terça-feira, 31 de março de 2015

Um bolo

Santa embora, a próxima quinta-feira marca uma profanação constitucional: um ano exato do pedido de vista que Gilmar Mendes fez de uma ação direta de inconstitucionalidade e não mais a devolveu ao julgamento no Supremo Tribunal, impedindo-a de vigorar. Já vitoriosa por seis votos a um, os três votos faltantes não poderiam derrotá-la.
A ação foi movida pela OAB em 2011, recebendo adesão subsequente de entidades como a CNBB, com o argumento de que as doações de empresas que financiam as eleições são inconstitucionais e devem ser substituídas por doações dos cidadãos, com um teto para o montante doado.
Gilmar Mendes é favorável à permanência do financiamento dos candidatos e partidos por empresas. Sabe-se de sua opinião não só por ser previsível, mas também porque a expôs em público. Ainda há dez dias, dizia a repórteres: a proposta da OAB (Gilmar Mendes é costumeiro adversário da Ordem) "significa que o sujeito que ganha Bolsa Família e o empresário devem contribuir com o mesmo valor. Isso tem nome. Isso é encomendar já a lavagem de dinheiro. Significa que nós temos o dinheiro escondido e vamos distribuir para quem tem Bolsa Família. Não sei como essa gente teve a coragem de propor isso. Um pouco de inteligência faria bem a quem formulou a proposta".
A explicação é ininteligível. "Essa gente", que é a OAB, é a CNBB, são outras entidades e inúmeros juristas, não propôs nada parecido com doações iguais de empresários e de recebedores do Bolsa Família. E lavagem de dinheiro e caixa dois são características comprovadas do financiamento das eleições por grandes empresas, com destaque para as empreiteiras e alguns bancos. O eleitor comum é que iria lavar dinheiro nas eleições?
Em artigo divulgado no último dia 28, encontrável no saite "Viomundo", a juíza Kenarik Boujikian, do Tribunal de Justiça-SP, pergunta: "Quem de fato está exercendo este poder" de eleger os "representantes do povo" no Legislativo e no Executivo? "O povo brasileiro ou as empresas?". E segue:
"A resposta está dada: nas eleições presidenciais de 2010, 61% das doações da campanha eleitoral tiveram origem em 0,5% das empresas brasileiras. Em 2012, 95% do custo das campanhas se originou de empresas" [2014 não está concluído]. "Forçoso concluir que o sistema eleitoral está alicerçado no poder econômico, o que não pode persistir."
O PT pretende a solução do financiamento eleitoral com verba pública. E lá iríamos nós financiar o pouco que se salva e o muito que não presta na política. O PMDB quer o dinheiro das empresas, mas cada doadora financiando um único partido. O PSDB é contra as duas propostas, o que leva à preservação do atual sistema. No Congresso há projetos para todos os gostos. Daí a importância da ação no Supremo.
Desde a reforma do Judiciário, há 11 anos, a Constituição aboliu o bloqueio de processos, como Gilmar Mendes faz a pretexto de vista de uma questão sobre a qual emite publicamente posição definida. Como diz a juíza Kenarik Boujikian, "não é tolerável que, com um pedido de vista, um ministro possa atar as mãos da instância máxima do próprio Poder Judiciário, o que soa ainda mais desarrazoado se considerarmos o resultado provisório [6 a 1] do processo e a manifestação do ministro. Com isto quero dizer que a soberania popular, que cada magistrado exerce em cada caso e sempre em nome do povo, não pode ficar na mão de uma pessoa, em um órgão colegiado".
Gilmar Mendes desrespeita o determinado pelo art. 93 da Constituição porque não quer que se imponha a decisão do STF, como está claro em sua afirmação de que "isso é assunto para o Congresso". Mas, além do problema de sua atitude, a decisão do Supremo tem importância fundamental. Eduardo Cunha avisa que levará a reforma política à votação já em maio. O dinheiro das campanhas é um dos temas previstos. E a decisão do Supremo, se emitida em tempo, ficará como um balizamento que não poderá ser ignorado pela reforma política, uma vez que antecipará o que é ou não compatível com a Constituição. E, portanto, passível ou não de ser repelido pelo Supremo Tribunal Federal. 


Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo

sexta-feira, 27 de março de 2015

Ponto final é o fascismo


A primeira página do jornal O Globo do dia seguinte às manifestações de 15 de março, contra “tudo isso que está aí”, estampa a manchete: “Democracia tem novo 15 de março”. Uma alusão ao acontecimento de 30 anos atrás, quando o Brasil voltou a ser uma democracia depois de 21 anos de ditadura. Comparava, assim, o animo democrático e festivo dos brasileiros daquela época com o espírito de agora que foi para as ruas em 34 cidades, de acordo com o mapa de protesto infografado e publicado na mesma edição.
Tanto no impresso quanto no canal aberto da TV da organização citada, a cobertura foi pautada pela perspectiva da manifestação pacífica, família, com criancinhas no cangote dos pais ou de mãos dadas com avós, significando um clima de celebração amorosa, fraterna e positiva. Representação que, no entanto, me parece não proceder dado o conteúdo substantivo que embasava o sentido do encontro daquele dia de domingo.
O ódio de classe estava manifesto, assim como os pedidos de intervenção militar, golpe de Estado, derrubada da presidente, extermínio do PT, eliminação dos políticos e do judiciário, entrega da Petrobras ao estrangeiro, tudo embalado pelo motivo-estopim “fim da corrupção”. E o trato jornalístico dado foi o de festa da democracia, com o suporte de inserções de chamadas ao vivo na TV Globo, desde as 8 da manhã, lembrando à população que o programa estava nas ruas para ser levado ao ar a todo o momento. É importante ressaltar o envolvimento do meio eletrônico/digital no acontecimento por causa da sua força de coesão, sobretudo nessa nossa modernidade tardia mediada pelas imagens. Desde o aparecimento da noção de público, a opinião deixou de ser um ato sem vínculo e passou a ser um grupo de juízo momentâneo que responde a problemas pontuais, se reproduzindo e dando a sensação de formar um corpo social em decorrência do transporte do pensamento à distância.
Quanto à democracia, no elementar é uma forma de convivência social em que o povo fala e se escuta mediado pela política, que é a prática de administrar as diferenças para evitar a violência braçal e, se possível, a verbal. É um exercício diário de limite e expansão de direitos. A democracia, seja ela representativa, que é o nosso caso, ou direta, não tem por princípio eliminar, matar, bater e arrebentar. Sua motivação é a escuta, que é o eco e a ressonância da fala de todos com o objetivo de refletir refreando a perversão do desejo. Por isso chamou atenção, dentre os muitos destaques do noticiário, a fala do pai orgulhoso relatando que a filha de seis anos por conta própria fez o cartão “Fora Dilma”. A meu ver, uma pedagogia regressiva que compromete o futuro do país quando ensina na base que democracia é a exclusão do outro. Soma-se a isso os panelaços. Eles não são para pedir, são para calar, para não deixar ouvir a voz do outro. Faz lembrar o episódio em que Galileu Galilei pedia aos padres que olhassem pelo telescópio a prova de que a Terra era redonda e girava em torno do sol e os religiosos desviavam o foco da observação para o ponto que não sustentava a tese do físico italiano.
Obrigar o outro a dizer o que não pensa
Já que não foi o PT, mas sim, o PP, o partido que mais apareceu no caso das propinas da Petrobras, que havia deputados denunciados de tantos outros partidos e os nomes da presidente Dilma e do ex-presidente Lula não constaram da lista do procurador geral da República, Rodrigo Janot, alguns jornais tiveram que mudar a estratégia. Na missão de cumprir o pacto virtual de transporte à distância firmado com seus seguidores de opinião, e na disputa por novas adesões para consolidar a coesão necessária ao fortalecimento da sua coerência ideológica, o jornal O Globo trabalha com o fermento da corrupção em suas principais colunas e notas. Ainda na segunda-feira (16/3), dia seguinte da manifestação do “contra tudo o que está aí”, a nota “Ponto final” da coluna “Ancelmo Góis” foi um desses imperativos recursos discursivos, desde o título. Diz a nota:
“O PT pode dizer o que quiser: que as manifestações que levaram mais um milhão de pessoas às ruas, por exemplo, foram coisa da elite branca, de coxinhas ou mesmo golpistas. Este discurso até conforta a alma do militante petista, mas não resolve o problema do morador de Niterói, que vai pagar um reajuste de 35% na conta de luz, e nem vai apagar da memória do brasileiro a roubalheira da Petrobras. Não reconhecer que há um problema é chamar mais problema. Ou, como ensinava o hábil político Petrônio Portella (1925-1980): ‘Não se briga com os fatos’.”
O fato é que PP não é PT e a presidente Dilma e o ex-presidente Lula não foram denunciados. Mas isso é abafado pelo panelaço e silenciado pelo jornal que não desiste de buscar a responsabilidade no PT e nos presidentes eleitos pela legenda. O reforço ao que vem sendo chamado de jornalismo investigativo para tirar o PT do poder veio também na coluna Miriam Leitão, de terça-feira, 17 de março. Com o título “A mensagem não chegou”, construiu o raciocínio de que a presidente não entendeu nada dos protestos porque admitiu como um erro do seu governo ter deixado o Fies nas mãos dos empresários da educação dando o controle das matrículas para o setor privado. O texto da coluna reage afirmando que o que se trata é que a Petrobras, a “maior empresa do país foi assaltada. O roubo levou ao enriquecimento ilícito de ex-dirigentes e, pelo mesmo canal, o partido do governo foi financiado”.
A presidente admitiu o erro que não interessou ao jornal, muito pelo contrário. E também não reconheceu o problema que o jornal desejava que fosse reconhecido. Aí reside a linha sutil em que o fascismo se instala. Fascismo, é preciso lembrar, é obrigar o outro a dizer o que não pensa, não sente, não tem, não reconhece e não admite. E parece que a pressão midiática insuflada nas ruas não vai parar enquanto seus adversários não disserem o que eles querem que seja dito. Houve um tempo em que era perigoso não ser fascista. A julgar pelo noticiário, temo pelos dias de hoje.

Reprodução de texto de Maria Luiza Franco Debusse, no Observatório da Imprensa

Um país nas cordas

As forças políticas do país estão desafiando as leis da física. Têm esticado as cordas até o limite da irresponsabilidade. Se ninguém ceder, elas vão arrebentar.
A militância petista –hoje mais virtual do que presencial– e os dirigentes do partido insistem que integram um núcleo de virtuosos perseguidos pela "mídia burguesa". Escolheram ser os violinistas do "Titanic". Continuam tocando enquanto o navio afunda.
Dos tucanos não se ouve uma ideia original. Fazem oposição escondidos na barra da saia do PMDB. Torcem para o barco ir a pique travestidos de Linda Batista: "Eu não quero mais nada/ Só vingança, vingança, vingança".
O ministro Joaquim Levy faz jus à fama que tem e não abre mão dos cortes que considera necessários. Contra ele estão governadores, prefeitos, sindicalistas, parlamentares bem e mal intencionados. Se conversas não forem abertas e acordos não forem fechados, a economia mergulhará no brejo.
O governo não se defende pedindo desculpas pelos erros nem parte para o ataque botando o dedo na cara de seus algozes. Está imobilizado e sem voz. Diante da fraqueza do governo, setores da imprensa trabalham sem disfarces para acelerar a volta ao poder de seus homens de confiança.
Nas passeatas dominicais, as legiões de verde e amarelo pedem o pescoço de Dilma. Acham que, trocando-se a cabeça, todo o corpo será regenerado. Miram de antolhos o futuro.
E ainda falta um personagem: quem vá às ruas, sem vínculo com partidos, denunciar o Congresso como endereço do que há de pior no momento: projetos obscurantistas e fascistas; sabotagem consciente do país comandada por duas figuras que, investigadas por corrupção, não poderiam presidir a Câmara e o Senado.
O quadro é horrível. Mas ficará pior se ninguém atirar a primeira corda ao chão.


Texto de Luiz Fernando Vianna, na Folha de São Paulo

Caso do mensalão tucano está parado na Justiça de Minas

Caso do mensalão tucano está parado na Justiça de Minas

Redução no número de filhos é maior entre 20% mais pobres, IBGE

Redução no número de filhos é maior entre 20% mais pobres, IBGE

Nos últimos dez anos queda foi de 10,7% no Brasil
Nos últimos dez anos, o número de filhos por família no Brasil caiu 10,7%. Entre os 20% mais pobres, a queda registrada no mesmo período foi 15,7%. A maior redução foi identificada entre os 20% mais pobres que vivem na Região Nordeste: 26,4%.

