quarta-feira, 31 de julho de 2013

Rolling Stones (II): Título do filme vem de canção pornográfica

Título do filme vem de canção pornográfica
DO EDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"

A sequência inicial do filme "Cocksucker Blues" explica o título do documentário. Marshall Chess, presidente da então recém-fundada Rolling Stones Records, conta a história da canção homônima.
Seguindo os passos dos Beatles, Jagger e Richards decidiram abrir o próprio selo. Mas o contrato com sua antiga gravadora, Decca, exigia um último single.
Contrariada, a banda resolveu então gravar algo pornô, que a Decca certamente rejeitaria e nunca seria lançado.
Surgiu "Cocksucker Blues", canção arrastada que fala de um garoto londrino que faz sexo oral e anal com policiais. Chess põe a música para tocar, o que funciona como prelúdio do tom pesado do filme.
Não há glamour no documentário. Nem beleza. As imagens são captadas em super 8 --apenas as cenas de shows são coloridas, ficando em preto e branco as filmadas em camarins, quartos de hotel, aviões, casas e estúdios.
Há sujeira por todos os lados, como garrafas, restos de comida e cinzeiros cheios. São cenas para derrubar a aura fashion dos Stones: Richards está quase sempre sem camisa e de calça jeans puída; Jagger dá entrevistas a uma rádio de cueca e cabelo desgrenhado.
Cada um deixa transparecer o que tem de pior. Jagger é autoritário, ranzinza, dá xilique. Richards, alternando cigarros, bebidas e heroína, parece um zumbi, entre o riso solto e a carranca. Celebridades como Andy Warhol e o escritor Truman Capote ficam zanzando como moscas em torno dos Stones.
O quadro é depressivo. O baterista Charlie Watts aparece numa cena assistindo à TV, com ar perdido, olhando o vazio. Boa representação do momento emocional da banda.
Mas "Cocksucker Blues" também tem música. E 1972 marca a melhor fase criativa dos Stones. São performances matadoras de clássicos como "Brown Sugar" e "Satisfaction" --esta com participação de Stevie Wonder, então com 22 anos e artista que abria os shows da turnê.
O momento mais bacana traz Jagger e Richards cantando "Happy". Os dois, dividindo um microfone, ainda formam a imagem mais emblemática do rock and roll.

Rolling Stones (I): Sexo, drogas e pouco rock

Sexo, drogas e pouco rock
O setentão Mick Jagger tenta, mas não pode impedir que documentário proibido dos Stones feito em 1972 seja visto e vendido por aí

THALES DE MENEZESEDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"

Ainda na ressaca da comemoração do cinquentenário da banda, os Rolling Stones atravessam agora o 51º ano de vida em turnê festejada.
Em comparação com seus shows de 1972, as músicas são quase as mesmas --o grupo não fez muita coisa boa de lá para cá--, mas fora do palco as coisas devem ter mudado.
Aos 70 anos, completados na última sexta-feira, Mick Jagger não deve ter mais fôlego para encarar a maratona de sexo, drogas e rock and roll na qual a turnê americana de 1972 estava inserida.
Ele, Keith Richards e Charlie Watts talvez queiram esquecer a fase de devassidão, mas há um fantasma que não permite enterrar essas memórias: o documentário "Cocksucker Blues", hoje presente em vendas on-line ilegais.
Dirigido por Robert Frank, o filme sobre os bastidores da excursão foi encomendado pela banda e, posteriormente, proibido por ela.
Em 1977, o diretor ganhou na Justiça o direito de fazer uma exibição pública anual da obra, desde que ele próprio esteja presente. Frank, 88, compareceu em novembro ao MoMA (Museu de Arte Moderna) de Nova York, que incluiu o documentário em um festival. Jagger registrou um protesto oficial contra a exibição.
Durante anos, pessoas levavam câmeras para filmar o que aparecia na tela nessas sessões. Versões assim circulavam no Brasil, no início dos anos 1980, com a chegada das fitas VHS. A qualidade de imagem era sofrível e várias vezes era possível ver na parte de baixo da tela as cabecinhas das pessoas na plateia.
Atualmente essas sessões não são tão concorridas. A cada ano, o avanço da pirataria espalha mais cópias de "Cocksucker Blues". Para fúria de Jagger, versões com mais qualidade circulam na internet em vídeos compartilhados ou na venda de DVDs "físicos", com capa e ficha técnica.
Até a respeitável loja eletrônica Amazon é usada pelos piratas; volta e meia surge na seção de usados do site uma cópia do filme ""na semana passada, um DVD de "Cocksucker Blues" estava à venda por cerca de R$ 330.
O filme entra e sai do YouTube. Raramente completo, é habitualmente colocado em trechos. Depois de horas ou dias no ar, é excluído pela política de direitos autorais do YouTube. Na última segunda-feira, cinco arquivos com trechos eram encontrados ali.
Mas, afinal, o que perturba tanto em "Cocksucker Blues"?
Para começar, o título, algo como "O blues do chupador de pau", tirado do título de uma polêmica canção da banda.
Depois, cenas explícitas de consumo de drogas e outras quase explícitas de sexo grupal. Na maior parte, protagonizadas por funcionários e amigos dos Stones.
Mas Jagger aparece com a mão dentro da calça, se masturbando, e cheirando cocaína. Richards prepara e consome heroína, além de beber galões de destilados.

SEXO NO AVIÃO

Em uma cena que não aparece em todas as versões piratas, amigos fazem farra no avião da banda com várias tietes nuas e drogadas, enquanto os integrantes da banda batucam e aplaudem. Richards percebe que Frank está filmando e pede que ele pare.
Um dos maiores fotógrafos do século 20, o suíço radicado na América foi contratado pelos Stones, que admiravam suas fotos, notadamente "The Americans", livro de 1958.
Sua intenção de registrar sem censura o mundo dos Stones é atraente e melancólica. Jagger e Richards aparecem fragilizados em sua condição de ídolos paparicados.
Deuses do rock também são criaturas mundanas.

Reprodução da Folha de São Paulo

Armas, EUA e Américas

Pouco depois de um adolescente massacrar 27 crianças e professores em Connecticut no ano passado, um estudante brasileiro me perguntou se eu achava que os EUA tinham uma "cultura de violência".
Truísmo: os americanos gostam de armas. E alguns deles vivem segundo uma máxima de individualismo à moda dos pioneiros, muitas vezes ligada a uma paixão fervorosa pela 2ª emenda da Constituição.
Mas a razão para um mercado pouco regulado de armas está ligada mais à política que a uma cultura mitológica: a indústria de armas tem poder demais, simplesmente.
Os latino-americanos, especialmente os mexicanos e centro-americanos, sentem os efeitos secundários de leis permissivas dos EUA. Em 2010, o índice de homicídios ligados a armas de fogo na região superou a média global em 30%.
O Banco Mundial estima que a violência custe à América Central quase 8% de seu PIB. O Brasil, com sua própria indústria de armas, tem o mais alto número anual de homicídios cometidos por armas de fogo no mundo, seguido por Colômbia, México e Venezuela.
Mas não são somente as armas e munições que fluem do norte para o sul. É também a política.
Em 2005, a NRA (Associação Nacional dos Rifles) ajudou a derrotar um referendo no Brasil que teria proibido a venda de armas e munições a cidadãos particulares.
Após os massacres no Texas, no Arizona, no Colorado e em Connecticut em sua administração, Barack Obama e Joe Biden, juntamente com grupos que defendem o controle de armas, começaram a contestar as táticas da NRA. Não obstante o impasse no Congresso americano, alguns Estados, como Califórnia, Connecticut e Maryland, aprovaram leis mais rígidas de controle de armas.
A indústria americana de armas de fogo para civis continua a fornecer armas às redes criminosas transnacionais da região.
Neste ano, o Senado americano rejeitou medidas para ampliar as verificações de antecedentes dos compradores de armas, restaurar a proibição federal das armas de assalto e converter em crime federal a compra de armas de fogo para outros que não poderiam adquiri-las.
A política americana em relação às armas levará algum tempo para mudar. Em sua política externa, porém, Washington tem algumas opções para concretizar seu discurso sobre "responsabilidade compartilhada", com ações executivas para reduzir o tráfico de armas e munições de assalto nas Américas.
Você pode ler sobre o assunto no cfr.org no artigo "A Strategy to Reduce Gun Trafficking and Violence in the Americas", publicado nesta semana.
O Brasil tem a segunda maior indústria de armas nas Américas. Isso significa que EUA e Brasil compartilham uma "cultura de violência"? Não sei. Mas compartilham a responsabilidade de limitar o fluxo de armas leves na região.
Eis minha resposta ao estudante: quando Dilma for a Washington, em outubro, que tal os dois presidentes lançarem uma estratégia EUA-Brasil para reduzir os estoques de armas ilegais na região?


