sábado, 30 de março de 2013

Morre aos 93 anos Mauro Borges, ex-governador do Estado de Goiás


Morre aos 93 anos Mauro Borges, ex-governador do Estado de Goiás
DE SÃO PAULO - Mauro Borges Teixeira, que foi governador de Goiás de 1961 a 1964, morreu ontem aos 93 anos em Goiânia. Ele estava internado há 15 dias devido a uma pneumonia.
Nascido em 1920 em Rio Verde (GO), ele começou sua carreira em 1938 na Escola Militar do Realengo, no Rio.
Em 1958, foi eleito deputado federal. Depois, conquistou pelo PSD o governo de Goiás. Em 1961, participou da Campanha da Legalidade, revolta liderada por Leonel Brizola para garantir a posse de João Goulart.
Em 1964, no entanto, Borges apoiou o golpe militar, mas acabou sendo tirado do poder pela ditadura. Dois anos depois, foi cassado e preso.
Com a lei da anistia, foi novamente candidato e, em 1982, eleito senador pelo PMDB.
O atual governador, Marconi Perillo (PSDB), decretou luto de sete dias no Estado.


Notícia da Folha de São Paulo.


Comentário rápido: ao que me consta, Mauro Borges foi o único governador a acompanhar Brizola na Campanha da Legalidade, pela posse do então vice-presidente João Jango Goulart, em agosto de 1961.

quinta-feira, 28 de março de 2013

A integração das favelas da Maré


Os 130 mil habitantes de um bairro da zona norte do Rio de Janeiro estão fazendo contagem regressiva para um mergulho no desconhecido. Daqui a um ou dois meses, talvez três, o Complexo da Maré, um agrupamento de 17 favelas situado entre a gigantesca trilha de asfalto da avenida Brasil e as águas da baía de Guanabara, próximo ao aeroporto internacional, será palco de uma ampla operação de retomada da polícia e das forças armadas.
Anunciada por diversas vezes --e já adiada uma vez--, essa intervenção do poder público marcará a 32ª implantação de uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) em um desses territórios, que, por tanto tempo, foram esquecidos e dominados por grupos armados; a 32ª entre as 1.071 favelas da cidade, que logo será ocupada em caráter permanente por policiais locais. E que terá, como toda vez desde que esse programa de 2008 foi implantado, suas transformações de códigos e hábitos, a presença maciça das forças de ordem, muitas vezes intrusiva no início, e o quase desaparecimento das armas nas ruas, seu corolário.
A Maré está começando sua mudança de paradigma. Dizem que os chefes das gangues já teriam ido embora, deixando para trás os peixes pequenos para manter o tráfico de drogas, sempre próspero. Esses meninos de rua, bem presentes e posicionados em pequenos grupos nos eixos estratégicos, também monitoram o vaivém diário e, às vezes, fazem o papel de agente alfandegário, se necessário, sobretudo depois do anoitecer.
Em poucos meses, a Maré conseguiu realizar diversas audiências públicas. Os atores sociais das diferentes favelas falaram, assim como fizeram em cada momento marcante de sua longa história. Uma tradição nesse complexo de concreto, tijolos e chapas onduladas, conhecido por ser um dos mais antigos e também um dos mais complicados do Rio.
É lá, no meio dessas reuniões muitas vezes marcadas por emoção, que se pode perceber toda a diversidade humana de um lugar como esse. Tantos rostos diferentes e sensíveis de moradores que a cada dia enfrentam a pobreza e a ausência de instituições públicas, além dos preconceitos. Uma força coletiva de homens e de mulheres reunidos dentro de um movimento de 16 associações de moradores, ligadas entre si pelas associações de mobilização social Redes da Maré e Observatório de Favelas, que vão além das diferenças políticas.
Maré tem esse pequeno elemento a mais que talvez faça dele --apesar da violência-- um dos territórios mais interessantes do momento. Um espaço de projetos e de debates que soube parir em 2000 uma iniciativa única no Rio, que consistia em fazer um levantamento e nomear sistematicamente ruas e ruelas das comunidades que a compõem. Aparentemente trivial, mas carregado de significado.
Desde um decreto municipal de 1937, as autoridades tinham se acostumado a não incluir as favelas nos mapas porque elas eram "temporárias", condenando centenas de milhares de indivíduos a uma invisibilidade social e legal. Uma negação da realidade que ilustra a recusa em conceder direitos aos cidadãos de "segunda classe". Nos anos 1990, esses territórios ainda não faziam parte dos mapas oficiais da prefeitura. No máximo eram retratados como zonas cinzentas em forma de bairros fantasmas, que vinham assombrar os morros e as periferias da chamada "cidade maravilhosa".
Hoje, após décadas de inexistência, mais de 85% das vias e dos becos da Maré têm um nome (políticos brasileiros, personalidades locais, nomes de flores ou plantas). As moradias constam nos mapas oficiais, os códigos postais foram distribuídos e os endereços oficiais, registrados.
"Obter um endereço oficial simboliza um avanço fundamental para a cidadania. Ele permite romper os estigmas associados às comunidades", observa Eliana Sousa Silva, diretora da associação Redes da Maré e autora de um ensaio intitulado "Testemunhos da Maré" (Ed. Aeroplano). "Esses esforços coletivos apagam as barreiras entre a cidade formal e suas favelas."
Em 2008, surgiram as primeiras placas de rua colocadas nas paredes --a ausência de calçadas impede a instalação de sinalização. Quatro anos mais tarde, um guia foi impresso em forma de folheto colorido e distribuído nas diferentes vias de acesso do complexo. Ele vem ilustrado com mapas acompanhados de textos históricos sobre cada uma das favelas. Uma visão singular dos bairros que formam esse impressionante turbilhão urbanístico, impossível de depreender com uma só olhada.
Ali descobrimos que a primeira comunidade de Timbau --do tupi "thybau", que significa "entre as águas"-- foi ocupada a partir do fim do século 19 por pescadores antes de receber nos anos 1940 famílias obrigadas a deixar o centro do Rio, que se tornou caro demais. Que a Baixa do Sapateiro e suas construções em madeira, erguidas durante a madrugada para escapar da repressão policial, marcaram o imaginário da Maré até nossos dias. Ou que o coração da favela Nova Holanda foi construído pelo governador Carlos Lacerda, no início da década de 1960, inicialmente para servir de centro de habitação provisório.
Segundo os coordenadores da Redes da Maré, os serviços sociais das UPPs já estariam trabalhando nos mapas da Maré para no futuro integrar algumas de suas comunidades à cidade. Além disso, e com a ajuda do Instituto Pereira Passos, quase 120 favelas estariam prestes ganhar mapas inspirados nesse mesmo modelo.
Reportagem de Nicolas Bourcier, para o Le Monde, reproduzida no UOL. Tradução de Lana Lim.

José Simão vê a Páscoa atual


“E hoje é Endoenças! Semana Santa era assim: Trevas, Endoenças, Paixão, Aleluia e Páscoa. Atualmente é ovo, ovo, ovo. Ovo, bacalhau e praia. Rarará! Nóis sofre mas nóis goza. Hoje só amanhã!”

Trecho da coluna dele, José Simão, o Macaco Simão, na Folha de São Paulo.

ENCONTRO COM ÁLVARO LINS


Caruaru, Pernambuco, 18 de fevereiro de 2013. Depois de pegar chuva na estrada, cortada por caminhões que estão lotados de cana-de-açúcar destinada a alimentar o gado massacrado pela seca do sertão logo ali adiante, vejo uma Caruaru ensolarada. É a principal cidade do interior pernambucano: parece-se com uma cidade semigrande do interior gaúcho, Caxias do Sul, onde nasci, por exemplo. Em Caruaru nasceu um dos meus “bruxos literários”, o ensaísta Álvaro Lins. Quase todos os nossos bruxos se formam entre a infância e a adolescência, períodos que no meu caso se confundiram muito cedo, do ponto de vista intelectual pelo menos. É claro que ao longo da vida criamos esparsamente outros bruxos, mas a legião está mesmo na infância-adolescência. No verão de 1973 eu chegava à capital e, optando por meter-me em bibliotecas e não em lupanares, acabei devorando as anotações críticas de Os mortos de sobrecasaca (1963), coletânea da produção literária de Álvaro ao longo de décadas. Eu tinha 17 anos e, ao ler aquilo, era como se estivesse conversando com um irmão de sina. Álvaro tinha morrido três anos antes, e eu não tinha a menor ideia. Acabei desviando para o cérebro, para ler Álvaro, alguns litros de esperma que eu haveria de despejar em corpos de prostitutas.
Caruaru, Pernambuco, 18 de fevereiro de 2013. Luís Gonzaga e Mestre Vitalino é o que me oferecem os informantes turísticos (inclusive o taxista que me acompanha de Porto de Galinhas à capital do agreste), além da famigerada Feira de Caruaru. Álvaro Lins? Álvaro Lins? “Quem é este caboclo?” me questionam quando indago do homem que procuro. Alguém no Museu Luís Gonzaga lembra que haveria um museu dedicado a Álvaro, a que chamam “Fardão”: é Álvaro com a farda da Academia Brasileira de Letras, o que me inquieta e incomoda, pois não é a este Álvaro mofado que busco, mas sim um Álvaro vivo, criativo, tão vivo em 1973 quanto numa releitura recente de A técnica do romance em Marcel Proust (1951). O Museu do Fardão teria sido desativado e tudo teria ido parar numa biblioteca da prefeitura. Na Feira de Caruaru buscamos um tal de Museu do Cordel; de maneira inesperada e jocosa, eu e o taxista damos com uma barraca de feira, cheia de livrinhos de cordel; ora, nordestinos, que museu é esse, uma barraquinha? Em todo o caso ali perguntamos por Álvaro. Da estante irrompe um poemeto de cordel dedicado a Álvaro Lins: “Muito prazer, Álvaro Lins”, de Jémerson Alves. Compro. Mas, advirto meu taxista, não é isto que me contenta. Saímos à outra caça. Biblioteca Municipal Álvaro Lins. Numa repartição da Biblioteca, a despeito da desinformação dos bibliotecários, os achados: a história de Álvaro, os livros que ele manuseou (os volumes de Proust em francês), os livros que ele escreveu (o que mais dor de cabeça lhe deu em Recife, ao escrever sobre o português Eça de Queiroz) e um livro escrito pelo crítico português João Gaspar Simões autografado na vila lusitana de Cascais. Se os “verdes mares bravios” (lembrando: o romancista cearense José de Alencar foi um dos meus bruxos aos 15 anos de idade, mas há muito tempo não aguento sua linguagem empolada, no entanto é inegável que sua expressão para os mares nordestinos, apesar de soar a seus excessos metafóricos, é real, pode comprovar quem anda por lá) convidam a um exercício da preguiça mental, aquele lado da biblioteca empurra para a  ativação dos neurônios. Eu estava em casa, finalmente, embora minha mulher achasse que estávamos muito longe de casa.
No entanto, Álvaro faltou ao encontro. Ou eu cheguei muito atrasado. Nem em sua cidade natal o escritor é lembrado. Via aqueles jovens azafamados correndo de cá para lá, e me perguntava da indiferença das pessoas ao pisar os mesmos cenários de um cérebro como o de Álvaro Lins. Nuns casebres à beira do rio Ipojuca vi um garotinho travesso correr em busca de arte —arte de arteiro. Pensei no garotinho Álvaro fazendo o mesmo no início do século XX, banhando-se nas águas sujas deste rio nordestino. E, anos depois, ele escreveria ombro a ombro sobre Proust e André Gide, dois aristocratas parisienses que tinham à sua disposição as águas nobres do Sena. Fascina pensar nesta aproximação.