Os números foram divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e têm como base as edições de 2003 a 2013 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O levantamento mostra que, em 2003, a média de filhos por família no Brasil era 1,78. Em 2013, o número passou para 1,59. Entre os 20% mais pobres, as médias registradas foram 2,55 e 2,15, respectivamente. Entre os 20% mais pobres do Nordeste, os números passaram de 2,73 para 2,01.

Para a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, os dados derrubam a tese de que a política proposta pelo Programa Bolsa Família estimula as famílias mais pobres do país a aumentar o número de filhos para receber mais benefícios.

“Mesmo a redução no número de filhos por família sendo um fenômeno bastante consolidado no Brasil, as pessoas continuam falando que o número de filhos dos pobres é muito grande. De onde vem essa informação? Não vem de lugar nenhum porque não é informação, é puro preconceito”, disse.

Entre as teses utilizadas pela pasta para explicar a queda estão os pré-requisitos do programa. “O Bolsa Família tem garantido que essas mulheres frequentem as unidades básicas de Saúde. Elas têm que ir ao médico fazer o pré-natal e as crianças têm que ir ao médico até os 6 anos pelo menos uma vez por semestre. A frequência de atendimento leva à melhoria do acesso à informação sobre controle de natalidade e métodos contraceptivos”.

A demógrafa da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE Suzana Cavenaghi acredita que o melhor indicador para se trabalhar a questão da fecundidade no país deve ser o número de filhos por mulher e não por família, já que, nesse último caso, são identificados apenas os filhos que ainda vivem no mesmo domicílio que os pais e não os que já saíram de casa ou os que vivem em outros lares.

Segundo ela, estudos com base no Censo de 2000 a 2010 e que levam em consideração o número de filhos por mulher confirmam o cenário de queda entre a população mais pobre. A hipótese mais provável, segundo ela, é que o acesso a métodos contraceptivos tenha aumentado nos últimos anos, além da alta do salário mínimo e das melhorias nas condições de vida.

“Sabemos de casos de mulheres que, com o dinheiro que recebem do Bolsa Família, compram o anticoncepcional na farmácia, porque no posto elas só recebem uma única cartela”, disse. “É importante que esse tema seja estudado porque, apesar de a fecundidade ter diminuído entre os mais pobres, há o problema de acesso e distribuição de métodos contraceptivos nos municípios. É um problema de política pública que ainda precisa ser resolvido no Brasil”, concluiu.

Reprodução do Correio do Povo

quinta-feira, 26 de março de 2015

Ricardo III


Hoje, 26 de março de 2015, o rei Ricardo III, da Inglaterra, voltará a ser sepultado em uma cerimônia na catedral de Leicester, 529 anos depois de sua morte na batalha de Bosworth Field, nas cercanias da cidade, em 1485. Ricardo 3º foi o último dos reis medievais ingleses. Reinou de 1483 a 1485. Sua morte marcou o fim das "Guerras das Rosas", entre a casa de Lancaster (representada por uma rosa vermelha) e a casa de York (representada por uma rosa branca).
O vitorioso em Bosworth Field foi Henrique Tudor. Ele estabeleceu uma nova dinastia, que combinava a rosa branca e a rosa vermelha como emblema. Ricardo III foi o último rei inglês a ser morto em batalha no solo da Inglaterra, e o primeiro rei inglês morto em combate desde que o rei Haroldo II perdeu a vida na batalha de Hastings, em 1066.
O esqueleto de Ricardo III foi descoberto em 2012 por arqueólogos da Universidade de Leicester. Estava sepultado sob um estacionamento municipal.
A escavação foi resultado de anos de esforço de Philippa Langley. O esqueleto foi identificado por amostras de DNA de um marceneiro canadense, Michael Ibsen, descendente de 17ª geração de Anne de York, irmã mais velha do rei. Seu perfil genético demonstrou que os dois compartilhavam de uma variedade rara de DNA mitocondrial.
Milhares acompanharam as cerimônias nesta semana em Bosworth Field e ladearam as ruas para assistir à passagem do armão de artilharia, acompanhado por cavaleiros em armadura medieval e puxado por cavalos negros, que transportava o caixão simples de madeira, feito por Michael Ibsen.
Na catedral, antes de ser velado, o caixão com os restos mortais foi entregue formalmente pela universidade ao diácono e bispo. O príncipe Richard, duque de Gloucester e primo de Elizabeth II, estava presente. Ricardo III se tornou duque de Gloucester em 1461.
Até a rainha Elizabeth escreveu um tributo a Ricardo III. Ele já não é considerado como "o venenoso sapo de costas encurvadas" que Shakespeare famosamente descreve em sua peça. Isso agora é encarado como manobra de propaganda dos Tudors. E tampouco é visto como o verdugo dos dois jovens príncipes encarcerados na Torre de Londres. E não é mais considerado como rei que tentou fugir do campo de batalha oferecendo "meu reino por um cavalo".
Mas a história está nos olhos de quem a vê. A despeito dos bons votos ecumênicos de dois arcebispos cristãos, Leicester é hoje a cidade mais diversificada da Inglaterra em termos étnicos e religiosos. Apenas 32,4% de seus moradores são cristãos; 18,6% são muçulmanos, 15,2% são hindus, e 4,4% são sikhs. A população fala 70 idiomas diferentes. Trata-se da primeira cidade britânica onde as pessoas brancas de origem britânica são minoria. Ricardo III ficaria atônito.

