quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

As lições de Stéphane Hessel


Stéphane Hessel morreu com 95 anos de idade.
Judeu, resistente ao nazismo, deportato, diplomata, coautor da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Nunca deixou de defender os palestinos contra os abusos de Israel.
O seu maior ensinamento foi, quase no fim da vida, o panfleto “Indignai-vos”.
Num mundo com este, marcado pelas múltiplas artimanhas do dinheiro senhor de tudo, é decisivo ter a coragem de indignar-se com as injustiças, com as desigualdades inaceitáveis e com as ideologias de dominação.
Defender os direitos humanos, mostrou Hessel, é fundamental.
Uma das mais belas tarefas neste conturbado século XXI.
O velho Hessel fez a parte dele.


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Bono diz que pobreza extrema acaba em 2028 e cita Brasil como exemplo


Bono, líder da banda U2, deixou de lado a persona astro do rock para falar sobre pobreza extrema, que, segundo ele, deve chegar ao fim nos próximos 15 anos. Para o músico, Brasil, Gana e Tanzânia lideram a corrida pela solução do problema.
"Hoje quero apenas cantar os fatos. [O índice mundial de] pobreza extrema foi reduzido pela metade. E, se continuarmos nesta tendência, será zero em 2028", disse Bono para a plateia do TED, um evento em Long Beach que reúne especialistas de tecnologia, entretenimento e design para palestras de cerca de 15 minutos.
"E 2028 está quase aí, só mais umas três turnês de despedida dos Rolling Stones."
Segundo Bono e sua organização One.org, o número de pessoas nessa situação (ou seja, com até R$ 2,50 por dia) foi de 43% em 1990 para 21% em 2010. O índice de mortalidade de crianças de até cinco anos também diminuiu bastante (menos 7.256 crianças morrem por dia).
"Não é algo Poliana, sem noção de um roqueiro. É real", ele continuou nos bastidores, ao conversar com jornalistas. "Mas o índice ainda é alto, há muito trabalho a ser feito. A pobreza não vai acabar."
O aumento da transparência financeira de governos e queda no preço dos remédios de Aids são fatores que ajudaram no combate, além do acesso à tecnologia. Corrupção continua sendo a principal trava, mas a "vacina é a transparência", falou Bono.
O cantor foi premiado em 2005 com um TED Prise, prêmio de R$ 200 mil que o ajudou a fundar a organização One para combate à pobreza.
Ele citou o Brasil como exemplo e elogiou o ex-presidente Lula e sua "protegè" Dilma.
Ao ser questionado sobre corrupção no Brasil, o presidente do One, Michael Elliott, afirmou: "Vamos chegar mais rápido ao índice zero se lutarmos contra corrupção, mesmo em países que estão indo bem", disse.


Trecho de reportagem da Folha de São Paulo.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Tortura (II): Questão de método


A filosofia moral, vez por outra, se vê confrontada com problemas mal formulados que gostariam de se passar por paradoxos astutos. Desmontá-los seria apenas um peculiar passatempo acadêmico, se eles não aparecessem periodicamente como premissas de raciocínios tortuosos na grande imprensa.
Tal astúcia constrói o que poderíamos chamar de "paradoxos morais de laboratório". Trata-se de pequenos paradoxos do tipo "podemos torturar alguém cuja confissão nos permitirá desativar uma bomba que matará dezenas de inocentes?", com todas as suas variantes possíveis.
Do ponto de vista da filosofia moral, não há exercício mais pueril do que procurar responder a tais inventivas. Pois elas pressupõem condições de laboratório, como "sei que o sujeito torturado sabe algo sobre a bomba", "sei que não há hipótese alguma de ter pego a pessoa errada", "sei que ele falará antes de morrer", "sei que a razão de sua ação é injustificável". Como ninguém mora em um laboratório, mas depende, no mais das vezes, da sabedoria da polícia ou desta "inteligência militar" na qual Groucho Marx viu a expressão mais bem-acabada de uma contradição em termos, tais condições nunca são completamente asseguradas.
Mas paradoxos dessa natureza têm como verdadeira finalidade fracionar a ação a fim de retirá-la de todo contexto possível. Boa maneira de não começarmos por perguntar como chegamos a essa situação.
Longe de ser uma enunciação neutra, essa é uma enunciação profundamente interessada. Ninguém coloca uma questão dessas de maneira inocente, como ninguém pergunta inocentemente se negros são, realmente, tão inteligentes quanto brancos ou se o Holocausto, de fato, existiu na dimensão normalmente descrita. Perguntar as reais motivações do enunciador é uma boa maneira de começar a desmontar o paradoxo.
Pode ser, porém, que o enunciador queira apenas insistir que, em situações excepcionais, a tortura aparece como o último recurso dotado de certa eficácia. De fato, se tortura fosse eficaz, as favelas brasileiras seriam um paraíso da paz. Melhor lembrar que a única eficácia realmente comprovada da tortura é sua força de corroer completamente o que restou das bases normativas do Estado. Pois se usamos a tortura contra o inimigo n° 1 da democracia, por que não usá-la contra o n° 2, o n° 3... o n° 54.327?
Ninguém pratica a tortura sem se transformar no verdadeiro inimigo da democracia. Por isso, seria o caso de perguntar: "Um Estado que recorre sistematicamente à tortura merece ser salvo? No que ele se transformou? Ele merece ser justificado diante de situações que, muitas vezes, ele próprio ajudou a criar?".


Tortura (I): Para que serve a tortura?


A TORTURA tem, no mínimo, três fins não excludentes: 1) tortura-se pelo prazer enjoativo de quem tortura ou de quem assiste à tortura; 2) tortura-se para que um acusado confesse seu crime; 3) tortura-se para que um acusado revele a existência de um complô, os nomes de seus cúmplices etc. Será que a tortura consegue tudo isso?
1) Para satisfazer o desejo doentio do torturador, a tortura funciona, sempre.
2) A Igreja Católica, por séculos, torturou pecadores para que admitissem seus pecados e, sobretudo, torturou heréticos para que confessassem suas teologias desviantes.
Essa tortura era tão violenta quanto a que fora praticada contra cristãos na época das perseguições, mas o desfecho era diferente. Os mártires cristãos eram torturados para eles renunciarem à religião, e, às vezes, se abjurassem, o suplício era suspenso. Os heréticos eram torturados pela Inquisição para confessarem sua heresia, mas, em geral, a "confissão" não evitava uma morte excruciante.
Será, então, que a tortura funciona para arrancar confissões?
Se você for pai, faça a experiência. Seu filho (ou filha) fez uma besteira comprovada, sem sombra de dúvida, mas você não se contenta em aplicar uma punição e quer que a criança confesse. Se ela reconhecer sua culpa, aliás, a confissão valerá como uma atenuante, enquanto que, se ela insistir em negar o que fez, a mentira será infinitamente mais repreensível do que a besteira inicial.
Sugestão diferente: se você soube que seu filho ou sua filha fez algo que não devia, diga no que foi que errou, deixe pouco espaço de discussão e dê a punição adequada. Depois disso, amigos como antes.
Quase sempre, quando uma confissão é exigida, as crianças mentem com obstinação diretamente proporcional à de seu acusador. Elas fogem assim de uma humilhação radical, em que renunciariam à sua própria subjetividade: desistiriam de ter segredos e aceitariam que a versão do acusador substituísse a versão que elas gostariam de contar como sendo a história delas.
Claro, se você insistir, ameaçando a criança com punições cada vez mais requintadas, a criança talvez "confesse", mas a confissão será apenas um ato de desistência, em que mesmo o inocente se dirá culpado do jeito que o acusador pede. Em suma, a tortura para obter confissões é um desastre.
Há uma certa beleza moral nesse fracasso: a tortura seria inútil, não ajudaria a chegar à verdade. Ou seja, existe um justificativa prática, "racional", para aboli-la, além do horror que ela inspira em qualquer um (salvo, obviamente, em torturadores, inquisidores ou deuses vingativos).
3) Infelizmente, esse argumento "racional" só se aplica à tortura que tenta extirpar a confissão do acusado. Quanto ao uso da tortura para obter informações sobre cúmplices, paradeiros escondidos, complôs etc., vamos ter que encontrar razões puramente morais para bani-la, pois, constatação desagradável, ela funciona.
O saco plástico do capitão Nascimento funciona. Os "interrogatórios" brutais do agente Jack Bauer, na série "24 Horas", funcionam. E, de fato, como lembra "A Hora Mais Escura", de Kathryn Bigelow, que acaba de estrear, o afogamento forçado e repetido de suspeitos detidos em Guantánamo forneceu as informações que permitiram localizar e executar Osama bin Laden.
Nos EUA, na estreia do filme, alguns se indignaram, acusando-o de fazer apologia da tortura. Na verdade, o filme interroga e incomoda porque nos obriga a uma reflexão moral difícil e incerta: a tortura, nos interrogatórios, não é infrutuosa -se quisermos condená-la, teremos que produzir razões diferentes de sua inutilidade.
Para se declarar contra o uso da tortura no caso deste filme, alguém talvez invoque a moral kantiana e o dever de tratar os homens como fins e não como meios. A esse alguém, proponho um exemplo politicamente mais neutro, parecido com aqueles dilemas morais cuja prática (como descobriu um grande psicólogo, Lawrence Kohlberg) talvez seja a melhor forma de educação moral.
Uma criança foi sequestrada e está encarcerada em um lugar onde ela tem ar para respirar por um tempo limitado. Você prendeu o sequestrador, o qual não diz onde está a criança sequestrada. Infelizmente, não existe (ainda) soro da verdade que funcione. A tortura poderia levá-lo a falar. Você faz o que?