Texto de Eron Duarte Fagundes, visto no Blog do Juremir Machado da Silva.

terça-feira, 26 de março de 2013

Invisível


Invisível
Ao menos no quesito "exploração", o Brasil conseguiu chegar a patamares de Primeiro Mundo. Temos também entre nós a exploração sistemática de imigrantes ilegais postos em situação de trabalho escravo. Diga-se "sistemática" porque tudo indica que não se trata de situações isoladas produzidas por grupos empresariais gananciosos.
Na verdade, há setores inteiros da indústria brasileira que parecem funcionar de maneira criminosa.
Na semana passada, 28 trabalhadores bolivianos foram resgatados de condições análogas à escravidão em uma oficina da zona leste de São Paulo. Eles trabalhavam para a empresa GEP, formada pelas marcas Emme, Cori e Luigi Bertolli e pertencente ao mesmo grupo que representa a marca GAP no Brasil. Meses atrás, algo semelhante ocorreu com trabalhadores que produziam para a marca Zara.
Em todos esses casos, a reação é sempre a mesma: as empresas afirmam que nada sabiam sobre as reais condições dos trabalhadores que faziam seus produtos. A esse respeito, vale a pena dizer que esse "não saber" é bastante sintomático.
Tais empresas sabem tudo a respeito das condições de suas lojas, da maneira como a marca aparece nos letreiros, da qualidade e design de suas peças, dos gastos e dos resultados de seus múltiplos esforços de comunicação milimetricamente mensurados.
No entanto, vejam só vocês, elas nada sabem sobre quem faz seus produtos. Aparentemente, nunca foram nas oficinas a fim de pelo menos conhecer suas reais condições de trabalho. Há de perguntar de onde vem esse desejo de nada saber.
Talvez tal desejo seja uma bela forma de resolver uma contradição social. Pois, se no século 19, os donos das indústrias fabris eram obrigados a ver todos os dias seus operários doentes e moribundos, hoje tal cena, nem um pouco glamourosa, não sobressaltará seus corações.
Agora, ele pode apelar à "terceirização da exploração" e não ver nada. Assim, enquanto desfila suas roupas nas "fashion weeks" da cidade, prometendo aos consumidores acesso simbólico à modernidade, tais marcas podem remeter seus trabalhadores à noite brutal e silenciosa da exploração medieval. Tudo isso "sem saber".
Contra esse cinismo, um boicote aos seus produtos seria uma reação eficiente. Quem sabe, "hackear" seus sites com os dizeres: "Essa marca usa trabalho escravo". Assim, enquanto a legislação brasileira não eleva o trabalho escravo à condição de crime hediondo e inafiançável, empresários começariam a ter, pelo menos, alguma curiosidade em saber sobre como seus produtos são fabricados.

Merleau-Ponty


Merleau-Ponty
RIO DE JANEIRO - O que o senhor acha do Merleau-Ponty?
A primeira vontade é dizer que não penso nada. Mas olhei bem o camarada, tipo de vogal do diretório de estudantes que me convidara para dar uma palestra. Na véspera, nada me perguntara, devia ser tímido, mas ansioso para beber alguma coisa da minha cultura de "Almanaque Capivarol" -o meu primeiro e insubstituível mestre nas coisas da vida e do mundo.
O sujeito se deslocara da cidade até o aeroporto para saber o que eu pensava de um cara sobre o qual nada pensava realmente. Além do mais, perdera a passagem de volta e a moça do check-in fazia uma porção de perguntas mais pertinentes, que eu também não sabia responder.
Revirei a maleta de mão, alguém havia me dado umas frutas cristalizadas que haviam lambuzado o livro que ganhara de alguém, um poeta também local que contava, em alexandrinos, uma história complicada de um vigário cuja especialidade era deflorar as virgens também locais.
O cara não saía da minha frente, a moça do guichê me olhava com raiva, eu podia, naquele instante, estar pensando em física quântica, na Guerra do Peloponeso, no legado cultural do John Lennon, menos em Merleau-Ponty, no qual nunca pensara antes nem pretendia pensar depois.
Mas ali estava por conta do tal diretório de estudantes, falara 45 minutos sobre os rumos da sustentabilidade ambiental, mas tinha de dizer alguma coisa e disse o seguinte: "Quem nunca leu Merleau-Ponty não merece viver".
O cara se deu por satisfeito e decidido a ler Merleau-Ponty para continuar a ter o direito de viver. De qualquer forma, a resposta impressionou a moça do check-in e quebrou o meu galho. Ao entrar no avião, me lembrei de que nunca lera Merleau-Ponty e, segundo minhas sábias palavras, eu não merecia viver.


Amor sem religião


Amor sem religião
Casal encontra brecha na Constituição para driblar proibição ao matrimônio civil e realizar primeira união secular no país
DIOGO BERCITODE JERUSALÉM

Nidal Darwish e Kholoud Sukkarieh celebraram o primeiro casamento civil feito no Líbano, tornando-se marido e mulher -até que a fatwa os separe.
O matrimônio, realizado em novembro, é a bandeira da visão de país que o casal compartilha: uma nação com base em princípios seculares (não religiosos).
Contrariadas, lideranças islâmicas locais emitiram uma fatwa, espécie de ordem religiosa, afirmando que é dever de todo muçulmano opor-se ao matrimônio civil.
"Estamos vivendo num país sectário, que divide as pessoas em grupos", diz Sukkarieh à Folha. "Não queremos mais isso. Queremos uma nação que respeite a todos."
O Líbano é exceção entre países árabes ao não basear sua Constituição nas leis islâmicas. No entanto, as leis familiares estão sob jurisdição religiosa.
Assuntos como casamento e, se preciso, divórcio ainda são decididos por autoridades religiosas. Não há opção de um casamento civil.
Ativistas pelo secularismo, no entanto, convenceram Darwish e Sukkarieh a forçar o sistema, escorregando por fresta aberta na legislação.
O fato de ela ser muçulmana do ramo sunita, e o marido, do xiita, não os impedia de ter um casamento religioso. No entanto, eles encamparam a ideia da união civil.
"Alguém me disse que precisavam de pessoas corajosas para fazer o primeiro casamento civil no Líbano", diz Sukkarieh. "Eu e meu marido aceitamos os sacrifícios."
Apoiados em um texto de 1936, que permite que um cidadão não se identifique com nenhum dos 18 credos oficiais, Sukkarieh e seu marido retiraram a filiação religiosa de suas identidades oficiais. Assim, afirmaram que a união entre eles não era mais assunto de fé -e, portanto, não havia impedimento legal.
Assessorados gratuitamente pelo Centro Civil para a Iniciativa Nacional, eles levaram o pedido a um notário e oficializaram o casamento.
"Tivemos de manter segredo por dez meses", diz Sukkarieh. "Alguns dos documentos que tivemos de providenciar eram novos. Foi necessário prepará-los sem poder dizer às autoridades o porquê."
A união, porém, não foi validada pelas autoridades responsáveis, e o casal ficou sem os direitos familiares, como aqueles relativos a herança e guarda de filhos.
"Isso balança o sistema e força os legisladores a rascunhar uma lei civil para o casamento", diz à Folha o parlamentar Ghassan Moukheiber, um dos fundadores do Centro Civil. "É uma mudança importante no modo com que o país está lidando com os seus próprios processos."
A união foi desafiada pelo sistema e atacada pelas lideranças religiosas. Mas, em um sinal de que o buraquinho aberto no dique da lei pode levar a uma enxurrada laica, políticos de peso, como o presidente Michel Suleiman e o ex-premiê Saad Hariri, saíram em defesa de realizar o matrimônio secular no país.
Pela lei atual, apesar de não ser possível fazer o casamento civil no Líbano, o país reconhece matrimônios seculares contraídos no exterior. Dessa maneira, virou tradição casar-se em Chipre ou na Turquia.
"Alguns casais estavam planejando fazer isso em breve, mas, quando ouviram falar sobre nós, cancelaram suas viagens", diz Sukkarieh.
Criticados por amigos e familiares, esse casal libanês afirma estar orgulhoso de sua união servir de símbolo para um país secular ainda por vir.
"Nós ouvimos milhares de vozes contrárias", diz Sukkarieh. "Mas estamos orgulhosos de nunca ter desistido."


