segunda-feira, 28 de julho de 2014

Muito ódio, pouca terra


A guerra de Gaza levou ao paroxismo o ódio recíproco entre judeus e palestinos, que já vinha crescendo sem cessar desde a primeira Intifada (1987/1993).
Não que não houvesse ódio antes dela, mas a convivência ainda parecia possível, tanto que os dois lados conseguiram chegar, em 1993, aos chamados Acordos de Oslo, o momento mais próximo da paz que atingiram.
Pena que já faz 21 anos, e a evolução, daí para a frente, em vez de ser na direção do entendimento alinhavado à época, foi no rumo exatamente oposto.
Do ódio do Hamas (Movimento de Resistência Islâmico), que governa a faixa de Gaza, diz bem a sua, digamos, Constituição, que prega a destruição de Israel.
O que torna o ambiente irrespirável é que o ódio está crescendo também no território (a Cisjordânia) governado pela Autoridade Palestina, que convive com Israel com dificuldades cada vez maiores, mas ainda convive.
Na quinta-feira (24), para citar apenas um exemplo, a Autoridade Palestina convocou um "dia de ira" em toda a Cisjordânia, para protestar contra as mortes em Gaza. Morreram até esta sexta-feira (25) seis palestinos.
Por fim, o ódio disseminou-se em Israel, país em que os árabes são um quinto dos 8 milhões de habitantes. Registra, por exemplo, a "Economist" que está nas bancas:
"A guerra de Israel em Gaza está arruinando as relações árabes/judeus, lá [em Gaza] e em outras partes de Israel. Os judeus de Israel acham que seus soldados estão defendendo sua terra de terroristas dotados de foguetes de longo alcance; os árabes de Israel os veem [aos soldados] como os que massacram seus parentes de Gaza".
O ódio aos árabes de Israel é relatado até por um acadêmico, Emanuel Shahaf, que serviu na comunidade de inteligência do gabinete do primeiro-ministro e é membro do Conselho para a Paz e a Segurança, em artigo para o "Times of Israel", que está longe de ser pró-palestino.
"Um escorregão verbal, uma mão levantada, uma demonstração desregrada de um grupo de jovens ou uma pedra atirada contra a polícia --e o inferno baixa [sobre o palestino]. Aos olhos do judeu israelense médio, eles [os que fazem os movimentos citados] perdem imediatamente seus direitos, têm de ser chutados para fora, internados, mortos, o que você quiser."
Shahaf diz que, "nas circunstâncias, os árabes de Israel são bem mais leais ao Estado do que se poderia esperar, e certamente mais leais do que o Estado o é com eles". E pergunta: "Até quando isso vai continuar?".
É razoável supor que a guerra de Gaza pode marcar um ponto de não retorno, a partir do qual se torne definitivamente inviável a já difícil convivência entre duas comunidades obrigadas a dividir um espaço que é, aproximadamente, do tamanho de Alagoas, o segundo menor Estado brasileiro.
É por isso que se torna não apenas urgente, mas vital um cessar-fogo que vá além da mera suspensão temporária de hostilidades para atacar as causas de fundo do conflito atual.

Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo

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