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Do Brasil para o México


Do Brasil para o México
Não vale a pena ser o queridinho do Norte; o que valeu ao Brasil ocupar esse posto?
Em novembro passado, a revista "The Economist" publicou um relatório especial em que colocou o México nas alturas. Graças a uma taxa de crescimento melhor do que a do Brasil nos dois últimos anos e a uma política ainda mais favorável aos interesses do Norte do que a nossa, o México passava a ser seu novo "darling"-um papel que o Brasil até há pouco ocupava.
Nos anos 2000, o Brasil era declarado "o melhor dos Brics" porque era o que melhor atendia aos interesses do Norte, não obstante apresentasse crescimento que correspondia a menos de um terço do da China, à metade do da Índia, e a menos de um terço do da Rússia. Agora, o Brasil passou o bastão para o México.
Foi com esse quadro de fundo em mente que cheguei ao México. E o que leio no jornal Reforma? Já na primeira página sou informado que "O crime domina a fronteira sul".
Segundo câmaras empresariais de 30 municípios, o crime organizado assumiu o controle da fronteira sul. É a manchete do jornal, porque a notícia é nova. Sabemos bem que o norte do México, a fronteira com os Estados Unidos, foi tomado pela máfia das drogas, mas agora é o sul que cai na mesma tragédia.
Ainda na primeira página, sou informado que "No Canadá temem o México". Segundo um relatório apresentado ao Colégio Militar Real, o Canadá deve deixar de considerar o terrorismo sua principal ameaça e concentrar-se nos desafios que o México (e a máfia das drogas) representa para o país.
Para terminar, ainda na mesma edição leio que nos últimos 20 anos as doenças tropicais, também chamadas "males da pobreza", aumentaram em 20% no sudeste do país, segundo a Academia Mexicana de Dermatologia.
Mas o México agora cresce, dizem seus novos arautos internacionais. É verdade. Depois de 20 anos de baixo crescimento desde que aderiu ao Acordo do Atlântico Norte, bem mais baixo do que o do Brasil (que foi modesto), nos últimos dois anos o país cresceu, em média, 3,5% ao ano. Mas qual o preço pago por esse ainda magro crescimento? O preço de salários reais estagnados nos mesmos 20 anos e níveis de pobreza muito mais elevados que tornam competitiva a economia mexicana apesar do câmbio apreciado.
Não vale a pena ser o queridinho do Norte. O que valeu ao Brasil ocupar esse posto? Mais investimentos pelas multinacionais, me responderão. Sem dúvida, mas serão tão interessantes para o país esses investimentos? Não serão as respectivas entradas de capitais uma causada apreciação cambial? E não será por isso que as oportunidades de investimento lucrativo diminuíram e os empresários passaram a investir menos, de forma que a poupança externa substituiu a poupança interna ao invés de se somar a ela, e o que realmente aumentou foram consumo e remessas de dividendos?
Foi bom para o Brasil ter deixado de ser o objeto de desejo do Norte. Isto talvez signifique que nossas políticas econômicas respondem melhor ao interesse nacional, que nossa dependência está diminuindo, que aqui se está buscando construir uma nação, algo que já não parece ser verdade para o belo e antes orgulhoso México.