Suicídio de irmãs expõe crise no Afeganistão


Suicídio de irmãs expõe crise no Afeganistão
Jovens afegãs são vítimas de intenso choque cultural
Por AZAM AHMED

MAZAR-I-SHARIF, Afeganistão - As irmãs Gul eram jovens, belas, instruídas e tinham boas condições financeiras. Com jeans justos, maquiagem e celulares, desafiavam os limites das tradições afegãs conservadoras.
Mas Nabila Gul, 17, estudante secundarista, foi longe demais: se apaixonou. Alarmada com a vergonha e as consequências que poderiam advir de Nabila se aproximar de um rapaz que não fazia parte das relações familiares, sua irmã Fareba, 25, tentou intervir.
A discussão que elas tiveram naquele dia de novembro terminou com as duas garotas mortas, com apenas horas de intervalo entre uma morte e outra, depois de tomarem veneno de rato roubado do armário de grãos do pai delas.
Numa cidade cada vez mais marcada pelo desespero de mulheres jovens, a morte das irmãs tornou-se o símbolo de uma crise mais ampla: uma onda crescente de tentativas de suicídio.
O principal hospital da cidade diz que está sobrecarregado, com três ou quatro pacientes desse tipo chegando todos os dias. Uma década atrás, os casos de tentativa de suicídio não passavam de um ou dois por mês.
Quanto às razões, e a razão de isso acontecer aqui, parece haver tantas teorias quanto há casos.
A maioria das explicações foca a situação de Mazar no Afeganistão. A cidade é um centro de encontro de diferentes culturas, sendo relativamente mais liberal e mais exposta às influências europeias que o resto do país.
Embora as jovens afegãs da cidade sejam expostas aos costumes sociais do Ocidente pelos seriados de televisão e pela internet, o fato é que elas vivem na sociedade afegã, conservadora e dominada pelos homens.
"A maioria das meninas não morre, mas todas tomam veneno ou pelo menos ameaçam se matar", disse o médico Khowaja Noor Mohammad, diretor de medicina interna no Hospital Regional de Mazar-i-Sharif. "É o grito delas, pedindo socorro."
Talvez nenhum caso seja mais emblemático que o da morte das irmãs Gul. O pai delas, Mohammed Gul, é promotor público. Nabila pretendia fazer faculdade. Fareba já estava cursando a faculdade e esperava tornar-se advogada, seguindo o exemplo de seu pai.
Nabila era impetuosa, impaciente e sabia o que queria. Com frequência, contestava o que Fareba lhe dizia, rejeitando a deferência para com os mais velhos que é de praxe na sociedade afegã. Fareba, que frequentemente chorava depois de discussões pequenas, contou a uma amiga íntima que Nabila não a respeitava.
A última briga delas, na manhã de 26 de novembro, teve como pivô um rapaz por quem Nabila dizia estar apaixonada. Fareba achou o relacionamento inapropriado e aconselhou sua irmã a não levá-lo adiante. A mãe delas ouviu os gritos e correu para apartar a briga, dando dois tapas no rosto de Nabila por responder a sua irmã mais velha. A irmã mais jovem saiu correndo, em lágrimas. Uma hora depois, sua mãe a encontrou no chão de seu quarto, com espuma branca saindo dos cantos da boca.No hospital, Mohammed Gul ficou sentado em silêncio, segurando a mão de sua filha, que perdeu e recobrou consciência várias vezes. Nabila morreu às 14h30.
Quando retornava do hospital, o pai sofreu um infarto e foi levado de volta, como paciente.
Na casa da família, o filho mais velho dos Gul, Abdul Wahid, recebeu as pessoas que vieram à casa chorar a morte de Nabila. Mas estava preocupado com Fareba, que não estava atendendo ao celular.
O telefone dele tocou às 16h. Era Fareba. Falando com uma voz rouca e arrastada, ela disse que estava no santuário de Hazrat Ali, uma belíssima mesquita de azulejos azuis num mar de mármore branco. Abdul Wahid pediu ao seu tio, Malim Faiz Mohammad, que fosse buscá-la. O tio a encontrou deitada no mármore frio. Decidiu não informar o resto da família e levou Fareba ao hospital. Às 17h30, os médicos a declararam morta.
"Morrer desse jeito não faz sentido", disse Mohammad. "Eu preferiria que elas tivessem morrido num acidente."
Os pais procuram se consolar com pequenas coisas. À noite, eles dormem no quarto das meninas. Como é o costume, distribuíram os pertences das filhas entre pessoas necessitadas, mas guardaram dois vestidos delas. Nos dias mais sofridos, eles mergulham seus rostos nas roupas.

A perplexidade europeia


A perplexidade europeia
Para resolver a crise é preciso reequilibrar os custos unitários do trabalho, ou seja, reduzir salários
A crise financeira da zona do euro foi relativamente superada, mas a crise econômica continua profunda. A crise financeira soberana do euro de 2010 decorreu da crise bancária global de 2008 que levou os Estados a se endividarem para socorrer os bancos.
Ela foi superada quando o presidente do Banco Central Europeu garantiu que compraria no mercado secundário os títulos da dívida soberana dos países.
Entretanto a crise econômica da zona do euro continua sem solução. A economia da Europa como um todo está estagnada, porque as taxas de câmbio implícitas ou internas dos países do Sul se apreciaram em relação às dos países do Norte e as suas empresas deixaram de ser competitivas.
O conceito de taxa de câmbio interna é relativo ao valor e não ao preço de mercado da taxa de câmbio. O valor da taxa de câmbio não decorre das variações na oferta e na procura de moeda estrangeira, que fazem com que a taxa de câmbio de mercado flutue em torno do seu valor, mas é o valor que deve ter a taxa de câmbio para tornar competitivas as empresas existentes no país. O valor da taxa de câmbio depende da relação entre aumento da produtividade e dos salários em um país (o "custo unitário do trabalho") em relação aos demais países.
Em 2003 o então premiê da Alemanha, Gerhard Schröeder, através da iniciativa Agenda 2010, promoveu a flexibilização das leis trabalhistas e, ao mesmo tempo, celebrou um acordo entre empresas e sindicatos segundo o qual os salários deixariam de ser aumentados proporcionalmente à produtividade, em troca de segurança no emprego.
Como os países do Sul não fizeram o mesmo, seu custo unitário do trabalho subiu em relação à Alemanha, a taxa de câmbio interna se apreciou, as empresas perderam competitividade e se endividaram, as famílias também se endividaram, e isso se traduziu em grandes deficit em conta corrente, não obstante as contas públicas continuassem equilibradas (exceto na Grécia).
Para resolver a crise econômica é preciso reequilibrar os custos unitários do trabalho, ou seja, reduzir salários. A forma normal de fazer isso seria cada país recuperar sua capacidade de depreciar a taxa de câmbio -uma solução que distribui por toda a sociedade o custo do ajustamento necessário e o faz em um instante-, mas que exige uma reforma monetária que, de forma planejada, descontinue o euro.
Como os europeus não têm coragem para fazer isso, uma alternativa seria uma inflação que reduzisse os salários reais ao mesmo tempo em que os países do Norte da Europa aumentassem seus salários, mas a Alemanha não aceita perder competitividade em relação à China e aos Estados Unidos. A terceira alternativa é a que está sendo adotada: é a "austeridade", ou seja, a redução dos salários através da recessão e do desemprego. É uma solução desumana cujo peso cai sobre os assalariados e as pequenas empresas. É a solução contra a qual os cidadãos europeus, perplexos, protestam nas ruas e nas eleições, mas, afinal, é a solução possível enquanto não perderem o respeito quase religioso que desenvolveram em relação à sua moeda única.


Livro expõe ligação de agências com ditadura


Livro expõe ligação de agências com ditadura
Controle da propaganda de estatais por grupos nacionais é alvo de biografia
Plano de marketing do 'candidato' João Figueiredo foi uma das tarefas da MPM, a maior agência dos anos 1970

Em 1978, a agência MPM levou à "campanha" do general João Baptista Figueiredo, "candidato" a presidente, um plano de marketing.
Era uma ditadura, ele já havia sido "eleito" pelo general Ernesto Geisel em 1977. Mas Figueiredo era muito próximo de Antonio Mafuz, um dos emes da sigla MPM, e queria melhorar sua imagem.
A grosseria do personagem se tornou então, no slogan desenvolvido pela maior agência do país na época, "coragem, franqueza e lealdade", com direito a jingle em ritmo de baião.
O novo mandatário sumiu com fardas e óculos escuros, abriu largo sorriso para as fotos oficiais e virou "João". Manteve o país sem democracia por mais seis anos.
"O Figueiredo serviu anos como coronel em Porto Alegre e era amigo do Mafuz", conta Petrônio Corrêa, 84, o pê de MPM, um dos fundadores da agência gaúcha, com Mafuz e Luiz Macedo.
"Tinham um grupo, em que almoçavam todos os sábados." O coronel Mario Andreazza, que seria ministro de Figueiredo e indicado por ele à sua sucessão, também fazia parte.
Os churrascos eram na MPM gaúcha, onde o último presidente da ditadura tinha sala, como detalha "No Centro do Poder" (Virgiliae, 2013), livro escrito pela jornalista Regina Augusto.
É biografia autorizada, mas que descreve abertamente como, ao longo de seis décadas, Corrêa e a publicidade nacional se estabeleceram à sombra do Estado.