Texto de Julia Sweig, na Folha de São Paulo

Operários chineses anseiam por lazer

Operários chineses anseiam por lazer
Por DAN LEVIN

ZHENGZHOU, China - A casa noturna mais animada desta cidade industrial é um bar coberto de neon, localizado na mesma rua do parque industrial onde iPhones são produzidos 24 horas por dia.
Nos fundos de um terreno em construção sem muros, a Trough the Summer, como a casa noturna é conhecida, tinha de tudo numa recente noite de sábado -apitos de plástico, falso sabres de luz e um comediante vulgar que bebia cerveja pelo nariz.
Liang Yulong, 19, que testa placas-mães de iPhones no parque tecnológico Foxconn Zhengzhou, chegou à discoteca com um só objetivo em mente: tirar da cabeça, numa pista de dança dotada de molas, a sua lúgubre realidade diurna. "Dançar permite extravasar a raiva e o estresse", disse ele, com um cigarro na mão. "Quando estou aqui, esqueço todo o resto."
Nos rudes subúrbios de Zhengzhou, capital da província de Henan, a fauna noturna revela um aspecto pouco explorado da cadeia global de suprimento: as escapadas das horas vagas, que dão motivação às massas de operários para que eles voltem à linha de montagem.
As mãos que produzem os aparelhos eletrônicos do mundo pertencem quase inteiramente a jovens com sonhos próprios, entre os quais não está o de passar a vida se contentando com um penoso trabalho industrial. O precioso tempo livre desses operários é uma rara chance de desfrutar do presente. "Todos ficam malucos à espera do fim de semana", disse Bai Sihai, 24. Seu plano? Jogar videogame feito louco numa lan house e depois fazer uma ligação interurbana para a namorada.
Os donos das fábricas estão começando a ver os méritos do lazer nas horas vagas.
Nos últimos anos, uma onda de distúrbios e suicídios na província de Henan chamou a atenção para as condições trabalhistas. Em abril e maio, dois operários e um candidato a um emprego morreram ao se atirar dos alojamentos que hospedam trabalhadores da fábrica de Zhengzhou, propriedade da Foxconn, gigante industrial que produz aparelhos eletrônicos para a Apple e a Microsoft.
A Foxconn diz que os suicídios não tiveram relação com o trabalho na fábrica. Também em maio, um operário se suicidou numa fábrica da Samsung na província de Guangdong, onde organizações de direitos trabalhistas documentaram várias violações, como horas extras compulsórias e trabalhadores com idade inferior à permitida.
Sob pressão, a Foxconn aumentou os salários e reduziu as horas extras. Na fabrica da Quanta em Xangai, que produz componentes para empresas como Apple, Toshiba e Asus, os funcionários podem pagar para ter aulas de ioga e tae-kwon-do.
Após os novos suicídios no alojamento de Zhengzhou, a Foxconn instituiu uma regra que proíbe todas as conversas sobre assuntos extraprofissionais no chão de fábrica. Embora a empresa tenha posteriormente anunciado que revogou a medida por causa da reação popular, funcionários dizem que ela permanece em vigor.
Os empregados, que precisam usar uniformes, dizem que os supervisores costumam gritar e xingar. Na área residencial, alojamentos abrigam até oito operários cada um, em quartos preenchidos com beliches e uma combinação de chuveiro/privada.
Talvez por isso, o mundo fora dos portões da fábrica pareça uma gigantesca feira de rua.
No mesmo quarteirão, um terreno em construção abriga diversas atrações, como um estúdio de tatuagem montado na traseira de uma van, jogos eletrônicos com garras metálicas e uma espécie de cervejaria ao ar livre, onde hordas de jovens operários sorvem cerveja aguada e fumam sem parar em cima de travessas com joelhos de porco fatiados.
O verão boreal é a baixa temporada nas cidades industriais chinesas, então muitos trabalhadores tiram um dia de folga no fim de semana.
Há numerosos personagens pitorescos à mão para mantê-los entretidos. Numa noite, um grupo de artistas itinerantes vestidos como monges budistas havia montado uma loja. Eles distraíam a multidão de entediados transeuntes moldando bexigas e vendendo ornamentos abençoados para espelhinhos retrovisores. "O circo que apareceu meses atrás era melhor", disse Li Yu, 19. "Eles tinham leões e tigres de verdade."
O skate e a patinação têm seguidores fiéis. Meia dúzia de equipes com nomes como Rainbow, F-2 e Shadow se reúne para sessões semanais de skate em grupo por toda a cidade.
Às 23h, os motéis estavam ficando movimentados.
Após um longo dia fabricando iPhones, Wang Puyan, 20, e sua namorada se encaminhavam para seu apartamento alugado fora do parque industrial, já que os alojamentos da fábrica são separados por sexo.
Uma aventura romântica não estava programada, porém. "Nós nos vemos todo dia no trabalho", disse ele. "Por que sairíamos para namorar?"


Reprodução de reportagem do The New York Times, na Folha de São Paulo.

Médicos querem mudar definição de câncer

Médicos querem mudar definição de câncer
Especialistas dos EUA propõem eliminar a palavra "câncer" de certos diagnósticos
DO "NEW YORK TIMES"

Um grupo de especialistas conselheiros do Instituto Nacional de Câncer dos EUA recomendou mudanças na forma de detectar e tratar os tumores, incluindo alterações na definição da doença e até a eliminação da palavra "câncer" de alguns diagnósticos.
As sugestões foram publicadas ontem no "Journal of the American Medical Association".
Condições pré-malignas, como o carcinoma ductal in situ na mama -- lesão localizada que muitos médicos não consideram como câncer--, deveriam ser rebatizadas sem a palavra carcinoma, dizem os especialistas.
Assim, os pacientes ficariam com menos medo e procurariam menos tratamentos desnecessários e arriscados como a remoção das mamas.
O grupo também sugeriu que muitas lesões detectadas em exames de mama, próstata, tireoide e pulmão não deveriam ser chamadas de câncer, mas de IDLE (a sigla, que quer dizer indolente em inglês, significa lesões indolentes de origem epitelial).
Algumas dessas mudanças devem levar anos para acontecer e parte dos especialistas discorda delas, mas o relatório pode mudar o tom do discurso sobre o câncer.
O motivo por trás do pedido de mudança é a preocupação com as centenas de milhares de pessoas se submetendo a procedimentos desnecessários e arriscados para tratar leões pré-malignas ou tumores de crescimento tão lento que podem nunca causar dano.
O advento de exames muito sensíveis nos últimos anos aumentou a chance de achar os chamados "incidentalomas" --lesões encontradas por acaso e que não chegariam a causar sintomas.
O problema é que, uma vez que a lesão é descoberta, os médicos se sentem obrigados a fazer biópsia, tratar e removê-la. "Ainda temos dificuldade de convencer as pessoas que achados em testes como mamografia e PSA nem sempre são doenças malignas que vão matá-las", afirma Harold Varmus, diretor do Instituto Nacional de Câncer.
O problema em mudar a nomenclatura, segundo Larry Norton, do Centro de Câncer Memorial Sloan-Kettering, é ainda não dá para dizer com certeza aos pacientes quais tumores são indolentes e quais vão matá-los.
Norton afirma, no entanto, que é preciso melhorar a comunicação com o paciente. "A terminologia é só um termo descritivo e precisa ser explicada. Mas não dá para mudar centenas de anos de literatura médica só mudando a nomenclatura."
O grupo de trabalho do Instituto Nacional de Câncer também pediu mais pesquisas que ajudem a distinguir tumores de crescimento lento daqueles mais agressivos.
"Isso é bem diferente do pensamento de 20 anos atrás, quando achar um câncer significava um risco enorme de morrer", diz Varmus.


Reprodução da Folha de São Paulo

Biólogos rivais disputam explicação da monogamia

Biólogos rivais disputam explicação da monogamia
Análise com macacos atribui fidelidade sexual à prevenção do infanticídio
Para estudo evolutivo com mais mamíferos, porém, comportamento surge quando acesso a várias fêmeas é difícil
RAFAEL GARCIADE SÃO PAULO

A última tentativa da biologia moderna de elucidar o paradoxo da monogamia --por que ser fiel a uma única parceira se a evolução favorece a promiscuidade?-- jogou mais dúvidas do que respostas sobre a questão. Os dois últimos estudos sobre o tema são contraditórios.
O primeiro deles é uma análise com 2.500 mamíferos. O trabalho indica que a monogamia surgiu em espécies nas quais as fêmeas vivem muito distantes umas das outras, e o comportamento promíscuo fica custoso para o macho. Já o segundo trabalho, que analisou 230 macacos, mostra que a fidelidade a uma única parceira surgiu para prevenir o infanticídio.
Ambos os estudos usaram métodos semelhantes para chegar às suas conclusões. Primeiro, fizeram uma reconstrução da árvore da vida dos mamíferos de todas as espécies analisadas, para saber quais eram mais próximas evolutivamente. Depois, usaram literatura científica existente para atribuir a cada uma delas diferentes comportamentos sociais --monogamia ou poligamia, solidão ou gregarismo etc.
Os cientistas estavam tentando descobrir por que apenas 9% das espécies de mamíferos são monogâmicas, enquanto mais de 90% dos pássaros exibem esse comportamento. Uma análise estatística deveria levar os dois estudos a uma conclusão similar, mas ocorreu o inverso.
"Quando fêmeas solitárias se distribuem num espaço amplo, machos em busca de oportunidades de acasalamento sofrem risco de ferimentos ou predação", afirmou Dieter Lukas, da Universidade de Cambridge, coautor do estudo mais abrangente com mamíferos, publicado na revista "Science". "Não vimos evidência de associação próxima entre monogamia e risco de infanticídio."
Christopher Opie, porém, do University College de Londres, enxerga o inverso ocorrendo entre macacos. "A origem da monogamia em primatas é mais bem explicada pelo longo período de lactação causado pela dependência para alimentação, tornando filhotes particularmente vulneráveis a machos infanticidas", escreveu o cientista em estudo na revista "PNAS".
Ao conversar com jornalistas ontem, cientistas pareciam surpresos ao saber da disparidade entre as conclusões dos estudos.
"Na nossa análise, obtivemos um sinal muito claro de que foi o infanticídio que levou à monogamia e não aquilo que Lukas está sugerindo", disse Opie à Folha. "Ao analisar tantas espécies de mamíferos, ele pode ter perdido esse efeito entre os primatas."
Os cientistas de Cambridge, porém, afirmam ter sido mais rigorosos do que Opie em suas análises estatísticas. "Uma razão para a disparidade pode ser o uso de maneiras diferentes para classificar as espécies", diz Tim Clutton-Brock, coautor de Lukas.
No estudo, classificar humanos como monógamos gerou discussão. "O que temos em humanos são casais que se associam, mas se encaixam dentro de grupos maiores. Não observamos isso em nenhum outro mamífero."
Outra explicação para a contradição entre os estudos é o tamanho da amostra, diz o cientista. "Em pequenos conjuntos de dados, é possível achar associações aleatórias que não aparecem nos grandes conjuntos."
Nenhum dos grupos de cientistas disse ter enxergado erros evidentes no estudo dos rivais, porém. A disputa acadêmica tende a continuar.


