New Deal: A História Oculta da Mudança na Era Obama), o ex-assessor econômico do presidente, Larry Summers, disse certa vez a um assessor: “se você vai se entrar para o circo, às vezes tem que se vestir de palhaço”. Mas Obama nunca quis ser palhaço.

Essa arrogância tem seu preço. Obama enfrentou sérios problemas desde o primeiro debate televisionado, no início de outubro, quando pareceu apático e irritado com Romney. Ele também parecia estar sem foco, como se não estivesse levando o debate muito a sério. Os críticos reclamaram de seus olhares desdenhosos e dos “beicinhos” de irritação.

Naquele momento, não era mais possível negar que Obama estava, talvez, se sentindo desanimado e, até mesmo, cansado de seu governo. As brincadeiras sem inspiração se mostraram um desastre político, girando em torno de uma campanha eleitoral que Obama parecia prestes a vencer. De repente, o outrora carismático político parecia um homem comum que havia desistido de sua vontade de lutar. Seu desempenho no primeiro debate foi uma profunda decepção – e, para os seus apoiadores mais leais, a performance do presidente foi até mesmo considerada um insulto.

Também ficou evidente que a atual disputa eleitoral se tornou muito imprevisível, e que as maiorias com as quais os apoiadores de Obama contavam são muito menores do que eles pensavam. As pesquisas mostraram Obama perdendo sua liderança. Agora, após o segundo e o terceiro debates, nos quais Obama se saiu melhor, os dois candidatos estão praticamente empatados. De repente, todos em Washington acreditam ser possível que Obama perca a presidência em novembro próximo.  

Esperanças frustradas     

Obama pode sentir que a súbita reviravolta é completamente injustificada, mas ele não costuma ser julgado pelos mesmos critérios aplicados aos políticos medianos. Ele é o primeiro presidente negro dos EUA. Esperava-se que ele libertasse o país do trauma dos anos Bush e de duas guerras que criaram uma enorme dívida pública e isolaram o país internacionalmente. Ele criou expectativas enormes, e muitos chegaram a acreditar que ele seria capaz de deter as mudanças climáticas e o aumento do nível dos oceanos, além de encerrar a disputa ideológica entre os partidos norte-americanos. Ele poderia ter se tornado uma espécie de rei dos EUA.

Esse é o padrão pelo qual Obama deve ser julgado hoje em dia. Antes mesmo de se mudar para a Casa Branca, já se dizia informalmente que ele era um grande presidente. Ele mal tinha assumido a presidência ao ser premiado com o Prêmio Nobel da Paz. Outros grandes presidentes com quem Obama foi comparado foram vistos como representantes de uma era – mas apenas ao final da suas presidências, como Abraham Lincoln (representante do fim da escravidão) e Franklin Delano Roosevelt (representante do New Deal).

Obama, no entanto, já era considerado uma lenda antes de enfrentar os desafios do governo. Foram seus grandes discursos que inspiraram as pessoas, e ele constantemente ganhou mais respeito por suas palavras do que por suas realizações. Ele sabia o quão poderosas eram suas palavras, e reconheceu sua importância. Em sua aula de filosofia na Escola Punahou, no Havaí, onde participou de seu primeiro debate, a professora perguntou certa vez a seus alunos o que eles mais temiam. Os colegas de Obama disseram temer coisas como a morte, a solidão, a guerra e o inferno. Obama respondeu: “Palavras. As palavras são o poder que mais devemos temer”.

Mais da mesma política 

Mas atualmente ele é apenas um candidato tentando ser reeleito – que é uma das razões pelas quais sua campanha de 2012 parece ser uma decepção, como o momento em que ocorre a principal revelação em uma fábula de herói. “Um símbolo concorreu à presidência há quatro anos. Hoje, só vemos um homem que tenta se agarrar ao cargo”, escreveu Jelani Cobb na The New Yorker.

Hoje em dia, os apoiadores de Obama ainda usam camisetas, bonés e broches com a inscrição “Obama '08”. É como uma lembrança de tempos melhores – e até mesmo um alerta para que Obama não se esqueça das promessas que fez durante sua primeira campanha.

Cerca de 12.000 pessoas compareceram a um comício de campanha do partido democrata em Miami há 10 dias, muitos carregando as antigas recordações. Mas, em vez de comprar itens novos, os espectadores puxavam seus filhos para longe das banquinhas dos vendedores ambulantes que vendiam a “coleção” deste ano, estampada com o logo “Obama 2012”.

Obama subiu correndo no palco, montado na quadra de basquete da Universidade de Miami, e parecia mais grisalho, mais velho e marcado pelos quatro anos que passou na Casa Branca. A multidão aplaudiu, e um pouco do entusiasmo parecia estar de volta, o entusiasmo sentido pelas 200.000 pessoas que se reuniram no Grant Park, em Chicago, para ouvi-lo agradecer a seus eleitores por tê-lo feito presidente. “Nós chegamos até aqui juntos”, disse Obama em Miami. Mas, em seguida, soando perigosamente sóbrio, ele fez um balanço das coisas.