Desempregados nos EUA são discriminados por empresas e não conseguem vagas


A placa do lado de fora da lanchonete dizia que estavam contratando. Mas quando Mango Albert contou que estava desempregado, disseram-lhe que não havia vagas.
Kevin Johnson diz às pessoas que trabalha informalmente, em vez de admitir que está desempregado, porque ele teme ser visto como preguiçoso e desmotivado.
E Barbara Brown, ex-gerente de escritório, ficou sabendo que um sinal revelador de que ela não conseguirá um determinado emprego é quando perguntam por que ela está à procura de emprego há um ano e meio.
Esses moradores do Bronx estão entre o número crescente de novaiorquinos que dizem estar presos num círculo vicioso de desemprego – rejeitados inúmeras vezes para empregos que poderiam colocar comida na mesa, ressuscitar carreiras paralisadas e retirá-los de uma espiral negativa de dívidas.
Apesar de suas qualificações e experiência, estes candidatos a empregos afirmam que não tiveram uma oportunidade justa por causa de um motivo contra-intuitivo: eles já estão desempregados.
"Eu faço qualquer coisa - mas alguém precisa estar disposto a me contratar", disse Mango, 43, que não trabalha há nove meses e disse que perdeu sua casa porque não conseguia pagar o aluguel. "Se você não está trabalhando, este já é o primeiro golpe contra você."
É provável que a prefeitura de Nova York adote uma lei que permitirá que candidatos mal sucedidos na seleção para empregos processem as empresas que eles acharem que tomam as decisões de contratação com base no fato de eles estarem desempregados. A medida é vista por muitos como a ação mais dura de uma onda de recentes esforços do governo Obama e políticos eleitos em 18 Estados, incluindo Nova York, para ajudar aqueles que estão desempregados há mais tempo.
O Distrito de Columbia aprovou uma lei no ano passado que proíbe os empregadores de se recusarem a considerar ou a contratar candidatos que estão desempregados, e proibiu que os anúncios de emprego sugiram que os desempregados não devem se candidatar. Leis que proíbem a discriminação em anúncios de emprego também foram adotados por Nova Jersey e Oregon; uma medida semelhante na Califórnia foi vetada pelo governador.
Embora os empregadores relutem em reconhecer a preferência em suas contratações, alguns gerentes de recursos humanos e consultores dizem em privado que o desemprego pode ser um sinal vermelho num currículo, indicando que um trabalhador pode ter conhecimentos desatualizados, ou pode ser alguém que fica pouco tempo nos empregos e que está desesperado o bastante para pegar qualquer trabalho mas que o deixará logo que algo melhor surgir. O Projeto Nacional de Lei do Emprego, um grupo de defesa de direitos sem fins lucrativos, informou que empresas de todo o país costumam publicar anúncios de emprego excluindo explicitamente os candidatos que estão desempregados.
Tal discriminação contra os desempregados está se tornando cada vez mais comum uma vez que há poucos empregos e os empregadores podem escolher os candidatos, dizem líderes trabalhistas e comunitários. Eles afirmam que isso criou uma lista negra de desempregados, muitos dos quais foram demitidos durante cortes de pessoal causados pela recessão e não por problemas de desempenho.
Na cidade de Nova York, em média, 372 mil pessoas estavam desempregadas em 2012, 38% por um ano ou mais, de acordo com o Escritório de Estatísticas Trabalhistas dos EUA. Negros e hispânicos representam uma parte desproporcionalmente grande de desempregados há longo prazo.
"É o pontapé final no traseiro e totalmente injusto", disse numa entrevista Christine C. Quinn, presidente da Câmara Municipal. Quinn, uma líder democrata e candidata à prefeitura, reuniu membros da câmara para adotar a lei de desemprego por uma votação de 44 contra 4 no mês passado. "Queremos fazer tudo o que pudermos para ajudar as pessoas a trabalhar."
Mas a medida foi criticada pelo prefeito Michael R. Bloomberg, que a chamou de "equivocada" e pretende vetá-la. Ele e outros opositores, incluindo muitos líderes empresariais, disseram que o empregador tem o direito de considerar o que uma pessoa estava fazendo antes de se candidatar a um emprego, e que a lei poderia incitar inúmeros processos por parte de candidatos mal-sucedidos e impedir que as companhias contratem de modo geral. Numa rara dissensão pública com Bloomberg, Quinn disse que tinha apoio suficiente para derrubar o veto do prefeito.
A lei, se aprovada, pode entrar em vigor no meio do ano. Ela permitirá que candidatos mal-sucedidos processem uma empresa por discriminação, ou entrem como uma queixa junto à Comissão de Direitos Humanos da prefeitura, que teria autorização para impor sanções contra uma empresa que não cumpra a lei, incluindo multas de até US$ 250 mil, e exigir que o candidato seja contratado.
A lei também impediria a discriminação em anúncios de emprego, como aqueles que dizem aceitar apenas candidatos que estão empregados.
A luta pelo o projeto de lei do desemprego tem reverberado nas filas de emprego, cozinhas populares e abrigos por todo o Bronx, onde o número de pessoas que busca trabalho continua alto apesar dos esforços públicos e privados para fornecer aconselhamento e treinamento para o emprego, e para desenvolver novos negócios. A taxa de desemprego do Bronx é de 11,9% – a mais alta de Nova York – em comparação com 8,8% em toda a cidade, e 8,2% em todo o estado.
Muitos trabalhadores desempregados e seus defensores disseram que a medida vem com muito atraso trazer à luz uma barreira escondida para a contratação, mas mesmo alguns desses apoiadores questionaram a frequência com que isso, na realidade, de fato levará ao emprego.
Jaime Rodriguez, 38, diz que foi entrevistado sem sucesso por pelo menos oito empresas desde que foi demitido em maio de um emprego de US$ 79 mil por ano como gerente de compras da Faculdade Suny Maritime. Ele também estava sendo despejado depois de atrasar três meses de aluguel e não pagar seus cartões de crédito.
Rodriguez, ex-fuzileiro naval e pai de quatro filhos que tem um mestrado em administração de empresas, disse que os empregadores geralmente não oferecem um motivo específico para rejeitar um candidato.
"Eles respondem de volta, dizendo: 'achamos o seu currículo interessante, mas decidimos escolher outra pessoa'", diz ele. "Acho que não há como fazer cumprir essa lei."
Brown, a ex-gerente de escritório, diz que os empregadores podem deduzir a partir de seu currículo que ela estava desempregada há um ano e meio, e provavelmente foi o que fizeram.
"Vai ser a mesma coisa", disse ela. "Você pode inventar 101 motivos para não contratar alguém. Eles nunca vão dizer que é porque eu estou fora do mercado de trabalho há tanto tempo."
Mas outros trabalhadores desempregados disseram esperar que a medida seja capaz de persuadir os empregadores a reconsiderarem, enviando uma mensagem de que eles não são menos qualificados ou dignos do que aqueles que já estão empregados.
Johnson, de 42 anos, disse que se sentia mais frustrado a cada dia que ele permanecia desempregado. Ele foi demitido em setembro de uma empresa de limpeza onde trabalhou por cinco anos, ganhando cerca de US$ 25 mil por ano. "Quanto mais você ficar sem trabalhar, mais difícil é arrumar trabalho porque as pessoas não acreditam que você é responsável", disse ele.
Johnson disse que mesmo quando ele foi para entrevistas com seu melhor terno e uma atitude positiva, ele não conseguiu evitar as perguntas temidas. Por que ele estava demorando tanto para encontrar trabalho? O que ele estava fazendo com o tempo? Estava sentado em casa assistindo Jerry Springer? "Você sabe que vai se sair mal logo que eles dizem: 'há quanto tempo você está desempregado?'", disse ele. "Acho que isso não deveria fazer parte do processo. Deveriam avaliar se você é qualificado e pode preencher a vaga."
Reportagem de Winnie Hu, para o The New York Times, reproduzido do UOL. Tradutor: Eloise De Vylder

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Roubo de diamantes na Bélgica deixa em alerta indústria de pedras preciosas do país


