quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Islândia é o primeiro país ocidental a reconhecer Palestina como estado independente

Islândia é o primeiro país ocidental a reconhecer Palestina como estado independente

Parlamento reconheceu fronteiras anteriores a 1967 e direitos dos refugiados
 
A Islândia tornou-se nesta quarta-feira (30/11) o primeiro país da Europa Ocidental a reconhecer a Palestina como um Estado independente. A medida foi aprovada por 38 votos em um Parlamento composto por 63 assentos. A medida foi aprovada no mesmo dia em que a ONU (Organização das Nações Unidas) celebra o "dia anual de solidariedade" com o povo palestino. As informações são do jornal israelense Haartez.
 
"A Islândia é o primeiro país da Europa Ocidental a tomar este passo. Tenho agora a autoridade formal para declarar o reconhecimento da Palestina", disse o ministro de Relações Exteriores islandês, Ossur Skarphedinsson à TV estatal RUV.
 
Segundo a decisão, a Islândia reconhece o Estado Palestino baseado nas fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias, em 1967. A medida também pede o fim da violência entre as duas partes e reconhece o direito dos refugiados palestinos a voltarem para suas terras de origem.
 
"Ao mesmo tempo, o Parlamento clama que israelenses e palestinos busquem um acordo de paz com base na legislação internacional e as resoluções da ONU, que incluam o reconhecimento mútuo do Estado de Israel e do Estado da Palestina", diz o texto.
 
 
 
Notícia vista no Opera Mundi.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Cuba lidera combate ao cólera no Haiti

Cuba lidera combate ao cólera no Haiti

Por RANDAL C. ARCHIBOLD

MIREBALAIS, Haiti - Desde outubro de 2010, quando uma missão médica cubana detectou o primeiro caso de cólera no Haiti, a doença já atingiu mais de 476 mil pessoas -quase 5% da população- e causou 6.600 mortes, no que a ONU considera ser a maior incidência mundial da moléstia.
A missão cubana tem sido elogiada por permanecer na linha de frente do combate ao cólera, e por realizar um esforço ainda mais amplo para reconstruir o combalido sistema haitiano de saúde.
Paul Farmer, representante-adjunto da ONU no Haiti e cofundador da ONG Parceiros na Saúde, disse que os cubanos ajudaram a mobilizar autoridades dessa área e a reduzir a mortalidade por cólera. Mais do que isso: como o auge das mortes aconteceu em dezembro, e a atenção mundial se dispersou para outros assuntos, "metade das ONGs já foi embora, e os cubanos continuam lá".
Os médicos cubanos trabalham no Haiti desde 1998, quando cem deles chegaram depois de um furacão. O trabalho é parte de um programa do governo cubano que há cinco décadas envia missões médicas ao exterior.
Desde então, Cuba já trabalhou com o Haiti, a Venezuela e, mais recentemente, o Brasil, a Noruega e outros países, construindo, equipando e fornecendo pessoal para dezenas de pequenos hospitais e clínicas comunitários.
O envio de médicos cubanos ao exterior é, desde a década de 1960, uma forma de "diplomacia médica", que leva profissionais a áreas remotas de países pobres, principalmente na África, e também a países aliados, como a Venezuela, segundo Katrin Hansing, professora do Baruch College, de Nova York, que escreve um livro sobre a ajuda internacional cubana.
"Isso lhes dá muito capital político no mundo em desenvolvimento, para manter aquela imagem heroica de Cuba contra os Estados Unidos, de que apesar do embargo eles ainda lutam pela ajuda aos países menos desenvolvidos", afirmou a pesquisadora.
As missões são também uma importante fonte de divisas para Cuba, cujo rendimento anual com a exportação de serviços médicos, incluindo os cerca de 37 mil profissionais da saúde no exterior, está estimado em mais de US$ 2 bilhões. O salário dos médicos gira em torno de US$ 500 por mês.
A missão médica cubana foi um dos maiores contingentes internacionais de ajuda na reação ao forte terremoto de janeiro de 2010 que atingiu o Haiti, matando milhares de pessoas e deixando 1,5 milhão de deslocados.
E, desde o início da epidemia de cólera em outubro do ano passado, os cubanos já trataram mais de 76 mil casos da doença, com apenas 272 vítimas fatais - 0,36% dos casos, proporção bem inferior à média do Haiti, que é de 1,4%.
"Trabalhamos muito na educação da população", disse o médico Lorenzo Somarriba, chefe da missão médica cubana. "Enviamos pessoas às vítimas, as educamos sobre a doença e lhes damos tabletes para limpar a água."
Muitos dos médicos são recém-formados, e vários deles se dizem felizes com a oportunidade de praticar o que só conheciam pelos livros didáticos.
"Conhecíamos o cólera da escola, mas foi difícil de acreditar e vê-lo aqui, porque o Haiti não havia tido a doença antes", disse o médico Robert Pardo Guibert, 29, que dirige uma clínica na localidade vizinha de Hinche. "Mas é fantástico, porque tratamos de tudo aqui, a cada dia há diferentes tipos de casos."
Os haitianos não parecem se importar com a nacionalidade dos médicos que lhes tratam. "Eles prestam um bom serviço", disse Mercidieu Desire, 33, que chegou à clínica com diarréia. "Cheguei, me trataram, e já me sinto bem melhor."

Texto do New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 21 de novembro de 2011

A capivara e os juízes

A capivara e os juízes

BRASÍLIA - Talvez a capivara perdida e depois capturada perto do Supremo Tribunal Federal tenha sido um sinal para as Excelências ali dentro, sede do Poder mais opaco da República.
Desde a volta do país à democracia, a transparência foi avançando. Hoje, quase tudo se sabe sobre deputados e senadores. De passagens aéreas a salários e vantagens obtidas no dia a dia. No Poder Executivo, o Portal da Transparência mostra uma vasta lista de despesas de cada órgão público.
O mesmo não se pode afirmar do Poder Judiciário. Nesta semana, as coisas pioraram. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, limitou o acesso -já pequeno- a processos disciplinares existentes contra seus pares.
Por um curto período foi possível conhecer as iniciais dos nomes de juízes processados. Agora, eliminou-se essa brecha. Houve uma justificativa legal, é claro. Um artigo da Lei Orgânica da Magistratura Nacional determina que "o processo e o julgamento das representações e reclamações [contra juízes] serão sigilosos, para resguardar a dignidade do magistrado".
Na categoria de iniquidade legal, esse artigo concorre como um dos mais indignos. A lei dos juízes está para ser reformada há anos, mas o Poder Judiciário não se move. O próprio Peluso, ao assumir, comprometeu-se a tratar do tema com vigor. Até agora, nada.
Qualquer cidadão em litígio na Justiça tem exposta a sua "capivara", jargão policial para folha corrida. Deputados, senadores e ministros são escrutinados todos os dias, com suas fotos e declarações publicadas na mídia.
A proteção indevida que os juízes se autoconcedem não serve só para proteger os incompetentes e os corruptos. Quando essa minoria fica escondida, todos têm a imagem prejudicada. Até a capivara que apareceu ontem no STF sabe disso.

Texto de Fernando Rodrigues, na Folha de São Paulo, de 23 de novembro de 2011

Anjos se lançam num território perigoso

Anjos se lançam num território perigoso

Por DAMIEN CAVE

CIUDAD JUÁREZ, México - Anjos não são uma visão comum aqui na mais violenta cidade fronteiriça do México, onde o cemitério público é pútrido e transbordante, e onde algumas igrejas veneram a esquelética Santa Muerte.
Mas recentemente, em cenários de crimes e em esquinas movimentadas, mais de uma dúzia de anjos apareceu -com 3 metros de altura, túnicas brancas e amplas asas emplumadas. O fato de esses anjos serem principalmente adolescentes ligados a uma pequena igreja evangélica de uma rua de terra não torna sua presença menos notável. Eles levam aos locais de homicídios cartazes que dizem: "Assassinos, arrependam-se".
"É incrível, uma das coisas mais espetaculares que eu já vi", disse Jesús Nuñez, diretor da Tocando Puertas, uma agência local de serviço social. "É perigoso, mas eles continuam fazendo isso."
Ciudad Juárez, é bom que se diga, está acostumada a se posicionar.
Passeatas contra a violência são mais comuns aqui, e os moradores têm menos medo de serem identificados nominalmente -talvez por causa da vasta experiência desta cidade com tragédias e horrores.
Mas os autointitulados Anjos Mensageiros estão entre os mais ousados. Eles começaram no ano passado, após conversas na Salmo 100, uma igreja cristã da periferia local. Carlos Mayorga, 33, líder do grupo, disse que os jovens fiéis estavam frustrados com a implacável violência.
Por isso convenceram as autoridades municipais a doarem cortinas velhas, que se tornariam as túnicas angelicais. Angariaram dinheiro para a maquiagem e recolheram penas para as asas.
Em seguida, escreveram cartazes que se dirigem de modo geral a criminosos e autoridades corruptas. "Queríamos cutucar as consciências das pessoas que têm causado tanta dor a esta cidade", disse Mayorga.
No início, os anjos se concentravam em esquinas movimentadas. Para se destacaram, subiam em cadeiras metálicas dobráveis, e suas túnicas cobriam as cadeiras e iam até o chão. Depois, para terem certeza de atingirem seu público-alvo, começaram a frequentar locais de crimes, onde suas angelicais mensagens costumavam ser recebidas com olhares de estranhamento e eventualmente com lágrimas e tristeza.
Há algumas semanas, o grupo se postou diante da sede da polícia, desafiando o seu renomado chefe, Julián Leyzaola, um ex-militar que é amado e odiado pela linha-dura que adotou aqui e anteriormente em Tijuana.
Não demorou para que as autoridades mandassem os anjos saírem. Eles se negaram, e Mayorga e outro líder adulto do grupo foram temporariamente detidos pela polícia.
"Eles se sentiram ameaçados", disse Mayorga. "Sabíamos do risco."
Alguns dos jovens anjos se disseram orgulhosos com a visibilidade da operação.
E, numa sexta-feira recente, se preparavam para outra noite pregando a penitência, e poucos se preocupavam com a própria segurança.
Uma menina queria um recado para a polícia, e outro para os criminosos de plantão.
"Talvez os sicários [pistoleiros] vejam isso e achem que Deus está indo atrás deles", disse Karen Olguín Rivas, 14. "As pessoas aqui precisam mudar."

Texto do New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 21 de novembro de 2011.

