quarta-feira, 9 de julho de 2014

'Obrigado', diria o técnico da seleção de 1950 a Felipão


Mal o juiz apitou o fim do jogo entre Brasil x Alemanha, rumei para a casa de Zé Cabala, o carteiro das almas, o WhatsApp do além.
Quando me viu, ele disse: –Há quanto tempo, caro foliculário. Quem você quer entrevistar desta vez?
Abaixei a cabeça em reverência, juntei as palmas das mãos e disse: –Supremo Sedex dos espíritos, eu gostaria de saber o que importantes técnicos do passado poderiam dizer para Felipão neste momento tão difícil.
Ele coçou o turbante e disse: –Entrevista coletiva é mais caro.
Pensei no que a Folha me pagaria e vi que não sobraria muito. Sem opção, aceitei.
Em seguida o grande mestre da psicofonia deu sete giros e falou com leve sotaque mineiro: –Minha mensagem é a seguinte: Felipão, meu rapaz, não fique triste. Eu sei o que é perder uma Copa. Na verdade, sei o que é perder duas. Mas resultado não é tudo. O importante é ser lembrado pelo futebol bonito da seleção, pela sede de gols, pelo toque de bola inteligen... Ops, pensando melhor, acho que você vai ter que ficar triste mesmo.
Depois que Telê Santana voltou ao além, Zé Cabala deu mais sete voltas, caiu no sofá e, bocejando, disse: –Vicente Feola, às suas ordens.
Não perdi tempo, disparei: –O senhor teria algo para dizer ao nosso técnico?
–Olhe, eu também ganhei uma Copa, a de 58, e depois perdi outra, a de 66. Com isso aprendi que a memória do povo é seletiva. Seleciona sempre o pior. Tanto que até apedrejaram minha casa depois da Copa da Inglaterra. Nem voltei com os jogadores. Tive que ficar passeando na Europa até as coisas acalmarem. Meu conselho é: faça uma viagenzinha. Dizem que a China é bem bonita nessa época do ano.
Zé Cabala deu mais sete giros. Quando parou, fez uns polichinelos, bateu continência e disse: –Capitão Cláudio Coutinho se apresentando.
–Poderia falar algo para consolar o Felipão?,eu disse.
–Somos campeões morais!
–Mas perdemos de 7 a 1.
–7 a 1? Então não posso ajudar. Perder de 7 é imoral.
Zé Cabala deu suas últimas sete voltas. Quando parou, tinha um ar meio cansado no rosto. Ele andou lentamente até mim, pôs a mão em meu ombro e disse:
–Sabe?, eu fui muito criticado. Falavam que eu era autoritário, que eu era truculento, que eu pensava que sabia tudo... Mas o pior foi quando eu perdi a Copa. Fiquei marcado para sempre. Até hoje, quando olham minha lápide, apontam para meu nome e dizem: esse homem é o culpado pela maior derrota da história do nosso futebol.
–Já sei, o senhor é Flávio Costa, o técnico do Brasil na Copa de 1950.
–Isso mesmo.
–E o senhor teria umas palavras para dizer ao Felipão?
–Só uma. Obrigado.


Crônica de José Roberto Torero, na Folha de São Paulo

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