A venda de diamantes depende tanto da qualidade das gemas quanto da segurança que garante as transações. A brecha aberta pelo roubo sob metralhadoras de uma carga avaliada em 37 milhões de euros em plena pista de decolagem do aeroporto de Bruxelas desnorteou o setor. A poderosa indústria do diamante de Antuérpia, a maior do mundo, quer um reforço nas medidas de segurança para evitar episódios como o de segunda-feira passada. "Depois de um roubo similar ocorrido em 2005, conseguimos com que a polícia escoltasse as remessas até o avião. Logo acabaram com essa medida, mas esse será um dos pontos-chave das discussões depois do roubo do Zaventem", garante Karen Rentmeesters, da organização Antwerp World Diamond Centre, que reúne os interesses do setor na Bélgica. Cerca de 80% das pedras em estado bruto e metade das lapidadas passam pela Antuérpia, que acumula uma tradição de cinco séculos no design e na venda de diamantes.
Embora a frustração pelo ocorrido leve a pedir por mais segurança, a verdade é que o mundo dos diamantes já goza de uma proteção privilegiada. A polícia, custeada por verba pública, escolta os furgões que transportam carregamentos de diamantes desde o coração da indústria – a chamada milha quadrada de Antuérpia – até o aeroporto de Bruxelas. Em geral, dois carros de polícia com agentes armados protegem cada trajeto "sem exceção", ressalta Rentmeesters. As forças de segurança até dispõem de um telefone especial para atender ocorrências relacionadas com essa próspera indústria
Na milha quadrada, um espaço reduzido que concentra quase 2 mil empresas do setor, quatro mercados de diamante e cinco bancos especializados, a vigilância é ainda maior. Cerca de 2 mil câmeras de segurança examinam cada canto para blindar os negócios. E a zona fica fechada para o trânsito de carros; não há estacionamentos e as únicas exceções à norma requerem uma permissão especial solicitada com duas semanas de antecedência. O proprietário do veículo deve entregar todo tipo de documentos e se submeter a uma investigação antes de receber a autorização. Esses métodos quase doentios garantem com que cada dia circulem US$ 200 milhões, por essas duas ou três ruas de Antuérpia. Segundo as cifras do setor, o diamante rende a cada ano mais de 42 bilhões de euros, aproximadamente 10% do PIB belga, e gera 34 mil empregos diretos e indiretos somente na província de Antuérpia.
Qualquer coisa que possa colocar em risco esse império, praticamente imune à crise – ainda que ele tema a concorrência da Índia, com preços muito mais baixos - , preocupa os comerciantes e as empresas de segurança que os protegem. As firmas contatadas por este jornal se recusaram a fazer comentários e a Brink’s, transportadora que foi alvo do roubo enquanto carregava a mercadoria no aeroporto de Zaventem, se remete a um comunicado que garante que todas as perdas de seus clientes serão reembolsadas. A companhia admite que o episódio terá "um impacto significativo" em seu lucro trimestral.
A segurança associada ao diamante se divide entre pouquíssimas mãos. Além da Brink’s, a Malca-Amit e a Ferrari Express aglutinam o grosso dos contratos de segurança, altamente especializados em envios de alto risco e controlados pelos comerciantes. Algo similar acontece com os bancos. Os vendedores de diamantes não recorrem a firmas convencionais, mas sim àquelas que oferecem um serviço específico. A maior oferta mundial vem de bancos indianos – a Índia foi onde se originou o comércio de pérolas, há mais de mil anos - , ainda que o mercado na Antuérpia seja liderado pelo holandês ABN Amro, seguido do belga ADB. Os bancos israelenses também ficaram com parte do bolo.
Essa diversidade de origens é um dos elementos que os representantes do Antwerp World Diamond Centre exibem como vantagem: um ambiente multicultural onde comercializam juntos judeus (muito presentes nesse setor), católicos e muçulmanos de diferentes países.
Embora oficialmente todos estejam aguardando o resultado da investigação, o setor questiona como dois carros carregados de homens armados conseguiram invadir a zona de decolagem do aeroporto, paradigma da segurança mundial que incentiva as empresas a optarem pela via aérea para seus envios. As fontes oficiais estão longe de oferecer essa resposta.
Reportagem de Laura Abellán, para o El País, reproduzida no UOL. Tradutor: Lana Lim

José Simão comenta sobre Yoaní Sanchez


“E o site Sensacionalista revela que a blogueira declarou pra imprensa que "não adianta nada na ilha ter escola e hospital se não pode fazer check-in usando o Foursquare". Rarará! É mole? É mole, mas sobe!”

José Simão, na Folha de São Paulo, 20/02/2013

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

'Black sites'


O Open Society Institute, estabelecido pelo investidor e filantropo George Soros para "promover os direitos humanos e o governo democrático", agora tem alcance mundial e acaba de publicar um relatório assustador sobre as atividades secretas de detenção e extradição não judicial da Agência Central de Inteligência (CIA), desde os ataques terroristas aos EUA em 11 de setembro de 2001.
O relatório "Globalizing Torture" é um estudo detalhado e bem documentado sobre aquilo que o ex-vice-presidente americano, Dick Cheney, descreveu como "o lado escuro", no qual, como ele disse, "temos de viver nas sombras do mundo da inteligência".
Depois do 11 de Setembro, a CIA realizou detenções secretas, e terroristas foram encarcerados em prisões da agência, conhecidas como "black sites", fora dos EUA. Nelas, eram usadas as chamadas "técnicas amplificadas de interrogatório", que envolviam tortura e outros abusos. A CIA também recorria a extradições não judiciais a fim de transferir prisioneiros, sem processo judicial, para prisão e interrogatório em outros países, bem como para a penitenciária administrada pelo Departamento de Defesa americano em Guantánamo. O presidente Teddy Roosevelt, em 1903, adquiriu a base naval de Guantánamo, em Cuba, para os EUA, em caráter perpétuo.
O relatório do Open Society identifica o envolvimento de 54 outros países, alguns dos quais abrigaram prisões da CIA nas quais detentos foram interrogados e torturados. O estudo oferece detalhes sobre 136 casos individuais.
Portugal é um dos países mencionados, por ter permitido o uso de seu espaço aéreo e de aeroportos para voos associados à CIA. Em 2007, um relatório do Parlamento Europeu mencionava 91 escalas em Portugal, em viagens de e para Guantánamo.
Mas Portugal não estava sozinho. E nem foi o pior caso. O "Washington Post" publicou um mapa no qual todos os países envolvidos estão delineados em vermelho.
Excetuada a baía de Guantánamo, a América Latina é notável pela ausência. Greg Grandin, professor de história na Universidade de Nova York, atribui o fato à amarga experiência da América Latina depois do apoio da CIA ao golpe na Guatemala em 1952 e ao consórcio terrorista transnacional da Operação Condor, nos anos 70 e 80, que fez da América Latina o protótipo para a guerra ao terrorismo que Washington empreendeu no século 21.
Mas também agiu como antídoto. Grandin diz que o governo Lula rejeitou "múltiplas" solicitações de Washington para que o Brasil recebesse prisioneiros libertados de Guantánamo. E aponta que Dilma Rousseff foi vítima de tortura pelo regime militar do Brasil, nos anos 70.


Texto de Kenneth Maxwell, publicado na Folha de São Paulo. Tradução de Paulo Migliacci.

O relatório completo está em inglês, e está disponível em inglês no saite da Open Society.

Diploma universitário vira exigência mínima para conseguir emprego nos EUA



O diploma universitário está se transformando no novo diploma do ensino médio: é a nova exigência mínima para conseguir um emprego de baixo nível.

Considere o caso do escritório de advocacia Busch, Slipakoff & Schuh aqui em Atlanta, com 45 funcionários, um local que viu um crescimento tremendo na população com ensino superior. Como outras empresas por todo o país, o escritório só contrata pessoas com diploma universitário, mesmo para funções que não exigem formação superior.

Esse pré-requisito se aplica a todos, incluindo a recepcionista, assistentes administrativos e arquivistas. Até o "office-boy" da firma, que, por US$ 10 por hora, leva os documentos do escritório para o tribunal e vice-versa, fez um curso de quatro anos.

"As pessoas com formação universitária são mais voltadas para a carreira", disse Adam Slipakoff, o sócio do escritório. "Cursar uma faculdade significa que estão realmente comprometidos com seu futuro. Eles não estão apenas à procura de um contracheque."

Os economistas se referem a esse fenômeno como "inflação de diploma" e ele está se infiltrando cada vez mais no mercado de trabalho americano. Por todos os setores e áreas geográficas, muitos outros empregos que antes não exigiam diploma –posições como assistentes de dentista, agentes de carga e balconistas– cada vez mais exigem um, segundo a Burning Glass, uma empresa que analisa anúncios de emprego de mais de 20 mil fontes online, incluindo grandes agências de empregos e sites de empregadores de pequeno e médio porte.

Esse aumento das exigências está empurrando aqueles com menor formação ainda mais para baixo na cadeia alimentar, e ajuda a explicar por que a taxa de desemprego para trabalhadores com não mais do que o diploma do ensino médio é duas vezes maior do que para aqueles com diploma universitário: 8,1% contra 3,7%.