Contabilizando cadáveres

Contabilizando cadáveres

Por JENNIFER SCHUESSLER

Com seus gráficos estilosos e coloridos, "The Great Big Book of Horrible Things: The Definitive Chronicle of History's 100 Worst Atrocities" (O grande livro de coisas horríveis: a crônica definitiva das cem piores atrocidades da história) pode parecer mais com um candidato a clássico de leitura macabra de banheiro que com um esforço sério de pesquisa.
Mas o livro de Matthew White, de Richmond, Virgínia, louco por números e que se descreve como "atrocitologista", chega acompanhado de recomendações de estudiosos diversos, incluindo um prefácio do psicólogo Steven Pinker, da Universidade Harvard.
White, 54 anos, não tem diploma universitário nem formação em história ou estatística. Ele compila números de fontes secundárias diversas durante as horas livres de seu trabalho de bibliotecário.
Os números são estarrecedores e vão desde os conhecidos (1,67 milhão de vítimas do Khmer Vermelho, a atrocidade n° 39 na lista de White) até os quase esquecidos (13 milhões de mortos na rebelião de An Lushan, na China do século 8, 13° no ranking).
Quinze anos atrás, White desenhou um mapa ilustrando o colapso da União Soviética e o postou na internet. Mais mapas se seguiram e assim nasceu seu "Historical Atlas of the 20th Century".
A obsessão por contabilizar mortos começou mais tarde, acompanhada de um acúmulo constante de citações por acadêmicos reconhecidos: 377 livros publicados e 183 artigos.
A metodologia usada por White é simples. Ele reúne todas as estimativas que consegue encontrar. Rejeita os números maiores e menores e calcula a média, chegando a um número que ele reconhece que não passa de um palpite fundamentado. As mortes de fomes generalizadas e doenças decorrentes de conflitos armados são levadas em conta, mas não os desastres naturais e eventos econômicos ("é preciso haver uma base de violência", ele explicou).
Nem todos os acadêmicos confiam tão plenamente nos números de White. Benedict F. Kiernan, diretor do Programa de Estudos de Genocídio da Universidade Yale e especialista no Khmer Vermelho, disse em e-mail que fazer palpites sobre médias pode ser enganoso.
E White pode deslanchar discussões com as equivalências que traça, como, por exemplo, incluir as vítimas do Holocausto no total de 66 milhões de mortos na Segunda Guerra Mundial, que, em seu livro, é o n° 1 entre as coisas mais horríveis de todos os tempos.
Para Pinker, as estimativas feitas por White "ficam do lado superior da escala". A questão de qual governante ou regime é o pior, segundo Charles Maier, historiador da Universidade Harvard, "ainda é uma pergunta muito natural", embora a maioria dos historiadores resista a focar os números.
"Ele (White) é um sujeito que não tem medo de sujar as mãos," observou Maier.

Texto do New York Times, republicado na Folha de São Paulo, de 21 de novembro de 2011

domingo, 27 de novembro de 2011

Comissão da Verdade é cortina de fumaça para contornar decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos


A Comissão da Verdade, ou da meia verdade como já está sendo chamada, representou uma saída à brasileira para criar uma cortina de fumaça voltada a não enfrentar a decisão da Corte Interamericano de Direitos Humanos. A respeito, escrevi o artigo abaixo e que está publicado na revista Carta Capital.
Os fantasmas continuam atentos
Uma ativista espanhola da área de direitos humanos disse, certa vez e numa manifestação na madrilenha Porta do Sol, que fantasmas sempre aparecem quando os órgão do poder e agentes da autoridade pública buscam soluções incompletas ou paliativos para colocar uma pá de cal  sobre os mortos e os desaparecidos das ditaduras.
Todos lembram, em maio passado, do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF)  da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental de registro 153. Uma arguição ajuizada pelo Conselho Federal da OAB e com petição inicial subscrita pelo jurista e professor emérito Fábio Konder Comparato. Por sete votos contra dois, a maioria dos ministros  seguiu o voto de Eros Grau, este com o entendimento de a Lei de Anistia  não afrontar a Constituição da República.
O então ministro Grau decidiu ter a anistia alcançado os crimes de lesa-humanidade num momento em que a sociedade desejava esquecer o passado e reconquistar a democracia. Grau ressaltou tratar-se de anistia bilateral e que a Emenda 26, de convocação da Assembléia Nacional,  balizou os constituintes ao admitir a anistia ampla, geral e irrestrita. Para rematar, Grau concluiu que a  Emenda 26  “constitucionalizou a anistia”.
Pena ter faltado a Grau, de triste passagem pelo STF,  uma leitura mais atenta da Constituição da República, já que a história deturpou e mostrou desconhecer. Os constituintes, sem engessamento, deixaram escrito não poder a anistia premiar os autores de crimes de lesa-humanidade.
Pouco tempo depois dessa maçada suprema, mais especificamente em dezembro de 2010,  a Corte Interamericana de Direitos Humanos tornou pública a sua decisão no caso Gomes Lund e sobre violações aos direitos humanos durante a chamada Guerrilha do Araguaia.  Essa Corte, é bom recordar,  não admite a autoanistia, caso típico da lei brasileira de 1979,  concebida em plena ditadura militar e com um Legislativo biônico.   No caso Gomes Lund, a Corte  condenou o Estado  brasileiro pela impunidade conferida a violadores de direitos imanentes ao ser humano.
Para a ativista espanhola mencionada, os fantasmas sempre aparecem de surpresa e  para desmontar injustiças em cima de corpos insepultos. O então ministro Jobim, da pasta da Defesa e talvez em razão do peso de uniformes militares que passou a trajar, esqueceu os regramentos legais e os livros.  Jobim  soltou a sua ordem dia e  no sentido de a decisão do STF, sobre a legitimidade da Lei de Anistia,  ser soberana e prevalecer sobre a da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Por evidente, Jobim  não espantou os fantasmas que lembrram que a Constituição do Brasil aceita a jurisdição da Corte interamericana de direitos Humanos: “O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos” (art.7º. dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias).
Jobim errou o tiro. O único caminho para o Brasil não cumprir a decisão da Corte Interamericana seria deixar, por formal denúncia, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, embora a tenho subscrito e com aprovação pelo Congresso. A Convenção tem clareza solar ao estabelecer que “Os Estados-partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes”.
Com a desvinculação por meio de denúncia, frise-se, o Brasil  poderia ficar fora do alcance da jurisdição da Corte Interamericana e, assim, fazer valer, com relação às graves violações a direitos humanos havidas no período da ditadura militar (144 assassinatos sob tortura e 125 desaparecidos de repartições do Estado), a decisão do STF que foi capitaneada pelo ministro Eros Grau.
Na semana passada, uma  cortina de fumaça  procurou esconder a condenação do Brasil pela Corte Interamericana. Isto ocorreu por meio de uma concorrida cerimônia de promulgação da lei instituidora da Comissão da Verdade, tudo com choros de familiares de antigos presos políticos  e leve ranger de dentes dos chefes militares presentes e assessorados pelo ex-deputado José Genuíno, um ex-guerrilheiro do Araguaia, em novos e poucos solidários panos.  Essa Comissão, a ser integrada por sete membros escolhidos pela presidenta Dilma a vencer R$11.100,00 mensais,  terá dois anos para investigar e identificar violadores de direitos humanos, num arco temporal de 1946 a 1988.
Na verdade, a cerimônia mostrou um Brasil pusilânime, que  teme desagradar os militares e é incapaz de impor um projeto a revogar a lei de anistia ou reconhecer, para propositura de ações criminais, a força da jurisdição internacional em casos de graves violações a direitos naturais da pessoa humana. Uma jurisdição, com relação às graves violações, hierarquicamente superior ao do STF.
No mesmo dia da solenidade, ecoou a advertência de Navi Pillay, alta comissária de defesa dos direitos humanos das Nações Unidas. Navy recomendou a revogação da lei de autoanistia por inaceitável nesta quadra evolutiva. Pelo jeito, um fantasma soprou ao ouvido da alta comissária.


Texto do blog Sem Fronteiras, de Walter F. Maierovitch, Destaque no peúnltimo parágrafo deste blogueiro.  

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

"Tenho sorte de não ter morrido jovem", diz Angelina Jolie



A atriz Angelina Jolie, 36, disse que tem sorte de estar viva em uma entrevista ao programa "60 Minutes", da TV americana. O programa deve ir ao no próximo dia 27, mas trechos foram divulgados nesta terça-feira (22).

"Passei por momentos muito sombrios e sobrevivi a eles. Não morri jovem, então sou muito sortuda. Há outras pessoas e artistas que não sobrevivem a certas coisas", disse.
A atriz não entrou em detalhes sobre esses "momentos sombrios", mas disse: "Acho que as pessoas podem imaginar o que fiz de mais perigoso e de pior --e por muitas razões não deveria estar aqui".
Em 1998, Angelina interpretou a supermodelo Gia Carangi, que era viciada em heroína, um papel que refletiu certos aspectos de sua vida.
Na época, ela falava abertamente sobre seu interesse por facas, jogos envolvendo sangue e de um colar no qual carregava um pouco do sangue de Billy Bob Thornton, então seu marido, que usava em tempo integral.
Em julho de 2010, Franklin Meyer, que diz ter vendido drogas para Angelina, vendeu para a revista "Star" fotos dela posando em um ensaio sadomasoquista, com direito a fita isolante cobrindo o seio e coleira de cachorro no pescoço.
Meyer disse à revista que conheceu a atriz em fevereiro de 1997 e que ela teria comprado cocaína e heroína dele.
Mais de uma década depois, Angelina vive de maneira bem diferente, apesar de relatos contrários.
Um ex-empregado dela diz que a atriz continua obcecada por sangue.
"Quando uma das crianças se machucam, ela guarda os curativos usados em um pote. Ela acha que é artístico, mas para os outros parece mesmo estranho", disse o ex-funcionário a revista "In Touch".
Angelina disse na entrevista ao "60 Minutes" o que a fez mudar. "Ainda sou uma menina má. Ainda há isso em mim e agora pertence a Brad. Ou as nossas aventuras."


Publicado originalmente do F5.

Foto com crédito para a Reuters.

Moeda europeia ou estrangeira?


Moeda europeia ou estrangeira?

O euro ainda pode ser salvo? Esta pergunta faz sentido porque há muitos analistas apressando-se a anunciar que o euro falhou e está condenado a desaparecer. Hoje está claro que o euro foi uma ideia arriscada, que afinal apresentou mais problemas do que soluções, mas é cedo para dizer que fracassou. Toda a questão nestes tempos anormais em que afligem a zona do euro está em saber se os europeus continuarão a ter uma "moeda estrangeira" como é hoje o euro ou a transformarão em uma moeda nacional europeia.
O erro fundamental do euro é o de ser uma moeda estrangeira -uma moeda que os países da zona do euro não têm o poder soberano de emitir. Ao adotar o euro, os países renunciaram à sua soberania, porque um requisito fundamental dela sempre foi a capacidade do Estado-nação de emitir dinheiro quando não tem alternativa para pagar suas dívidas. O exercício desse poder implica risco de inflação mas, no caso do euro, esse risco é pequeno. Certamente menor do que o custo que estão incorrendo os países europeus com esta crise.
Na última semana, em uma conferência internacional, o título de minha apresentação foi "No foreign finance, please", porque sei que nada foi pior para um país do que se endividar em moeda estrangeira. Em vez de promover o investimento e o desenvolvimento, o endividamento promove a apreciação cambial, o aumento do consumo, a fragilidade financeira e a crise do balanço de pagamentos. Os países em desenvolvimento se endividaram em moeda estrangeira por populismo cambial e porque equivocadamente acreditavam que deveriam "crescer com poupança externa". Já os países europeus se endividaram voluntariamente em moeda estrangeira -em moeda que o país não tem a soberania de emitir. Um perfeito contrassenso apoiado na suposta autorregulação dos mercados.
Mas os europeus ainda podem tornar o euro uma moeda nacional europeia. Para isto, é necessário que o Banco Central Europeu (BCE) faça o que estão fazendo os bancos centrais dos Estados Unidos e do Reino Unido e emita dinheiro para comprar os título dos países-membros. No caso da zona euro, compre até que sua taxa de juros atinja um nível normal -momento em que a crise estará terminada.
Isso implicará, como contrapartida, uma substancial diminuição da autonomia do país de incorrer em déficit fiscais, e em um severo monitoramento do endividamento privado que se reflete em conta corrente negativa dos países devedores dentro da zona.
Os alemães se opõem a esta monetização da dívida; têm medo de estimular a irresponsabilidade fiscal. Mas economistas alemães aprovaram a proposta que o BCE compre a dívida dos países até 60% do PIB, porque sabem qual o custo para seu país do colapso do euro: quase dois terços das exportações da Alemanha são realizadas para a zona do euro. Por enquanto, o Norte da Europa aproveitou o euro para exportar e investir, enquanto que o Sul, para importar e consumir. Ou essa síndrome perversa é corrigida pelo colapso do euro e a depreciação da moeda dos países devedores, ou é resolvida tornando o euro uma verdadeira moeda nacional europeia do Estado-multinação europeu em formação.