SETE IRMÃS

Até o início dos anos 60, o setor era dominado pelas estrangeiras J. Walter Thompson, McCann Erickson e Lintas. O regime militar trouxe as chamadas "sete irmãs", todas brasileiras.
Além da MPM, eram elas Norton, Salles, Denison, Alcântara Machado, DPZ e Standard. Formaram consórcios e tomaram o controle da propaganda em todos os níveis de governo.
Como relata o livro, seus fundadores, nomes como Corrêa e Geraldo Alonso, chegaram a ser chamados de "máfia" pela geração posterior de publicitários.
Na MPM, o modelo de negócios já havia surgido antes dos militares. Luiz Macedo era sobrinho de João Goulart e foi seu marqueteiro na campanha vitoriosa para vice-presidente, em 1960.
A pequena agência nascida em Porto Alegre em 1957 ganhou a primeira conta em Brasília depois de Jango assumir como presidente, no lugar de Jânio Quadros.
Ao descobrir que o tio havia entregue a publicidade da Caixa à McCAnn, Macedo foi até a capital, cobrou "nacionalismo" de Jango e obteve a conta para a MPM.
Depois vieram Banco do Brasil, Eletrobras, Petrobras -com o tempo as estrangeiras foram banidas informalmente pelo governo.

CHAPA-BRANCA

Veio também o golpe militar, mas nada que atrapalhasse. "Quando veio a revolução, continuamos com as contas, porque o pessoal tinha o histórico de que trabalhávamos certo", diz Corrêa.
Em entrevista, ele lembra que "esse negócio de governo deu prestígio, mas também chamavam a agência de chapa-branca". Pior, "todo mundo achava que dávamos dinheiro, essas coisas".
Cita, como prova em contrário, o episódio em que um fabricante de papel "quis pagar US$ 1 milhão para cada um" dos três, para intermediarem com o governo a obtenção de licença.
"Eu e o Macedo estávamos precisando muito, mas o Mafuz nunca nos deixava fazer esses negócios."
Em meados dos anos 70, a MPM virou a maior agência do país, posto que manteve na década seguinte. As coisas só mudaram com o governo de Fernando Collor, em 1990.
"Ele tirou todas as contas", diz. Um ano depois, contra sua vontade, mas sob pressão de Mafuz e Macedo, a MPM foi vendida para a Lintas.

FHC E LULA

Corrêa seguiu por conta própria, agora em ação mais direta de lobby. Ele já vinha na linha de frente da proteção institucional às agências desde os anos 60.
Nos 80, foi o primeiro presidente do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), voltado ao conteúdo. Nos 90, partiu para regular as relações comerciais.
Criou e foi o primeiro presidente do Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão), visando garantir parâmetros de remuneração às agências após a derrubada do percentual previsto em lei.
Obteve do governo FHC não só o reconhecimento das normas do Cenp, mas também "a decisão de que contas governamentais não podiam ir para birô de mídia", ameaça que vinha dos EUA.
Depois se aproximou do governo Lula. Apresentou um relatório em defesa da mídia regional "e aí o [ex-ministro Luiz] Gushiken começou a usar veículos do interior, que nunca eram usados".
Como resultado, o número de publicações e emissoras que recebem publicidade da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), que não alcançava 500 em 2003, passou de 8.500 em 2011.
Corrêa também criou e é até hoje presidente do IAP (Instituto para Acompanhamento da Publicidade), que fiscaliza se os planos de mídia são cumpridos.
É um acompanhamento útil para a Secom e as agências que têm contas federais -e pagam por ele-, mas acabou permitindo também uma inédita transparência nos gastos de propaganda.
"Aí o governo de São Paulo queria que eu fizesse isso também", diz Corrêa. "Mas eu me encho tanto com governo, você não imagina."


Apoio à maconha se espalha nos EUA


Apoio à maconha se espalha nos EUA
Segundo instituto Gallup, 49% dos americanos aprovam descriminalização da droga; em 18 Estados ela já é liberada
Colorado planeja um 'maconha-tour' pelo Estado, onde uso da erva é liberado para fins medicinais e recreativos

O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, anunciou que a partir do mês que vem nenhum usuário de maconha vai passar a noite na delegacia, como acontece até agora. "Será registrado, como uma infração no trânsito." "Nossos policiais poderão ser remanejados para atividades mais prioritárias", afirmou.
Há dois meses, o governador de Nova York, Andrew Cuomo, anunciou em seu discurso anual sobre o Estado que apresentaria projeto para legalizar a maconha.
Ambos anúncios foram acompanhados de polêmica quase zero, sem protestos, como tem acontecido nos últimos tempos nos cantos mais liberais dos Estados Unidos.
Segundo o instituto Gallup, 49% dos americanos aprovam a legalização da maconha, quase o dobro do que em 1995 (25%). Assim como o casamento gay, já aprovado por 53% dos americanos, a aprovação cresce a cada ano.
Em novembro, os eleitores do Colorado e de Washington aprovaram em plebiscito o uso da maconha em caráter "recreativo". Os governos estaduais têm até o final deste ano para regulamentar o cultivo, a produção, a venda e a distribuição da erva.
Apesar de a lei federal americana considerar a maconha ilegal, o presidente Barack Obama falou à TV em dezembro que não era "prioridade" perseguir usuários de maconha nos dois Estados.
Em 18 Estados e no Distrito de Columbia, onde fica a capital, Washington, a maconha para uso medicinal já é legalmente liberada.
Por enquanto, só a DEA, a agência de combate às drogas, pediu ao secretário de Justiça e procurador-geral, Eric Holder, para que não deixe de cumprir as leis federais por cima das estaduais recém-aprovadas. Holder ainda não se pronunciou, mas poucos acham que ele contrarie Obama.
APOIO REPUBLICANO
Já há quem pense em faturar com o novo momento da maconha no país. Denver, capital do Colorado, ganhou seu primeiro clube para degustadores da erva, o Club 64, que usa o número da emenda 64, a da legalização, e pode ser frequentado por maiores de 21 anos. O setor turístico do Estado, que abriga a famosa estação de esqui de Aspen, já imagina um "maconha-tour" de simpatizantes ao Colorado.
Uma associação local começou um curso prático de plantio de maconha na União dos Estudantes de Tivoli, na mesma cidade.
Também há um componente econômico na virada de um grande opositor à erva. O líder republicano no Senado, o senador Mitch McConnell, do Kentucky, juntou-se a dois senadores democratas e a outro republicano para apresentar uma emenda que legaliza o plantio de maconha.
Até recentemente, McConnell dizia que a "maconha pode matar".
Na semana retrasada, ao apresentar sua proposta, disse que "os agricultores do Kentucky podem se beneficiar enormemente das possibilidades da produção de canabis." Em Oregon, uma lei estadual já permite plantações que servirão para a demanda do vizinho Estado de Washington, onde o consumo foi liberado.
AJUDA POP
Também como no casamento gay, a cultura pop teve seu papel em ampliar a aceitação.
Depois do sucesso do seriado "Weeds", onde uma dona de casa vendia a erva, em um dos filmes de maior bilheteria do ano passado no país, "Ted", o protagonista e seu amigo ursinho de pelúcia passavam fumando maconha em boa parte da história, chapados, sem julgamento. Sinal de prestígio, o diretor, Seth McFarlane, foi o apresentador do último Oscar.
"Estamos vivendo enorme mudança de costumes e muita gente que jamais fumou maconha acha injusto prender milhares de pessoas que fumavam um baseado. Acabaremos tratando como álcool: taxando, regulando e impedindo o acesso a menores", diz Ethan Nadelmann, diretor-executivo da Aliança para Políticas de Drogas.


'A guerra mudou mais os EUA que o Iraque'


'A guerra mudou mais os EUA que o Iraque'
Para Seymour Hersh, jornalista que revelou torturas em Abu Ghraib, conflito levou à perda de moralismo nos EUA

Eleitor de Obama, ele acredita que pouco mudou no governo democrata em relação aos direitos humanos