Alguns empregos, como o de gestão da cadeia de suprimentos e logística, se tornaram mais técnicos, de modo que exigem mais conhecimentos avançados do que no passado. Mas de forma mais ampla, como muito mais pessoas cursam uma faculdade atualmente, aquelas que não se formam são frequentemente vistas como pessoas menos ambiciosas ou menos capazes. 
"Quando você recebe 800 currículos para cada anúncio de emprego, é preciso selecioná-los de algum modo", disse Suzanne Manzagol, recrutadora executiva do Cardinal Recruiting Group, que caça talentos para posições administrativas na Busch, Slipakoff & Schuh e outras firmas na área de Atlanta.
De todas as áreas metropolitanas nos Estados Unidos, Atlanta foi a que contou com um dos maiores afluxos de pessoas com diploma superior nos últimos cinco anos, segundo uma análise dos dados do censo por William Frey, um demógrafo da Instituição Brookings. Em 2012, 39% dos anúncios de emprego para secretárias e assistentes administrativos na área metropolitana de Atlanta exigiam diploma superior, em comparação a 28% em 2007, segundo a Burning Glass.

"Quando comecei a recrutar em 2006, você não precisava de diploma superior, mas não havia tantos candidatos", disse Manzagol.

Mesmo que não apliquem o conhecimento aprendido nas aulas de ciência política, finanças e marketing, os jovens empregados pela Busch, Slipakoff & Schuh dizem que são gratos até mesmo pelo pior dos empregos de escritório que conseguiram.

"É melhor do que lavar carros", disse London Crider, 24 anos, o office-boy da firma.

Ele deve saber: passou vários anos, enquanto estudava da Universidade Estadual da Geórgia e nos meses após sua formatura, lavando sedãs na Enterprise Rent-a-Car. Antes de entrar para o escritório de advocacia, ele foi rejeitado em uma promoção para agente de locação na Enterprise –uma posição que também exigia diploma superior– porque a empresa disse que ele não tinha experiência suficiente em vendas.

Seus colegas com formação superior também enfrentam oportunidades de trabalho limitadas, trabalhando nos restaurantes da rede Ruby Tuesday ou como balconistas no varejo enquanto esperam pelo surgimento de um emprego melhor.

"Eu tenho mais de US$ 100 mil em dívida de crédito estudantil no momento", disse Megan Parker, que ganha US$ 37 mil como recepcionista da firma. Ela se formou pelo Instituto de Arte de Atlanta em 2011, com diploma de gestão de moda e varejo, e passou meses ajudando noivas em uma butique, entre outras lojas, enquanto preenchia solicitações de emprego.

"Eu provavelmente nunca verei o fim dessa conta, mas não estou pensando nisso no momento", ela disse. "Este é um ótimo lugar para trabalhar."

O risco de contratar pessoas com formação superior para cargos para os quais são exageradamente qualificados é o de partirem tão logo encontrem algo melhor, particularmente se a economia melhorar.

Mas Slipakoff disse que sua firma apresenta pouca rotatividade de funcionários, em grande parte por estar expandindo rapidamente. A empresa cresceu de cinco advogados em 2008 para mais 30 advogados, além do apoio de cerca de 15 funcionários, e as promoções são constantes.

"Eles esperam que você cresça e eles querem que você cresça", disse Ashley Atkinson, que se formou pela Universidade do Sul da Geórgia em 2009 com um diploma de estudos gerais. "Você não fica presa aqui sob algum teto de vidro."

Um ano após ser contratada como arquivista, por volta do Dia das Bruxas de 2011, Atkinson foi promovida duas vezes para cargos em marketing e gestão do escritório. Crider, o office-boy, recebeu trabalho adicional no mês passado, ajudando na cópia e faturamento dos casos. Ele disse que está aproveitando a oportunidade para aprender mais sobre o setor legal, já que planeja se matricular em um curso de Direito no ano que vem.

A maior história de sucesso da forma é Laura Burnett, que em menos de um ano passou de arquivista para assistente jurídica do setor de litígio da firma. Ela não pediu pela promoção, mas os sócios ficaram tão impressionadas com seu trabalho que acharam que ela seria capaz de assumir a nova função.

"Eles também me deram um aumento", disse Burnett, que se formou em 2011 pela Universidade do Oeste da Geórgia.

A posição típica de assistente jurídico, que tradicionalmente oferece um caminho para um emprego mais bem remunerado para trabalhadores com menor formação, não exige mais do que um diploma técnico, segundo o manual ocupacional do Departamento do Trabalho, mas ainda é um avanço em relação ao trabalho de arquivista. Das três filhas da família, Burnett reconhece que é aquela com o melhor emprego. Uma irmã, também formada pela Oeste da Geórgia, está processando pedidos de seguro; outra, que abandonou a faculdade, é uma das muitas pessoas jovens que não conseguem encontrar trabalho.

Além de gerar abertura para promoções, estabelecer um ambiente de realização universitária também cria uma atmosfera social de clube no escritório, disse Slipakoff, que cuida de grande parte das contratações da firma e é parcial na contratação de formados pela Universidade da Flórida como ele. Muitos discutem futebol universitário e os times uns dos outros, por exemplo. E a última árvore de Natal do escritório foi enfeitada com mascotes das faculdades –vespas, lobos, águias, tigres, panteras– com praticamente as escolas de todos os funcionários representadas.

"Se alguém chegar aqui apenas com um diploma colegial ou algo semelhante, eu posso ver como poderia se sentir ligeiramente deslocado na atmosfera social daqui", ele diz. "Há uma espécie de laço ou coesão no fato de todos aqui terem cursado uma faculdade." 
Reportagem de Catherine Rampell, para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradutor: George El Khouri Andolfato

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Na Câmara, Yoani Sánchez critica embargo americano contra Cuba


A blogueira cubana Yoani Sánchez criticou nesta quarta-feira o embargo econômico dos Estados Unidos contra Cuba, em vigor desde 1962. Segundo a dissidente, mais do que a gritante ingerência de um país sobre outro, o embargo é utilizado pelo governo cubano para justificar seus problemas econômicos e a repressão política sobre os cidadãos da ilha.
“Minha posição sobre o embargo norte-americano é que deve terminar já, o quanto antes. Não é apenas a minha posição de agora, mas a de sempre. Não funciona mais. A ideia original era criar uma situação em que os cubanos fossem às ruas protestar contra o governo. Isso foi um fracasso. O que acontece, hoje, é que o embargo é a razão fundamental para que nosso governo não explique seu fracasso econômico e a repressão política. Quero que o embargo acabe para ver como o governo cubano vai se explicar”, respondeu a blogueira após ser questionada pelo deputado Glauber Braga (PSB-RJ).
Yoani também criticou a prisão da base naval de Guantánamo, no sudeste de Cuba, controlada pelos Estados Unidos e alvo de protestos contra as práticas de tortura ali realizadas. A cubana se declarou uma pessoa civilizada e, como tal, não pode admitir violência de qualquer país, seja de Cuba, seja dos Estados Unidos.
A blogueira cubana aproveitou para criticar a campanha feita pelo governo de seu país contra o tour de 80 dias que está fazendo por nove países, entre eles Brasil, Holanda, Espanha e Estados Unidos. Para Yoani, o governo comandado por Raúl Castro deveria usar o dinheiro que vem sendo gasto para financiar protestos por onde ela passa em escolas e investimentos na ilha.
“Todo o financiamento da minha viagem é transparente. Minha passagem foi comprada com a ajuda de outros blogueiros. Em Nova York, minhas despesas serão custeadas por universidades nas quais farei palestras. Na Espanha, pelos organizadores de um prêmio que vou receber. Na Flórida, minha irmã vai pagar tudo para me receber. Vou por aí graças à solidariedade de ‘pequenas pessoas’ como eu”, disse.
Tumulto
O convite para a vinda de Yoani Sánchez a Brasília foi feito pelo deputado federal Otávio Leite (PSDB-RJ), após manifestantes terem impedido a exibição do documentário “Conexão Cuba-Honduras”, para o qual foi entrevistada, em Feira de Santana, na Bahia. A cubana desembarcou no Brasil na última segunda-feira, depois de uma longa batalha para conseguir sair de Cuba. Durante seis anos, a dissidente solicitou autorização para viajar para o exterior por 20 vezes, mas teve todos os pedidos negados. 
Dias antes de sua chegada, a revista Veja publicou matéria sobre uma articulação promovida pela embaixada de Cuba no Brasil. Em reunião convocada pelo embaixador Carlos Zamora, foi combinado uma série de protestos contra a blogueira. No encontro também foi distribuído um CD contendo um dossiê contra a cubana. O Palácio do Planalto confirmou que o assessor da Presidência da República, Ricardo Augusto Poppi Martins, participou da reunião.