Reprodução da Folha de São Paulo

EUA fazem ação contra prostituição de menores

EUA fazem ação contra prostituição de menores
FBI detém 150 e liberta cem adolescentes
JOANA CUNHADE NOVA YORK

Mais de cem adolescentes entre 13 e 17 anos, forçados à prostituição nos Estados Unidos, foram resgatados em uma megaoperação que prendeu 150 suspeitos em todo o país, conforme anunciou ontem o FBI (polícia federal americana).
Motéis, hotéis, cassinos e paradas de caminhões de 76 cidades foram varridos pela operação no último final de semana, disse Ron Hosko, um dos agentes que lideraram a investigação. Segundo Hosko, a "prostituição infantil ainda é uma ameaça persistente" no país.
O número de vítimas libertadas e de criminosos detidos foi ao menos 30% maior do que em ações anteriores, disse Hosko, graças a uma pesquisa mais profunda em sites de anúncios, onde as vítimas são expostas e negociadas por traficantes.
Os esforços já levaram à libertação de mais de 2.500 adolescentes desde 2003, e cerca de 1.300 adultos exploradores já foram condenados, de acordo com dados do NCMEC (Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas, na sigla em inglês), entidade que atua em cooperação com a polícia.
Quase todas as crianças são meninas, a maioria identificada como vítimas de abuso, com laços familiares frágeis e dependência de drogas, fatores que dificultam o registro de desaparecimento.
Um dos principais ambientes para exploração de prostituição infantil, segundo o FBI, são os grandes eventos esportivos, como o Super Bowl, final do torneio de futebol americano, que atrai turistas com dinheiro.
San Francisco, Detroit, Milwaukee, Denver e Nova Orleans foram os pontos de maior concentração de vítimas encontradas.
Além das denúncias de tráfico, os suspeitos enfrentarão acusações ligadas a apreensões de armas, drogas, veículos e dinheiro.


Reprodução da Folha de São Paulo

A reconciliação de Mandela

Ao que tudo indica, a África do Sul, dentro de algum tempo, irá se confrontar com as obséquias de seu herói nacional, Nelson Mandela.
É certo que a reconciliação sul-africana está longe de ser uma operação completamente bem-sucedida. Embora uma classe média negra tenha aparecido e negros possam ser encontrados na direção de certas empresas, a desigualdade econômica entre raças ainda é gritante. Casamentos mistos continuam sendo extremamente raros.
A experiência sul-africana liderada por Mandela nos deixa, no entanto, uma questão que merece longa reflexão. O apartheid foi inventado por um povo, à sua maneira oprimido.
A colonização branca começou com os holandeses, na região onde hoje se encontra a Cidade do Cabo. A partir do início do século 19 e impulsionados pela luta pela posse dos recursos naturais sul-africanos, os britânicos se estabeleceram no país, começando um longo processo de conquistas que culminou na Guerra dos Bôeres, no final do mesmo século. Nesta guerra entre britânicos e principalmente holandeses (africâneres), apareceram os primeiros campos de concentração nos quais toda uma população foi alvo sistemático de encarceramento.
Foi esse povo oprimido pela pela experiência do domínio britânico e pelos campos que, logo após a Segunda Guerra Mundial, alimentado por um nacionalismo vivenciado como defesa contra a humilhação, proclamou a República da África do Sul, instaurando o regime do apartheid. Ou seja, a experiência da opressão não levou à alguma forma de consciência social do trauma da colonização. Ela levou à justificação do direito de defender seu povo, custe o que custar, usando o pior sistema ideológico possível.
Talvez tenha sido a consciência do ciclo interminável no qual a vítima de outrora, animada pelo ressentimento, se transforma no próximo agressor que levou Mandela a procurar a reconciliação que acabou por ser implementada. A África do Sul tinha tudo para entrar em uma verdadeira guerra civil, mas ao menos isto não ocorreu.
Essa reconciliação foi, entretanto, baseada em uma ideia fundamental: só é possível perdoar quem reconhece seu crime. A experiência social do perdão exigiu, em contrapartida, que os responsáveis por atos racistas pedissem perdão e confessassem seus crimes diante das vítimas ou de seus familiares.
Isso não significa que a justiça foi feita, mas implica, ao menos, que o solo mínimo da anistia é a culpabilização social de quem praticou crimes contra a humanidade. Por isso, quando Mandela morrer, o Brasil também merecerá parar e pensar.


Texto de Vladimir Safatle publicado na Folha de São Paulo.

Casa Branca responde com silêncio à matança de manifestantes egípcios

No domingo (28/07), novamente a resposta do governo Obama foi de silêncio, após o segundo assassinato em massa de manifestantes egípcios em três semanas. Enquanto os diplomatas ocidentais trabalhavam nos bastidores para acalmar as tensões, os congressistas manifestaram pouco apoio ao corte da ajuda dos EUA para o Egito.

Uma democrata importante, a senadora da Califórnia Dianne Feinstein que dirige o Comitê de Inteligência, disse que o Congresso deve considerar a suspensão da ajuda anual de US$ 1,5 bilhão (em torno de R$ 3 bilhões) dos EUA ao Egito, em resposta ao ataque no sábado pelos serviços de segurança egípcios que matou pelo menos 72 pessoas e deixou centenas de feridos. "Temos que repensar a concessão de ajuda", disse Feinstein ao programa da CNN "State of the Union". "A bola está com o Egito".

Outros parlamentares democratas e republicanos, entretanto, apesar de condenarem o segundo assassinato em massa de manifestantes após a derrubada do presidente Mohammed Mursi, não chegaram a sugerir o corte da ajuda ao Egito.

Porta-vozes do Departamento de Estado e do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca se recusaram a comentar no domingo. Em um comunicado neste sábado, o secretário de Estado, John Kerry, chamou a violência de "um momento crucial para o Egito" e exortou os seus líderes "a ajudarem o país para que não caia no abismo".

Kerry, que conversou por telefone com o vice-presidente interino e ministro das Relações Exteriores do Egito no sábado, acrescentou: "Neste ambiente extremamente volátil, as autoridades egípcias têm a obrigação moral e legal de respeitar o direito de reunião pacífica e de liberdade de expressão".

Também no sábado, o secretário de Defesa, Chuck Hagel, expressou sua profunda preocupação com a violência no Egito. Segundo um comunicado de um porta-voz do Pentágono, ele pediu moderação em um telefonema ao comandante do exército egípcio, general Abdel-Fattah el-Sissi.

O presidente Barack Obama, em sua primeira resposta punitiva à derrubada de Morsi, ordenou na semana passada a suspensão da entrega de quatro aviões de combate F-16 para a Força Aérea egípcia. Mas a Casa Branca enfatizou que a decisão não tinha implicações para a assistência de US$ 1,5 bilhão mencionada por Feinstein, que por hora não seria cortada.

O governo está reavaliando essa ajuda anual, mas evitou cuidadosamente referir-se à queda de Morsi como um golpe de Estado, pois isso poderia forçar legalmente a sua suspensão.

"Este é um ponto de definição para o tipo de Egito que emergirá", disse Feinstein domingo, acrescentando que estava enviando uma advertência à nova liderança civil do Egito e aos generais do Exército –o verdadeiro poder no país.

No domingo, os diplomatas tentaram acalmar a crise política no Egito, enquanto continuava o confronto entre defensores e opositores de Morsi. A violência eclodiu nos funerais de defensores de Morsi, mortos por forças de segurança egípcias no sábado, levando pelo menos a uma morte neste domingo.

Catherine Ashton, principal autoridade de política externa da União Europeia, foi ao Cairo em uma aparente tentativa de mediar o impasse entre as forças armadas e a Irmandade Muçulmana, a organização islâmica que apoia Morsi e exige sua reintegração.

Uma porta-voz de Ashton disse que ela iria se encontrar com El-Sissi, membros da Irmandade, líderes civis do governo interino e jovens ativistas. Ashton também pediu para ver Morsi, detido pelos militares desde que foi deposto, no dia 3 de julho. O exército recusou um pedido semelhante de Ashton há duas semanas.

A porta-voz não disse se Ashton trazia uma proposta concreta para acabar com o impasse.

Um porta-voz da Irmandade, Gehad El-Haddad, disse que não tinha conhecimento de proposta alguma, mas que o grupo estava aberto "a qualquer iniciativa patriótica".

O diretor de direitos humanos da ONU, Navi Pillay, condenou fortemente o derramamento de sangue no Egito no domingo, advertindo que a violência política estava levando o país a um desastre.

Os líderes do Egito continuaram a culpar os manifestantes pelo derramamento de sangue de sábado, apesar de vídeos circularem pela Internet mostrando claramente policiais e atiradores à paisana atirando na manifestação. A promotoria pública disse que uma investigação preliminar descobriu que os manifestantes tentaram bloquear uma ponte central e entraram em confronto com os policiais que tentavam detê-los, de acordo com a mídia estatal.

Os promotores disseram no domingo que os confrontos levaram a mortes em ambos os lados e que 73 manifestantes pró-Morsi haviam sido presos e seriam acusados de assassinato. Isso pareceu contradizer as declarações do ministro do interior, que disse no sábado que alguns policiais haviam sido feridos, mas não mencionou nenhuma baixa.

Outros congressistas norte-americanos também disseram em programas de televisão no domingo que condenavam a violência no Cairo.