Texto de Kenneth Maxwell, publicado na Folha de São Paulo

Morre aos 89 o ator Jorge Loredo, o Zé Bonitinho

"Câmera, close! Microfone, please! Vou dar a vocês agora um tostão da minha voz."
O galanteio brasileiro nunca mais será o mesmo. O ator e comediante Jorge Loredo, criador do conquistador Zé Bonitinho, morreu na manhã desta quinta (26), aos 89, em decorrência de falência múltipla de órgãos.
Loredo estava hospitalizado desde fevereiro no Hospital São Lucas, no Rio. Segundo o hospital, ele lutava há anos contra uma doença pulmonar crônica e um enfisema.
O corpo do ator será velado a partir das 8h desta sexta (27) no Memorial do Carmo, Cemitério do Caju, no Rio. A cremação será às 15h.
Zé Bonitinho passou sua última cantada em março de 2012, no programa "A Praça É Nossa" (SBT), no qual atuava desde 2001. Loredo teve que interromper a carreira por conta da saúde frágil.
O humorista nasceu em 7 de maio de 1925, em Campo Grande, no Rio. O início de sua vida foi mais um filme de horror do que uma comédia.
Aos 12 anos, com osteomielite, doença infecciosa que provoca inflamação nos ossos -no caso, o fêmur-, sentia fortes dores e só conseguia se locomover com dificuldade.
"Vivi bastante isolado. Era um garoto que não se relacionava com ninguém. Meu único amigo era cego. Eu perneta, ele cego!", relatou o ator no livro de memórias "O Perigote do Brasil", escrito por Cláudio Fragata e publicado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo em 2009.
Aos 20 anos, contraiu tuberculose. Passou um ano em um sanatório para se tratar.
Ao receber alta, enfim a sorte começou a lhe sorrir. Um teste vocacional deu-lhe três conselhos: o magistério, a diplomacia ou "atividades exibicionistas". Entrou para a faculdade de direito (formou-se em 1957) e para o teatro.
"Eu não sabia que eu era humorista. A coisa foi surgindo naturalmente", contou em entrevista ao SBT em 2010.
Em 1958, ganhou fama ao viver um mendigo filósofo no programa "A Praça da Alegria", na TV Rio. Mas o grande marco de sua carreira veio dois anos depois, quando Zé Bonitinho estreou no "Noites Cariocas", dirigido por Chico Anysio na mesma emissora.
O sujeito de topete, delgado bigodinho, gravata borboleta e pente gigantes e terno extravagante, caricatura do típico cafajeste, tornou-se um clássico do humor popular brasileiro.
A inspiração veio de um amigo de juventude metido a garanhão. "O Jarbas era uma figura, cantava todas as mulheres, parava em frente ao espelho para pentear o bigode. Eu o imitava nas festas e as pessoas se divertiam demais", disse à Folha em entrevista de 2010.
Zé Bonitinho foi também um símbolo para a contracultura dos anos 1960 e 1970. Atuou em dois filmes do Rogério Sganzerla, "Sem Essa, Aranha" (1970) e "O Abismo" (1978). No primeiro, deu vida ao capitalista Aranha, tipo decalcado do Bonitinho, retrato mordaz da boçalidade do país.
"Ele é um gênio. O trabalho que ele fez nos filmes de Rogério foram consagrados internacionalmente. Adorei trabalhar com ele", diz a atriz Helena Ignez, viúva de Sganzerla.
A última atuação no cinema foi no filme "O Palhaço", de Selton Mello, em 2011.
"Loredo foi um grande artista. Quando o conheci, fiquei fascinado pelo homem culto, amante dos filmes italianos clássicos", diz Selton em nota.
Diferente de seu espalhafatoso personagem, Loredo, era bastante discreto. Dizia nunca ter sido mulherengo. Casou-se três vezes e teve dois filhos.
"O artista só pode representar aquilo que não é, no máximo aquilo que gostaria de ser. Se tivesse algo do Bonitinho, não faria o personagem.", afirmou em 2010.


Reprodução da Folha de São Paulo

O que querem Cunha e Renan?

Qual é o objetivo dos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), e do Senado, Renan Calheiros (AL), ambos do PMDB, ao se lançarem num campeonato frenético para ver quem empareda mais a presidente Dilma Rousseff?
Qual a alternativa dos chefes do Legislativo ao ajuste fiscal que colocam em risco com bravatas diárias e projetos que apenas aumentam despesas, sem indicar receitas?
Para a primeira questão, a resposta se dá no campo da política. A da segunda é simples: nenhuma.
Ao encher a boca para falar de independência do Poder de cujo comando são sócios, Cunha e Renan tentam dar aura institucional para o que não passa de demonstração de que têm o governo como refém.
Se não, por que o presidente da Câmara votaria a toque de caixa uma lei que obriga o governo a arcar com papagaio de R$ 3 bilhões anuais de Estados e municípios que querem rasgar contratos que assinaram e espetar a conta na viúva, como bem apontou o mestre Elio Gaspari?
E por que seu parceiro do Senado daria um ultimato ao ministro da Fazenda e à presidente para que resolvam a situação até terça, ou ele tratará de dar o tiro de misericórdia?
São alguns os porquês. Porque Alagoas, governado pelo filho de Renan, e a Prefeitura do Rio, chefiada por um aliado de Cunha, são dois dos maiores interessados no cavalo de pau da renegociação da dívida.
Porque o PMDB quis retaliar a demora de Dilma em sancionar a lei que impediria a criação do PL, novo partido-ônibus de Gilberto Kassab.
É nesse câmbio nada republicano que se negocia o ajuste fiscal no Congresso. Se as agências de rating perceberem a tibieza do governo diante do jogo, o país perderá o grau de investimento, a despeito do voto de confiança dado pela Standard & Poor's.
Não que Renan e Cunha se importem. E não que Dilma tenha condições de impedir –já que refém está e não há ninguém para resgatá-la.


Texto de Vera Magalhães, na Folha de São Paulo.