Sim, ele se importa


Sim, ele se importa


SÃO PAULO - Parece irritado o governador Geraldo Alckmin com a decisão da juíza Simone Casoretti, que na sexta suspendeu contratos da linha 5 do metrô paulistano e afastou o presidente da empresa. O tucano classificou a ordem judicial de "absoluta irresponsabilidade" e prometeu dela recorrer ainda hoje.
Ricardo Feltrin, da Folha, soube em abril de 2010 os resultados da licitação da linha 5, que só seriam divulgados oficialmente seis meses depois. Documentou-os em vídeo e cartório e esperou. Em outubro, quando o governo abriu os envelopes, batata: lote por lote, estavam lá as empresas vencedoras conforme antecipado.
A concorrência, aberta na gestão José Serra, foi finalizada quando seu vice, Alberto Goldman, completava o mandato. Ficou para Alckmin, empossado em janeiro, a decisão de validar ou anular a licitação.
Começou um jogo bruto de construtoras a fim de intimidar o governo e a reportagem deste jornal. Empreiteiras contrataram peritos para colocar em dúvida a publicação.
Incapazes de atestar qualquer trapaça, formularam argumentações laterais, como a de que existem meios técnicos de fraudar uma gravação em vídeo como aquela, de modo a simular que havia sido feita no passado.
Lançaram questionamentos genéricos e imprecisos para lembrar ao governo que, anulada a licitação, partiriam para cima na Justiça, cobrando indenizações fabulosas. A pressão deu certo, e Alckmin validou a concorrência. Evitou contencioso com empreiteiras, mas expôs-se a uma duríssima refrega, que apenas se inicia, com o Ministério Público.
Haveria, portanto, risco à sequência das obras fosse qual fosse a decisão do governador. A questão era definir a causa e o adversário.
Opção A: anular uma licitação sobre a qual pesa indício veemente de conluio e enfrentar as empreiteiras. Opção B: validar tudo e desafiar o interesse público. Alckmin escolheu seu lado. "Yes, he cares."



terça-feira, 22 de novembro de 2011

Ator Adriano Reys morre no Rio aos 78 anos

O ator Adriano Reys faleceu esta manhã deste domingo (20) no Rio de Janeiro, aos 78 anos. O ator sofria de câncer no fígado e no peritônio, e estava internado no Hospita Copa D'Or há cerca de 10 dias.

Adriano participou de várias novelas da TV Globo, entre elas "Tititi", "Barriga de Aluguel", "Selva de Pedra", "Vale Tudo" e "Mulheres de Areia". Seu último trabalho foi na novela "Promessas de Amor", em 2009, na TV Record.

O corpo do ator deve ser cremado.





Esta notícia foi vista no Yahoo!

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Fim de ano



Do Laerte, na Folha de São Paulo.

Valeu, Zumbi


Valeu, Zumbi

Há quem diga que problemas do Brasil são apenas sociais, e não raciais: um discurso de cabra-cega, que ignora que
os negros foram escravizados

Em 20 de novembro de 1695, Zumbi, o último líder do quilombo dos Palmares, foi morto pelos escravocratas. O quilombo que resistiu por mais de cem anos entra em fase de extinção. Naquela cidadela de resistência à escravidão, viviam em comunhão negros, indígenas e não negros perseguidos na colônia.
Chegaram a mais de 20 mil habitantes. A destruição física do quilombo dos Palmares foi uma derrota. Contudo, o sonho de liberdade, de colocar fim à escravidão de africanos, ficou dormitando.
Assim, passados quase 200 anos da epopeia de Palmares, a luta pelo fim da escravidão foi para as ruas do Brasil. O movimento abolicionista ganha os corações e as mentes: em 13 de maio de 1888, é aprovada a Lei Áurea.
É iniciada a colheita dos frutos semeados em Palmares. Contudo, a Lei Áurea não veio acompanhada de mecanismos de inclusão para assegurar aos ex-cativos as oportunidades que foram dadas aos imigrantes europeus.
Passados 123 anos desde a abolição, o país incorporou ao seu arcabouço jurídico legislação não penal para a população negra que merece destaque. A lei nº 10.639/2003, que institui o ensino de história e cultura afro-brasileira, é uma delas.
Sua importância reside, entre inúmeros aspectos, em estimular o conhecimento sobre a importância do negro na formação da nação, da identidade nacional e da contribuição dos escravos para a construção do Estado brasileiro.
Vale ressaltar também a lei nº 12.288, o Estatuto da Igualdade Racial, primeira legislação, desde 1888, que, por meio de ações afirmativas, cria possibilidades para reparar um pouco das desigualdades históricas entre negros e não negros.
Há quem diga que os problemas existentes no Brasil são apenas sociais, e não raciais. Um discurso de cabra-cega, que ignora o desenvolvimento desigual do país e que, na prática, ignora que os negros foram escravizados.
As ações afirmativas são medidas especiais que o Estado e a iniciativa privada podem adotar para reduzir as desigualdades. Um exemplo são as cotas nos concursos e demais processos de seleção para o ingresso de negras e negros nas instituições públicas e privadas.
Direitos das comunidades dos remanescentes dos quilombos, proteção às religiões afro-brasileiras, empreendedorismo, saúde da população negra, acesso a financiamentos públicos, presença nas peças de publicidade e nos meios de comunicação, entre outras possibilidades, constam do Estatuto da Igualdade Racial e dão vigor a um diploma novo, que precisa ser apropriado pela nação, para que esta exija seu cumprimento.
É o início de uma longa caminhada que o Brasil precisa percorrer para reparar o mais bárbaro de todos os crimes: a escravidão de africanos e de seus descendentes.
O sonho dos quilombolas de Palmares caminha para ser uma realidade. O país está avançando para a construção da igualdade de oportunidades entre todos os filhos da nação. Valeu, Zumbi.

ELOI FERREIRA DE ARAUJO é presidente da Fundação Cultural Palmares.
ELOI FERREIRA DE ARAUJO é presidente da Fundação Cultural Palmares.


Texto publicado na Folha de São Paulo, de 20 de novembro de 2011

Quando o vício é privado


Quando o vício é privado

A sabedoria convencional ensina que a crise europeia, a caminho de se transformar em global, é culpa de governos gastadores, que se endividaram demais. Logo a cura só pode vir pela imposição de uma austeridade implacável, imposta pelos que o Nobel de Economia Paul Krugman chama, adequadamente, de "fanáticos da dor".
Vamos imaginar, só para variar, que o diagnóstico esteja errado. É uma tese defendida não por um lunático qualquer, mas por ninguém menos do que um agente de mercado, Richard Koo, economista-chefe do banco de investimento Nomura, em conversa com o jornal espanhol "El País".
Diz ele: "O diagnóstico errado na Europa é pensar que esta é uma crise fiscal. Falso: a crise começou no setor imobiliário norte-americano e se transformou em uma tormenta financeira global. E continua sendo uma crise bancária, que acabou contagiando a economia (o fechamento da torneira do crédito degenerou em desemprego e recessão) e as contas públicas (castigadas pelas ajudas à banca e pelos custos do Estado de Bem-Estar em pleno desabamento econômico)".
Mais: "Contagiou inclusive o edifício institucional europeu, incapaz de mostrar-se decidido em resgates que parecem desenhados mais para salvar os bancos do que para ajudar os países com problemas. As entidades financeiras, em especial as alemãs, estão carregadas de ativos tóxicos e de dívida pública, que caminham para alcançar esse status".
Palpite isolado de um economista, como zilhões de outros que saem todos os dias nos jornais?
Não, John Feffer, codiretor da publicação "Política Externa em Foco", do Instituto para Estudos Políticos, foi ontem na mesma direção em seu blog:
"A crise da dívida, de acordo com análises convencionais, resulta de governos gastadores que mantiveram altos níveis de serviços sociais sem a renda necessária para sustentá-los. Mas a presente crise econômica da Europa é, de muitas maneiras, um desdobramento da crise financeira de 2008, quando bancos europeus investiram, pouco sabiamente, em todos os instrumentos de fantasia que as instituições norte-americanas criaram para mascatear hipotecas arriscadas".
Quando veio a crise e, com ela, o socorro oficial à banca, esta mudou a direção e passou a investir em títulos da dívida dos Estados. Completa Feffer: "Como viciados que veem fechado um mercado de droga, os bancos simplesmente voltaram-se para outro".
Se essas análises estão corretas -e nada indica que não estejam-, a cura, pela austeridade, do vício dos governos de gastar demais nem de longe resolve o problema.
A banca, parte essencial de qualquer mecanismo econômico, para o bem e para o mal, continua intoxicada e "mata" um governo depois do outro, no desespero de mais uma cafungada nos juros obscenos cobrados para rolar a dívida de países europeus.
Corolário político-social para Feffer: "Os ideais sociais que antes animavam o projeto europeu estão se dissipando depressa. O continente se transformou simplesmente em um bom lugar para fazer negócios, particularmente nos serviços financeiros".


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

"Freedom riders" palestinos revivem os anos 60 e desafiam a segregação de Israel

"Freedom riders" palestinos revivem os anos 60 e desafiam a segregação de Israel

Inspirados na luta dos negros nos EUA, ativistas são presos ao entrar em ônibus exclusivos para judeus
 
Ontem, seis ativistas palestinos fizeram pela primeira vez fazer uma manifestação política que mostra uma das face da ocupação dos Territórios palestinos. São os "freedomriders". Há algum tempo, após a consolidação da ocupação nos moldes definidos pelos Acordos de Oslo, grupos palestinos, alguns conjuntamente com israelenses, começaram a se referir à ocupação em termos vindos do Apartheid sul-africano. Mas se a África do Sul já inunda o vocabulário e tornou-se um modelo mais recente para descrever a ocupação, e também para combatê-la, agora os movimentos negros por direitos civis nos anos 60 nos EUA são a inspiração.
O protesto consistiu em pegar na estação do assentamento de Psagot, perto de Ramallah, um ônibus que fosse a Jerusalém, cidade fechada aos palestinos que vivem com a identidade verde, que os limita à Cisjordânia. A passagem da Cisjordânia para Jerusalém, através de seu ponto norte, por Ramallah, e de seu ponto sul, por Bethlehem, constitui um dos quadros mais claros da divisão da Cisjordânia. Nessa “fronteira” do conflito está o símbolo da força que anexou Jerusalém, mais especificamente sua parte Oriental, que por leis internacionais pertence a palestinos.

O Muro de anexação de parte dos territórios é apenas parte do sistema de controle israelense (os israelenses o chamam de Cerca de Segurança, pois teria diminuído o número de ataques terroristas contra civis – apesar disso, não há uma boa explicação de por que o construíram dentro da Cisjordânia).  Ele consolida apenas parte da divisão desenhada em Oslo, com suas áreas A, B e C, mas além desse monumento grandioso, estradas exclusivas, postos de controle e blitz nas estradas com soldados israelenses, o cordão que os assentamentos formam para limitar o acesso à terra, tudo isso forma a engenharia que a ocupação dos Territórios Palestinos erigiu para si. Além disso, uma legislação controlada pelo Governo Militar israelense controla a demolição e construção de casas, o que completa o sistema.

Conversei com Badia Dwaik, de Hebron e um dos coordenadores do Youth Against the Settlements, movimento que organiza manifestações no centro da cidade mais ao sul da Cisjordânia, ainda ocupada por colonos em parte dela. Ele foi um dos ativistas que subiram no ônibus com destino à Jerusalém.