"Nós tivemos uma relação positiva entre os Estados Unidos e os militares egípcios", disse o senador Richard Durbin, de Illinois, segundo democrata no Senado, ao programa da ABC "This Week". "Mas deveríamos deixar claro ao Egito, como fizemos com a Líbia e a Síria, que disparar contra o seu próprio povo é inaceitável para qualquer governo".

O senador Saxby Chambliss da Geórgia, líder da bancada republicana no Comitê de Inteligência, repetiu os comentários de outros parlamentares nos últimos dias sobre a necessidade de cautela por parte dos Estados Unidos com seu antigo firme aliado no Oriente Médio.

"Temos que ter cuidado para não nos impormos demais na situação, porque isso provavelmente pioraria as coisas", disse Chambliss ao "This Week." "Mas também precisamos enviar uma mensagem muito clara e muito forte para os militares egípcios que não vamos tolerar, como nação amiga, o tipo de violência que vimos neste fim de semana". (colaborou Mayy El Sheikh, no Cairo)

Texto de Eric Schmitt, para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: Deborah Weinberg

Luta contra a paralisia infantil sofre revés no Paquistão

Usman, que manca sobre uma perna curvada pela pólio que contraiu na infância, fez questão de proteger seus três primeiros filhos contra a doença, mas repeliu os vacinadores quando seu caçula nasceu.
Ele estava furioso com o fato de a Agência Central de Inteligência dos EUA ter encenado uma falsa campanha de vacinação durante a caçada a Osama bin Laden. Usman tinha passado a ver a guerra contra a poliomielite, ou paralisia infantil, como um complô ocidental.
Em janeiro, seu filho Muszharaf, 2, tornou-se a primeira criança a ficar atrofiada pela pólio neste ano no mundo. "Agora sei que cometi um erro", disse Usman, 32, que usa só um nome, como muitos da tribo pashtun.
"Mas vocês, americanos, causaram dor na minha comunidade. Os americanos pagam a campanha da pólio, e isso é bom. Mas vocês abusaram de uma missão humanitária para um propósito militar."
A indignação com a política externa americana levou a um revés no esforço global contra a pólio. Em dezembro, nove imunizadores foram mortos a tiros em Karachi, e dois comandantes do Taleban proibiram as vacinações em suas áreas, dizendo que elas só poderiam ser retomadas se os ataques com "drones" parassem. Em janeiro, dez vacinadores foram mortos no norte da Nigéria, dominado por muçulmanos.
Desde então, houve homicídios isolados -de um ativista, de um policial e de vacinadores-, sempre levando a uma suspensão temporária da campanha.
A guerra contra a pólio, que custa US$ 1 bilhão por ano e ainda deve durar pelo menos cinco anos, está em jogo. Quando ela começou, há 25 anos, 350 mil pessoas ficavam paralisadas por ano, a maioria crianças. No ano passado, menos de 250 ficaram, e apenas três países -Afeganistão, Nigéria e Paquistão- nunca chegaram a conter sua difusão em nenhum momento.
O Paquistão elevou o pagamento dos vacinadores a US$ 5 por dia nas áreas mais perigosas, aumentou as escoltas policiais e militares e criou salas de controle para acelerar respostas a crises.
Foi providencial que, há dois anos, a Índia, rival do Paquistão em tudo, do críquete ao arsenal nuclear, tenha eliminado a pólio. "Nada feriu tanto o nosso orgulho quanto isso", disse o médico Zulfiqar A. Bhutta, especialista em vacinas da faculdade de medicina da Universidade Aga Khan.
O Paquistão está mais perto do que nunca da erradicação. Houve, desde o começo do ano, apenas 21 casos de pólio. Há poucos anos, circulavam 39 subcepas do vírus da pólio.
Atualmente, são apenas duas. Cerca de 300 mil crianças vivem em áreas perigosas demais para os imunizadores, mas quase todas as amostras de esgoto dessas áreas estão livres do vírus.
No fim das contas, porém, o sucesso dependerá acima de tudo de atos individuais de coragem, como o de importantes imãs que posam para fotos vacinando crianças. Ou o de Usman, que apareceu com Musharaf, seu filho afetado pela pólio, em um vídeo no qual pede a países ricos do golfo Pérsico que comprem vacinas para muçulmanos pobres de outros lugares.
Ou o de voluntários, como as mulheres da família Bibi, em Karachi, que formaram uma equipe de vacinação. Duas delas, Madiha, 18, e Fahmida, 46, foram mortas a tiros em dezembro. O noticiário de TV mostrou mulheres da família ajoelhadas junto aos corpos. Essas mulheres não só continuam vacinando como também uma irmã de Madiha, de 15 anos, se voluntariou para assumir o lugar dela.
"Todos os filhos do Paquistão são nossos filhos", disse Gulnaz Shirazee, 31, que comanda o grupo. "Cabe a nós erradicar a pólio. Não podemos parar."
Em Peshawar, celeiro da militância antiocidental, todas as vítimas da pólio são da tribo pashtun, cuja resistência à vacinação é maior. Ações do Exército paquistanês e ataques com "drones" americanos levaram muitos pashtuns a trocarem seus vales montanhosos por cidades.
O caso de Peshawar preocupa até mesmo Elias Durry, especialista em pólio da Organização Mundial da Saúde, geralmente otimista. "Você pode conseguir uma cobertura de 90% da vacina e voltar em alguns meses e estar com 50%", disse ele. "As pessoas se mudam rápido demais."
O isolamento e a pobreza da tribo pashtun estão associados à sua resistência. Muitos bairros pashtuns recebem poucos serviços, como postos de saúde e pavimentação de ruas, mas têm outdoors alardeando a luta contra a pólio, bancada por doadores ocidentais.
Em meados do ano passado, soube-se que, em 2011, a CIA pagou um médico local para tentar recolher amostras de DNA de crianças dentro de um imóvel de Abbottabad, para provar que elas eram parentes de Bin Laden.
O médico Shakil Afridi, que hoje cumpre pena de 33 anos de prisão por traição, oferecia vacina contra hepatite, mas, apesar disso, a ira popular se voltou contra as gotinhas antipólio.
Os líderes do esforço de erradicação da pólio -que já enfrentavam rumores de que os vacinadores estariam ajudando a definir o alvo dos "drones"- não poderiam ficar mais frustrados.

TÁTICAS

Eles, desde então, adotaram novas táticas. O médico Qazi Jan Muhammad, ex-subcomissário de Karachi Leste, descobriu que prédios de apartamentos inteiros haviam sido ignorados porque vigilantes pashtuns estavam afastando os vacinadores a tiros. "Eu precisei que a polícia dissesse a eles: 'Ou vocês os deixam entrar ou vocês vão para atrás das grades'."
Rotatórias de trânsito foram fechadas a pedido dele para que as equipes abordassem cada carro. Ele próprio comandou algumas equipes que atraiam pessoas segurando punhados de dinheiro. "Vi uma menina de uns 11 anos trazendo sua irmã de 2 anos", disse ele. "Eu dei uma nota de dez rupias a ela e disse: 'Deixa eu dar as gotas à sua irmã? Você pode comprar doces para você'."
"Ela disse a todas as crianças: 'Um homem está distribuindo dez rupias', e todas elas vieram correndo. Vacinei 400 crianças."
Os esgotos do distrito dele, que tem milhões de habitantes, estão atualmente livres do vírus.
A nova determinação do país também atraiu o Rotary International de volta para a linha de frente. O líder do clube, Aziz Menon, 70, e outros executivos rotarianos usam seu dinheiro e suas conexões políticas para manter a pressão. Eles indenizaram os parentes de vacinadores mortos.
Em um bairro industrial de Karachi, onde após o anoitecer predominam as gangues e o Taleban, Abdul Waheed Khan supervisionava uma clínica de combate à pólio do Rotary na sua escola, a Academia Naunehal. Sua única segurança eram adolescentes locais que acompanhavam seu carro de moto. "Diziam que eu era judeu", disse Khan, em abril. "Precisei que um amigo emitisse uma 'contra-fatwa' dizendo que eu sou um bom muçulmano."
Em 13 de maio, Khan foi morto por pistoleiros, que também feriram sua filha, de um ano.
A clínica dele não fechará, segundo Menon. "Ninguém pode substituir Waheed, mas a vida precisa continuar."


Reportagem de Donald G. McNeil Jr, para o The New York Times, reproduzida na Folha de São Paulo.

Republicanos já fazem campanha contra Hillary Clinton


Mais de três anos antes das próximas eleições presidenciais nos EUA, um movimento já começa a chamar a atenção para a disputa: o de republicanos articulados em campanhas contra uma possível candidatura da democrata Hillary Clinton à Casa Branca.
A ex-secretária de Estado americana ainda não anunciou se realmente pretende concorrer ao cargo, mas grupos que se opõem a ela afirmam que precisam estar preparados desde já, antes que seja tarde demais para impedir que "mais um Clinton" ocupe a Presidência --o marido de Hillary, Bill Clinton, governou os EUA de 1993 a 2001.
"É crucial começar agora", disse à BBC Brasil Garrett Marquis, porta-voz de um dos grupos já em ação, o Stop Hillary PAC (sigla em inglês para Comitê de Ação Política, organizações que não são ligadas oficialmente a nenhum candidato ou partido, mas podem arrecadar fundos e fazer campanhas a favor ou contra candidatos ou causas).
"A máquina Hillary e Bill Clinton está pronta para agir no momento em que eles precisarem. Eles têm força desde o primeiro dia, assim que ela decidir quando será o primeiro dia. Nós precisamos estar prontos para enfrentá-la quando esse dia chegar", afirma.

