quarta-feira, 16 de julho de 2014

China intensifica repressão a cultos

China intensifica repressão a cultos

POR ANDREW JACOBS

PEQUIM - Enquanto esperava o marido e o filho de sete anos em um McDonald's na cidade de Zhaoyuan, na província de Shandong, leste da China, Wu Shuoyan foi abordada por membros de uma seita cristã que tentaram convencê-la de forma agressiva a aderir à sua fé.
Após Wu se recusar a dar seu número de telefone, vários membros do grupo a espancaram até a morte, um ato brutal filmado com um telefone celular e amplamente divulgado na internet.
Embora a indignação chinesa inicialmente enfocasse os numerosos transeuntes que não ajudaram a mulher naquele dia, em maio, a mídia nacional posteriormente tentou redirecionar o clamor popular para o que o governo chama de "cultos malignos" -as duas dezenas de seitas religiosas ilegais frequentemente demonizadas pelas autoridades como coercitivas e perigosas.
Nas duas semanas seguintes ao assassinato, publicações sob controle estatal produziram uma série de artigos detalhando os supostos comportamentos predatórios da Igreja de Deus Todo-Poderoso, que é a do grupo culpado pelo ataque. A agência de notícias Xinhua informou que as autoridades haviam detido cerca de 1.500 membros do culto, mas aparentemente muitos deles tinham sido presos em 2012.
"Cultos religiosos recrutam e controlam os seguidores, inventando e disseminando superstições e heresias", declarou o Ministério de Segurança Pública no mês passado. Defensores de direitos humanos e alguns líderes religiosos dizem que a atual campanha contra cultos é equivocada e muitas vezes viola a lei chinesa.
No caso do Falun Gong, uma prática de meditação cujos membros chegaram a totalizar milhões, o mero fato de ter algum livreto do grupo é motivo para tratamento brutal por parte da polícia e prisão.
Teng Biao, advogado de defesa que representa membros do Falun Gong, disse que as detenções mais recentes têm motivação política. "Essas ações são para erradicar um grupo inteiro de seguidores, não apenas os que cometeram crimes", afirmou ele. Talvez o que mais assuste a liderança chinesa seja a determinação do grupo da Igreja de Deus Todo-Poderoso para dar fim ao "Grande Dragão Vermelho", uma referência ao Partido Comunista no poder.
Apesar de sua reputação por proselitismo coercitivo que críticos descrevem como lavagem mental, os membros da igreja não se notabilizam pela violência. Especialistas sugeriram que o assassinato recente foi obra de um indivíduo insano.
Durante uma confissão transmitida pela CCTV, o homem apontado como mentor do ataque, Zhang Lidong, disse que a vítima era um "espírito maligno" que merecia morrer. "Nós não tememos a lei, pois temos fé em Deus", afirmou.
Alguns especialistas dizem que a Deus Todo-Poderoso, também conhecida como Luz do Oriente, pode ter 1 milhão de membros na China. Membros da seita fundada em 1989 por Zhao Weishan acreditam que Deus voltou à Terra como uma mulher chinesa. Após a seita ser banida em 1995, Zhao supostamente fugiu para os EUA.
Líderes de muitas igrejas cristãs condenam a seita por seus ensinamentos e métodos de recrutamento. No entanto, certos líderes religiosos chineses temem que campanhas contra grupos heterodoxos atinjam todas as congregações malvistas pelo Partido Comunista.
No passado, os advogados que se ofereciam para representar os acusados de atuar em seitas eram perseguidos.
O advogado Wang Quanzhang ficou preso vários dias no ano passado depois que um tribunal o acusou de perturbar o julgamento de um réu ligado ao Falun Gong.
"As pessoas não deveriam ser presas por causa de suas crenças", opinou Wang. "Mas se houver prova, por exemplo, de que alguém de fato matou ou feriu outra pessoa, então deve haver um processo legal."


Notícia do The New York Times, reproduzida na Folha de São Paulo

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