quarta-feira, 25 de março de 2015

O irmão nazista

Uwe Timm nasceu em 1940, em Hamburgo. Fazendo as contas, o que não é difícil, vejo que fará agora 75 anos. Não é uma idade tão avançada assim, nos tempos de hoje. Suas lembranças, entretanto, parecem, às vezes, vir da pré-história.
Veja-se, por exemplo, um dos episódios que ele conta em "À Sombra do Meu Irmão", texto autobiográfico lançado agora pela editora Dublinense (160 págs., R$ 34,90).
A Segunda Guerra tinha acabado, e o pai de Uwe Timm ia prosperando na profissão de peleteiro --apesar de seu mínimo conhecimento na confecção de casacos de mink, de raposa ou de chinchila.
Os ganhos da época do "milagre alemão" permitiram ao patriarca da família comprar um carro verde, do ano de 1939, tido como objeto de luxo naquela época.
O sucesso era tanto que os guardas de trânsito reconheciam o motorista --e o cumprimentavam. Em reconhecimento, a mãe de Uwe Timm dava presentes de Natal, todos os anos, para os aplicadores de multa.
É como se estivéssemos numa cidadezinha americana de 10 mil almas. Só que era a Hamburgo do pós-guerra --ainda destruída, por certo, mas com cerca de 1,5 milhão de habitantes.
Outra cena de infância, também surpreendente, aparece no final do livro. Um menino anda de patinete --fica implícito que se tratava do próprio autor-- na ciclovia. Aparentemente, isso era proibido.
Um ciclista sem nenhum parentesco, e muito menos aviso, dá um tabefe na criança, que se estatela no chão. Uma passante assiste à cena e diz: "bem-feito!"
O caso ilustra, segundo Timm, os profundos hábitos de violência e de opressão que sobreviviam na Alemanha do pós-guerra.
Uma geração antes --é a mãe do autor a vítima da história-- aconteciam coisas como a que se segue.
A menina adorava batatas fritas. Um dia, quando a madrasta estava fora de casa, ela tomou a iniciativa de fazer o prato sozinha. Petulância inaceitável. O castigo foi ficar um ano sem batatas fritas, tendo de ficar à mesa, assistindo aos outros comerem à vontade.
Vê-se em ponto pequeno o que significavam, para as gerações alemãs mais antigas, o culto da disciplina e o sistema do desrespeito à infância.
Ao mesmo tempo, o caso dos presentes de Natal para os guardas de trânsito não trazia, presumo, nenhuma sugestão de propina: é ainda uma homenagem à autoridade.
Com o toque provinciano, "feliz", à moda dos anõezinhos da Branca de Neve --que também é, a meu ver, uma especialidade alemã.
O enigma do "caráter nazista" foi estudado, naturalmente, por muitos autores. Uma das melhores coisas de "À Sombra do meu Irmão" está no fato de que Uwe Timm trata esse problema da forma mais íntima, mais cuidadosa possível.
O irmão dele era bem mais velho --Timm mal se lembra dele. Um vago vulto loiro, que aparece de surpresa atrás do armário e levanta o menino no ar.
"Não consigo me lembrar do rosto", diz o autor na primeira página do livro, "nem do que ele vestia, provavelmente uniforme (...)".
Uniforme? Sim, o irmão era da SS. Não se tratava de um vigia de campos de concentração; estava num batalhão de combate e morreria em 1943. Deixou cartas e um diário.
O texto de Uwe Timm funciona como uma bomba-relógio, adiando e antecipando milimetricamente as revelações que, em nossa imaginação, pelo menos, estão contidas nesses documentos.
Numa carta, seu irmão conta que acaba de conseguir uma excelente pistola. "Você precisa ver como atiro com ela, melhor do que com o fuzil. Sabe aquelas pequenas peças de porcelana nos postes de telefone, derrubo uma a uma", vangloria-se.
Arremata em seguida: "agora, querida mãezinha, fico por aqui. Escreva para mim de novo em breve".
No diário de campanha, não há tempo para tais ambiguidades. Um russo fumando ao longe vira "um banquete para minha MG".
O mais extraordinário do trecho --e isso não é especificamente alemão-- é a mistura de selvageria e inocência que acomete tantos jovens na experiência de guerra.
Coisas hediondas serão contadas, por outros personagens, no mesmo tom; o livro é econômico em atrocidades, mas sabe apresentá-las no momento exato.
Com o ponto de vista particular de quem está ao mesmo tempo longe e muito perto da geração nazista, Uwe Timm trata da brutalidade com o máximo de delicadeza, de inteligência e de cuidado. Sem dúvida, é o melhor método que se pode ter.


Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo

Ilha do Caribe quer descartar rainha Elizabeth como sua chefe de Estado

Ilha do Caribe quer descartar rainha Elizabeth como sua chefe de Estado

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

A ilha de Barbados, no Caribe, planeja dispensar a rainha Elizabeth 2ª, do Reino Unido, como sua chefe de Estado e se transformar em uma república a partir de 2016.
A mudança constitucional foi defendida pelo primeiro-ministro da ilha caribenha, Freundel Stuart, mas ainda terá de ser aprovada por maioria de dois terços nas duas Casas do Parlamento. A líder da oposição no país, Mia Mottley, não comentou a proposta.
A ideia é que Barbados se torne república em novembro de 2016, quando o país de pouco menos de 300 mil habitantes celebra o 50º aniversário da sua independência.
"É um pouco estranho que, em pleno 2015, ainda tenhamos de nos erguer e, em vez de jurar lealdade a Barbados, jurá-la a 'sua majestade, a rainha'", disse Stuart numa reunião do Partido Democrático Trabalhista, sigla do governo.
Com a mudança, afirma o primeiro-ministro, Barbados continuará sendo membro da Commonwealth (Comunidade Britânica), que inclui 53 Estados, a maioria deles antigas colônias do Reino Unido.
Fazem parte da Commonwealth países que têm chefes de Estado próprios (como África do Sul, Índia e Paquistão) e outros nos quais, formalmente, o chefe de Estado é a rainha Elizabeth --por exemplo, Canadá e Austrália.
A ilha, ocupada por colonos ingleses a partir do século 17, foi a única do Caribe que não trocou de mãos durante as guerras entre espanhóis, britânicos, holandeses e franceses. Permaneceu sob o domínio do Reino Unido até a sua independência, em 1966.
O debate republicano é travado há anos em Barbados entre habitantes mais velhos, que veem na rainha um símbolo de estabilidade, e nacionalistas mais jovens, que a consideram um anacronismo.
Um porta-voz do Palácio de Buckingham afirmou, na segunda-feira (23), que a questão competia exclusivamente "ao governo e ao povo de Barbados". O primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, disse esperar que a decisão do país seja "coerente com sua autodeterminação".


Reprodução da Folha de São Paulo.