Além de Badia, outros cinco ativistas – Nadeem al-Sharabati, Huwaida Arraf, Basel al-Araj, Fadi Quran, and Mazin Qumsiyeh – esperaram o ônibus da empresa “Egged” com destino à capital do conflito. Dois ônibus viram os palestinos – estavam acompanhados por grande quantidade de imprensa e ativistas – e não pararam. “Devíamos ter pego o ônibus das 2:42, mas ele não parou.  Não desistimos. Finalmente, às 3h7, um ônibus parou e entramos nele”.

O que se seguiu foi uma luta misturada a muita negociação, com ofertas de “rendição pacífica” ou “retirada violenta e forçada”. Badia foi o terceiro a entrar. Deu o dinheiro ao motorista. Segundo o relato, este então perguntou se tinham apenas as identidades verdes, da Cisjordânia. Apenas os palestinos com a identidade azul, de Jerusalém, podem seguir.

O motorista desistiu de brigar – parte da imprensa estava no ônibus, onde também estavam ativistas israelenses para evitar que os palestinos fossem atacados por colonos -, seguiu viagem, mas mais a frente parou para a subida da polícia de fronteira. “Ele veio até mim e pediu minha identidade. Perguntou então se eu tinha a permissão dada pelo governo israelense para ir à Jerusalém. Eu disse que não precisava, que eu podia andar naquele ônibus. Ele negava minha resposta e seguia com a mesma pergunta. Depois de um tempo, ele desistiu e devolveu minha identidade”. A viagem seguiu até o posto de controle de Hizma, onde a viagem devia acabar para os palestinos. Ao lado, o assentamento de Pisgat Zeev. Ali é a fronteira que os israelenses construíram para si.

Mais uma rodada de “negociações”. “Quatro soldados subiram. Um deles pediu nossas identidades e pediu que saíssemos. Poderíamos sair de forma respeitosa, sem alarde, ou então ele seria forçado a nos tirar com violência. Ele disse: ‘Não é permitido a você ficar no ônibus, pois você está entrando em Israel’”. Os palestinos decidiram permanecer no ônibus. “Eu disse a ele: ‘não estou em Israel. Estou no ônibus, e a mim é permitido andar de ônibus”. Mais uma ameaça do soldado. Ficaram por cerca de uma hora nessas conversas. Então veio a ordem pela retirada violenta. “Eu recusei sair.  Então me seguraram e tentaram me tirar de forma violenta do ônibus. Eu resisti, dificultei. Então me arrastaram pelo chão do ônibus, me carregando para fora. Lá fora, estava o Alto Comandante e quando viu que havia muita mídia por ali, além de estrangeiros que seguiam o tempo todo o percurso do ônibus, ordenou que me devolvessem para o ônibus e fechassem a porta. Permaneci deitado por um tempo e depois retomei o meu lugar”.

Eles entraram em Jerusalém. O ônibus passou o posto, mas logo as forças do exército pediram novamente que saíssem, agora sem os colonos presentes. “De novo, pediram minha identidade, se eu tinha permissão. Eu disse que não precisava de uma permissão. Eu tenho direito a andar em um ônibus, direito à liberdade de movimento. Disse a ele: ’por que não pede aos colonos suas identidades? Se quer que saiamos, então deve pedir o mesmo aos colonos’. Isto é Apartheid, isto é discriminação”. Então, atrás da barreira do posto, os palestinos foram retirados à força. “Retiraram Mazin e Basel, e os levaram para o jipe. Depois vieram me buscar, me tiraram a força e também me levaram para o jipe militar. Depois, acho que buscaram Huwaida”.

Movimentos palestinos começaram a pensar e conversar sobre a manifestação de ontem há meses, mas foi há uma semana que começaram a se reunir para planejá-la. Os ativistas e membros de movimentos pensaram nos riscos, como agiriam sob a pressão do exército, entraram em contato com advogados para qualquer eventualidade de serem presos. De fato, foram presos por algumas horas na terça. Tiveram que assinar um papel afirmando que não se aproximariam de qualquer posto ao redor de Jerusalém por 10 dias e que teriam que estar disponíveis para interrogatório caso as autoridades precisassem. Badia diz que a experiência foi válida e pode abrir um novo campo de manifestações de palestinos contra a ocupação.
 
*Texto originalmente publicado no blog O Território, do repórter Arturo Hartmann.


 Texto visto no Opera Mundi.

Quem fica triste no Natal, levanta a mão

Pode parecer normal, mas o fato de ir a uma igreja influi no estado emocional das pessoas. Dissemos que pode parece normal porque, hoje, são tantos os apelos que a tecnologia oferece que assistir a uma missa ou a um culto evangélico poderiam ter aumentado a distancia entre o ser humano e a simples fé.
Ao contrario. As mirabolantes opções de lazer, de informar-se, de fazer novas amizades oferecidas pelo milagre da internet, não conseguiram anular o apelo e a necessidade de paz espiritual do ser humano. Pelo menos para uma faixa de mulheres de mais de 50 anos. O fato de rezarem sustentou principalmente sua maneira de encarar o mundo. Quem frequenta igreja ou culto religioso tem uma visão existencial mais otimista. E esse é um dado científico.

Um estudo recente da Women’s Heath Iniciative mostrou que assistir a serviços religiosos com regularidade torna a pessoa menos depressiva e menos cínica.
Esse estudo vem sedo feito desde 2008 e baseou-se em entrevistas com 92.559 mulheres pós-menopáusicas de mais de 50 anos. Foi publicado esta semana no Journal of Religion and Health.
Espero que algum outro instituto de pesquisa faça o mesmo com homens com idade superior aos 50 anos (portanto na faixa de risco de câncer prostático), e que algum professor que não precisa ser dos States, pode ser da USP, tente me explicar porque, sempre que se aproxima o Natal, mês de festas e alegria, eu vou ficando cada vez mais triste, melancólico.
No ano passado, fiquei sabendo um anuncio enorme colocado tinha sido colocado junto ao Túnel Lincoln que conecta Nova York com Nova Jersey e foi fotografado por várias agencias de notícias. O anuncio dizia que o Natal era um mito e acrescentava…” este ano, celebre a razão, não o mito”.
Jornais da época calcularam que a associação American Atheists gastou uns 20 mil dólares para colocar o anúncio num dos pontos mais visíveis para quem entra na cidade. David Silverman, presidente da associação, disse que a mensagem era dirigida aos 50 milhões de ateus dos EUA.
A primeira reação, contudo, viria da Liga Católica de Nova York.
Gastou cerca de 18 mil dólares numa peça similar, colocada na entrada do túnel de Manhattan.
O problema é que, por mais apelo que contenham, nenhum dos dois anúncios me atingem.
Primeiro porque, embora batizado na Igreja Católica, nunca renunciei ao título, muito comum no Brasil, de “católico não praticante”.
Segundo, porque eu jamais me inscreveria numa associação de ateus militantes. Deus me livre (oops …).
Mas sei que não estou sozinho nessa onda de melancolia natalina, tenho certeza que não estou.
E não tem nada a ver com a mercantilização do Natal. Se alguém disser que eu acabo de ver Papai Noel montado numa rena voadora, eu desminto no ato. E ponho a culpa num certo exagero no uísque.
O problema é uma tristeza indefinida, que vem não sei de qual parte da alma. Lembro de um Natal – já faz alguns anos, muitos anos,  na hora do brinde, notei a falta de um dos meus queridos amigos, o Franz. Fui encontra-lo na cozinha, chorando como criança.
Abracei-o e choramos os dois.  Por que, diabos (oops…) ?


Texto da Tão Gomes, no sítio da CartaCapital

De cura milagrosa a mutilação mental, lobotomia completa 75 anos

Faz 75 anos que a primeira lobotomia foi feita nos Estados Unidos.
Hoje tida como uma prática bárbara, a técnica, cujo nome mais apropriado é leucotomia, chegou a ser considerada uma cura milagrosa para doenças mentais como esquizofrenia e depressão.
O procedimento envolvia a inserção de um instrumento cortante no cérebro por meio de duas perfurações no crânio, uma de cada lado da cabeça. O médico então movia o instrumento de um lado para o outro, cortando as conexões entre os lobos frontais e o resto do cérebro.
Os "instrumentos cirúrgicos" usados pelo médico para o procedimento, duas estruturas afiadas de metal com 8cm de comprimento conectadas a um cabo de madeira, são hoje objetos de curiosidade à disposição de visitantes nos arquivos da Wellcome Collection - centro cultural londrino dedicado à história e desenvolvimento da medicina no mundo.
"Essas coisas grotescas são instrumentos de lobotomia. Nada sofisticadas", diz um das responsáveis pelo arquivo, Lesley Hall.
 
Cura milagrosa

Durante milênios, diversas culturas haviam adotado a prática de fazer furos no crânio para libertar o indivíduo de espíritos malévolos.
Mas a ideia por trás da lobotomia era diferente. O neurologista português Egas Moniz acreditava que pacientes com comportamentos obsessivos tinham circuitos defeituosos no cérebro.
Em 1935, trabalhando em um hospital em Lisboa, ele achou que tinha encontrado a solução para o problema. "Decidi cortar as fibras que conectavam os neurônios em atividade", escreveu o médico em uma monografia detalhando o procedimento.
A técnica de Moniz foi adaptada por outros médicos, mas a ideia básica foi mantida.
Moniz relatou ter observado melhorias dramáticas nos vinte primeiros pacientes tratados. O procedimento foi adotado com entusiasmo pelo neurologista americano Walter Freeman, que passou a ser um dos grandes defensores da prática.
Freeman realizou a primeira lobotomia nos Estados Unidos em 1936. A partir daí, a prática se alastrou por todo o globo.
A partir do início da década de 1940, a técnica passou a ser vista como uma cura milagrosa também na Grã-Bretanha, onde o número de lobotomias realizadas foi proporcionalmente maior do que nos Estados Unidos.
Apesar da oposição de alguns profissionais, especialmente psicanalistas, a cirurgia tornou-se prática comum na psiquiatria britânica, com cerca de mil procedimentos sendo realizados anualmente para tratar transtornos compulsivos, esquizofrenia e depressão.
A razão para a popularidade da técnica era simples: a alternativa era pior.
 
Encarceramento e violência

Falando à BBC, o psiquiatra aposentado Jason Brice relata sua experiência ao visitar hospitais psiquiátricos no período."Você via camisas de força, celas acolchoadas e era óbvio que alguns dos pacientes estavam sujeitos, sinto dizer, à violência física".
A chance de uma cura pela lobotomia parecia preferível quando a opção era uma sentença de encarceramento perpétuo em uma instituição.
"Achávamos que seria uma saída, tínhamos esperança de que (a cirurgia) ajudaria (o paciente)", diz Brice.
Centros que realizavam lobotomias se alastraram por toda a Grã-Bretanha, mas o mais prolífico lobotomista do país e, possivelmente, do mundo, foi o neurocirurgião Wylie McKissock, que trabalhava no hospital Atkinson Morley, em Wimbledon, no sul de Londres.
"Ele foi uma das grandes figuras da medicina no século 20", disse Terry Gould, anestesista de McKissock.
Gould calcula que o neurocirurgião tenha realizado cerca de 3 mil lobotomias, aperfeiçoando sua técnica para fazer a cirurgia em cada vez menos tempo. "Era um procedimento de cinco minutos, feito muito rapidamente", disse.
Além de operar no Atkinson Morley, McKissock também viajava pelo sul da Inglaterra nos fins de semana, operando pacientes em hospitais pequenos.
"Ele estava disposto a viajar para onde quer que ficasse o hospital em uma manhã de sábado para fazer três ou quatro leucotomias", diz Brice.
 