IMAGENS NEGATIVAS

Na semana passada, o Stop Hillary PAC divulgou na internet um vídeo de 50 segundos com imagens negativas sobre um possível governo Hillary.
No vídeo, uma voz feminina presta o juramento presidencial enquanto imagens de cerimônias de posse anteriores são intercaladas por palavras remetendo a escândalos aos quais Hillary esteve supostamente ligada, como o ataque ao consulado americano em Benghazi, na Líbia, quando ela era secretária de Estado, que resultou na morte do embaixador americano no país, Christopher Stevens.
Formado em maio, o grupo é liderado pelo senador republicano Ted Harvey, do Estado do Colorado, e já vem arrecadando simpatizantes e contribuições financeiras para "assegurar que Hillary Clinton nunca se torne presidente dos EUA".
Segundo Marquis, o grupo vem buscando engajar "americanos preocupados (com um possível governo Hillary)" em todo o país, por meio de e-mails, redes sociais e telefonemas. Também estão previstos anúncios de rádio e TV.
"Nosso objetivo é parar Hillary Clinton e isso inclui não só as eleições presidenciais de 2016, mas também as eleições legislativas de 2014", diz.
"Onde quer que ela vá, dando apoio candidatos e fazendo discursos, nós iremos também, ajudando candidatos que concorram contra aqueles que ela apoia."

CARICATURA

O Stop Hillary PAC é apenas o mais recente dos grupos conservadores a tornar pública sua campanha contra Hillary.
No mês passado, o PAC America Rising, liderado pelo coordenador da campanha presidencial do republicano Mitt Romney em 2012, Matt Rhoades, lançou o movimento Stop Hillary 2016, com o objetivo de "evitar outro governo Clinton, depois de oito anos com o presidente (Barack) Obama".
Segundo o cientista político Christopher Malagisi, professor de História do Movimento Conservador na American University, em Washington, o principal objetivo desses grupos é se antecipar e caracterizar Hillary da maneira como a veem, em vez de como ela própria tenta se apresentar.
"É uma oportunidade de formar uma caricatura do adversário antes que ele tenha a chance de definir sua imagem", disse Malagisi à BBC Brasil.
Apesar de Hillary ainda não ter anunciado se pretende concorrer em 2016, sua possível candidatura já tem o apoio oficial de nomes de peso no Partido Democrata, como a senadora Claire McCaskill, do Missouri, e de PACs como o Ready for Hillary, formado em janeiro.
Pesquisas indicam que Hillary é a favorita entre os possíveis pré-candidatos democratas e também contra possíveis candidatos republicanos na eleição geral.
De acordo com uma pesquisa McClatchy-Marist, realizada pela empresa de comunicações McClatchy e o Instituto Marista de Opinião Pública e divulgada na semana passada, 63% dos democratas votariam em Hillary.
Segundo a sondagem, o possível candidato republicano com maiores chances contra Hillary na eleição geral seria o governador de Nova Jersey, Chris Christie. Ainda assim, Hillary ficaria à frente, com 47% dos votos, contra 41% de Christie.

INFLUÊNCIA

Movimentos do tipo "Stop Hillary" não são novos. Antes das eleições de 2008, quando a ex-senadora concorreu pela indicação democrata contra Obama, também houve campanhas contra sua candidatura.
A diferença agora, diz Malagisi, é o crescente papel dos PACs nas eleições --especialmente a partir de 2010, quando a Suprema Corte dos EUA decidiu que os chamados Super PACs (PACs especiais) podem arrecadar fundos sem limites de indivíduos, empresas, sindicatos e outros grupos.
"Há muita gente olhando para 2012 e tentando ver o que deu certo e o que deu errado, para garantir que seus Super PACs sejam mais influentes. Eles pensam: 'Se formarmos um Super PAC agora, estaremos melhor preparados para 2016'", afirma.
Segundo Malagisi, ainda é cedo para medir a influência dos Super PACs nas próximas eleições.
"Mas com certeza serão um fator importante. Estamos apenas no começo do que será o papel dos Super PACs."

Reprodução de reportagem da BBC Brasil, na Folha de São Paulo

Comentário rápido: Republicanos estão em campanha três anos antes do pleito presidencial. E por aqui reclamam que alguém lançou a campanha presidencial um ano antes.

Expectativa de vida do brasileiro aumenta para 73,9 anos

Expectativa de vida do brasileiro aumenta para 73,9 anos

Brasil quase dobrou Índice de Desenvolvimento Humano Municipal em duas décadas

Nas últimas duas décadas, o Brasil quase dobrou o seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), passando de 0,493, em 1991, - considerado muito baixo - para 0,727, em 2010, o que representa alto desenvolvimento humano, conforme o Atlas do Desenvolvimento Humano Brasil 2013. No período, país registrou um crescimento de 47,8% no IDHM.

Em 1991, 85,5% das cidades brasileiras tinham IDHM considerado muito baixo. Em 2010, o percentual passou para 0,6% dos municípios. De acordo com o levantamento, em 2010, o índice de municípios com IDHM considerado alto e médio chegou a 74%, enquanto em 1991, não havia nenhuma cidade brasileira com IDHM considerado alto e 0,8% apresentavam índice médio. Pela escala do estudo, é considerado muito baixo o IDHM entre 0 e 0,49, baixo entre 0,5 e 0,59; médio de 0,6 e 0,69, alto 0,7 e 0,79 e muito alto entre 0,8 e 1,0.

Principal responsável pelo crescimento do índice absoluto brasileiro, o IDHM Longevidade acumulou alta de 23,2%, entre 1991 e 2010. O índice ficou em 0,816, em 2010. Com o crescimento, a expectativa de vida do brasileiro aumentou em 9,2 anos, passando de 64,7, em 1991, para 73,9 anos, em 2010.

"A melhoria da expectativa de vida é muito significativa, principalmente por uma queda na mortalidade infantil", explicou o representante PNUD no Brasil Jorge Chediek. Os municípios catarinenses de Blumenau, Brusque, Balneário Camboriú e Rio do Sul registraram o maior IDHM Longevidade, com 0,894, e expectativa de vida de 78,6 anos. As cidades de Cacimbas (PB) e Roteiro (AL) tiveram o menor índice (0,672) e expectativa de 65,3 anos.

O IDHM é o resultado da análise de mais de 180 indicadores socioeconômicos dos censos do IBGE de 1991, 2000 e 2010. O estudo é dividido em três dimensões do desenvolvimento humano: a oportunidade de viver uma vida longa e saudável, ter acesso ao conhecimento e ter um padrão de vida que garanta as necessidades básicas. O índice varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano.

De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano Brasil 2013, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e a Fundação João Pinheiro, o Brasil conseguiu reduzir as desigualdades, principalmente, pelo crescimento acentuado dos municípios menos desenvolvidos das regiões Norte e Nordeste.

"O Brasil era um dos países mais desiguais do mundo, continua sendo, mas houve uma melhora" , frisou o presidente do Ipea e ministro interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Marcelo Neri. O levantamento aponta ainda que a renda per capita mensal do brasileiro cresceu R$ 346 nas últimas duas décadas (base agosto 2010).

Apesar do crescimento, a desigualdade fica clara quando comparados os extremos do indicador. São Caetano do Sul (SP), primeiro colocado no IDHM Renda, registrou uma renda per capita mensal de R$ 2.043. Já o último colocado, Marajá do Sena (MA), obteve R$ 96,25, uma diferença de 20 vezes.

Educação teve o maior avanço 

O componente com o pior desempenho na cálculo do Índice do Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), divulgado ontem como parte do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, a educação foi, no entanto, o que mais registrou avanço nos últimos 20 anos. O subíndice educação saiu de um patamar de apenas 0,279 em 1991 para 0,637 em 2010. Em termos absolutos, isso representa um avanço de 0,358. Em termos relativos, de 128%. Segundo a pesquisa, a variação foi capitaneada pelo aumento do fluxo escolar de crianças e jovens.

Em 20 anos, houve uma evolução da proporção da população adulta com ensino fundamental concluído, de 30,1% para 54,9%. A porcentagem de crianças de 5 a 6 anos na escola saltou de 37,3% para 91,1%, enquanto que a quantidade de jovens de 11 a 13 anos nas séries finais do ensino fundamental chegou a 84,9% (era de 36,8% em 1991). Na faixa etária de 15 a 17 anos, 57,2% da população tem o fundamental completo (era de 20% há duas décadas). O maior gargalo, registrado pelo IDHM Educação, é no ciclo final da educação básica. A porcentagem de jovens de 18 a 20 anos com ensino médio completo passou de 13%, em 1991, para 41%. Atualmente, a maioria dessa faixa etária no país ainda não tem ensino médio completo.

O segmento educação foi também o que mais sofreu alterações de metodologia em relação aos Atlas anteriores. Nas edições de 1998 e 2003, a educação era calculada pela taxa de alfabetização de pessoas acima de 15 anos de idade e a taxa bruta de frequência escolar. No Atlas de 2013, a medição do componente ficou mais rígida, passando a considerar a escolaridade da população adulta (porcentual de população adulta de 18 anos ou mais que concluiu o ensino fundamental) e o fluxo escolar da população jovem.

Esta última variável é uma combinação de quatro indicadores: porcentuais de crianças de 5 a 6 anos frequentando a escola, de jovens de 11 a 13 anos frequentando os anos finais do ensino fundamental, de jovens de 15 a 17 anos com ensino fundamental completo e de 18 a 20 anos com ensino médio completo.

Tornar o componente mais rígido se justifica, segundo os pesquisadores, pela necessidade de estabelecer critérios mais exigentes para o país na área. "Nos anos 1990, o importante era colocar a criança na escola. Isso já não basta, é preciso avaliar a frequência e o segmento (dos jovens) nos ciclos mais avançados (de estudo). As estatísticas também evoluem", explica Marilena Chaves, presidente da Fundação João Pinheiro, uma das instituições que elaboraram o Atlas.