A retórica de Netanyahu

As relações EUA-Israel chegaram ao fundo do poço. A incursão de Binyamin Netanyahu na política interna americana para pôr a pique o acordo nuclear com o Irã; sua cínica campanha de propaganda antiárabe; sua adesão, posterior rejeição e depois adesão à criação do Estado palestino e suas críticas frequentes a Barack Obama, o aliado mais poderoso de Israel, tudo isso fraturou o apoio unificado da comunidade judaica americana a Israel.
No ano passado, sinagogas americanas debateram como reagir à guerra chocante na faixa de Gaza. Um consenso aproximado emergiu: é ok, na realidade necessário, criticar e ainda assim amar Israel, ao mesmo tempo rejeitando as alegações absurdas de que o Hamas seja qualquer coisa senão uma organização terrorista que visa a destruição de Israel.
Israel ainda gozava do benefício da dúvida. Contudo, as ações calculadas de Netanyahu colocaram Israel em colisão com os EUA. É provável que o relacionamento político se recupere com o tempo. Mas receio que a polarização esteja alimentando o antissemitismo nos EUA, especialmente nos campi.
Natalie Charney, a presidente estudantil da seção da organização Hillel na UCLA, expôs o problema ao "The New York Times": "As pessoas dizem que ser anti-Israel não é o mesmo que ser antissemita. O problema é que a cultura anti-Israel, em que se critica exclusivamente o Estado judaico, produz um ambiente em que atacar estudantes judeus é visto como algo normal."
Organização universitária judaica, a Hillel está presente em 500 universidades dos EUA. Quando uma estudante é presidente de uma seção da Hillel, podemos supor que ela represente uma corrente de pensamento e experiência majoritária como judia americana jovem.
Ela já deve ter visitado Israel, ter tido seu bar-mitzvá e estar servindo à sua comunidade mais ampla em questões de justiça social que não se limitem apenas a temas relacionados a Israel ou ao judaísmo.
Antes da guerra de Gaza, uma pesquisa com estudantes judeus nos EUA constatou que 54% já tinham testemunhado ou sofrido antissemitismo no campus. Para citar alguns exemplos, suásticas e outras pichações neonazistas, depredação de sedes de grêmios judaicos e, na UCLA no mês passado, um esforço para impedir uma estudante de participar de um conselho de governança estudantil, pelo fato de ser judia.
Nos últimos anos, uma campanha palestina para promover boicotes, desinvestimento e sanções conseguiu mobilizar grupos estudantis em todo o país contra Israel.
Se existe algum caso de ativismo contra os desmandos de qualquer outro país (pense na Síria), em nenhuma instância chega a esse nível. Como foi o caso do antissemitismo ao longo da história, o ativismo anti-Israel tomou o lugar do sentimento de revolta dos que não têm poder, e o estudante judeu passou a ser símbolo do "privilégio branco".
Não podemos atribuir toda a culpa por isso a Bibi, mas indispor-se com o presidente e a classe política americanos é ruim não apenas para Israel, mas também para os judeus americanos.


Texto de Julia Sweig, publicado na Folha de São Paulo

O presidencialismo frágil e as lições de JK


O Brasilianas.org (TV Brasil) da última segunda-feira juntou três especialistas para discutir a crise política: o cientista social Roberto Grün, da Universidade Federal de São Carlos, o escritor e advogado André Araújo e o biógrafo de Juscelino Kubitscheck, Ronaldo Costa Couto.
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As diferenças entre o presidencialismo brasileiro e o norte-americano foram bem colocadas por Araújo.
Não se pode governar grandes países federados sem uma ampliação do poder do Executivo federal, diz ele. Nos Estados Unidos, o Ministério Público é uma extensão do poder do presidente da República. Ele nomeia e pode demitir a qualquer momento tanto o Procurador Geral quanto qualquer procurador federal.
Além disso, uma visão utilitária da política confere ao presidente da República poderes inimagináveis no Brasil, como o anistiar condenados, se se entender que será útil ao país. Foi assim com Bill Clinton que, na véspera da sua saída, assinou um indulto para um grande empresário norte-americano, Marc Rich, considerado o maior sonegador fiscal do país. Pagou com o desgaste político, mas seu poder não foi questionado.
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No Brasil, como reação ao período militar, a Constituinte de 1988 criou um poder pulverizado, que acabou se tornando fator de instabilidade política para todos os presidentes pós-ditadura.
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JK encarou turbulências até maiores e se saiu bem. Estava em plena Guerra Fria, enfrentava Carlos Lacerda e os militares, assumiu um país que estava sob estado de sítio há pelo menos dois anos e, nos seus primeiros meses de governo, enfrentou duas rebeliões militares: a de Jacareacanga e Aragarças.
Mais ainda: uma campanha com acusações diárias de corrupção, ampliadas com a construção de Brasília. E, no entanto, saiu consagrado do governo.
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A fórmula JK começava com uma simpatia contagiante, que encantava aliados e adversários.
Depois, pelo exercício seguro da autoridade, atuando em duas frentes. Contra as rebeliões, mão de ferro. Derrotado o inimigo, o perdão, como um ato do príncipe, não uma prova de fraqueza.
Fazia parte de seu cardápio político o compromisso inalienável com a democracia. No primeiro dia de governo, praticamente suspendeu o estado de sítio. E recusou insistentes apelos – de Tancredo a Brizola – para mudar a Constituição de forma a permitir sua reeleição.
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Acadêmicos pouco afeitos ao mundo real tendem a minimizar o peso das relações pessoais na política. São essenciais, conforme comprovam Getúlio Vargas, com seu formalismo, JK e Lula com sua informalidade contagiante.
Sua relação com o Judiciário foi pavimentada por relações sociais prévias com os principais nomes.
JK cooptou os grandes grupos empresariais brasileiros, tornando-os sócios das multinacionais que trazia para o país.
Exerceu o presidencialismo de coalizão, sim. Loteou cargos, Ministérios. Mas definiu um projeto de país e criou uma estrutura paralela para gerir os novos projetos.
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Certa vez, Costa Couto indagou de Tancredo Neves – principal articulador político do governo JK – qual a principal virtude de um governo. A resposta: governar é trabalhar em equipe. Mas é imprescindível um fator de coesão: um projeto claro de governo e de país. Sem ele, não se anda.