Desastre irreversível

A dona de casa Eileen Davie desenvolveu depressão após o nascimento do seu segundo filho, em 1948. Tratamentos convencionais do período não foram capazes de ajudá-la e seu médico recomendou uma leucotomia.
Entrevistado para um documentário em 1976, o marido de Eileen, Sid, que assinou os formulários autorizando o procedimento, disse: "Tive a impressão de que (a operação) não era mais séria do que extrair um dente".
Mas a realidade se revelou muito diferente. "Ela foi danificada irreversivelmente", disse o marido.
Eileen tornou-se apática e sem vida. Anos mais tarde, os médicos disseram que a primeira cirurgia havia fracassado e a paciente concordou em se submeter a uma segunda intervenção "psicocirúrgica".
"Eu continuava achando que eram figuras eminentes e se (estes) estavam confiantes de que (a operação) seria um sucesso, seria um sucesso", disse Sid. "Foi um desastre".
Em vez de curada, Eileen tornou-se mais apática e passou a sofrer de problemas graves de incontinência.
 
Casos de sucesso

Jason Brice conta que a cirurgia podia, em alguns casos, trazer benefícios dramáticos para alguns pacientes. Ele cita o caso de uma mulher que tinha medo de fogo.
"O curioso é que ela acabou muito melhor após a operação e comprou uma loja de fish & chips (tradicional prato britânico que consiste de peixe e batatas fritos em óleo extremamente quente)."
Entretanto, Brice tinha cada vez mais dúvidas sobre a lobotomia, especialmente em pacientes com esquizofrenia.
O psiquiatra John Pippard fez o monitoramento pós-cirúrgico de vários dos pacientes de McKissock. Ele concluiu que cerca de um terço se beneficiou, um terço não foi afetado e um terço piorou após a intervenção.
E embora ele próprio tivesse autorizado lobotomias, passou a desaprovar a prática.
"Não acho que nenhum de nós estava contente com a ideia de colocar uma agulha em um cérebro e mexer", diz.
Em 1949, Moniz ganhou o Prêmio Nobel pela invenção da lobotomia. A cirurgia alcançou o pico de sua popularidade nesse período.
A partir de meados da década de 1950, no entanto, a técnica caiu rapidamente em desuso. Isso foi consequência, em parte, do grande número de operações fracassadas. Mas também foi resultado da introdução no mercado da primeira leva de drogas psiquiátricas efetivas.
 
Legado

Décadas mais tarde, trabalhando como enfermeiro psiquiátrico em uma instituição para pacientes com problemas mentais, o inglês Henry Marsh viu vários casos de pacientes que haviam sofrido lobotomias.
"Eles tinham sido lobotomizados 30 ou 40 anos antes, eram esquizofrênicos crônicos e com frequência eram os pacientes mais apáticos, lentos e acabados".
Marsh, hoje um eminente neurocirurgião, diz que a lobotomia foi resultado de ciência mal feita. "Ela foi um reflexo de medicina e ciência ruins, porque está claro que os pacientes submetidos ao procedimento nunca foram monitorados apropriadamente".
"Se você via o paciente após a operação e ele parecia bem, andava, falava e dizia 'obrigado, doutor'", comenta Marsh, "o fato de que eles estavam completamente arruinados enquanto seres humanos provavelmente não era levado em consideração".


 Texto da BBC reproduzido no UOL

Nos EUA, polícia dispersa núcleos do 'Ocupe Wall Street' e prende 78

Nos EUA, polícia dispersa núcleos do 'Ocupe Wall Street' e prende 78

Acampamentos começam a ser removidos após mortes de ativistas 

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

Ao menos 78 manifestantes foram presos e quatro acampamentos do movimento "Ocupe Wall Street" encerrados após ações da polícia americana no fim de semana.
A polícia dos EUA começou no sábado a tentar desmontar tendas em diversos Estados americanos alegando falta de segurança e de higiene.
As ações acontecem logo após um manifestante ter sido assassinado a tiros em uma briga no acampamento de Oakland (Califórnia), um veterano de guerra ter cometido suicídio em uma tenda em Vermont e um homem ter sido achado morto, sem ferimentos, no acampamento de Salt Lake City (Utah).
Em St. Louis (Missouri), 27 manifestantes foram algemados enquanto gritavam: "Nosso amor pela liberdade é mais forte que a sua prisão".
Outras 19 prisões ocorreram na desocupação do acampamento em um parque no centro de Salt Lake City e mais 17 no núcleo de Denver (Colorado).
Em Portland (Oregon), ao menos 15 pessoas foram presas após confrontos. Os manifestantes resistiram a uma primeira investida policial no sábado, mas cederam ontem.
A situação em Oakland era indefinida na noite de ontem.
O "Ocupe Wall Street" começou em setembro, em Nova York, para protestar contra abusos do sistema financeiro e se espalhou por diversas cidades e países.

Notícia publicada na Folha de São Paulo, de 14 de novembro de 2011.

A Corrida do Ouro na Líbia

O retorno da corrida do ouro na Líbia

Empresas ocidentais querem ganhar com a gratidão dos líbios

Por SCOTT SHANE

WASHINGTON - Novos invasores já tramam desembarque em Trípoli, a capital líbia.
Empresas ocidentais de segurança, construção e infraestrutura, cujas oportunidades de lucrar no Iraque e no Afeganistão diminuíram, voltam suas atenções para a Líbia, que acaba de se livrar de quatro décadas de ditadura. Empresários estão empolgados com o potencial para negócios em um país com carências enormes e petróleo para pagar as contas.
Uma semana antes da morte do coronel Muammar Gaddafi em 20 de outubro, uma delegação de 80 empresas francesas chegou a Trípoli para conversar com autoridades do Conselho Nacional de Transição, o governo provisório. O novo ministro da Defesa britânico, Philip Hammond, exortou empresas britânicas a "fazerem as malas" e irem para Trípoli.
Quando o corpo do coronel Gaddafi ainda estava exposto ao público, a empresa britânica Trango Special Projects ofereceu seus serviços de apoio a empresas a fim de faturar na Líbia. "Enquanto continua a especulação sobre como Gaddafi foi morto", postou a Trango em seu website, "você e seu negócio estão prontos para retornar à Líbia?".
A Trango ofereceu quartos em sua vila em Trípoli e transporte "a cargo de nossa discreta equipe de segurança formada por britânicos e líbios". Essa discrição custa caro. O preço para um percurso de 10 minutos saindo do aeroporto, que é de cerca de US$ 5 em um táxi comum, sobe para 500 libras britânicas, o que equivale a aproximadamente US$ 800.
"Neste momento está havendo uma espécie de corrida do ouro", disse David Hamod, presidente da Câmara Nacional de Comércio EUA-Países Árabes. "E os europeus e asiáticos estão claramente na dianteira. Todo dia recebo telefonemas da comunidade empresarial na Líbia. Eles dizem, 'Volte, não queremos que os americanos fiquem para trás'".
Há hesitação de ambos os lados. A fim de evitar qualquer resquício da corrupção da época de Gaddafi, o Conselho Nacional de Transição afirmou que não haverá assinatura de contratos de longo prazo até que um governo eleito tome posse. E os empresários temem atuar em cidades ainda repletas de armas e jovens desempregados.
Assim como a França e o Reino Unido, os EUA podem se beneficiar da gratidão das autoridades líbias pelo apoio aéreo crucial da OTAN para a revolução. Empresas ocidentais esperam ter uma certa vantagem em relação, por exemplo, à China, que ainda em julho se oferecia para vender armas ao coronel Gaddafi.
Empresas ocidentais de segurança anseiam fechar contratos de treinamento com um governo inexperiente para domar suas caóticas forças armadas. Empresários do ramo dizem que o trabalho aqui talvez não se equipare à escala colossal de ganhos no Iraque e no Afeganistão, mas, diante dos cortes de gastos dos governos europeus e americano, vale a pena.
Foi em 2004 que empresas ocidentais começaram a ter oportunidades de negócios na Líbia, graças à decisão do coronel Gaddafi de desistir do seu programa de armas nucleares, o que deu fim ao status de pária da Líbia.
A situação do país era péssima após muitos anos de sanções econômicas. A Líbia "precisava de tudo", relatou Hamod: bancos, hospitais, estradas e infraestrutura para a indústria petrolífera.
Agora, após meses de combates, há novas carências enormes, como reconstruir conjuntos habitacionais destruídos por granadas, proteger estruturas petrolíferas enquanto se recuperam ou ampliam a produção e treinar e equipar novas forças armadas.
Hamod disse que empresas americanas hesitam mais do que as chinesas e algumas europeias quanto a operar em ambientes instáveis. "Há relutância para voltar a investir pesadamente na Líbia", ele observou. "Historicamente, empresas americanas preferem que haja um Estado de direito no país em questão, com tudo o que isso significa para um investimento de muitos milhões de dólares."
A excitação e a confusão das pessoas em busca de oportunidades na Líbia ficam evidentes no número crescente de grupos sobre a Líbia no Linkedin, a rede social da internet voltada a negócios.
"Alguém do grupo pode me dizer se há voos para Trípoli?", postou Peter Murphy, um topógrafo irlandês atualmente trabalhando em um projeto eólico marítimo, em uma página de bate-papo no LinkedIn chamada Anglo Libyan Business Group. "Além disso, qual é a situação para vistos de trabalho para estrangeiros?"
Ele obteve uma resposta de Mabruk Swayah, que se identificou como um líbio que trabalha com prospecção de negócios. "Olá, amigos, todos vocês são bem-vindos na Líbia", escreveu Swayah. "Só é preciso buscar os canais adequados para seus contratos de trabalho e não se envolver com subornos, persuasões ou agrados indevidos para as autoridades."

Contribuíram Adam Nossiter e David D. Kirkpatrick reportando de Trípoli, na Líbia


Texto do The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 10 de novembro de 2011.

A marcha de juízes insensatos

A marcha de juízes insensatos


AS GUILDAS e o corporativismo de juízes estão produzindo fatos e números que apequenam o Poder Judiciário. A corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, criticou a "impunidade da magistratura", reclamou da sua blindagem e fez a frase de sua vida: "Sabe que dia eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro." (O gorducho Garcia está atrás dele desde 1919.)
Em seguida, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso (ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo), deu-lhe resposta: "Em 40 anos de magistratura nunca li coisa tão grave. (...) É um atentado ao Estado democrático de Direito".
Menos de um mês depois, o presidente do tribunal paulista pediu à Secretaria de Segurança a criação da figura de um "delegado especial" para cuidar de incidentes que envolvam juízes ou desembargadores. Só para eles. Os cardeais, as costureiras e os contadores continuariam democraticamente com a patuleia.
Vai-se adiante e vê-se que em 152 inquéritos que tramitam no STF envolvendo deputados, senadores e ministros, os nomes dos hierarcas são protegidos, apesar de não correrem em segredo de Justiça. Por exemplo: há um inquérito que trata das atividades de J.M.R. (A deputada filmada recebendo dinheiro do mensalão do DEM chama-se Jaqueline Maria Roriz, mas isso não é da sua conta.)
A blindagem do andar de cima tem registro estatístico: há no Brasil 512 mil presos, 76 por corrupção passiva.
As guildas de magistrados organizam eventos arrecadando patrocínios com empresários e instituições que têm interesse em processos que podem passar por suas mesas. Isso para não falar do turismo embutido em muitos congressos, conferências e reuniões de fancaria. A doutora Eliana Calmon pretende estabelecer critérios para essas atividades e as associações nacionais de juízes federais e do Trabalho informam que recorrerão em defesa daquilo que é um direito "inerente a todos os brasileiros e ao regime democrático".
Grande ideia, pois os tribunais são o foro adequado para resolver questões desse tipo. (Graças à grita de alguns magistrados, Eliana Calmon detonou uma caixa de fraudes nos empréstimos que a Associação de Juízes Federais da 1ª Região fazia em uma financeira.)
A magistratura é uma carreira vitalícia iniciada, por concurso, num patamar de R$ 18 mil mensais, com dois meses de férias, aposentadoria integral e plano de saúde. Ninguém pode demitir um juiz. Já o juiz pode ir embora no dia que quiser, passando para a advocacia privada, muitas vezes com êxito. Essa característica diferencia os magistrados dos vereadores e deputados, obrigados a renovar o contrato de trabalho junto à clientela a cada quatro anos. Eles optaram por uma carreira especial e são os responsáveis exclusivos pelo prestígio do Poder republicano que exercem. A insensatez e o corporativismo jogaram a imagem do Judiciário no balcão da defesa de causas perdidas.
Não se pode criar um critério para decidir o que engrandece ou apequena a magistratura. Pode-se, contudo, seguir a recomendação subjetiva do juiz Potter Stewart, da Corte Suprema americana, tratando de outra agenda: "Eu não sei definir pornografia, mas reconheço-a quando a vejo".