O jornalista americano Seymour Hersh, 75, foi o autor de uma das mais bombásticas revelações sobre a atuação americana na guerra do Iraque: as torturas e humilhações contra prisioneiros na prisão de Abu Ghraib.
O local, palco de inúmeras brutalidades no regime de Saddan Hussein (1979-2003), continuou vivendo dias sombrios durante a ocupação americana.
A série de reportagens publicadas entre abril e maio de 2004 na revista "New Yorker", em que detalhou -inclusive com fotos- as práticas, causou grave crise no governo do então presidente George W. Bush e incendiou a discussão sobre os métodos e a legitimidade da ação americana no Oriente Médio.
Dez anos depois das primeiras bombas caírem sobre Bagdá, Hersh diz que o conflito foi decisivo para mudar a política americana.
"Nós não conseguimos mudar o Iraque, mas o Iraque mudou os EUA", disse em entrevista à Folha, em seu escritório em Washington.
"Claro que para o Iraque foi um desastre. Mas aqui nenhum político fala sobre moralidade. Ninguém fala mais em 'nós devemos', esse moralismo não existe mais."
A mudança dessa mentalidade, que marcou fortemente os anos de George W. Bush, parecia impossível de acontecer, segundo Hersh. "Os americanos se levantaram contra isso, para mim foi algo maravilhoso."
Repórter com mais de 50 anos de carreira, Seymour Hersh conhece os caminhos do poder da capital americana. O submundo do serviço secreto e as ações das Forças Armadas são algumas de suas especialidades desde o início da carreira.
Em 1969, como repórter freelancer, foi de sua autoria a reportagem que revelou o massacre de My Lai, no Vietnã. Um ano antes, o Exército americano dizimou a pequena aldeia vietnamita, matando principalmente mulheres e crianças. Foi o maior massacre de civis da guerra do Vietnã.
Como ocorreu em relação ao Iraque quase quatro décadas depois, o episódio ajudou a mudar a visão dos americanos sobre o conflito no Vietnã. Ele, contudo, se diz cético em relação aos efeitos dessas revelações na opinião pública americana.
"Logo após My Lai, uma pesquisa de opinião mostrou que metade dos americanos acreditava no episódio, enquanto a outra metade não. No Watergate [escândalo que resultou na renúncia do presidente Richard Nixon] ocorreu o mesmo. Mesmo após as primeiras reportagens, Nixon foi reeleito. Não acho que isso muda algo. As matérias sobre Abu Ghraib vieram em abril, antes da eleição que reconduziu George W. Bush."
Autor de várias obras sobre a história dos EUA, como uma biografia do ex-presidente John Kennedy, e premiado com o prestigioso Pulitzer, Seymour Hersh trabalha atualmente em um novo livro. Seu tema é o ex-vice-presidente Dick Cheney e o sistema de inteligência que orbitava em torno do segundo homem do governo Bush.

GOVERNO DEMOCRATA

A influência de Cheney foi determinante para os EUA invadirem o Iraque sob a falsa alegação de que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa. "Nós fomos lá, isso é imoral. Não apenas errado, mas imoral."
Eleitor de Barack Obama, ele diz que pouco mudou na conduta do governo democrata em relação aos direitos humanos -para ele, os EUA continuam a adotar em outros países atitudes contrárias aos próprios valores de sua Constituição.
"Nada mudou em relação a isso [direitos humanos]", diz. "Obama é melhor e mais inteligente do que Bush, mas tudo continua muito difícil."
A prisão de Guantánamo, em Cuba, mantida pelos EUA há décadas, é um exemplo.
"Muitos saíram de lá, mas a prisão continua em funcionamento. Alguns presos estão em Guantánamo há 11, 12 anos, isso tem um custo. Os americanos estão preocupados? Talvez uma parte muito pequena, mas a grande maioria não se importa com isso."
Quando eleito, em 2008, uma das primeiras promessas de Barack Obama era fechar a prisão, que segue aberta, abrigando prisioneiros suspeitos de terrorismo.


quinta-feira, 21 de março de 2013

Morre o cantor Emílio Santiago, no Rio de Janeiro


Morreu nesta quarta-feira (20), aos 66 anos, o cantor Emílio Santiago. Emílio estava internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Samaritano, em Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro, depois de sofrer um AVC (acidente vascular cerebral) no dia 7 de março.
De acordo com o hospital, Emílio morreu às 6h30 da manhã. Ele teve complicação no quadro clínico de AVC (Acidente Vascular Cerebral) isquêmico - quando falta circulação de sangue no cérebro. "Infelizmente foi confirmada a morte do Emílio", contou a assessora do cantor, Eulália, ao UOL
O corpo do cantor será velado nesta quarta-feira na Câmara de Vereadores, às 12h, na Cinelândia, no Rio de Janeiro, e será aberto ao público. O enterro está marcado para quinta-feira (21), às 11h, no Cemitério Memorial do Carmo, no túmulo que Emílio comprou em 2006 para a mãe.
Nascido no Rio de Janeiro em 6 de dezembro de 1946, Emílio Santiago era formado em Direito, mas o vício em ouvir Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto e João Gilberto em casa falou mais alto. Com o incentivo de amigos, participou de festivais e concursos musicais, chegando a se apresentar no programa "A Grande Chance", de Flávio Cavalcanti.
A voz marcante, que embalava de baladas a sambas cheios de swing, conquistou críticos e fãs e o primeiro LP, com seu nome, foi lançado em 1975, com canções de Ivan Lins, João Donato e Nelson Cavaquinho.
O sucesso chegou ao cantor de vez em 1988, ao lançar o disco "Aquarela Brasileira", primeira parte de um projeto de sete volumes, dedicado exclusivamente à música brasileira. A série de gravações ganhou uma versão ao vivo, "O Melhor das Aquarelas Ao Vivo", em 2005.
O último disco de Emílio Santiago foi "Só Danço Samba (Ao Vivo)", lançado em 2012, junto com um DVD. O cantor estava com quatro shows programados para o mês de março: dia 13 em Campinas (SP), dia 16 na quadra da Portela, no Rio, e nos dias 22 e 23 na capital paulista.

Texto do UOL Notícias.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Tortura (VI): Pega, mata e come

O sr. Heinz tem uma boa quantia de dinheiro no banco. A mulher dele sofre de um câncer raro e pode morrer a qualquer momento. Vem a notícia: um novo remédio pode ser comprado na farmácia.
O farmacêutico da cidade, entretanto, cobra uns US$ 20 mil pela medicação. O sr. Heinz sabe que ele está tendo um lucro abusivo. Propõe pagar só US$ 5.000, um preço justo. O farmacêutico recusa.
O que você faria no lugar de Heinz? Assaltaria a farmácia para levar o remédio ou se resignaria à morte de sua esposa?
O dilema é interessante, e foi apresentado por Lawrence Kohlberg (1927-1987) num estudo sobre as fases do desenvolvimento moral nas crianças e nos adultos.
Uma criança, mostra Kohlberg, segue a cartilha: "É feio roubar". Ou, então, é mais pragmática: "Ninguém vai descobrir, porque ele roubou uma coisa pequena".
Conforme crescem, as pessoas elaboram raciocínios mais complexos. "Heinz roubou, mas foi para fazer o bem." Outro contestará: "A regra deve valer para todos, se não seria o caos".
Num estágio mais avançado de reflexão, alguém pode perguntar: "Mas essa regra é boa?". Ou ainda: "Em que medida os direitos individuais podem falar mais alto do que uma lei democrática?".
Os trabalhos de Kohlberg são, como se vê, fascinantes. Interessa notar que, para o autor, não importa muito se o entrevistado aprova ou não o roubo do remédio. Interessa o tipo de raciocínio, simplista ou sofisticado, com que se fundamenta a resposta dada.
Fiz correndo a minha lição de casa. Contardo Calligaris invocou as teorias de Kohlberg, no seu artigo da semana passada; eu não fazia ideia de quem era Kohlberg.
Para Contardo, o pensamento moral envolve dúvidas desse tipo, e não há como escapar de dilemas difíceis. Querer evitá-los é simplesmente seguir cegamente uma cartilha; é ser moralista e rígido, é coisa de gente totalitária.
Não discordo, embora possa ser estranho dizer a alguém: "Você é totalitário, segue a cartilha dos direitos humanos".
Sigo, sim, a cartilha dos direitos humanos e, por isso, abomino, por exemplo, a tortura. Claro que pode haver uma situação excepcional em que nenhuma cartilha valha.
Contardo propôs uma dessas situações excepcionais, no caso da tortura ("Ilustrada", 21/2). Uma criança morrerá sufocada dentro de uma hora se o seu sequestrador não confessar o lugar do cativeiro. Você tortura ou deixa a criança morrer?
Não sou contra dilemas morais. Mesmo Kant, ao contrário do que sugere Contardo, pensa em termos de hipóteses.
O problema da pergunta de Contardo, a meu ver, é que não coloca nenhum dilema moral verdadeiro. Apresenta uma situação extrema e "hollywoodiana". Não estamos no plano das hipóteses, mas de uma ficção, como as dos seriados de Jack Bauer.
Fugimos do mundo moral para entrar num ambiente de desespero e de força maior. "Que se dane, você tem só 60 minutos para agir."
No caso de Heinz e do farmacêutico, há o conflito entre uma consideração pessoal e uma lei abstrata. Família ou sociedade? Marido ou cidadão? Roubo justo ou legalidade injusta? Resigno-me a algo que é da ordem normal das coisas (morre-se de câncer por falta de remédio) ou posso dar um passo adiante?
A questão da criança sufocada não tem sutilezas. Agarra-me pelo pescoço. Resume-se, na verdade, a uma pergunta bem mais simples. O que é pior, uma criança inocente ser sufocada ou um criminoso ser torturado?
É claro que quem faz a pergunta sabe perfeitamente a resposta. Não se trata de um dilema moral plausível para ninguém. Trata-se, na verdade, de uma pergunta de torturador. Eu me reservo o direito de não respondê-la. É como se me perguntassem: "Quem é mais burro, um negro ou um índio?". Não quer responder? Nossa, como você é antidemocrático! Detesta debater, hein?
A questão da tortura não foi inventada no sentido de sofisticar o meu pensamento moral, mas de embrutecê-lo. Volto ao exemplo que dei em artigo anterior. Se você estiver morrendo de fome num naufrágio, você mataria o seu companheiro para sobreviver na base do canibalismo?
Sim? Não? Como saber? Depende da minha fome, do meu desespero, da minha coragem, do meu medo. Coisas muito concretas.
Mas numa situação dessas não posso dizer que estaria agindo livremente, como sujeito moral. Estou à mercê de uma força maior do que a minha consciência.
É esse o tipo de "dilema" que alimenta os regimes totalitários.


Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo.