Reprodução do Blog do Luís Nassif

terça-feira, 24 de março de 2015

STF abre inquérito para investigar Agripino Maia

STF abre inquérito para investigar Agripino Maia

Senador foi citado em delação premiada de empresário e é acusado de ter cobrado propina de R$ 1 milhão
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu abrir um inquérito contra o senador Agripino Maia (RN), presidente nacional do DEM, após pedido encaminhado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O parlamentar foi citado em delação premiada de empresário do Rio Grande do Norte na qual é acusado de ter cobrado propina de R$ 1 milhão para permitir um esquema de corrupção no serviço de inspeção veicular do Estado. O caso chegou ao Supremo em março e a decisão de abertura de inquérito foi tomada pela ministra relatora do caso, Cármen Lúcia, na última sexta-feira, 20. O processo tramita no Supremo em segredo de Justiça. 

A delação premiada, feita pelo empresário George Olímpio que, segundo promotores que acompanham o caso, teria montado um esquema envolvendo as principais autoridades do Rio Grande do Norte para aprovar uma lei que criava o sistema de inspeção veicular no Estado. A aprovação da lei, segundo a investigação, teria ocorrido sem obedecer os trâmites legais. O esquema de corrupção é investigado pela Operação Sinal Fechado, deflagrada em 2011. 

Procurado, o senador disse desconhecer o pedido de abertura de inquérito contra ele no STF. "Não fui comunicado de nada e o que eu posso lhe dizer é quem um primeiro ponto trata-se de um reposicionamento por parte de alguém que foi a cartório declarar o contrário do que se supõe estar declarando agora. Trata-se de um processo que já foi apreciado na PGR e arquivado. Eu não tenho informação sobre as razões que estariam levando à reabertura desse assunto", disse ao jornal O Estado de S.Paulo por telefone. 

Segundo o senador, o delator teria registrado em cartório uma nota que nega o teor das acusações feitas em delação premiada. Maia afirma que esse caso já havia sido analisado pela Procuradoria-Geral da República e arquivado por "inexistência de indícios mínimos". O parlamentar afirma ainda desconhecer os motivos que teriam levado à reabertura do caso.

Reprodução do Correio do Povo.

Eternos retornos

Assisti recentemente ao filme "Ida", dirigido por Pawel Pawlikowski e vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro. Gostei. Esteticamente deslumbrante, a obra apresenta-nos uma noviça que, antes de tomar votos no convento, conhece a história do seu passado. E descobre que, afinal, é judia. Mais ainda: a família morrera na Segunda Guerra Mundial e imediatamente depois de 1945.
Essa última afirmação é a mais polêmica de todas: depois de 1945? Precisamente. Na Polônia (mas não apenas na Polônia), os crimes antissemitas continuaram a ser praticados pelos nativos. Sobretudo quando os judeus sobreviventes tinham a ambição legítima de retornar às suas casas entretanto ocupadas.
O filme retrata isso quando Ida, na companhia de uma tia, visita a casa paterna --e os novos habitantes reagem com indisfarçável desconfiança e mesmo hostilidade. Não admira que o filme tenha provocado discussões mil na Polônia.
"Ida" transporta essa desconfortável verdade: o antissemitismo não terminou com a libertação de Auschwitz, tal como afirma Jeffrey Goldberg em artigo obrigatório para a revista "The Atlantic". A Polônia do pós-guerra é um exemplo. Mas a Europa atual é um exemplo ainda maior.
O primeiro mérito do artigo está no fato de Goldberg não se prender apenas aos crimes antissemitas mais recentes e midiáticos --a chacina de Paris, o tiroteio em Copenhague.
O problema é mais vasto e uma das formas de olhar para ele é com números: na França, a comunidade judaica representa 1% da população total (qualquer coisa como 475 mil pessoas). Em 2014, esse 1% foi vítima de mais de metade dos ataques racistas em todo país.
Será de espantar que 7.000 judeus franceses tenham decidido partir no mesmo ano para Israel --e que, em 2015, a cifra possa até dobrar?
Não há espanto. Jeffrey Goldberg defende que o "novo" antissemitismo, ao contrário do velho, é hoje uma combinação aparentemente bizarra --uma mistura de "judeofobia muçulmana" com "neonazismo" tradicional.
Não contesto essa mistura. Mas contesto a "novidade": um conhecimento da história do Oriente Médio, e em particular do Mandato Britânico para a Palestina entre as duas guerras mundiais, já apontava nesse sentido.
Amin al-Husseini, o famoso "mufti" de Jerusalém que os ingleses acreditavam ser o agente da paz na conflitualidade entre árabes e judeus, era pessoa íntima do Terceiro Reich.
Terminado o conflito em 1945, foi considerado criminoso de guerra. A fuga para o Egito salvou-o de um destino semelhante ao de muitos nazistas em Nuremberg. Histórias que parecem novas são, na verdade, bem antigas.
E o autor do artigo mostra-nos isso, sobretudo quando fala da Suécia. Desconhecia a vida negra, negríssima, que os judeus do país levavam. Mas o caso da cidade de Malmö, analisado por Goldberg, merece um capítulo à parte.
Com 300 mil habitantes, Malmö tem 50 mil muçulmanos --e uma comunidade judaica com 1.000 pessoas apenas. Mas nem essa insignificância demográfica impede que o rabino da sinagoga local, Shneur Kesselman, tenha sofrido 150 ataques nos últimos dez anos --verbais ou físicos. Fugir, para ele, está fora de questão. Isso seria uma vitória dos antissemitas.
Admiro a coragem do homem. Mas, aqui entre nós, quem, em juízo perfeito, toleraria 150 ataques em dez anos de existência?
É por isso que, na conclusão do artigo, Jeffrey Goldberg termina com um melancólico otimismo: se ele fosse judeu a viver na Europa, provavelmente pensaria em sair. Mas a grande vantagem dos judeus de 2015 sobre os antepassados de 1933 está na existência do Estado de Israel. Um "bote salva-vidas", como ele diz, e que teria mudado a história se já existisse em 1939.
Difícil negar. Mas também não deixa de ser arrepiante a forma como esse "bote salva-vidas", mais de meio século depois, nem a sua própria salvação tem garantida.
E se o leitor pensa que falo de um Irã com capacidade nuclear, garanto que não preciso ir tão longe. Aqui ao lado, a Universidade de Southampton (Reino Unido) prepara-se para organizar em abril uma "conferência" de três dias para questionar a "legitimidade" da existência de Israel.
É o eterno retorno: primeiro, questiona-se a existência; depois, alguém irá tratar dela por outros métodos.