Acumulando o desnecessário


Acumulando o desnecessário

O mundo está dividido entre os milhões abaixo da linha da miséria, que não têm nada, e os que têm. Mas todos sonham com abundância. Falo dos que têm, mas isso inclui os que sonham em ter o mínimo e, depois, bastante.
Parece uma epidemia! Com maior frequência, ouço gente da classe média se queixando da dificuldade para se desfazer de tralhas inúteis. Não sou só eu que me sinto abafada por excessos de tudo. Minha geração toda está assim. A esta altura temos demais de tudo. Mais de 3/4 dos meus livros, confesso, estão nas estantes como quadros de uma exposição. Livro enfeita, cria aconchego. Mesmo assim, não precisava de tantos.
E roupa de cama? Quem não tem mais do que precisa? Estou falando de lares de classe média e até de lares milionários. Mas o vício da acumulação pode ser visto também entre pessoas de estilo e recursos mais modestos. Em geral, temos mais meias, sapatos e chinelos do que podemos vir a precisar na próxima década. Não estou falando de colecionadores. Colecionar é outra coisa -é ter para ter, e não para usar.
E para que tantas frigideiras, conchas, escumadeiras e roupas que nunca usamos? É preciso muita força de vontade para apagar os resquícios que ainda estão na memória coletiva do tempo em que havia somente o necessário.
Por isso a gente vai juntando, como se amanhã não fosse haver mais. Ao nos darmos conta, estamos diante de espaços empanturrados, em casa e no escritório.
Diante dessa situação historicamente insólita, nos encontramos perdidos, sem saber como lidar com isso tudo. Algumas raras pessoas que a natureza dotou de uma extraordinária aptidão espacial são capazes de ordenar os objetos em diminutos espaços. Enquanto as moradias são cada vez menores, portanto os espaços de armazenamento também, nossos bens são cada vez mais abundantes.
Vivendo neste mundo em que os bens mais caros são o silêncio e o espaço, não é fácil arrumar lugar para tudo. E aí caímos num terrível círculo vicioso.
Se não consumirmos, desempregamos. Precisamos continuar a comprar, as fábricas têm que continuar a produzir, senão os empregados não poderão consumir o que os outros estão produzindo.
É um círculo vicioso sem fim. Ou será que algum economista sabe parar essa roda da fortuna ou, quem sabe, roda da pobreza? O consumismo tem um lado sombrio. Tão difícil é a solução que o estudo do destino do não perecível se tornou objeto de teses acadêmicas. O destino do lixo sólido é assunto de política e de ciência.
 
 

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Clóvis Rossi - Narrativa alternativa para a crise

Houve uma vez um tempo em que os "países-cigarras", que gastam muito, eram formiguinhas



Toda a culpa pela crise europeia é dos gregos preguiçosos, dos italianos adeptos da "dolce vita" e dos espanhóis que preferem a "siesta" ao trabalho.
Essa é a narrativa hegemônica no noticiário e nas análises dos especialistas, quase todos guiados pelas pautas que ditam os tais mercados.

Menos mal que um economista chamado Michael Pettis resolveu fuçar em dados sobre os países que gastam muito -que seriam as cigarras dessa mal contada fábula- e os países, a Alemanha, por exemplo, que trabalham muito -como a formiguinha- e ainda por cima se veem obrigados agora a socorrer os parceiros malandros.

Pettis é pesquisador associado-sênior do Programa Ásia do centro Carnegie para a Paz Internacional, com QG em Washington. Ele separou dados de duas décadas, a que antecedeu o lançamento físico do euro e a seguinte. Escreve, sobre a Alemanha:

"Na década antes de 2000, a Alemanha aparece entre os países líderes em superavits comerciais apenas uma vez, em 1990. Mas, na década após 2000, a Alemanha é o país com o segundo maior superavit comercial todos os anos, com exceção de 2001 e 2011, em que aparece em terceiro."
Traduzindo do economês para o "fabulês": a formiga Alemanha só virou formiga depois do euro.

Vejamos agora o que Pettis chama de "a supostamente preguiçosa Itália": apareceu sempre entre os dez países com maior superavit de 1993 a 1999, para, apenas a partir de 2000, se transformar em um dos grandes deficitários.

Como explicar então a crise europeia? Pettis oferece ao leitor duas narrativas, a convencional, que abre esta coluna, evidentemente com ironia (minha, não dele), mas também "uma teoria alternativa: a de que os desequilíbrios foram causados por políticas internas -talvez a criação do euro e o mecanismo de política monetária [juros] que atendia as necessidades da Alemanha, em detrimento da periferia". Tais desequilíbrios, prossegue a análise, "criaram crescimento do emprego nos países que reduziram o consumo, e forçaram os países que não o fizeram a escolher entre endividamento e desemprego".

Termina: "Como estes países não tinham controle sobre a política monetária, a escolha foi feita por eles em grande medida pelo Banco Central Europeu, com seus juros excessivamente baixos, e o nível de endividamento explodiu."

Não estou dizendo que a Alemanha é a culpada da crise, mas as tabelas apresentadas por Pettis mostram que ela se beneficiou -e muito- do euro, às custas dos países que importavam produtos alemães ou de outros grandes exportadores.

É sintomático que José Manuel Durão Barroso, o presidente da Comissão Europeia, tenha sido forçado a publicar anteontem artigo no "El País" em que lembra que, em 2010, "a Alemanha exportou mais bens e serviços aos Países Baixos que à China, à França que aos EUA, à Polônia que à Rússia, à Espanha que ao Brasil, à Hungria que à Índia".

Posto de outra forma: as "cigarras" não sugavam o sangue da Alemanha, mas lhe davam lucro. Agora que chegou o inverno, chutá-las pode ser um tiro no próprio pé - além de imoral, conceito que não existe nesse jogo.
crossi@uol.com.br


Visto no Conteúdo Livre

A Europa quebra. Enquanto isso, no fim do mundo...

Para o senso comum brasileiro (e de muita outra gente também) a Islândia fica no fim do mundo, ou perto. À beira do círculo polar ártico, entre os países nórdicos do continente europeu e a Groenlândia, esse pequeno país de pouco mais do que 300 mil habitantes (menos do que a da grande maioria das capitais brasileiras) só é lembrado recentemente quando algum de seus vulcões joga cinzas sobre o tráfego aéreo europeu, fechando aeroportos e perturbando viagens. 
 
É, mas nem sempre foi assim. No começo deste século a pequena Islândia virou notícia: era a menina dos olhos do capitalismo tardio (porém triunfante) e completamente financeirizado. Desregulamentou completamente seu sistema bancário. As taxas sobre os ganhos de capital eram baixíssimas perto de outras no continente. Choveram capitais especulativos sobre os vulcões, vales e geleiras.

Para dar uma mão, a Islândia desregulamentou completamente seu setor trabalhista. Choviam empregos também. Houve uma vaga migratória, sobretudo de jovens, da Alemanha e de outros países europeus para lá. Não tinham garantia trabalhista nenhuma, but who cares? Quem se importa? O clima geral era de oba-oba total: jamais o paraíso capitalista voltaria a ser perturbado por qualquer indigestão.
 
Mas... o tempo passou, e o Lehman Brothers e outras instituições financeiras quebraram. A maré quebradeira logo chegou à Europa. Os capitais se retraíram. Com a mesma facilidade com que tinham entrado na banca desregulada, os capitais especulativos foram embora. Num país cujo PIB anual era de 8 bilhões, a dívida pública estourou os limites e as dívidas dos três principais bancos privados passavam do equivalente a 50 bilhões de euros (a Islândia não é da Zona do Euro).

Para completar o quadro, bancos ingleses e holandeses, que tinham investido dinheiro de seus correntistas na Islândia, congelaram os ativos daqueles bancos. Enquanto isso, a Islândia nacionalizava a dívida dos bancos, e anunciava a impossibilidade de pagar os investidores internacionais. O Banco Central do país não tinha fundos para isso.
 
Mais ainda: milhares de pessoas dormiram empregadas e acordaram na manhã seguinte sem emprego e sem nenhuma garantia, indenização ou seguro desemprego que fosse, sem aviso prévio. Afinal, não fora tudo desregulamentado para “criar empregos?”. O então governo conservador, no poder há décadas, chamou o FMI, e lá vieram as receitas de sempre: cortes nos investimentos públicos, saúde, educação, ajuda social, etc. O caos se aprofundou.
 
Mas... mais uma vez, ... havia eleições no meio do caminho, essa coisa às vezes detestável. O governo conservador caiu, subiu uma coligação social-democrata. O novo governo não se limitou a nacionalizar as dívidas dos bancos: nacionalizou temporariamente os próprios bancos. Fez uma intervenção pesada, abriu processos, houve até prisões de executivos considerados desonestos ou criminosamente negligentes. Saneou o setor.
 
Ao mesmo tempo, sem renegar o FMI (deu uma de Brasil...), como era dona de sua moeda e não estava, portanto, atada ao euro, a Islândia negociou créditos e investimentos em outras frentes: Suécia, Dinamarca, Noruega, França, Alemanha. Tinha na mão o sistema bancário nacionalizado, e mais seguro do que antes. Isso comprovou ser uma “moeda forte” na negociação. Além disso, com a nacionalização, tinha controle sobre as modalidades de empréstimos.
 
Hoje, dois dos três bancos foram reprivatizados, mas o terceiro continua estatal. Sem abrir mão de uma nova disciplina fiscal e do equilíbrio da dívida, hoje em torno de 90 % do PIB, voltou a investir na proteção social. Os empregos voltaram, mais seguros do que antes. Jovens que antes tinham debandado feito uma revoada de aves migratórias, migratoriamente retornaram a postos de trabalho hoje mais seguros do que antes. 
 
Não digo que a Islândia seja um exemplo único para o mundo, mas vai bem obrigado. Talvez isso tenha sido possível contando com a pequenez de sua economia. Mas também com a determinação de agir nos pontos fundamentais da questão: sanear o sistema financeiro, controlá-lo sem sufocá-lo, investir no equilíbrio social e manter a soberania nacional.
 
Para tranqüilizar credores e investidores (embora a contenda com a Inglaterra e a Holanda continue, já que esses países indenizaram os credores e agora querem que a Islândia os reembolse, coisa que ela tem se recusado a fazer até o momento, pelo menos) a Islândia pediu para ser admitida na União Europeia.
 