Ele não prometeu novos programas nem tentou vender nenhuma nova visão. Obama disse apenas que queria dar continuidade ao que vem fazendo nos últimos quatro anos. As palavras “para frente” aparecem nos cartazes de sua campanha. Obama está divulgando uma política ao estilo “mais do mesmo”, em uma campanha praticamente desprovida de emoções. Apenas ao final de seu discurso o pregador que existe dentro de Obama ressurgiu, quando ele disse: “Eu ainda acredito em vocês. Estou pedindo que vocês continuem acreditando em mim... E, se vocês fizerem isso, nós vamos ganhar esta eleição”.

Texto de Marc Hujer, para a Der Spiegel, reproduzida no UOL. Tradução de Cláudia Gonçalves.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Morte causada por policiais retrata as falhas da política de 'tolerância zero' em Nova York



Em agosto passado, no centro de Manhattan, os policiais atiraram em um homem negro e o mataram após ele ter atravessado a Times Square sacudindo uma faca de cozinha. Seus últimos momentos contam a história do falho sistema de aplicação da lei em Nova York.     
O dia da morte de Darrius Kennedy tem início às 3 da tarde, na frente das estrelas e das listras da bandeira norte-americana em neon da Times Square, em Nova York. Kennedy, um homem robusto, com longas tranças rastafári, veste uma camisa branca com mangas cortadas, jeans desbotados e sapatos de cor clara – e ele saltita de costas, se movimentando rapidamente em direção à Sétima Avenida e sacudindo uma faca de cozinha da marca IKEA.
Ele vai morrer. Um pedestre grita: "eles vão matar você, cara!".   
Primeiro, uma policial e, em seguida, quatro ou cinco outros policiais perseguem Kennedy com suas armas Glock de 9 milímetros (com acionamento de gatilho de 12 libras) empunhadas por ambas as mãos. Kennedy se afasta dos policiais e segue em direção ao sul, para o eterno crepúsculo das ruas de Manhattan. Ele tem quatro minutos e meio de vida.
 
Os policiais fecham rapidamente a Sétima Avenida usando fita policial, e as primeiras viaturas surgem cortando as avenidas, com suas sirenes ligadas. Pedestres tropeçam em meio às imagens desfocadas gravadas por turistas que correm em direção ao que acreditam ser uma aventura, sacando seus smartphones e câmeras na esperança de capturar uma caçada humana em vídeo – enquanto Kennedy continua saltitando rapidamente pelas ruas.    

A clássica linha que divide os EUA 

A discussão que ocorre na sequência do tiroteio mostra a clara e antiga divisão que existe entre os diferentes grupos de cidadãos norte-americanos. Alguns farão julgamentos precipitados em fóruns da internet, enviarão cartas aos editores de publicações e ligarão para programas de rádio para dar sua opinião. Eles vão escrever: “perdeu!”, “mais um que se vai” e “ele mereceu”. Eles vão endeusar os policiais, chamando-os de “os melhores de Nova York”, elogiando seus esforços para garantir a segurança na cidade grande. Eles vão ridicularizar a vítima, chamando-o de louco, de maconheiro armado com uma faca – um negro tolo.
 Outros poderão fazer perguntas angustiadas. Eles se perguntarão se, nesta conturbada nação que são os EUA, ainda é possível chorar pelos mortos, mesmo que seja por apenas um dia. Eles vão querer saber por que uma dezena de policiais não conseguiu lidar com alguém como Kennedy de outra maneira. Por que é, um homem pergunta, que animais que escapam do zoológico são imobilizados com dardos tranquilizantes, enquanto um ser humano em Nova York é simplesmente assassinado de forma brutal, a tiros, em plena luz do dia?

A irmã de Kennedy será mencionada e citarão suas palavras, que segundo as quais seu irmão era um músico talentoso, um homem que, sem dúvida, tinha seus problemas, mas, mesmo assim, ela dirá: “eles poderiam ter lhe um tiro na perna”. A tia de Kennedy diz que seu sobrinho era um “solitário”, e que as pessoas estão espalhando todo o tipo de mentiras a respeito dele. Ela insiste que ele era um homem bom e que não era um vagabundo.
Kennedy escolheu um cenário grotesco para a sua morte. Sua curta viagem começa na bem iluminada e eternamente barulhenta Times Square, perto do Teatro Minskoff e da sede do canal de TV ABC, onde enormes painéis eletrônicos anunciam musicais da Broadway, como “O Rei Leão” e “Mary Poppins”, além de expor algumas das marcas mais conhecidas do mundo, como Coca-Cola, Samsung e Heineken. As notícias cintilam percorrendo painéis luminosos tão grandes quanto uma quadra de tênis.