Tortura (V): Algumas diferenças

Em sua última coluna ("Dilemas e cartilhas", "Ilustrada", 7/3), Contardo Calligaris levantou uma série de objeções interessantes a respeito dos problemas indicados por mim e por Marcelo Coelho sobre sua maneira de insistir em certos paradoxos morais. Talvez esta seja a ocasião de levantar dois pontos que reflexões sobre filosofia moral não podem negligenciar.
Primeiro, a discussão sobre a eficácia de determinadas ações não pode sustentar-se na limitação artificial de suas consequências. Nesse sentido, falar em eficácia da tortura é tão racional quanto perguntar-se sobre a eficácia de um remédio contra dor de dentes, mas que infelizmente provoca ataque cardíaco.
Tomemos o exemplo das torturas (de eficácia duvidosa, diga-se de passagem) feitas para encontrar e matar Bin Laden. O que elas produziram? Notem que o verdadeiro objetivo nunca foi matar Bin Laden, mas transformar os EUA em um "lugar mais seguro". Nesse sentido, tais torturas apenas deixaram o verdadeiro objetivo ainda mais longe.
Antes, os cidadãos norte-americanos viviam em um país cujos governantes não temiam recorrer a torturas, execuções extrajudiciais, quebras de liberdades individuais e vazios jurídicos, quando entendiam que o país corria perigo, mas precisavam fazer isso em silêncio. Hoje, eles vivem em um país que não vê problema em declarar abertamente que faz tudo isso, como se esse fosse um mal menor diante do verdadeiro problema.
Assim, além da insegurança provocada pela Al Qaeda, agora os norte-americanos devem levar em conta a insegurança provocada pelo seu próprio governo, envolto em um estado de exceção permanente.
Segundo ponto: a enunciação de um "paradoxo moral" não pode negligenciar a experiência histórica a ele normalmente associado.
Durante décadas, "paradoxos" do tipo "você torturaria alguém com informações que poderão salvar a vida de seu filho" foram usados como a premissa maior de argumentos do gênero: "Da mesma forma que um pai deve proteger seu filho, governantes devem proteger seu povo; logo...".
Ignorar que a enunciação desse paradoxo porta uma experiência histórica dessa natureza não é moral. Esse é o problema de pensar questões morais de maneira abstrata, negligenciando a maneira com que certos enunciados circulam na história.
Diga-se de passagem, nunca entendi porque os interessados em paradoxos morais no Brasil raramente colocam problemas do tipo: "Alguém que certamente será torturado, provavelmente até a morte, bate à porta de sua casa pedindo ajuda. Caso aceite, você colocará em risco a tranquilidade de sua família.
O que fazer?".


 Texto de Vladimir Safatle, publicado na Folha de São Paulo.

VLADIMIR SAFATLE es

terça-feira, 12 de março de 2013

Queman barrio cristiano en Pakistán

Islamabad. La policía de Pakistán detuvo ayer a más de 150 personas, un día después de que una turba de tres mil musulmanes provocó un incendio en el barrio cristiano de Lahore, que dejó un saldo de 178 viviendas quemadas. Miles de cristianos se manifestaron en varias ciudades del país en demanda de mayor protección a su minoría religiosa, equivalente a menos de 2 por ciento de la población.


Notícia do La Jornada, do México.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Desnudando o dilema de Israel


 Quem se interessa pelo Estado de Israel e por tudo que os 46 anos de ocupação da Cisjordânia representam para a alma da nação deve assistir ao extraordinário documentário "The Gatekeepers" [Os guardiões], de Dror Moreh. Ver meia dúzia de ex-chefes do Shin Bet (o serviço de segurança interna de Israel) refletindo sobre a inutilidade dos seus esforços é compreender algo fundamental no impasse em que o Estado judaico se encontra hoje.
Esses homens são israelenses, patriotas e passaram cada minuto das suas vidas profissionais tentando manter a segurança em um ambiente hostil.
Eles penetraram casa a casa em aldeias árabes, recrutaram informantes palestinos, obtiveram confissões de prisioneiros em interrogatórios, reuniram documentos, filtraram informações, conceberam tramas para matar líderes do Hamas, seja com uma bomba ou explodindo um celular, atormentaram-se com os danos colaterais e, no final, foram forçados a admitir que todos esses esforços não podem mascarar um fato fundamental: "A tragédia do debate sobre segurança pública em Israel", diz Ami Ayalon, que dirigiu o Shin Bet de 1996 a 2000, "é que ganhamos todas as batalhas, mas perdemos a guerra".
Talvez haja aí certo exagero. Em quase meio século desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel se transformou em um Estado moderno e altamente tecnológico, ao passo que seus vizinhos palestinos continuam atolados no pântano da apatridia. Mas esse filme não é sobre o material. Ele aborda o dilema ético, por meio das vozes desses homens que chegaram ao final das suas vidas profissionais e agora se fazem perguntas.
O que ele transmite, acima de tudo, é o dano inexorável infligido a uma nação que tenta governar e controlar as vidas dos agora 2,6 milhões de palestinos subjugados na Cisjordânia.
Talvez os personagens mais tocantes e complexos sejam Avraham Shalom, diretor do Shin Bet de 1981 a 1986, e Carmi Gillon, que comandou a organização de 1994 a 1996.
Shalom, de suspensório vermelho, em alguns momentos parece um benigno professor universitário e, em outros, faz avaliações inclementes ("Com terroristas, não há moral").
Já Gillon claramente ainda é assombrado por não ter sido capaz de proteger o premiê Yitzhak Rabin do seu assassino de ultradireita, Yigal Amir (o Shin Bet o monitorou, mas concluiu que ele não era uma ameaça). Questionado sobre como foi falar sobre isso com sua mulher no dia do assassinato, Gillon diz com toda franqueza que ela o manteve vivo. Ele parece próximo das lágrimas. Amir alcançou seu objetivo: a paz morreu com suas balas.
Gillon diz que Israel está "tornando insuportável a vida de milhões". Shalom diz que a presença israelense na Cisjordânia é comparável a "forças de ocupação brutais, similares às alemãs na Segunda Guerra Mundial" -não é, ressalva, uma comparação com as ações nazistas contra os judeus, mas com os Exércitos de ocupação alemães na Holanda, Tchecoslováquia e outros países da Europa.
Tais declarações, vindas de homens encarregados da segurança da ocupação, são extraordinárias por sua honestidade.
É claro que seis homens falando não fazem um filme de 97 minutos. Mas Moreh fez um trabalho notável ao montar imagens que contam o drama da ocupação inicial, da Guerra do Líbano, da primeira e da segunda intifadas, do crescimento do Hamas, dos acordos de Oslo -com a mão relutante de Rabin se erguendo para encontrar a de Iasser Arafat no jardim da Casa Branca- e da ascensão de uma violenta direita nacionalista-religiosa em Israel, que vê a ocupação como a concretização do sonho do Eretz Israel (termo bíblico que se refere à área entre o Mediterrâneo e o rio Jordão, abrangendo toda a Cisjordânia).
O sentimento dominante que o filme engendra é o da oportunidade perdida e da futilidade.
Nem os judeus nem os árabes irão embora, e a violência no final só gera mais violência.
A amarga frustração desses agentes inteligentes e qualificados é a de homens que viram o sonho sionista ser abalado pelas tentações de poder absoluto. A ocupação não só abalou os ideais de Israel, ela também exacerbou a divisão entre laicos e religiosos dentro de Israel.
No entanto, há uma nota de esperança: a própria abertura desses homens, cujas vidas inteiras foram dedicadas ao trabalho sigiloso.
É duvidoso que alguma outra sociedade no Oriente Médio pudesse ter produzido tamanha franqueza pública a respeito de um tema tão delicado.
O melhor de Israel ainda está aí. O que falta para trazer isso à plena luz do dia é coragem -uma coragem que teria de ser correspondida pelo lado palestino.


Texto de Roger Cohen, no The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo.



domingo, 10 de março de 2013

Brasil sustentou ditadura chilena

Fedeu!
Era certo que a abertura dos arquivos da nossa ditadura verde-oliva faria estragos na autoimagem dos nossos golpistas cívicos e teimosos.
Matéria da Folha de S. Paulo diz:
“Documentos secretos do gabinete dos ex-ministros das Relações Exteriores revelam que a ditadura brasileira (1964-1985) deu uma ajuda financeira de US$ 115 milhões à ditadura chilena do general Augusto Pinochet, que assumiu o poder após golpe de Estado no Chile, em 1973. O dinheiro foi enviado em três parcelas para aquisição de equipamentos militares. Relatório considerado “secreto” e “urgente”, em 26 de outubro de 1976, afirma que o Brasil prestava “importante ajuda”, inclusive financeira, ao governo Pinochet. O empréstimo foi feito a juros camaradas, que podiam ser pagos em até dez anos, em prestações semestrais. Em valores atualizados, o valor corresponderia a R$ 1,3 bilhão”.
O Brasil foi a Cuba da ditadura chilena.
O Brasil foi os Estados Unidos de Pinochet.
O Brasil foi a União Soviética do pinochetismo.
Financiou o fascismo do vizinho.
Colaborou generosamente para a compra de equipamentos que serviram à tortura, ao extermínio de opositores e aos interesses de um ditador.
Vem mais coisa por aí.
A solidariedade entre ditaduras é comovente.
Faz pensar em parasitas unidos para devorar uma presa.
Tudo, claro, acima de ideologias.
Que ideologia é coisa de esquerda.
 