Esses processos demoram algum tempo. E a Islândia terá tempo para decidir se quer mesmo entrar. Se até o momento da palavra final ainda houver União Européia. 
 
P.S. – Com seu estilo próprio, a Islândia tomou medidas análogas às da Malásia, Brasil, Argentina, Uruguai, distanciando-se do receituário ortodoxo em maior ou menor grau. Enquanto isso o Consenso de Bruxelas se mantém atrelado ao ideário do de Washington, hoje finado, e vai arrasando o estado do bem estar social.
 
Se o mundo entrar numa recessão brutal será por causa das cinzas de Bruxelas, não as da Islândia.
 
 

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

"Por que fizeram isso comigo?"


Me parece a expressão da onça parda, após ser atingida por dardo de sedativo, em foto de Aílton Santos, para o jornal O Liberal, reproduzida na Folha de São Paulo


Os tempos anormais da Europa

Os tempos anormais da Europa

Poderia ter dado certo a convocação de referendo feita pelo primeiro ministro da Grécia, Georges Papandreou? Nunca saberemos, porque o primeiro ministro grego confirmou sua fraqueza e recuou rapidamente diante da reação violenta dos dirigentes da zona do euro.
O que significaria "dar certo" nesse caso? Significaria encontrar uma solução decente para uma crise tão grave.
O desconto de 50% da dívida pública que foi decidido na última semana foi um avanço, mas não resolve o problema maior que é o do desequilíbrio da conta corrente da Grécia, ou seja, a sobreapreciação implícita do euro grego.
Os líderes europeus ofereceram uma "solução" também para esse problema. É o plano de austeridade, medidas de contenção de despesas por meio das quais se provoca o desemprego e se reduzem os salários e os preços, e assim se deprecia a taxa de câmbio implícita da Grécia.
Mas essa solução é muito cara para o país. A Grécia já está há 18 meses em recessão, e ninguém sabe quanto tempo ainda levará para o país corrigir seus preços em relação aos da Alemanha e da Holanda.
Ao propor o referendo, Papandreou estava abrindo o caminho para a saída da Grécia do euro, e para a desvalorização da sua moeda. Dessa forma, os salários seriam também reduzidos, mas de uma só vez, e sem o custo de mais desemprego.
Para a Grécia, essa é a melhor solução. Ela não sai da União Europeia, sai apenas do euro, e volta a ter sua própria moeda, depreciada em relação ao euro.
Há riscos nessa mudança para os bancos gregos e em relação à possível inflação na nova moeda. Mas ambos os riscos são provavelmente menores do que o custo de ficar no euro e tentar realizar um plano de austeridade que é grande demais e que não tem apoio popular.
Para diminuir esses riscos é importante que a saída da zona do euro seja acordada, como já está sendo acordada a
reestruturação da sua dívida pública.
Para a zona do euro será bom que um país que se desequilibrou estruturalmente deixe de a ela pertencer. O desequilíbrio é grande demais, e não é apenas fiscal mas também cambial. E é melhor que se pense em uma saída negociada e ordenada do euro.
Ao invés, Papandreou curvou-se, e a Europa voltou para a alternativa das
reestruturações, mais a austeridade, mais o aumento do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira.
Se os agentes financeiros estivessem mais calmos e mais seguros, se não estivessem tão preocupados com o alto endividamento dos países da zona do euro, o caminho poderia ser mesmo esse, desde que a ele se somasse uma ação mais ativa do Banco Central Europeu de apoio a seus membros.
Entretanto, a Europa vive tempos anormais, o medo de novas crises deixa os mercados financeiros ainda mais instáveis do que já são, e, em tempos anormais, são necessárias soluções anormais.
Como foi o Plano Real, no caso do Brasil. Como foi a atuação do Federal Reserve Bank nos Estados Unidos depois da crise de 2008. Como precisam ser as políticas da zona do euro e do seu banco central, incluindo-se entre elas a saída de alguns de seus membros.
 
 
 

Patentes, pirataria e servilismo


Patentes, pirataria e servilismo

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

Na década de 1970, os EUA, com o auxílio de alguns países europeus, patrocinaram uma violenta campanha mundial em favor da adoção, pelos países em desenvolvimento, de legislações patentárias que incluíssem medicamentos e alimentos que, até então, por serem itens considerados essenciais para a sobrevivência, eram excluídos.
Vamos, pois, rever os argumentos utilizados a favor da adoção de uma legislação patentária. Esses derivam de três vertentes principais:
1) O inventor deve ser recompensado de seu esforço e talento;
2) A criação de um monopólio, uma reserva de mercado, promove investimentos e, portanto, a produção de bens;
3) A existência de legislação patentária é um estímulo à inovação.
A ideia de retribuição apela aos nossos sentimentos românticos, pois ainda retemos em nossa memória a imagem do inventor solitário, cabelos longos, olhos esbugalhados, ligeiramente doidivanas, porém inofensivo.
Mas essa é uma espécie extinta. O proprietário da patente é hoje uma grande corporação ou instituição, pois o benefício é para quem paga o salário do inventor.
Os EUA, seguindo o exemplo dos países europeus, mudaram recentemente sua legislação sobre propriedade intelectual de maneira drástica e desconcertante.
A patente passa a ser concedida a quem pedir o registro, e não a quem inventa, ou descobre, ou desenvolve o produto.
Com isso se consagra, pelo menos do ponto de vista dos EUA, o conceito de que a patente é unicamente um mecanismo de estímulo à produção. E não é mais estímulo à inovação nem retribuição.
Cai por terra qualquer conceito de justiça, de moral, de direito. Com que cara vão ficar os apoucados que chamaram de "pirataria" a defesa de interesses nacionais diante dos excessos contidos na legislação patentária imposta ao Brasil pelos EUA (ditada em Washington pelo Departamento de Comércio daquele país a dois eméritos ministros brasileiros durante o governo Collor).
Nessa nova forma, o princípio pragmático que orienta a legislação patentária americana é mais um incentivo à espionagem industrial do que à inovação. E não há dúvidas de que logo será seguido o exemplo dos EUA pelos países que ainda insistem na fórmula que diz que o privilégio é de quem inventa.
Ora, se o registro de uma patente serve apenas ao interesse do Estado em promover a produção de um bem pela concessão de reserva de mercado, então essa concessão deve ser avaliada caso a caso. Deve deixar de ser um direito do proponente, a quem atualmente basta seguir certas regras burocráticas.
E seria, pois, desejável que incluísse uma planilha de custos para que preços possam ser estabelecidos, sem que haja prejuízos para o cidadão. Como também deve a duração do monopólio ser negociada.
Não devemos esquecer o que foi verificado pela Comissão Churchill do Senado americano, ou seja, que 95% dos registros de patentes no México, Brasil e Argentina serviam para impedir e produção, não para incentivá-la.
 
 
 

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Europa impõe neocolonialismo à Grécia, diz economista

Europa impõe neocolonialismo à Grécia, diz economista

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

A queda de George Papandreou é uma vitória do mercado financeiro, que conseguiu enterrar a ideia --mal encaminhada-- do plebiscito na Grécia. O pacote de resgate imposto pela Europa ao país é "uma forma de neocolonalismo".
A análise é do economista chileno Gabriel Palma, 64, professor da Universidade de Cambridge (Reino Unido). "Alemanha e França pensam que têm o direito de decidir o que acontece na Grécia depois do resgate. A falta de democracia é absoluta", diz.
Especializado em econometria e desenvolvimento, ele avalia que "o pior fantasma que há na Europa é a Itália".
Palma critica o que chama de "passividade da América Latina" em relação ao crescimento puxado pelo preço excepcional das commodities e por fluxos de capitais externos. A Argentina é exceção, pois "está tomando medidas mais agressivas, mais pragmáticas".
Ataca a política de altos juros brasileira, que classifica como "monetarismo do século 19", e define a desindustrialização do país como um processo de "vandalismo econômico".
 
FOLHA - O que acontece na Grécia?
GABRIEL PALMA - O que acorreu na América Latina muitas vezes. Foi criada uma crise e os que pagam pela crise são outros. A Grécia cortou 25% da educação pública, 25% da saúde pública, deixou a habitação a zero. Nenhum desses setores foi causa da crise. Uns se beneficiaram e são outros os que estão pagando. Na Grécia, entre 2002 e 2007, o valor do estoque de bens financeiros (bolsa, ativos bancários, bônus públicos e privados) triplicou em termos reais. Cresceram seis vezes mais rápido que o PIB. A mentalidade moderna fala que o preço do ativo financeiro sempre reflete os fundamentos da economia. Obviamente não é isso.
 
Por que houve essa reação tão forte contra o plebiscito, agora descartado?
Na Irlanda o governo anterior ficou com todas as perdas do sistema privado. Fez sem perguntar a ninguém. Todos esses planos de resgate têm um elemento muito antidemocrático. Passam a dívida privada para a pública sem perguntar a ninguém. Chamar um referendo para o resgate não tinha muito sentido porque não era o ponto fundamental, que é se a Grécia segue no euro.
Na Islândia houve dois plebiscitos sobre a socialização das perdas. Se se faz um plebiscito o mais provável é que se diga não. Que a dívida privada fique com os privados. O grande erro de George Papandreou foi não ter feito isso quando assumiu o governo em outubro de 2009. Quando se passam perdas privadas para o setor publico tem que perguntar às pessoas que vão pagar. Os setores financeiros têm a maior parte desses governos no bolso. Ninguém quer a democracia. Ninguém quer o que houve na Islândia. Papandreou estava fazendo algo que era necessário, mas mal feito.
 
O que a Grécia deveria ter feito?
O fez a Argentina em 2003: renegociar imediatamente com os mercados financeiros. Se eu vou a um banco e peço U$ 1 milhão para ir ao cassino e perco, a culpa é minha. Mas também do banco que emprestou dinheiro para uma coisa tão absurda. É assim o caso da Grécia. Os que emprestaram essa quantidade de dinheiro à Grécia são igualmente responsáveis por essa situação insustentável.
Na Grécia, até agora [segunda-feira, 7/11] não conseguiram chegar a um acordo sobre o primeiro-ministro, já que a escolha obvia --o ex-vice-presidente do Banco Central Europeu, Lucas Papademos-- está reivindicando muitas condições. De qualquer forma, concordaram com uma eleição geral em fevereiro, que não deve gerar um governo forte, pois nenhum partido deve ganhar a maioria.
 
A ameaça da França e da Alemanha contra o plebiscito não deixam a Grécia numa situação de pouca independência?
Sim. As condições que a Europa impôs à Grécia para o plano de resgate são uma forma de neocolonialismo. É cortar os gastos de educação, saúde, habitação --que paguem os que não têm responsabilidade pela crise. Houve um nível de brutalidade e de caráter antidemocrático muito forte. Alemanha e França pensam que têm o direito de decidir o que acontece na Grécia depois do resgate. A falta de democracia é absoluta.
 
A queda de Papandreou é uma vitória do mercado financeiro?
Sem dúvida. Isso que ele tinha feito, até poucos dias atrás, exatamente o que os mercados financeiros queriam. Hoje os mercados financeiros e as grandes corporações têm o poder de trocar governos, trocar primeiros-ministros. Isso é o fundamental da falta de democracia. Passado o drama [anúncio do plebiscito, queda de Papandreou] a atenção se volta para a Itália.
 