Notícia do Terra.

Ex


Marcamos num restaurante perto do trabalho dela, no Itaim -o que me pareceu não só prático, mas tranquilizador: dava ao encontro algo de corriqueiro, prosaico, sem pompa ou circunstância. E por que haveria de ter pompa ou circunstância? Somos apenas ex-namorados, já há muito separados, indo almoçar num dia de semana. Ela pede uma salada e uma Coca Zero; eu, o menu do dia e uma água com gás.
Ficamos juntos por três ou quatro anos, lá pelos 20 e poucos. Fizemos planos, como fazem todos os casais. Escolhemos nomes para os filhos que não tivemos, combinamos viagens nas quais nunca embarcamos: todo um futuro que, por razões que a própria razão desconhece -ou, mais provavelmente, que a memória achou de bom alvitre apagar-, deu com os burros n'água.
"Essa é a Dora, na natação", ela me diz, estendendo-me o celular. "Vai passando pra direita. Ó, o Francisco no aniversário de um ano. Os dois juntos na escola..." Vejo algumas fotos de seus filhos, até que entra uma dela beijando o marido, num Réveillon. Entrego-lhe o celular, ela o pega de volta, sem pressa. E por que teria pressa? Não há amor nem mágoa entre nós.
"O amor acaba", disse Paulo Mendes Campos, em sua crônica mais bonita; só não disse o que fica no lugar. É na esperança, talvez, de entender essa estranha melancolia, esse vazio preenchido por boas lembranças e algumas cicatrizes, que nos encontramos a cada ano ou dois. Marcamos um almoço num dia de semana. Falamos do passado, mas não muito. Falamos do presente, mas não muito. Há uma vontade genuína de se aproximar e o tácito reconhecimento dessa impossibilidade.
Dois velhos amigos, quando se reveem, voltam no ato para o território comum de sua amizade. Reconstroem o pátio da escola, o Centro Acadêmico, o prédio em que moraram -e o adentram. Em três chopes, refez-se o antigo elo. Para os ex-amantes, no entanto, é impossível restabelecer o elo, o elo morreu com o amor, era o amor. O que sobra é feito um cômodo dentro da gente, cheio de móveis e objetos valiosos, porém trancado. Nesses almoços, estamos sempre no corredor, olhando para a porta fechada. Sentimos saudades do que está ali dentro, mas não podemos nem queremos entrar. Como disse um grego que viveu e amou há 2.500 anos: não somos mais aquelas pessoas nem é mais o mesmo aquele rio.
Uma vez vi um filme, não me lembro qual, em que um sujeito declarava: "Se duas pessoas que um dia se amaram não puderem ser amigas, então o mundo é um lugar muito triste". O mundo é um lugar triste, mas não porque ex-amantes não podem ser amigos: sim porque o passado não pode ser recuperado. Eis a verdade banal que descobrimos, frustrados, ao fim de cada encontro: toda memória é um luto pelo que vamos deixando para trás.
"Café?". "Não, obrigada, preciso voltar pro trabalho". "É, eu também tô meio com pressa". Rachamos a conta, nos beijamos nas bochechas, damos um abracinho demorado e chocho, com a ternura triste dos amores findos e seguimos cada um para o seu lado.


Apesar de alerta de Obama, ciberespionagem chinesa tende a aumentar

Em seu discurso do Estado da União, o presidente Barack Obama registrou sua séria preocupação com a ciberespionagem realizada pelo que chamou de "nossos inimigos". Seus comentários de 12 de fevereiro ocorreram dois dias após vazamentos de uma avaliação da inteligência americana apontarem a China –de novo– como a ameaça mais séria no ciberdomínio.

Alguns conselheiros de Obama recomendaram uma ação dura para enviar um sinal claro à China para que mude seus modos. Mas mesmo se os americanos retaliarem, é improvável que a China responda como eles gostariam. A espionagem continuará e provavelmente se intensificará, independente do que os Estados Unidos façam.

Uma das duas principais queixas contra a espionagem da China é que organizações, tanto privadas quanto do governo, estão roubando segredos de empresas americanas em grande escala.

Esse roubo de direitos de propriedade intelectual (DPI) viola a lei doméstica da China e os tratados internacionais em vigor há mais de uma década. Os esforços recentes da China para honrar seus compromissos foram substanciais, considerando que o país não tinha leis semelhantes durante grande parte de sua história. Mas há uma piada na China de que as empresas americanas vão aos tribunais para perder casos de DPI.

A cooperação bilateral contra ciberespionagem entre si por parte dos Estados Unidos e da China mais ou menos se esgota nesse ponto bastante insatisfatório.

É a segunda principal queixa –muito diferente de roubo de DPI– que dá um quadro mais claro do que está em jogo para a China na escalada do confronto diplomático em torno de ciberameaças. É a acusação de que a China está ativamente penetrando na infraestrutura de informação crítica dos Estados Unidos com intenção estratégica hostil.

O governo Obama afirma que a China, usando cibersondas de vários tipos, está ocupando certas posições dentro das redes de informação de parte da infraestrutura crítica americana, para que possa interferir nela caso um confronto militar em torno de Taiwan se torne iminente.

Para os planejadores na China, essa atividade é vista como sendo não diferente do tipo de planejamento de contingência e das ciberoperações realizadas pelos Estados Unidos contra alvos militares e de infraestrutura chineses. Analistas e líderes militares chineses há muito estudam o uso pelos Estados Unidos de ciberataques contra infraestrutura crítica, desde relatos não confirmados de ataques americanos em 1999 contra o sistema elétrico e de telefonia da Sérvia.

A posição da China também é influenciada pela alta dependência da liderança chinesa, para fins de estabilidade política, dos serviços de inteligência e das forças armadas, que são os principais perpetradores da espionagem.
Mas há descrença na China de que os Estados Unidos esperariam uma rejeição da ciberespionagem militar por parte dela. Os chineses argumentariam que os Estados Unidos a praticam, de modo que a China também precisa. Há um compromisso na China com a ideia de que para uma preparação militar na Era da Informação, um país precisa ser capaz de usar ciberativos, caso possa, para desativar a infraestrutura adversária das quais uma campanha militar dependeria. Em novembro passado, a liderança chinesa anunciou que apressaria o desenvolvimento de tecnologia da informação para fins militares.

Conselheiros militares na China contam com um argumento fácil. Por que a China deveria abandonar suas operações de contingência, não letais, ligadas a possíveis ciberataques contra infraestrutura crítica, enquanto os Estados Unidos buscam vigorosamente ciberopções ofensivas?