A Times Square, que é cortada ao meio na diagonal pela Broadway, recebe em média 1,6 milhão de pedestres por dia. É 11 de agosto, um sábado. Os funcionários dos escritórios não estão circulando pelas ruas, mas elas estão cheias com as habituais multidões de final de semana. Atores vestidos de Mickey Mouse e Elmo estão em pé nos cruzamentos, onde os turistas podem fotografá-los em troca de alguns trocados. O “Naked Cowboy” canta e toca sua guitarra, e o vapor sobe dos carrinhos de vendedores de comida. Kennedy e seus perseguidores gradualmente se movem para o sul de Manhattan, ao longo da avenida, passando pela ruas 44, 43 e até a 42 – Kennedy correndo na frente deles, dando pequenos saltos, pulando como um boxeador encurralado, enquanto os policiais, tensos e vigilantes, o perseguem com cautela à distância.      

Nenhum relatório policial em Nova York 

Algumas horas mais tarde, o chefe de polícia de Nova York, Raymond Kelly, diz que a resposta da polícia seguiu “rigidamente todas as regras”. O prefeito da cidade, Michael Bloomberg, disse: “ele tinha uma faca e estava correndo atrás das pessoas”. Mas os vídeos enviados para o YouTube, e há muitos deles, não parecem respaldar as declarações feitas pelo prefeito e por Kelly. Eles também não mostram os policiais tentando subjugar Kennedy com spray de pimenta, o que eles alegaram ter feito entre quatro e seis vezes.
 Não há relatórios policiais em Nova York. Há, no entanto, o porta-voz da polícia, Paul Browne, que não diz muita coisa útil – e há repórteres policiais. Às vezes, eles descobrem informações valiosas – às vezes não. Para eles, o caso de Kennedy é apenas o de um vagabundo que foi baleado até a morte. A manchete do "New York Post" vai estampar: “Ele conseguiu o que queria”.

O Departamento de Polícia de Nova York (NYPD) tem seu lema pintado nas laterais dos veículos de sua frota – os três princípios orientadores para os 36 mil homens e mulheres que servem na força: cortesia, profissionalismo e respeito. O Guia de Patrulhamento do NYPD afirma, no Regulamento 203-12, que a polícia de Nova York “reconhece o valor de todas as vidas humanas e está empenhada em respeitar a dignidade de cada indivíduo”. Essa norma também estabelece que os policiais “não devem usar de força física mortal contra outra pessoa, a menos que exista uma causa provável que os faça acreditar que devem se proteger ou proteger outra pessoa da morte iminente ou de danos físicos graves”.

Kennedy continua se movimentando. Ele atravessa a rua 42, passando pelo edifício da Ernst & Young e pela estação de metrô da rua 42, onde as linhas N, Q, R, 1, 2, 3 e 7 se cruzam. Rumo à rua 41, as fachadas dos prédios estão cobertas com publicidades do novo filme do Batman, “O Cavaleiro das Trevas Ressurge”. Durante a semana, os funcionários dos escritórios ficam de pé, à sombra das entradas dos prédios, fumando. Ônibus de turismo fazem suas paradas e vendedores de bilhetes, vestidos com boleros vermelhos, puxam os transeuntes para dentro de suas lojas. Esses são dias normais.    

Três minutos de vida      

Mas, aproximadamente às 15h de sábado, fica claro que esse não é um dia normal – não ninguém está em pé nas portas dos prédios. A área é fechada por causa de um homem com uma faca – uma faca com lâmina de seis polegadas (aproximadamente 15 cm), e não de 12 polegadas (30 cm), como os jornais e os canais de TV informarão, ao incluir o cabo para fornecer essa medição incorreta.
O tráfego desapareceu da larga avenida, e apenas carros da polícia correm para cima e para baixo. Vista de Times Square, o grupo liderado por Kennedy está se movendo para a esquerda, no centro da rua. Ele agora tem duas dezenas ou mais policiais em seus calcanhares, a maioria deles de uniforme e alguns à paisana, e todos têm suas armas em punho. Eles são acompanhados por um enxame amorfo de testemunhas ansiosas, cujos comentários podem ser ouvidos nos vários vídeos. “Você viu essa merda?”, uma pessoa pergunta.

Kennedy, homem de 51 anos de idade que parece mais jovem do que sua idade real, prossegue na frente do grupo. Primeiro, ele dá as costas para os policiais a cada trecho de poucos metros, parecendo tão altivo quando um toureiro que fica de costas para o touro. Mas agora ele apenas continua caminhando para trás, olhando fixamente seus perseguidores através das lentes redondas e verdes de seus óculos de aro de metal. Ele tem três minutos de vida.

Texto do Der Spiegel, reproduzido no UOL. Tradução de Cláudia Gonçalves.