O caso grego é o pior?
O pior fantasma que há na Europa é a Itália. Nos próximos dois anos 600 bilhões de euros, quase U$ 1 trilhão, da dívida vencem e precisam ser renegociados. Qual será o preço? Não vejo de onde possa vir um governo forte, racional, capaz de adotar políticas fiscais que faça a situação sustentável. A menos que se tomem medidas muito drásticas. Uma das poucas soluções para a Itália seria que, de forma unilateral, transformasse sua dívida curta em dívida longa. Uma solução dolorosa.
A dívida total da Grécia é algo em torno de 350 bilhões de euros. E essa é a quantia que a Itália precisa renegociar todo ano. Ao menos a Itália não tem um déficit primário, como a Grécia, mas nas taxas de juros atuais --aproximadamente 7% na renegociação da dívida-- o país está entrando num esquema de Ponzi: precisam pegar dinheiro novo emprestado apenas para pagar o serviço da dívida existente.
Ou seja, precisam adicionar o serviço ao estoque da dívida. O problema central é que a dívida italiana, de quase 2 trilhões de euros, é cerca de duas vezes todo o fundo de resgate do euro. E a Espanha pode ser a próxima --embora a relação dívida/PIB seja apenas metade da italiana, o déficit do setor é de 9% do PIB e o desemprego chegou a 21%.
Veja a confusão. A maior dívida pública na União Europeia é a da Grécia, de 143% do PIB em 2010. Depois vem a Itália, com 120%. Bélgica, Portugal e Irlanda, com menos de 100%.
 
A Grécia deveria ter renegociado de forma unilateral?
No primeiro dia. Como fez a Argentina. Os bancos europeus estão numa situação precária não só pela situação da dívida pública, ativos da dívida grega espanhola italiana, mas porque tinham ativos de subprime dos EUA e outros ativos muito precários. Não há como subestimar a precariedade dos bancos europeus.
 
E os resgates?
Os governos europeus saíram comprando dívida grega, que é de curto prazo. Houve uma transferência da dívida do mercado financeiro para os governos europeus. Esses governos europeus fizeram pressão em alguns bancos para que eles também mantivessem a dívida grega. Se há um default forte grego alguns bancos europeus vão sofrer fortemente, principalmente alemães e franceses. Mas 100% desses bancos vão ser resgatados pelos governos de seus países. Não vão fazer outro Lehman, com grandes perdas privadas. A dívida pública européia vai aumentar mais com o resgate desses bancos.
 
Está previsto um corte de 50% na dívida grega. Mas hoje os bônus valem quanto?
No mercado secundário o bônus vale menos de 50%. Hoje em dia não há preço, está tudo no ar. Hoje não vale nada, até que as coisas se resolvam. Antes dessa negociação era mentira que valiam 100%. Baixar a 50% é reconhecer um fato que já existe. Foi uma negociação da Alemanha e da França com os bancos privados que têm a dívida grega.
Mas o grande problema é a dívida italiana. Os bancos alemães e franceses têm muita dívida italiana. Esses 50% é sobre o que vale a dívida grega, mas a maior parte dela está com os governos europeus e alguns bancos grandes que têm de alguma forma a garantia dos governos. Se algum banco entrar em dificuldade os governos vão resgatar esses bancos. Por isso não creio que vá haver um grande mercado secundário de dívida grega como houve na América Latina.
 
A China vai salvar a Europa?
China já tem U$ 600 bilhões de dívida europeia. A China também pode ter muitas perdas. Mas os governos querem que a China compre mais, mais dívida italiana e espanhola. O mais provável é que compre um pouco. A pressão sobre a china é muito forte nesse momento, porque eles têm uma quantidade enorme de US$ 3 trilhões de reserva. Podem comprar toda a dívida espanhola e toda a dívida italiana. O grande problema dessa dívida é que é de curto prazo.
 
Por que China faria isso?
Para a China não convém um desastre mundial; tem interesse em deixar as coisas pelo menos como estão agora. Ela tem U$ 600 bilhões de dívida europeia. Se a china comprar a divida haverá muito menos pressão para que ela faça uma valorização da sua moeda. Há também fatores políticos. O mais importante é que, se amanhã a China tomar Taiwan numa negociação e a transformar numa Hong Kong, não haverá um país do mundo que vai se atrever a levantar um dedo. É a questão política para a China: ter todo mundo dependendo dela de tal forma que ninguém reclame sobre direitos humanos, sobre a valorização da moeda, nem por sua política em relação a Taiwan.
 
A China está desacelerando?
O crescimento continua a taxas muito espetaculares. A China é a única coisa que funciona nesse mundo, com Índia e algo de Ásia. É o único motor que está empurrando a economia mundial. Se desacelerar, complica a situação. China e Índia têm um mercado interno fantástico. Se os mercados externos se desaceleram, eles podem olhar mais para o mercado interno. E a China tem uma situação de balanço de pagamentos muito positiva.
 
Qual sua avaliação sobre as medidas sobre câmbio e fluxo de capital tomadas pela Argentina?
A Argentina é um caso à parte, faz coisas diferentes em política econômica. No resto da América Latina, Brasil, Chile, Peru não houve mudanças significativas de política econômica; são neoliberais. Os juros do BC brasileiro são os mais altos do mundo; no câmbio, o real é o mais sobrevalorizado do mundo, segundo o Goldman Sachs. São políticas ortodoxas, como na grande parte da América Latina. O êxito tem se baseado no crescimento dos preços das commodities e na grande entrada de capital estrangeiro.
A situação desses dois fatores que têm empurrado o crescimento é bastante incerta. O preço das matérias-primas não tem motivo para seguir subindo na situação atual. E a entrada de capital pode mudar a todo o momento. Os governos se ajustaram a isso como se fosse uma situação permanente e não transitória. Fizeram ajuste pelo consumo, não por investimento. Se os termos de intercâmbio voltam a níveis normais ou a entrada de capital se reduzir, o ajuste que terá que fazer a América Latina vai ser bastante forte.
E a probabilidade de que isso aconteça é alta. O preço das matérias-primas está onde está metade por causa da China, da Índia etc. E a outra metade é pela grande especulação das commodities. Essa especulação pode perfeitamente terminar. Pode haver um ajuste muito forte e muito rápido. Estamos dependendo de dois estímulos muito instáveis. O problema é que América Latina se ajustou a isso. Se os termos de intercâmbio fosse os históricos, o déficit de conta-corrente do Brasil seria mais do dobro do que é agora.
 
Mas Brasil tem mercado interno grande, uma indústria. Mesmo assim o ajuste seria grande?
O mais importante que vai minorar o ajuste são as grandes reservas que tem o BC; é um grande colchão. Isso México, Peru e Chile não têm. Com sorte, o Brasil vai seguir. Com má-sorte vai desacelerar mais.
 
O Brasil deveria cortar mais os juros?
O que mais me perguntam quando viajo à Ásia é: o que estão pensando os brasileiros para ter a política monetária que têm? Para mim é uma situação de monetarismo do século 19. A única razão que existe é a inércia. O ponto das taxas de juros é sempre o mesmo: é muito fácil subi-las, mas muito difícil baixá-las, criou-se uma inércia. Como subiram no nível que subiram é muito difícil baixá-las para ter uma política monetária racional.
 
E as medidas argentinas?
Argentina é diferente na América Latina, tanto na política monetária quanto nos problemas que tem. Não que eu seja otimista, mas ao menos, uma coisa interessante na Argentina é que se está tomando medidas mais agressivas, mais pragmáticas, no sentido de uma política monetária expansiva, uma política fiscal expansiva, de uma regulação dos fundos de pensão e de outras partes do mercado financeiro. Pelo menos está fazendo algo.
Uma coisa que para mim me desespera é a passividade do resto da América Latina, de um pouco sentar-se e esperar para ver o que acontece. A Argentina tem uma política mais pró-ativa, não só reativa. Isso ao menos lhe dá uma possibilidade de seguir adiante. Não dá para subestimar os problemas da economia argentina.
 
Por quê?
A Argentina tem uma situação de balança de pagamentos muito mais complicada que o Brasil. Não só o balanço de pagamentos depende do preço alto das commodities, mas também as receitas públicas. O dia em que o preço da soja e de outros produtos importantes para a Argentina, como o trigo, voltar a seus níveis normais, o país não só ter um problema de balanço de pagamentos, mas também fiscal. No dia em que os preços do ferro e da soja voltarem a níveis normais, o Brasil terá um problema sério de balanço de pagamentos, mas não de contas públicas. Argentina terá os dois.
 
Mas as medidas são boas?
São muito melhores do que não fazer nada. Melhor do que a posição brasileira de usar só política monetária, deixar o câmbio flexível, deixar que os mercados ajeitem as coisas. Hoje em dia eles não são capazes de ajeitar nada. Portanto, fazer algo na direção certa é muito positivo. É difícil saber se essas medidas serão suficientes, ou ela terá que tomar medidas mais fortes.
 
O que o Brasil deveria fazer?
Sem dúvida não tem nenhum sentido o câmbio nem a taxa de juros. Essas duas variáveis não têm nenhum fundamento na realidade da economia brasileira nem de nenhuma perspectiva de teoria econômica ou de um ponto real. É basicamente deixar que os mercados financeiros internacionais determinem o tipo de câmbio brasileiro. É inaudito, pois o Brasil deveria estar defendendo a sua capacidade produtiva doméstica. Mas com esse câmbio e com essa taxa de juros, estão destruindo a indústria manufatureira brasileira.
Estamos vivendo uma situação em que os países, incluindo China e Índia, deverão cuidar mais de seus mercados domésticos como motor de crescimento. Nessa situação é imperdoável o que o Brasil fez com sua indústria manufatureira. Em 1980, o valor da produção manufatureira brasileira em dólares era igual que a soma da China, Índia, Coreia, Malásia e Tailândia. Hoje é 10% dessa soma.
Isso é vandalismo econômico. O Brasil tinha uma capacidade manufatureira que o colocava numa situação muito favorável para aproveitar a globalização com uma força industrializadora interna. E, por sua política monetária, cambial, de taxa de juros, e abandono da política industrial fez exatamente o contrário. Fez com que a indústria brasileira como percentagem do PIB caísse à metade do que era em 1980.
Custa muito construir e é muito fácil destruir. Ter construído uma indústria manufatureira como tinha o Brasil em 1980. Tinha os seus problemas, mas eram muito menores que os que tinham a indústria manufatureira chinesa ou hindu. Esses países conseguiram uma industrialização sem precedentes. O argumento de que isso aconteceu porque os salários são menores na Índia e China do que no Brasil não tem sentido.
Porque o que importa do ponto de vista produtivo é o custo laboral por unidade de produto. Ainda que o salário brasileiro fosse o dobro do chinês, a produtividade brasileira era três vezes a chinesa. Era mais barato produzir no Brasil. O custo unitário da produção manufatureira brasileira nos anos 1980 era menor que o chinês. Porque o diferencial de produtividade era maior que o diferencial de salário.
O Brasil tinha uma indústria muito poderosa, uma situação de baixos custos produtivos, numa situação ótima pra aproveitar a globalização e transformar-se num centro industrial muito forte, especialmente no processamento de matérias primas. E, em lugar disso, abandonou sua indústria manufatureira à sorte dos mercados, com esse tipo de câmbio, taxas de juros. Os países asiáticos, partindo de uma situação muito pior do que a brasileira, o superaram.
Daqui para adiante, os mercados domésticos vão ter um papel mais importante para o crescimento, mais do que tiveram nos últimos 20, 30 anos. Isso vai custar caro ao Brasil. Como há setores dinâmicos na economia brasileira, há pelo menos uma base para reconstruir a indústria. Mas para isso precisa mexer no câmbio, na política industrial, uma taxa de juros. É necessário fazer mais o que Luciano Coutinho está tentando fazer no BNDES, e não o que o BC está fazendo. É preciso um projeto nacional.


Entrevista publicada na Folha.com .