Os Estados Unidos, eles dirão, são os principais arquitetos de um ataque de sabotagem direto e ilegal contra infraestrutura crítica do Irã em tempos de paz, por meio do Stuxnet. Avaliações internas na China pintam sua capacidade de ciberguerra (diferente de seu desvio de informação) em relação à dos Estados Unidos como básica contra avançada. Essa avaliação é compartilhada por alguns altos oficiais militares americanos.

Os planejadores militares chineses acreditam que só lançariam um ciberataque contra infraestrutura crítica americana no caso de um confronto militar iminente em grande escala com os Estados Unidos em torno de Taiwan. Apesar dos americanos não poderem exibir uma confiança igual, e a preocupação deles é legítima, é a percepção chinesa que molda as respostas da China.

O argumento americano é atrapalhado por sua mistura de duas queixas distintas: roubo de DPI e ameaças à segurança nacional. Essa confusão se deve a alguns nos Estados Unidos considerarem que a China tem uma política explícita de minar o poder econômico nacional americano por meio de ciberespionagem em grande escala. Isso é apresentado como uma forma de guerra econômica –um argumento que muitos analistas americanos contestam.

É verdade que a China tem uma política de usar quaisquer meios disponíveis –incluindo a coleção de inteligência secreta– para melhorar sua própria tecnologia e, por meio disso, seu poder econômico. Afinal, ela precisa contornar as proibições americanas de exportação de alta tecnologia em vigor contra a China. Mas as autoridades chinesas dizem –e a maioria dos economistas estrangeiros concorda– que a China tem um enorme interesse na estabilidade e vitalidade da economia americana.

Os Estados Unidos têm um bom motivo urgente para argumentar em prol de uma estabilidade estratégica no ciberespaço. Para trabalhar com a China como parceira nessa meta, os Estados Unidos precisarão apresentar argumentos sobre ciberespionagem que se encaixem mais sensivelmente do que no momento em uma visão de um mundo digital interconectado, interdependente.


Texto de Greg Austin, para o International Herald Tribune, reproduzido no UOL. Tradução de George El Khouri Andolfato.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Contra a democracia


Contra a democracia

Um dos pilares do paradigma liberal é a crença de que livre-mercado e democracia são termos que nunca podem entrar em contradição.
Segundo essa vulgata, por meio do livre-mercado garante-se a liberdade individual de empreender e defender seus próprios interesses.
Neste mundo, ser livre equivaleria a poder estabelecer contratos de maneira "não coercitiva", seja para vender a força de trabalho, seja para alugar o útero, seja para contrair matrimônio, seja para relacionar-se com o Estado por meio dos impostos ou para tomar empréstimos no banco. Diga-se de passagem, todas essas ações são, para os liberais, pensadas a partir de uma mesma lógica unidimensional.
Nesse contexto, "democracia" só pode significar "o regime que não interfere nos contratos firmados por pessoas livres". Quanto menos interferência estatal, mais liberdade; é o que diz o velho man-tra. No entanto, foi esse mantra que levou o mundo a uma das piores crises do capitalismo. Por isso, sair da crise só será possível à condição de pararmos de nos deixar enfeitiçar por ele.
Se uma ideia ruiu nos últimos anos, foi exatamente a que vê, no livre-mercado, o modelo de uma sociedade civil livre. Deixado a si mes-mo, o mercado é o regime que extorque contratos dos que não têm força social para afirmar sua liberdade, dos que não têm escolha real por estarem submetidos ao risco constante da precariedade e da vulnerabilidade. Por isso, o velho Hegel dizia que a sociedade civil nunca é suficientemente rica para acabar com a pobreza.
Tal extorsão mostra, nos dias de hoje, sua face mais clara quando vemos bancos e seus "experts" da grande imprensa mundial aterrorizarem populações com a ameaça do caos econômico, caso suas dívidas não sejam en-campadas pelos Estados nacionais e transformadas em dívidas soberanas.
Ao aceitarem tal ameaça, os Estados destroem o sistema de segurança social que permitia um mínimo de liberdade à população diante da espoliação pelos economicamente mais fortes. Mas ao fazerem isso, eles destroem as verdadeiras bases da democracia.
Ou seja, a crise que o mundo vive hoje é a prova maior de que livre-mercado e democracia não andam necessariamente juntos, que há situações nas quais o primeiro pode destruir o segundo.
Com sua influência desproporcional, o sistema financeiro é, atualmente, a maior ameaça à democracia ocidental. Salvar tal sistema nos levará a uma nova forma de sociedade totalitária: a sociedade da precariedade generalizada.


Após guerra, minoria tâmil reconstrói cidade em uma Sri Lanka pouco tranquila

Quando entro em Jaffna, o pó do cimento me faz tossir. A cidade, localizada no extremo norte do Sri Lanka e coração cultural da minoria tâmil, está sendo reconstruída depois de 30 anos de guerra.

As casas da cidade já foram lindas um dia. Havia elefantes de pedra sobre os pilares dos portões, e as casas mais pobres exibiam telhados trabalhados com palha de folhas de palmeira. As novas casas parecem mais caixas de concreto. Após anos de trauma, as pessoas estão reconstruindo a cidade com uma firme determinação, mas sem poesia.

Eu deixei Jaffna em 1983 – ano em que a guerra civil começou no Sri Lanka – para viver com os meus pais na Inglaterra. No início da década de 1980, dentro das casas geminadas de Wembley, East Ham ou, no nosso caso, de Cardiff, as crianças corriam pelo assoalho de linóleo enquanto os adultos conversavam em tâmil sobre um lugar chamado Eelam.

Eelam era um país que não existia – o nome tâmil para uma pátria independente esculpida no nordeste do Sri Lanka. A guerra civil opôs os Tigres de Libertação de Eelam Tâmil, ou LTTE – movimento separatista que se dizia representante da minoria hindu de língua tâmil da ilha, formada por pouco mais de um décimo da população do Sri Lanka –, e um governo dominado pela maioria budista de língua cingalesa, composta por cerca de 75% dos 20 milhões de habitantes do país.

Eu retornei ao Sri Lanka pela primeira vez desde que o conflito terminou com meu marido e nossos dois filhos pequenos. Eu queria ver se conseguia encontrar a casa que meu avô construiu e onde passei os anos mais felizes de minha infância. Acima de tudo, eu voltei para me certificar se a paz nacional vai se manter – e para descobrir se ela realmente tem que ser mantida.

A guerra começou oficialmente quando centenas de civis tâmeis foram mortos em distúrbios em Colombo, a capital do país, após os Tigres Tâmeis terem assassinado 13 soldados. Mas o conflito não aconteceu de repente. As décadas que se seguiram à independência do Sri Lanka, ocorrida em 1948, trouxeram uma crescente tensão e violência entre os tâmeis e os cingaleses – resultado de um forte nacionalismo cingalês expresso em leis como a que transformou o cingalês na língua oficial do país. Para os patriotas cingaleses, a elevação da sua distinta cultura budista restaurou seu orgulho, que havia sido minado por séculos de dominação estrangeira. Mas, para a minoria tâmil, os anos pós-independência apenas pareciam uma competição para estabelecer qual lado tinha o direito de se autodeclarar o ocupante mais antigo do território do país.

A guerra se arrastou por 25 anos. A luta concentrou-se principalmente no norte tâmil e deixou cerca de 80 mil mortos, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU). Durante o período do conflito, os dois lados ganharam e perderam territórios – mas os Tigres Tâmeis combateram a superioridade militar do governo com uma campanha de terror que massacrou aldeões cingaleses e muçulmanos. O conflito terminou em 2009, após uma violenta investida do governo contra os Tigres, que deixou milhares de civis tâmeis mortos.