É no Norte e no Nordeste onde a situação, na área educacional, apresenta quadro mais grave. Lá, mais de 90% dos municípios estão nas faixas de classificação tidas como 'Baixo' (abaixo de 0,599) e 'Muito Baixo' Desenvolvimento Humano (menos de 0,499). No Sul e no Sudeste, por outro lado, o cenário é bastante diferente: mais de 50% dos municípios apresentam IDHM dentro da margens consideradas 'Médio' (entre 0,600 e 0,699) e 'Alto' (entre 0,700 e 0,799).

É no Sudeste onde se encontra a cidade mais bem qualificada no ranking da educação. Com pontuação de 0,825, Águas de São Pedro, no interior paulista, conta com acesso universal à escola para a população de 5 e 6 anos de idade. Cerca de 75% dos jovens entre 18 e 20 anos, por sua vez, têm o ensino médio completo. Já a paraense Melgaço enfrenta outra situação. Pior qualificada no ranking, tem menos de 60% de crianças entre 5 e 6 anos na escola e apenas 5,63% de jovens entre 18 e 20 anos com o ciclo do ensino médio concluído.

47,5% de aumento do IDHM em 20 anos

O Brasil apresentou avanço de 47,5% no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) ao longo das últimas duas décadas (1991 a 2010). Nesse período, a classificação do IDHM passou de muito baixo (0,493) para alto (0,727). No entanto, dos três componentes do índice (educação, longevidade e renda), a educação, embora tenha apresentado o maior crescimento (128,3%0), ainda é o que recebe a nota mais baixa, de 0,637.


Reprodução do Correio do Povo.

dojão

dojão by Julio França
dojão, a photo by Julio França on Flickr.

Dojão!

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Monges rebeldes do Monte Athos desafiam ordem de expulsão

Uma dezena de monges dissidentes do Monte Athos, que vivem há anos sob uma ordem de remoção desse importante reduto da ortodoxia, se opuseram nesta segunda-feira a sua expulsão atirando coquetéis molotov, informou a polícia.
De acordo com uma fonte da polícia local, os monges do mosteiro cismático de Esphigmenu, entrincheirados em uma dependência da sua comunidade, em Karyes, lançaram artefatos incendiários contra os representantes da justiça que se apresentaram nesta manhã acompanhados por um pequeno grupo de pessoas.
Os monges afirmam por sua vez que tiveram de enfrentar um grupo que tentou invadir o local com uma mini-escavadora.
Esses incidentes fazem parte do conflito inciado há vários anos entre a direção do Monte Athos e os monges de Esphigmenu, que se rebelaram contra a hierarquia por seu tradicionalismo e radicalismo anti-papista.
Entrincheirados em seu mosteiro, sobre o qual há uma bandeira preta com os dizeres "Ortodoxia ou morte", os dissidentes devem deixar o local para a instalação de uma nova comunidade monástica de Esphigmenu, legalista, criada há vários anos pelos líderes da "Montanha sagrada.
O mosteiro, liderado pelo arquimandrita Methodios, passou para a dissidência 40 anos atrás, quando o Patriarcado Ecumênico se abriu para a Igreja de Roma, um sacrilégio para os seus membros.

Reprodução de notícia da AFP, no Terra

Pacifista israelense defende acordo interino de paz com palestinos

O líder pacifista israelense Yossi Beilin disse nesta segunda-feira que é a favor de um acordo de paz interino entre israelenses e palestinos, caso não consigam chegar a uma solução permanente no prazo de um ano, pois, segundo o mesmo, a alternativa será muito pior.
"O pior que pode acontecer é perder um ano inteiro em negociações fúteis que não nos levem a lugar algum para depois chegar à conclusão de que devemos tentar um interino, o que, na minha opinião, será (então) impossível", disse o dirigente pacifista em um encontro com a imprensa em Jerusalém.
Israelenses e palestinos retomam as negociações em Washington nesta noite, depois de cerca de três anos sem diálogo, em função dos contundentes esforços do secretário de estado americano, John Kerry, nos últimos meses.
O veterano líder pacifista, ex-ministro israelense e um dos arquitetos do acordo de paz de Oslo (1993) acredita que as expectativas colocadas para esta nova rodada de contatos são muito baixas.
Beilin apontou que, apesar da ideia de uma solução interina parecer contraproducente e acabar descartada plenamente por uma das partes ou pelas duas, com o tempo, ela pode ser a opção mais viável, dada a improbabilidade prática de que israelenses e palestinos firmem um acordo definitivo. "Quando os Estados Unidos perceberem que está começando um jogo em que um lado culpa o outro (do fracasso do diálogo), deve haver um plano B", considerou Beilin.
O líder opinou que, semânticas à parte - pois seria preciso encontrar uma terminologia que agrade aos dois lados -, eles deveriam optar pelo acordo interino. "Devem optar pelo acordo gradual permanente, o que implica em um Estado palestino de imediato e, depois, em negociações entre os dois governos sobre um acordo permanente", explicou.
Beilin garantiu que o presidente palestino, Mahmoud Abbas, é consciente que "por trás da ideia de um acordo interino se esconde a de um permanente", e, como exemplo, citou que "Oslo se tornou um acordo permanente durante 20 anos" e isso encoraja a "fazer outro melhor".
Uma das razões que trouxe uma mudança no panorama atual em relação ao último diálogo é o elevado número de refugiados palestinos deslocados do conflito na Síria, que devem ser a prioridade do dirigente da Autoridade Nacional Palestina, disse Beilin. "Você tem um problema real, é diferente de dois anos atrás. É melhor que você tenha um pequeno estado palestino", disse à Abbas.
Beilin disse ainda que Benjamin Netanyahu, primeiro ministro de Israel, gosta da ideia do acordo provisório, "porque está próximo de sua ideologia, embora isso não signifique que vá colocá-lo em prática".
O líder pacifista ressaltou que o retorno do diálogo é o resultado da perseverança de Kerry, e considerou muito propício que a conversa aconteça em Washington e não no Oriente Médio.
Beilin afirmou que a União Europeia deve se envolver nos atuais esforços de paz, ajudando na criação do Estado palestino e na absorção de refugiados, enquanto o mundo árabe deve fazer parte do processo e deve estabeler um calendário sério.
O dirigente propôs que países árabes e muçulmanos abram delegações comerciais em Jerusalém enquanto durar a negociação, se mostrou a favor de "não se esquecer o Hamas" e de dialogar direta ou indiretamente com o grupo que controla Gaza, especialmente após os eventos no Egito: "Queremos que seja neutro e que tenha uma normalização parcial para que não sabotem o processo".
Beilin disse ainda que Israel deveria considerar que os colonos judeus fiquem sob soberania palestina, coisa que ainda não era uma questão, mas que "chegou a hora de abordar esse assunto".

Reprodução de notícia da EFE, no Terra

Ao negar golpe, EUA enviam mensagem confusa ao mundo

Ao negar golpe, EUA enviam mensagem confusa ao mundo
MATTHEW LEEDA ASSOCIATED PRESS

Por décadas, Exércitos estrangeiros que recebem ajuda dos Estados Unidos souberam que derrubar seus líderes eleitos significaria suspensão dessa ajuda.
Depois do Egito, isso parece não ser mais verdade, apesar de uma lei exigir que assim ocorra se Washington determinar que houve golpe.
O governo Obama fez uma manobra legal para não decidir que a expulsão pelo Exército egípcio de seu primeiro presidente livremente eleito foi um golpe.
Isso abriu uma brecha para driblar a lei. O caso envia uma mensagem confusa, que terá impacto, além do Egito, em outras democracias frágeis, ou nem tão frágeis, com soldados infelizes com os resultados das urnas.
"A lei não nos obriga a determinar formalmente se um golpe aconteceu, e não é do interesse nacional fazer tal discriminação", disse Jen Psaki, porta-voz do Departamento de Estado, na sexta.
Essa interpretação da lei pode surpreender militares.
Exceções já foram feitas antes, notavelmente no caso do Paquistão. Ajuda ao país foi suspensa em 1999 quando o Exército derrubou o premiê Nawaz Sharif, agora de volta ao posto. A ajuda foi retomada por um decreto do Congresso em 2001 por questões de segurança nacional.
Essa solução no Egito exigiria admitir que houve um golpe, o que levaria ao corte da ajuda anual de US$ 1,5 bilhão dos EUA ao país. Mas negar o golpe contrasta com fatos incontestáveis de que o Exército removeu Mohammed Mursi do poder.
Aplicar seletivamente a lei põe em dúvida o compromisso dos EUA com essa causa mundo afora.


Reprodução da Folha de São Paulo.