 
 
 Do blog do Juremir Machado da Silva.
D

sexta-feira, 8 de março de 2013

Nós - somente nós - estamos no mapa


No último verão, a polêmica demissão de Adar Cohen do cargo de supervisor de estudos cívicos do Ministério da Educação, bem como a interdição de livros escolares tanto de história como livros cívicos ocorrida durante a década passada ou em torno disso (incluindo “Olam shel Tmurot”, editado por Danny Yaakobi; “Bonim Medina Bemizrah Hatihon”, por Eliezer Domke, Hanna Orbach e Tsafrir Goldberg; e “Yotzim Ladereh Ezrahit”, por Bina Galdi, Asaf Matzkin e Nisan Nave), são acontecimentos que remetem ao fato de que tais livros ainda são considerados instrumentos essenciais na formação da identidade e da visão de mundo dos estudantes.

Uma análise linguística e semiótica dos mais de 20 livros didáticos de geografia e de história publicados entre 1994 e 2010 e destinados tanto ao sistema escolar secular administrado pelo governo como pelas escolas independentes vinculadas aos ultra-ortodoxos mostra que os livros didáticos de Israel visam reforçar uma marca territorialista da identidade judaica. Tal identidade situa os modernos israelenses como descendentes diretos dos heróis bíblicos.

Os livros didáticos israelenses precisam ser aprovados pelo Ministério da Educação. Por conta disso, apesar das diferenças existentes entre eles, todos igualmente partem de um mesmo pressuposto básico, a saber, uma identidade que considera como dados: os direitos históricos dos judeus sobre a Palestina; a existência do sionismo como a resposta dada aos judeus de 2000 anos atrás para o seu país; a contínua presença do antissemitismo, da hostilidade árabe e da ameaça árabe; e a necessidade de uma maioria judaica acompanhada de um controle dos cidadãos israelenses a fim de manter o caráter e a segurança do Estado.

A História, segundo o historiador Keith Jenkis, é um “campo de força”, ou seja, uma cadeia de linhas de ação que organiza o passado com base em (e em proveito de) interesses estabelecidos. Isso inclui e ao mesmo tempo exclui, aproxima certos pontos de vista do centro da arena enquanto outros são empurrados para a margem, e isso ocorre de diferentes maneiras e em graus variados, de acordo com as forças que agem sobre os pontos de vista a incluir ou a excluir.

A observação de Jenkins pode ser aplicada inclusive aos livros didáticos de geografia de Israel, sendo particularmente apropriada no caso dos mapas. Muitos deles incluem ou excluem certos pormenores geográficos ou políticos. Dentre os textos de geografia que examinei, todos tinham como título “Israel” ou “Terra de Israel”, mas nunca “Estado de Israel”. A única exceção foi “Israel: o homem e o espaço”, de Zvia Fine, Meira Segev e Raheli Lavi (Centro de Educação Tecnológica). Contudo, apesar de este texto em sua introdução apresentar seu assunto como “Estado de Israel”, ele omite as fronteiras pré-1967 – começando pelo primeiro mapa (de Israel e seus vizinhos) –, enquanto inclui os territórios ocupados, ignorando que estes nunca foram anexados ao Estado do ponto de vista legal.

Em um mapa que retrata a presença da população árabe em Israel, o livro informa que “não há estatísticas” para os territórios palestinos, cujos habitantes são descritos no texto como “trabalhadores estrangeiros”. Tal método, pelo qual a terra é tida como conquistada enquanto a existência das pessoas que nela vivem é ignorada, é conhecido por “silêncio” geográfico ou toponímico. Segundo A. K. Henrikson, o silêncio geográfico consiste em “espaços vazios, silêncios de uniformidade, de estandardização ou exclusão deliberada, o ato proposital de ignorar ou mesmo repressão de fato”.

Os silêncios geográficos no livro de Fine, Segev e Lavi expressam-se no fato de as cidades e povoados árabes – incluindo Nazaré e Acre, cidades mistas localizadas ao interior das fronteiras de 1967 – não terem sido marcadas, e pela ausência de instituições palestinas. Isso ocorre, por exemplo, em um mapa de universidades, que inclui todos os campi, bem como faculdades judaicas independentes nos territórios (em Alon Shvut e Elkana), mas nenhuma das universidades palestinas. O mapa de emprego aponta nos territórios os locais de trabalho israelenses, mas não os palestinos. Além disso, enquanto há um mapa com os “sítios nacionais, sítios culturais, [e] instituições administrativas e governamentais” em Jerusalém, não há referência alguma – com exceção do Muro das Lamentações – em relação à parte árabe de Jerusalém Oriental.

Surpreendentemente, um texto de geografia para o sistema escolar independente ultra-ortodoxo, “Sfat Hamapa”, de P. Dina (Yeshurun Press), é excelente. Ele assume uma clara postura ideológica, colocando nos mapas as fronteiras de 1967, e pondo questões que levam os estudantes para o cerne da questão. Por exemplo: “Considere por que motivo é muito importante saber as fronteiras precisas da Terra de Israel tal como elas são representadas na Torá.” “Por que as Colinas de Golã são tão importantes para nós?” “O que é a Linha Verde?” “Dê os nomes de alguns assentamentos judaicos construídos para além das fronteiras de 1967.” “Corte e cole artigos de jornais que tratem da controvérsia a respeito dos assentamentos em 'territórios ocupados' para além da Linha Verde.”

Ao pesquisar nos livros didáticos usados em escolas seculares geridas pelo Estado, observei haver justificativas para a ocupação amparadas em versículos bíblicos. No livro didático de geografia “Artzot Hayam Hatihon”, de D. Vadaya, H. Ahlman e J. Mimouni (Maalot Press), usado pelas classes de quinta série desde 1996, a seção “Um mar e seus muitos nomes” em verdade não apresenta os nomes que diferentes povos que vivem nas margens do Mar Mediterrâneo lhe dão. Ao invés disso, o texto oferece citações bíblicas: “Fixarei teus limites desde o mar Vermelho até o mar dos filisteus” (Êxodus, 23:31); “As vossas fronteiras se estenderão desde o deserto do Líbano e desde o rio Eufrates até o mar ocidental” (Deuteronômio 11:24). O título do mapa é “Ao norte e ao sul, ao oriente e ao ocidente” (Gênesis 13:14), com a explicação: “O sentido do verso consiste em que, no futuro, o seu país estender-se-á para o oeste, o leste, norte e sul”. O título aparece à direita do mapa intitulado “Israel”, e inclui todos os territórios ocupados sem quaisquer linhas de demarcação. A inclusão da Bíblia em um livro didático confere um selo científico de aprovação a uma profecia, ao mesmo tempo em que confere dimensão sagrada a um livro de geografia.

Um árabe com um camelo
Em um estudo publicado há oito anos, Ruth Firer, do Truman Institute for the Advancement of Peace, vinculado à Universidade Hebraica de Jerusalém, escreveu que “tão logo o politicamente correto chegou a Israel, tornou-se inconveniente o uso de linguagem áspera e discriminatória em livros didáticos”. Não obstante, nos livros que examinei em meus estudos, nenhum deles contém uma descrição ou imagem dos palestinos – seja dos que vivem nos territórios, seja dos que vivem em Israel – como modernos ou urbanos, como empregados na produção ou em profissões de prestígio.

Os refugiados palestinos são representados como pessoas que querem entrar em Israel e não como aqueles que desejam retornar para a sua terra natal; cidadãos árabes-israelenses são representados como o inimigo interno, uma ameaça demográfica e uma minoria inferior à maioria judia – individualmente, socialmente e economicamente. Os palestinos figuram nos textos apenas como representativos dos problemas que eles causam a Israel – atraso e terrorismo – ou como parte do “problema dos refugiados” que “envenenou as relações de Israel com o mundo árabe e a comunidade internacional por mais de uma geração”, segundo Elie Barnavi e Eyal Naveh em seu livro didático de história, “Tempos Modernos 2” (Sifrei Tel Aviv Press).

As únicas imagens de palestinos nos livros didáticos de história por mim examinados retrata refugiados descalços descendo por uma via não identificada (“Idan Ha’ayma Vehatikva”, de Ketzia Avieli-Tabibian, Matah Press‏); tendas em um local e época não identificados (“Hale’umiut Bayisrael Uba’amim,” de Eyal Naveh, Naomi Vered e David Shahar, Rekhes Press‏); terroristas mascarados ‏(“The 20th Century,” de Barnavi, Sifrei Tel Aviv Press‏); e lavradores atrás de um arado puxado por bois ‏(“Anashim Bamerhav”, de A. Rapp and Z. Fine, CET Press‏). O livro “A geografia de Eretz Israel”, de Y. Aharoni and T. Saguy ‏(Lilach Press‏), traz uma caricatura de um homem com um bigode e vestindo um kaffyeh, ou conduzindo um camelo ou montado em um, e frequentemente acompanhado por uma mulher curvada, por crianças e, às vezes, por um velho Beduíno – o texto refere-se sempre aos “árabes”. Tais são as imagens que moldam a maneira como os estudantes judeus de Israel veem árabes e palestinos, não apenas aqueles que são seus vizinhos, mas também aqueles que são seus conterrâneos, cidadãos israelenses.

Foi um milagre.

Os livros didáticos de história retratam de maneira abundante os palestinos como parte de um problema nefasto, algo que poderia assemelhar-se a um desastre natural; aos estudantes são mostradas imagens de ruas vazias e inundadas com água, ou fotos aéreas de construções densas em campos de refugiados vazios. A culpa para este problema sem fim é imputada às vítimas, ou seja, aos refugiados que não se incorporaram aos países árabes, bem como aos líderes dos países árabes que se recusaram a absorvê-los. Os estudantes leem que o problema é conveniente aos líderes árabes, sobretudo como propaganda anti-Israel. Por exemplo, Naomi Blank argumenta em seu livro didático de história “Pnei Hame’a Ha’esrim” ‏(A face do século 20, Yoel Geva Press‏) que “a questão dos refugiados remete a um problema insolúvel, que alimenta o conflito no Oriente Médio, joga lenha na fogueira /.../. Líderes dos Estados árabes têm usado os refugiados palestinos como um instrumento em proveito de seus interesses políticos”.