O sonho de Eelam, financiado e apoiado por muitos membros da diáspora tâmil durante uma geração, está morto. Em seu lugar há uma paz intranquila.

Quando criança, eu sempre visitava o bangalô do meu avô em Jaffna, e cheguei a considerá-lo minha casa. Depois que ele morreu, minha mãe ficou com a casa – e estava pronta para retornar ao país assim que a guerra acabasse. Mas quando a guerra finalmente terminou, ela vendeu o bangalô.

Jaffna fica em uma península no extremo norte do Sri Lanka, e a única maneira de chegar lá vindo do exterior é voando até Colombo. Meu marido e eu contratamos um carro com um motorista cingalês, que estava curioso para conhecer Jaffna. No Sri Lanka, as identidades frequentemente são fluidas. Enquanto passeávamos de carro pelas ruas das cidades cingalesas do sul eu vi homens vestidos com sarongues xadrezes, exatamente como o meu pai.

A estrada faz um desvio repentino para o interior e adentrou a Vanni, uma vasta zona de floresta densa localizada ao sul de Jaffna, que testemunhou a violência da luta. Aqui, as feridas ainda estão abertas. As casas estão em ruínas ou salpicadas de buracos de bala. Uma imensa torre de água de concreto tombou durante os combates em Kilinochchi – que já foi a capital do pequeno estado dos Tigres –, e permanece tombada.

O exército está em toda parte – silencioso e atento. Após a paz estabelecida pelo presidente Mahinda Rajapaksa, em 2009, o norte foi coberto por uma densa rede militar. A cada trecho de alguns poucos quilômetros ao longo da estrada há um acampamento do exército. Em 2003, quando eu estava em Jaffna durante um breve cessar-fogo, lembro-me de soldados nervosos cercados por populares que falavam tâmil, uma língua que eles não conheciam. Agora, as tropas estão à vontade e os soldados andam de bicicleta entre os locais. Há apenas um posto de controle do exército no caminho até Jaffna. Os soldados verificam nossos passaportes e acenam para que continuemos nossa viagem.

Mais tarde, nós dirigimos até o endereço onde ficava a casa de meu avô, ao longo de uma das principais vias da região, que se estende por quilômetros e vai do centro da cidade até as aldeias costeiras. Eu finalmente identifico os familiares portões de ferro forjado. O bangalô é um retângulo de concreto, mas mesmo a partir da rua eu consigo ver que a casa está bem cuidada. Grande parte de Jaffna parece desarrumada hoje em dia, mas essa casa está reluzindo de nova. Eu fico de pé no jardim da frente, lembrando os anos em que a guerra tomou conta de tudo.

Ao passar uma temporada em Jaffna com meu avô, em 1982, o país estava tenso, mas a vida normal ainda parecia possível. Em seguida, o clima ficou pesado. Notei meus avós ficarem nervosos sempre que a polícia ou soldados patrulhavam a nossa rua. Meu avô começou a incentivar os filhos que ainda restavam a irem embora – e eles foram, um a um, para os Estados Unidos e a Austrália.

Quando os tigres paralisaram o Sri Lanka com atentados suicidas e uma força militar eficiente, eu já havia me mudado para a Inglaterra, onde minha família recebia cartas ocasionais contendo histórias sobre cortes de energia e escassez de medicamentos.

Os Tigres levantavam recursos com a comunidade tâmil mundial e por meio de investimentos em restaurantes e outros pequenos negócios no exterior. No último ano da guerra, estima-se que o número de tâmeis vivendo na Grã-Bretanha estava entre 110 mil e 150 mil. Os tâmeis da diáspora preferiam se concentrar nos sucessos dos rebeldes nas batalhas convencionais contra o exército do Sri Lanka, mas o LTTE também assassinou tâmeis moderados e civis. Meus avós deixaram o país na década de 1980 e começaram uma vida nova nos Estados Unidos, para onde quatro de seus filhos haviam migrado.

A guerra terminou em 2009, após o governo lançar um ataque decisivo para destruir os Tigres. De acordo com um relatório da ONU, que vazou para a imprensa em novembro de 2012, cerca de 30 mil civis tâmeis morreram durante essa fase final do conflito. Uma investigação da ONU acusou os militares de terem bombardeado indiscriminadamente civis e hospitais. O mesmo inquérito também acusou o LTTE de usar civis como escudos humanos.

Apesar do custo terrível em vidas humanas, a paz garantiu a Rajapaksa a aprovação da maioria cingalesa. Ele obteve uma vitória esmagadora nas eleições de 2010. Mas seu triunfo também ressaltou o quanto a ilha ainda permanece dividida. Apesar de o presidente gozar de uma imensa popularidade no sul do país, os partidos tâmeis aliados do governo têm se saído mal no norte e no leste do Sri Lanka.

A derrota do LTTE criou a oportunidade para o renascimento de uma política mais moderada. Mas é improvável que isso aconteça sem que o governo faça concessões. Apesar das garantias dadas aos governos estrangeiros e à ONU, o presidente não conseguiu realizar nenhuma transferência de poder para o norte e para o leste do país.

O governo diz que investiu pelo menos US$ 1,1 bilhão no norte do Sri Lanka desde o final da guerra. Falando em tâmil na Assembleia Geral da ONU antes do fim do conflito, Rajapaksa disse que os laços entre os dois povos cresceriam enquanto eles marchavam em direção a uma "liberdade mais rica". No entanto, o International Crisis Group, um respeitado grupo de especialistas, adverte que o desenvolvimento do norte é tendencioso, pois não abrange a população tâmil local. De acordo com um relatório divulgado pelo grupo em novembro de 2012, muitos negócios da região são administrados pelos militares ou por famílias cingalesas, e muitas das autoridades locais são originárias da maioria budista.

Eu conversei com um ex-membro do LTTE, recrutado sob a pior das circunstâncias: "os Tigres queriam que eu ou um de meus filhos entrássemos na luta. Por isso, eu fui". Ele diz que perdeu muitos parentes nos últimos dias da guerra, mortos pelas forças do governo. E acrescentou: "o desenvolvimento deles (do governo do Sri Lanka) é apenas para o seu próprio povo (os cingaleses). O dinheiro que os governos estrangeiros – como o governo do Japão – nos dão, nós não vemos".

Até mesmo lembrar os que foram mortos tornou-se um ato criminoso em Jaffna. Em novembro passado, o exército invadiu o campus da universidade e prendeu os estudantes por eles terem acendido lâmpadas para homenagear as vítimas da guerra. Pôsteres colocados perto do campus anunciam rotas de fuga: "Estude na Malásia", diz um; outro apresenta uma oferta de migração para o Canadá, a Nova Zelândia ou a Finlândia.

Durante muito tempo, a política no Sri Lanka tem sido um jogo de soma zero, no qual o grupo étnico vitorioso pode reivindicar a melhor fatia do bolo em termos de empregos públicos ou vagas nas universidades. Para ser realmente próspero e pacífico, o país precisa de uma solução política flexível o suficiente, capaz satisfazer sua mistura de etnias – com a concessão de autonomia às províncias de maioria tâmil em troca do reconhecimento da capital Colombo como sede soberana do governo.

No entanto, as brasas da guerra civil ainda estão vivas. Em Jaffna, o homem tâmil que nos guia pela cidade diz que a luta acabou e o LTTE foi exterminado. "Mas as pessoas ainda tocam as músicas da guerra", diz ele.


Texto de Meera Selva, para a Prospect, reproduzido no UOL. Tradução de Cláudia Gonçalves.