'Se uma pessoa é gay e busca Deus, quem sou eu para julgá-la?', diz papa

Na mais ousada declaração de um pontífice sobre homossexualidade, o papa Francisco disse que os gays "não devem ser marginalizados, mas integrados à sociedade" e que não se sente em condição de julgá-los.
"Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?", afirmou Francisco aos cerca de 70 jornalistas que embarcaram a Roma com ele. "O catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados por causa disso, mas integrados à sociedade."
As declarações foram em resposta a recentes revelações de que um assessor próximo seria homossexual e a uma frase atribuída a ele no início de junho, de que havia um "lobby gay" no Vaticano. Segundo ele explicou ontem, o problema não é ser gay, mas o lobby em geral.
"Vocês vêm muita coisa escrita sobre o "lobby gay". Eu ainda não vi ninguém no Vaticano com um cartão de identidade dizendo que é gay. Dizem que há alguns. Acho que, quando alguém se encontra com uma pessoa assim, devemos distinguir entre o fato de que uma pessoa é gay de formar um lobby gay, porque nem todos os lobbies são bons. Isso é o que é ruim."
"O problema não é ter essa tendência [gay]. Devemos ser como irmãos. O problema é o lobby dessa tendência, da tendência de pessoas gananciosas: lobby político, de maçons, tantos lobbies. Esse é o pior problema."
Questionado sobre o movimento carismático no Brasil, Francisco disse que, no início, chegou a compará-los com uma "escola de samba", mas que se arrependeu: diz que os movimentos "bem assessorados" são parte da "igreja que se renova".
Antes de aceitar perguntas, Francisco disse que "foi uma bela viagem" e elogiou o "povo brasileiro". "Espiritualmente me fez bem, estou cansado, mas me fez bem", afirmou.
"A bondade e o coração do povo brasileiro são muito grandes. É um povo tão amável, que é uma festa, que no sofrimento sempre vai achar um caminho para fazer o bem em alguma parte.
Um povo alegre, um povo que sofreu tanto. É corajosa a vida dos brasileiros. Tem um grande coração, este povo."
O papa elogiou os organizadores "tanto da nossa parte quanto dos brasileiros", com menções à parte artística e religiosa. "Era tudo cronometrado, mas muito bonito."
Sobre a segurança, uma grande preocupação principalmente no início, o papa lembrou que "não teve um incidente com esses jovens, foi super espontâneo".
"Com menos segurança, eu pude estar com as pessoas, saudá-los, sem carro blindado. A segurança é a confiança de um povo. Há sempre o perigo de um louco, mas com esse temos o Senhor. Eu prefiro esta loucura, e ter o risco da loucura, que é uma aproximação."
Francisco ressaltou ainda a estimativa oficial de 3,2 milhões de fiéis e a presença de peregrinos de 178 países.
Mesmo depois do domingo intenso, que incluiu um novo percurso de papamóvel e três pronunciamentos, Francisco, 76, respondeu às perguntas de pé por quase 90 minutos, não parando nem durante uma zona de turbulência e com aviso de atar os cintos ligado.
Enquanto falava, surpreendia ao colocar a mão no bolso de sua vestimenta papal com a naturalidade de uma roupa qualquer. Para ouvir melhor um jornalista, se inclinou para frente e apoiou as mãos sobre uma poltrona. Chegou até a se abaixar para pegar um fone de ouvido que caiu na sua frente, mas alguém foi mais rápido.
A seguir, a entrevista a bordo do "volo papale", em que ele defende maior participação da mulher, explica o processo de reforma do Vaticano e fala sobre a sua relação com Bento 16, entre outros temas:
Pergunta - Nestes quatro meses, o senhor criou várias comissões. Que tipo de reforma tem em mente? O sr. quer suprimir o banco do Vaticano?
Papa Francisco - Os passos que eu fui dando nestes quatro meses e meio vão em duas vertentes. O conteúdo do que quero fazer vem da congregação dos cardeais. Eu me lembro que os cardeais pediam muitas coisas para o novo papa, antes do conclave. Eu me lembro de que tinha muita coisa. Por exemplo, a comissão de oito cardeais, a importância de ter uma consulta externa, e não uma consulta apenas interna.
Isso vai na linha do amadurecimento da sinodalidade e do primado. Os vários episcopados do mundo vão se expressando em muitas propostas que foram feitas, como a reforma da secretaria dos sínodos, que a comissão sinodal tenha característica de consultas, como o consistório cardinalício com temáticas específicas, como a canonização.
A vertente dos conteúdos vem daí. A segunda é a oportunidade. A formação da primeira comissão não me custou pouco mais de um mês. Pensava em tratar a parte econômica no ano que vem, porque não é a mais importante. Mas a agenda mudou devido a circunstâncias que vocês conhecem.
O primeiro é o problema do IOR [banco do Vaticano], como encaminhá-lo, como reformá-lo, como sanear o que há de ser sanado. E essa foi então a primeira comissão.
Depois, tivemos a comissão dos 15 cardeais que se ocupam dos assuntos econômicos da Santa Sé. E por isso decidimos fazer uma comissão para toda a economia da Santa Sé, uma única comissão de referência. Notou-se que o problema econômico estava fora da agenda. Mas essas coisas atendem.
Quando estamos no governo, vamos por um lado, mas, se chutam e fazem um golaço por outro lado, temos de atacar. A vida é assim. Eu não sei como o IOR vai ficar. Alguns acham melhor que seja um banco, outros que seja um fundo, uma instituição de ajuda. Eu não sei. Eu confio no trabalho das pessoas que estão trabalhando sobre isso.
O presidente do IOR permanece, o tesoureiro também, enquanto o diretor e o vice-diretor pediram demissão. Não sei como vai terminar essa história. E isso é bom. Não somos máquinas. Temos de achar o melhor. A característica de, seja o que for, tem de ter transparência e honestidade.
Uma fotografia do sr. deu a volta ao mundo, quando o sr. desceu as escadas do helicóptero, carregando sua mala preta. Artigos de todo o mundo comentaram o papa que sai com sua própria mala. Foram levantadas hipóteses também sobre o conteúdo da mala. Por que o sr. saiu carregando a maleta preta, e não seus colaboradores? E o sr. poderia dizer o que tinha dentro?
Não tinha a chave da bomba atômica. Eu sempre fiz isso, Quando viajo, levo minhas coisas. E dentro o que tem? Um barbeador, um breviário (livro de liturgia), uma agenda, tinha um livro para ler, sobre Santa Terezinha. Sou devoto de Santa Terezinha. Eu sempre levei a minha maleta. É normal. Temos de ser normais. É um pouco estranho isso que você me diz que a foto deu a volta ao mundo. Mas temos de nos habituar a sermos normais, à normalidade da vida.
Por que o senhor pede tanto para que rezem pelo senhor? Não é habitual ouvir de um papa que peça que rezem por ele.
Sempre pedi isso. Quando era padre, pedia, mas nem tanto nem tão frequentemente. Comecei a pedir mais frequentemente quando passei a bispo. Porque eu sinto que, se o Senhor não ajuda nesse trabalho de ajudar aos outros, não se pode. Preciso da ajuda do Senhor. Eu de verdade me sinto com tantos limites, tantos problemas, e também pecador. Peço a Nossa Senhora que reze por mim. É um hábito, mas que vem da necessidade. Sinto que devo pedir. Não sei
Na busca por fazer essas mudanças, o sr. disse que existem muitos santos que trabalham no Vaticano e outros um pouco menos santos. O sr. enfrenta resistências a essa sua vontade de mudar as coisas no Vaticano? O sr. vive num ambiente muito austero, de Santa Marta. Os seus colaboradores também vivem essa austeridade? Isso é algo apenas do sr. ou da comunidade?
As mudanças vêm de duas vertentes: do que pediram os cardeais e também o que vem da minha personalidade. Você falou que eu fico na Santa Marta. Eu não poderia viver sozinho no palácio, que não é luxuoso. O apartamento pontifício é grande, mas não é luxuoso. Mas eu não posso viver sozinho. Preciso de gente, falar com gente. Trabalhar com as pessoas. Porque, quando os meninos da escola jesuíta me perguntaram se eu estava aqui pela austeridade e pobreza, eu respondi: "Não, por motivos psiquiátricos."
Psicologicamente, não posso. Cada um deve levar adiante sua vida, seguir seu modo de vida. Os cardeais que trabalham na Cúria não vivem como ricos. Têm apartamentos pequenos. São austeros. Os que eu conheço têm apartamentos pequenos.
Cada um tem de viver como o Senhor disse que tem de viver. A austeridade é necessária para todos. Trabalhamos a serviço da igreja. É verdade que há santos, sacerdotes, padres, gente que prega, que trabalha tanto, que vai aos pobres, se preocupa de fazer comer os pobres. Têm santos na Cúria. Também têm alguns que não têm muitos santos. E são estes que fazem mais barulho. Uma árvore que cai faz mais barulho do que uma floresta que nasce. Isso me dói. Porque são alguns que causam escândalos. São escândalos que fazem mal. Uma coisa que nunca disse: a Cúria deveria ter o nível que tinha dos velhos padres, pessoas que trabalham. Os velhos membros da Cúria. Precisamos deles. Precisamos o perfil do velho da Cúria.
Sobre resistência, se tem, ainda não vi. É verdade que aconteceram muitas coisas. Mas eu preciso dizer: eu encontrei ajuda, encontrei pessoas leais. Por exemplo, eu gosto quando alguém me diz :"Eu não estou de acordo". Esse é um verdadeiro colaborador. Mas, quando vejo aqueles que dizem "ah, que belo, que belo" e depois dizem o contrario por trás, isso não ajuda.
O mundo mudou, os jovens mudaram. Temos no Brasil muitos jovens, mas o senhor não falou de aborto, sobre a posição do Vaticano em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil foram aprovadas leis que ampliam os direitos para estes casamentos em relação ao aborto. Por que o senhor não falou sobre isso?
A igreja já se expressou perfeitamente sobre isso. Eu não queria voltar sobre isso. Não era necessário voltar sobre isso, como também não era necessário falar sobre outros assuntos. Eu também não falei sobre o roubo, sobre a mentira. Para isso, a igreja tem uma doutrina clara. Queria falar de coisas positivas, que abrem caminho aos jovens. Além disso, os jovens sabem perfeitamente qual a posição da igreja.