Enquanto o currículo tem como diretriz oferecer uma apresentação de uma variedade de posições a respeito de problemas relevantes, os pontos de vista dos palestinos nos campos da política, da cultura e da economia são excluídos. Em “Bonim Medina Bemizrah Hatihon”, frequentemente citado no relatório Bar-Tal/Adwan, os autores Domke, Orbach e Goldberg tentaram incluir o ponto de vista de um historiador palestino, Walid Khalidi, acerca dos refugiados. Este intento fez com que o livro passasse a ser rejeitado pelo Ministério da Educação. O historiador israelense Benny Morris foi chamado para, em uma versão corrigida, reapresentar a perspectiva palestina.

Outros livros também desconsideram historiadores não israelenses exatamente na medida em que seus autores pretendem estar eles próprios representando os múltiplos pontos de vista acerca das controvérsias entre israelenses e árabes. Abraham Hadad, em “Toldot Yisrael Veha’amim Betkufat Hashoah Vehatekuma” ‏(Dani Press‏), e Shula Inbar em “50 Shenot Milhamot Vetikvot” ‏(Lilach Press‏) oferecem suas próprias interpretações para o tópico “a posição árabe”. De acordo com estes autores, os palestinos provocaram o desastre que os acomete e os líderes dos países árabes querem que o desastre continue. A fuga dos palestinos em 1948 é descrita, em todos os livros que pesquisei, como uma “migração em massa” ou como uma “temerosa retirada” originada por pequenos atos não planejados de expulsão, mas em sua maior parte por rumores exagerados acerca da crueldade dos judeus, que permanece como mito nas narrativas palestinas, tal como descrito no livro “Haleumi’ut Bayisra’el Uba’amim”. Em seu livro, Inbar descreve como David Ben-Gurion visitou o povoado de Salameh e tentou, sem sucesso, entender as razões de uma velha mulher cega para a fuga.

Muitos dos livros didáticos apoiam explicitamente a recusa de Israel em permitir o retorno dos refugiados, sendo que alguns deles expõem em detalhes como Israel tem atuado para prevenir-se de que isso aconteça. O resultado dessa política é enfatizada por todos como sendo algo positivo para os judeus. Bar Navi (1998), considerado por Firer e Adwan (2004) como “progressista”, afirma que a “fuga em massa” dos árabes de Israel causada pelo massacre de Dir Yassin “solucionou um problema demográfico de grande envergadura” “e mesmo uma pessoa ponderada como (o primeiro presidente) Haim Wiezman disse que esse episódio foi um milagre”. Esse livro “progressista” não é diferente dos livros ultra-ortodoxos que dizem: “Foi um milagre que os árabes de Haifa, Katamon (nas redondezas de Jerusalém) e Jaffa tenham ido embora e deixado tudo nas mãos de judeus”, escreve Yekutiel Fridner em seu livro para o sistema escolar independente ultra-ortodoxo “Toldot Hadorot Ha’ahronim: Yisrael Ve’umot Ha’olam Metkufat Hamahapaha Hatzarfatit ad Lamilhemet Sheshet Hayamim” (Yeshurun Press). Direitos Humanos e Direito Internacional não são de modo algum discutidos.

Foi apenas uma campanha
Nestes livros, massacres cometidos pelas Forças de Defesa de Israel ou pelas forças militares Haganá, Irgun e Lehi – que ocorreram antes da fundação do Estado – tornaram-se “ações”, “campanhas”, “histórias” e “batalhas”, ou mesmo “ações punitivas”. O massacre de Deir Yassin, ocorrido em 1948, o massacre em Kafr Qasem em 1956 e o ocorrido no povoado jordaniano de Qibya em 1953 são apresentados como ações que tiveram resultados positivos (ignorando a condenação pela comunidade internacional e o mal-estar de lideranças políticas). Tais resultados incluem uma faixa contínua de assentamentos judaicos no corredor para Jerusalém, uma aceleração da “retirada rápida” dos árabes palestinos (como em Deir Yassin), a elevação na moral das tropas e a segurança dos cidadãos israelenses (como em Qibya), e uma oportunidade para declarar que os soldados não poderiam cumprir ordens que fossem obviamente ilegais e o início do processo de desmantelamento do governo militar de Israel nos territórios (Kafr Qasem). A lição que se tira de todos os livros didáticos que examinei é que todas as injustiças que os israelenses cometeram são justificadas caso previnam a injustiça que possa talvez ser cometida contra nós.

Há apoios visuais que acompanham estes materiais, mas as imagens e outros materiais adicionais dão enfoque para os soldados israelenses, não para as atrocidades que eles possam ter cometido nem tampouco para as vítimas de tais atrocidades. O texto que descreve o massacre de Deir Yassin no livro “Idan Ha’eima Vehatikva”, por exemplo, aparece logo depois de uma imagem de soldados israelenses nas ruínas da fortaleza de Kastel, próximo do local onde ocorreu o massacre, bem como da letra da canção popular “Shir Hare’ut”, que fala da camaradagem entre os soldados. Já no livro “Hale’umi’yut Beyisra’el Ube’amim”, há uma descrição do massacre em Qibya ao longo da qual soldados da Unidade 101 são retratados como modelos de coragem, ousadia, devoção e adjetivos semelhantes, ao passo que “Idan Ha’eima Vehatikva” mostra uma foto de Ariel Sharon e seus combatentes, acompanhado de Moisés Dayan, que veio para congratulá-los por sua “missão” bem-sucedida em Qibya, figurando ainda a letra da canção popular “Hasela Ha’adom”, que fala da coragem imprudente de rastejar pela margem do Rio Jordão para visitar a cidade antiga de Petra.

As vidas e o sofrimento das vítimas não gozam de nenhum “tempo papel”, para usar uma expressão do filósofo Roland Barthes [NT: O “tempo papel” diz respeito à apresentação da História através da enunciação, do discurso ou da narração, que varia segundo as opções do narrador. Segundo Barthes, o “tempo papel” contrasta com o “tempo histórico (ou cronológico)”, no qual os acontecimentos históricos efetivamente se passam]. Nesses livros, as descrições de massacres não geram empatia para com as vítimas nem solidariedade humana para com sua dor.

Chances para a paz
Um aspecto comum de todos os livros didáticos estudados é a descrição dos palestinos, tanto daqueles que são cidadãos do Estado de Israel como daqueles que habitam nos territórios, vistos como um problema a ser resolvido. Uma solução de paz para o conflito é insistentemente retratada como sendo impossível, e os palestinos são sempre culpados pela violação dos cessar-fogo e acordos. (As violações dos Acordos de Oslo por Israel são descritas como atos de extremistas, tal como Baruch Goldstein, o médico israelense que assassinou 29 devotos palestinos na Caverna dos Patriarcas em 1994).

O autor do livro didático ultra-ortodoxo Yekutiel Fridner assume o orgulho da astúcia de Israel em assegurar-se de que a Resolução 242 das Nações Unidas definisse a retirada das forças de Israel de “territórios” ocupadas na Guerra dos Seis dias, ao invés de falar “dos territórios”, dando a entender que se tratavam de alguns deles, e não de todos eles. Tais palavras, exulta Fridner, permitiu a Israel manter o controle de partes da Cisjordânia quando esta foi dividida em áreas administrativas – incluindo o assentamento Gush Etzion, Beit El e Ariel, e partes de Jerusalém Oriental. Ele acrescenta que enquanto “os palestinos ‘comprometeram-se’ em dar aos judeus acesso a sítios judaicos sagrados, estas promessas não tinham muito valor”.
Em suma, os livros didáticos que examinei tendem a alimentar nos estudantes hostilidade para com e alienação e ignorância a respeito das vidas, da cultura, dos líderes e das potenciais contribuições dos palestinos para a nossa sociedade e país. Nenhum dos livros contém uma alusão sequer aos benefícios que a paz pode trazer.

Dito isso, só posso tirar a seguinte conclusão: não apenas falta educação para a paz em Israel, como os livros didáticos usados nas escolas judaicas em Israel estão educando ativamente para o ódio. Professores interessados em leituras críticas da história e geografia, ou em educação para a paz, necessitam de um treinamento para lidar com as maneiras pelas quais os livros didáticos à disposição passam suas mensagens politicamente carregadas, e tudo que diga respeito a isso. Esse preparo é vital para Israel, cujos livros didáticos representam ideologias políticas e sociais poderosas e sacralizadas, e um sistema educacional que torna difícil para professores e estudantes desenvolver o pensamento crítico e com isso incidir sobre o discurso padrão, ou envolverem-se em debates sobre a realidade e justiça desse discurso.

*Profª Nurit Peled-Elhanan é professora conferencista em educação e linguagem na Universidade Hebraica de Jerusalém. Esse ensaio é baseado em suas análises linguísticas e semióticas de mais de 20 livros didáticos de geografia e história, publicados entre 1994 e 2010, para uso tanto em escolas públicas administradas pelo governo como em escolas independentes ultra-ortodoxas. As conclusões finais do estudo foram publicadas recentemente em seu livro “Palestine in Israeli School Books: Ideology and Propaganda in Education” ‏(I.B. Tauris‏).

Tradução: Antônio David.

Revisão da tradução: Sarah de Roure.

Referência da publicação da versão original: http://www.haaretz.com/culture/books/we-and-only-we-are-on-the-map-1.479038 (OBS: a tradução foi feita sobre uma versão ampliada que recebemos diretamente da autora).


Fonte: Carta Maior.