segunda-feira, 14 de julho de 2014

Boas relações do Ocidente com o Irã esbarram em arquivos sobre golpe de 1953

Enquanto diplomatas iranianos se juntam em Viena a representantes de seis potências mundiais para acertar um acordo sobre o programa nuclear do Irã, a aparência é de que o Ocidente está prestes a abrir um novo capítulo em seu longo e turbulento relacionamento com o Irã. Com um acordo abrangente em vista, o Reino Unido está preparando a reabertura de sua embaixada em Teerã, após um rompimento de três anos nas relações, e os Estados Unidos estão contemplando trabalhar com o Irã no combate à ameaça extremista sunita no Iraque.

Mas enquanto o mundo exige que o Irã seja honesto a respeito de suas antigas atividades nucleares, o Reino Unido e os Estados Unidos ainda se recusam a esclarecer o golpe anglo-americano de 1953 no Irã, que continua sendo uma ferida aberta nas relações entre o Irã e o Ocidente.
Todo aluno iraniano pode contar a história de como o SIS (Serviço Secreto de Inteligência) do Reino Unido e a CIA (Agência Central de Inteligência) dos Estados Unidos conspiraram em 1953 para orquestrar um golpe contra o governo eleito do primeiro-ministro Mohammad Mossadegh, um ícone anticolonial que liderou a nacionalização da Companhia de Petróleo Anglo-Iraniana, de propriedade britânica.

O papel anglo-americano na derrubada de Mossadegh e reinstalação do xá Mohammad Reza Pahlevi como ditador do Irã é o segredo pior guardado da Guerra Fria. Mas tanto o Reino Unido quanto os Estados Unidos continuam impedindo os esforços dos historiadores de descobrir a história plena do golpe de 1953. Qualquer vestígio do papel da CIA no golpe foi removido da série Relações Estrangeiras dos Estados Unidos (FRUS, na sigla em inglês) do Departamento de Estado americano, que publicou um volume de documentos em 1989 sobre as políticas do governo Eisenhower em relação ao Irã, que foi condenado pelos historiadores como sendo uma "fraude".

O escândalo em torno do volume FRUS de 1989 levou o Congresso a aprovar uma legislação exigindo que a série seja um "registro meticuloso, preciso e confiável das grandes decisões de política externa dos Estados Unidos". Para tratar das omissões gritantes do volume de 1989, os historiadores do Departamento de Estado têm trabalhado arduamente para montar o muito esperado volume de retrospectiva FRUS sobre o "Irã, 1951-1954", com previsão de lançamento neste ano, mas que ainda precisa se materializar.

Um grande obstáculo ao lançamento dos documentos do governo americano sobre o golpe de 1953 é que essa ação secreta foi uma operação conjunta anglo-americana, codinome "Tp-Ajax" pela CIA e "Boot" pelo SIS, e o Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido é contrário à divulgação de qualquer documento americano que faça referência ao papel britânico no golpe. Quando foi inicialmente considerada a divulgação desses documentos em 1978, um funcionário do Departamento de Estado alertou ao Ministério das Relações Exteriores britânico que os documentos continham "muitas coisas embaraçosas sobre os britânicos".

Londres e Washington conspiram desde então para manter esses documentos trancados a sete chaves.

Há uma década, quando o governo Clinton buscava uma "détente" com o presidente reformista do Irã, Mohammad Khatami, parecia que os Estados Unidos finalmente chegariam a um acordo a respeito de sua história problemática com o Irã. Em março de 2000, a secretária de Estado, Madeleine Albright, se tornou a primeira autoridade americana a reconhecer o papel dos Estados Unidos no golpe de 1953. Um mês depois, uma das histórias internas da CIA sobre seu papel no golpe foi misteriosamente vazada para o "New York Times". Mas o esclarecimento pleno que muitos historiadores esperavam nunca aconteceu. Mais preocupante, os falcões no establishment de política externa de Washington, contrários ao estender de mão do presidente Obama ao Irã, estão novamente negando qualquer papel americano no golpe de 1953.

Do outro lado do Atlântico, os britânicos demonstram ainda menos disposição de reconhecer seu papel no golpe ou divulgar qualquer um de seus documentos. O ministro das Relações Exteriores britânico, William Hague, pede pelo fim do senso de "culpa pós-colonial" do Reino Unido por seus crimes imperiais no Irã e em outros lugares. Infelizmente para Hague, os iranianos têm longa memória e ignorar o passado não o fará desaparecer ou tornará a reabertura da embaixada mais fácil.

Obama, cuja maior realização de política externa pode ser a "détente" com o Irã, parece entender isso. Em seu discurso no Cairo em 2009, ele novamente reconheceu o papel americano na queda de Mossadegh, mas expressou esperança de que os dois países possam "seguir em frente", em vez de permanecerem "presos no passado".

Seguir em frente com um novo capítulo nas relações americano-iranianas é difícil enquanto os arquivos de 1953 permanecerem secretos. Uma recusa teimosa em divulgá-los mantém o trauma de 1953 vivo na consciência pública iraniana.

Nem o Reino Unido e nem os Estados Unidos têm algo a perder com a revelação plena de seus papéis em um golpe que ocorreu há mais de 60 anos. Grande parte dos detalhes da trama já é público. Funcionários da inteligência tanto americana quanto britânica que participaram já publicaram suas memórias com a aprovação de seus antigos empregadores. Impedir a divulgação dos arquivos remanescentes não tem sentido em um momento em que tanta informação já é de domínio público.

O futuro lançamento do volume FRUS sobre o governo Eisenhower e Mossadegh é uma oportunidade para os Estados Unidos finalmente passarem a limpo seu papel. Se ele fornecer um registro meticuloso, preciso e confiável da interferência anglo-americana nos assuntos internos do Irã, então isso poderá permitir a Obama finalmente deixar para trás o passado sórdido e prosseguir fazendo história.

Texto de Roham Alvandi, para o The New York Times, reproduzido no UOL.

*Roham Alvandi, um professor assistente de história internacional da London School of Economics and Political Science, é autor de "Nixon, Kissinger, and the Shah: The United States and Iran in the Cold War"

Tradução de George El Khouri Andolfato. 

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