E a do papa?
É a da igreja, eu sou filho da igreja.
Qual o sentido mais profundo de se apresentar como o bispo de Roma?
Não se deve andar mais adiante do que o que se fala. O papa é bispo de Roma e por isso é papa, o sucessor de Pedro. Não é o caso pensar que isso quer dizer que é o primeiro. Não é esse o sentido. O primeiro sentido do papa é ser o bispo de Roma.
O sr. teve sua primeira experiência multidinária no Rio. Como se sente como papa, é um trabalho duro?
Ser bispo é belo. O problema é quando alguém busca ter esse trabalho, assim não é tão belo. Mas, quando o Senhor chama para ser biso, isso é belo. Tem sempre o perigo e o pecado de pensar com superioridade, como se fosse um príncipe. Mas o trabalho é belo. Ajudar o irmão a ir adiante. Têm o filtro da estrada.
O bispo tem de indicar o caminho. Eu gosto de ser bispo. Em Buenos Aires, eu era tão feliz. Como padre, era feliz. Como bispo, era feliz e isso me faz bem.
E ser papa?
Se você faz o que o Senhor quer, é feliz. Esse é meu sentimento.
Igreja no Brasil está perdendo fiéis. A Renovação Carismática é uma possibilidade para evitar que eles sigam para as igrejas pentecostais?
É verdade, as estatísticas mostram. Falamos sobre isso ontem com os bispos brasileiros. E isso é um problema que incomoda os bispos brasileiros.
Eu vou dizer uma coisa: nos anos 1970, início dos 1980, eu não podia nem vê-los. Uma vez, falando sobre eles, disse a seguinte frase: eles confundem uma celebração musical com uma escola de samba.
Eu me arrependi. Vi que os movimentos bem assessorados trilharam um bom caminho. Agora, vejo que esse movimento faz muito bem à igreja em geral. Em Buenos Aires, eu fazia uma missa com eles uma vez por ano, na catedral. Vi o bem que eles faziam.
Neste momento da igreja, creio que os movimentos são necessários. Esses movimentos são um graça para a igreja. A Renovação Carismática não serve apenas para evitar que alguns sigam os pentecostais. Eles são importantes para a própria igreja, a igreja que se renova.
A igreja sem a mulher perde a fecundidade? Quais as medidas concretas? O senhor disse que está cansado. Há algum tratamento especial neste voo?
Vamos começar pelo fim. Não há nenhum tratamento especial neste voo. Na frente, tem uma bela poltrona. Escrevi para dizer que não queria tratamento especial.
Segundo, as mulheres. Uma igreja sem as mulheres é como o colégio apostólico sem Maria. O papel da mulher na igreja não é só maternidade, a mãe da família. É muito mais forte. A mulher ajuda a igreja a crescer. E pensar que a Nossa Senhora é mais importante do que os apóstolos! A igreja é feminina, esposa, mãe.
O papel da mulher na igreja não deve ser só o de mãe e com um trabalho limitado. Não, tem outra coisa. O papa Paulo 6° escreveu uma coisa belíssima sobre as mulheres. Creio que se deva ir adiante esse papel. Não se pode entender uma igreja sem uma mulher ativa.
Um exemplo histórico: para mim, as mulheres paraguaias são as mais gloriosas da América Latina. Sobraram, depois da guerra (1864-1870), oito mulheres para cada homem. E essas mulheres fizeram uma escolha um pouco difícil. A escolha de ter filhos para salvar a pátria, a cultura, a fé, a língua.
Na igreja, se deve pensar nas mulheres sob essa perspectiva. Escolhas de risco, mas como mulher. Acredito que, até agora, não fizemos uma profunda teologia sobre a mulher. Somente um pouco aqui, um pouco lá. Tem a que faz a leitura, a presidente da Cáritas, mas há mais o que fazer. É necessário fazer uma profunda teologia da mulher. Isso é o que eu penso.
Queremos saber qual a sua relação de trabalho com Bento 16, não a amistosa, a de colaboração. Não houve antes uma circunstância assim. Os contatos são frequentes?
A última vez que houve dois ou três papa, eles não se falavam. Estavam brigando entre si, para ver quem era o verdadeiro. Eu fiquei muito feliz quando se tornou papa. Também, quando renunciou, foi, para mim, um exemplo muito grande. É um homem de Deus, de reza. Hoje, ele mora no Vaticano.
Alguns me perguntam: como dois papas podem viver no Vaticano? Eu achei uma frase para explicar isso. É como ter um avô em casa. Um avô sábio. Na família, um avô é amado, admirado. Ele é um homem com prudência. Eu o convidei para vir comigo em algumas ocasiões. Ele prefere ficar reservado. Se eu tenho alguma dificuldade, não entendo alguma coisa, posso ir até ele.
Sobre o problema grave do Vatileaks [vazamento de documentos secretos], ele me disse tudo com simplicidade. Tem uma coisa que não sei se vocês sabem: Em 8 de fevereiro, no discurso, ele falou: "Entre vocês está o próximo papa. Eu prometo obediência". Isso é grande.
O sr. falou com os bispos brasileiros sobre a participação das mulheres na igreja. Gostaria de entender melhor como deve ser essa participação. O que sr. pensa sobre a ordenação das mulheres?
Sobre a participação das mulheres na igreja, não se pode limitar a alguns cargos: a catequista, a presidente da Cáritas. Deve ser mais, muito mais. Sobre a ordenação, a igreja já falou e disse que não. João Paulo 2° disse com uma formulação definitiva. Essa porta está fechada. Nossa senhora, Maria, é mais importante que os apóstolos. A mulher na igreja é mais importante que os bispos e os padres. Acredito que falte uma especificação teológica.
Nesta viagem, o sr. falou de misericórdia sobre o acesso aos sacramentos dos divorciados, existe a possibilidade de mudar alguma coisa na disciplina da igreja?
Essa é uma pergunta que sempre se faz. A misericórdia é maior do que o exemplo que você deu. Essa mudança de época e também tantos problemas na igreja, como alguns testemunhos de alguns padres, problemas de corrupção, do clericalismo A igreja é mãe. Ela cura os feridos. Ela não se cansa de perdoar.
Os divorciados podem fazer a comunhão. Não podem quando estão na segunda união. Esse problema deve ser estudado pela pastoral matrimonial. Há 15 dias, esteve comigo o secretário do sínodo dos bispos, para discutir o tema do próximo sínodo. E posso dizer que estamos a caminho de uma pastoral matrimonial mais profunda. O cardeal Guarantino disse ao meu antecessor que a metade dos matrimônios é nula. Porque as pessoas se casam sem maturidade ou porque socialmente devem se casar. Isso também entra na Pastoral do Matrimônio.
A questão da anulação do casamento deve ser revisada. É complexa a questão pastoral do matrimônio.
Em quatro meses de Pontificado, pode nos fazer um pequeno balanço e dizer o que foi o pior e o melhor de ser Papa? O que mais lhe surpreendeu neste período?
Não sei como responder isso, de verdade. Coisas ruins, ruins, não aconteceram. Coisas belas, sim. Por exemplo, o encontro com os bispos italianos, que foi tão bonito. Como bispo da capital da Itália, me senti em casa com eles. Uma coisa dolorosa foi a visita a Lampeduse [ilha que recebe imigrantes africanos], me fez chorar. Me fez bem. Quando chegam estes barcos, que os deixam a algumas milhas de distância da costa e eles têm de chegar (à costa) sozinhos, isso me dói porque penso que essas pessoas são vítimas do sistema sócio-econômico mundial.
Mas a coisa pior é o nervo ciático, é verdade, tive isso no primeiro mês. É verdade! Para uma entrevista, tive de me acomodar numa poltrona e isso me fez mal, era dolorosíssimo, não desejo isso a ninguém. O encontro com os seminaristas religiosos foi belíssimo. Também o encontro com os alunos do colégio jesuíta foi belíssimo. As pessoas, conheci tantas pessoas boas no Vaticano. Isso é verdade, eu faço justiça. Tantas pessoas boas, mas boas, boas, boas.
Tem a esperança de que esta viagem ao Brasil contribua para trazer de volta os fiéis? Os argentinos se perguntam: não sente falta de estar em Buenos Aires, pegar um ônibus?
Uma viagem do papa sempre faz bem. E creio que a viagem ao Brasil fará bem, não apenas a presença do Papa. Eles (os brasileiros) se mobilizaram e vão ajudar muito a igreja. Tantos fiéis que foram se sentem felizes. Acho que será positivo não só pela viagem, mas pela jornada, um evento maravilhoso. Buenos Aires, sim, sinto falta. Mas é uma saudade serena.
O que o senhor pretende fazer em relação ao monsenhor Ricca e como pretende enfrentar toda esta questão do lobby gay?
Sobre monsenhor Ricca, fiz o que o direito canônico manda fazer, a investigação prévia. E nessa investigação não tem nada do que o acusam. Não achamos nada. É a minha resposta.
Quero acrescentar uma coisa a mais sobre isso. Tenho visto que muitas vezes na igreja se buscam os pecados da juventude, por exemplo. E se publica.
Abuso de menores é diferente. Mas, se uma pessoa, seja laica ou padre ou freira, pecou e esconde, o Senhor perdoa. Quando o Senhor perdoa, o Senhor esquece.
E isso é importante para a nossa vida. Quando vamos confessar e nós dizemos que pecamos, o senhor esquece e nós não temos o direito de não esquecer. Isso é um perigo.
O que é importante é uma teologia do pecado. Tantas vezes penso em São Pedro, que cometeu tantos pecados e venerava Cristo. E esse pecador foi transformado em Papa.
Vocês vêm muita coisa escrita sobre o lobby gay. Eu ainda não vi ninguém no Vaticano com um cartão de identidade dizendo que é gay. Dizem que há alguns. Acho que, quando alguém se vê com uma pessoa assim, devemos distinguir entre o fato de que uma pessoa é gay e formar um lobby gay, porque nem todos os lobbies são bons. Isso é o que é ruim.
Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-lo? O catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados por causa disso, mas integrados na sociedade. O problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser como irmãos. O problema é o lobby dessa tendência, da tendência de pessoas gananciosas: lobby político, de maçons, tantos lobbies. Esse é o pior problema.


Texto e entrevista a Fabiano Maisonnave, na Folha de São Paulo.