Texto de João Pereira Coutinho, na Folha de São Paulo

Tea Party tucano

Na semana passada, as grandes atrizes Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg se beijaram na novela das nove. As duas têm 85 anos e interpretam um casal de senhoras que vivem juntas, como acontece em muitos lares brasileiros.
Um deputado do PSDB, o pastor João Campos, descreveu a cena como um "estupro moral" destinado a "afrontar os cristãos". Líder da Frente Parlamentar Evangélica, ele pediu aos fiéis que boicotem a novela e seus anunciantes. Se for obedecido, milhões de donas de casa terão que mudar de canal e marca de xampu.
Nesta terça, a Comissão de Educação da Câmara fará uma audiência pública para discutir a "doutrinação política e ideológica nas escolas".
Um deputado do PSDB, Izalci Ferreira, marcou a sessão. Por telefone, ele explicou que o governo tem usado professores e livros didáticos para pregar o homossexualismo e "transformar o Brasil na Venezuela". Perguntei que ideologia o preocupava tanto. "Não sei se é comunista, anarquista ou socialista. É uma mistura", ele respondeu, antes de citar a sobrinha de 5 anos como vítima da doutrinação. "Outro dia, ela pegou um livro para colorir e estava cheio de estrelinhas. Quando vi, ela tinha colorido todas de vermelho", contou o tucano, dizendo-se indignado.
No último dia 13, parlamentares discursaram sobre as manifestações marcadas para o domingo seguinte.
Um deputado do PSDB, Delegado Waldir, acusou o governo de censurar um artigo de Arnaldo Jabor. Passou a ler um texto primário, falsamente atribuído ao cineasta. "Tudo fica ridículo diante da ditadura, ditadura mesmo, do lulopetismo, a maior ditadura do mundo", esbravejou, na tribuna. "O Brasil é uma ditadura!", bradou outras quatro vezes.
Uma direita tacanha está sequestrando o partido de Covas, Montoro e FHC. Se Aécio Neves não explicar aos colegas que o Estado é laico e que a Guerra Fria acabou, corre o risco de disputar as próximas eleições em um Tea Party tupiniquim.

Texto de Bernardo Mello Franco, na Folha de São Paulo

Brasileiros continuam a viver em negação sobre peso do racismo na sociedade

Em uma noite de sexta-feira no mês passado, faltava luz nas ruas da Palmeirinha, uma favela no Rio de Janeiro. Três adolescentes negros estavam brincando em frente de suas casas. Um deles começou a correr e os outros seguiram, rindo. Naquele momento, a polícia saiu atirando. Chauan Jambre Cezário, 19, foi gravemente ferido. Alan de Souza Lima, 15, morreu no local com celular nas mãos – ele registrou tudo em vídeo, incluindo seus próprios últimos momentos agonizantes.

Segundo a nota oficial divulgada no dia seguinte, os rapazes foram baleados depois de um confronto com a polícia. Os policiais alegaram ter encontrado duas armas no local e acusaram Cezário de resistir à prisão. O rapaz, que vende chá gelado na praia de Ipanema, foi levado para o pronto-socorro e algemado ao leito do hospital.

Dias depois, o vídeo por celular de nove minutos se tornou público. As imagens mostram claramente que os adolescentes não tinham nenhuma arma e que não houve nenhum confronto ou resistência. Segundos após os disparos, um policial perguntou porque estavam correndo, ao qual um Cezário sangrando respondeu: "A gente tava brincando, senhor".

As acusações foram retiradas, mas sua experiência, e a morte de seu amigo mais jovem, reflete a história da violência contra os homens negros jovens no Brasil.

Os afro-brasileiros – pessoas que identificam a si mesmas como negros ou morenos – correspondem a 53% de nossa população, um total de cerca de 106 milhões de indivíduos. É a maior população negra fora da África e a segunda maior depois da Nigéria. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), brasileiros negros com idades entre 12 e 18 anos apresentam uma probabilidade três vezes maior de serem mortos do que seus pares brancos, e uma pesquisa pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou que os negros brasileiros representam 68% de todas as vítimas de homicídio.

A probabilidade também é maior de serem vítimas de mortes pela polícia. Um estudo feito pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) mostrou que 58% de todas as pessoas mortas no Estado de São Paulo pela polícia militar eram negras. Elas correspondem a 72% de toda a população carcerária do país.

"Quando você vê uma viatura de polícia, seu coração gela", me disse Luiz Roberto Lima, um fotógrafo negro do Rio de Janeiro, que morou nas ruas na adolescência. "Eles podem matar você por estar na rua ou por defender seus direitos, e também podem matar você por prazer. Mesmo que não tenha ficha criminal, eles podem inventar algo contra você." Ele se referia às infames "mortes por resistência", quando as vítimas são baleadas após supostamente dispararem contra a polícia e não há maior investigação –o que provavelmente teria acontecido em Palmeirinha se não fosse pela evidência em vídeo.

A desigualdade racial tem raízes históricas óbvias. A escravidão no Brasil durou por aproximadamente três séculos, do início do século 16 a meados do século 19, um período durante o qual cinco milhões de escravos foram trazidos da África para cá – cerca de 11 vezes mais do que para a América do Norte. A nação foi a última nas Américas a abolir a escravidão, em 1888.
Mas muitos afro-brasileiros ainda estão confinados às margens da sociedade. Hoje, quase 70% das pessoas que vivem na pobreza extrema são negras. E estão quase totalmente ausentes das posições de poder. Todos os 39 ministros do gabinete da presidente Dilma Rousseff são brancos, com exceção de um: a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Em uma recente entrevista para jornal, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie disse que "o Brasil está em negação sobre a questão racial". Ela ficou surpresa ao saber, durante uma visita poucos anos atrás, que não falávamos muito sobre o assunto aqui, como se racismo não fosse uma questão. Ela acrescentou: "Não consegui deixar de notar como raça e classe estão conectadas no Brasil. Eu ia a restaurantes bons e não via uma única pessoa negra".

Essa observação pode ser confirmada pelo que alguns brasileiros chamam de "teste do pescoço". Cunhado pelo servidor público Francisco Antero e pela professora de história Luzia Souza, ele consiste de contar o número de pessoas brancas e negras em papéis diferentes em circunstâncias diferentes. Estique o pescoço em uma joalheria, por exemplo, e conte quantos vendedores são negros, e então conte quantos são clientes. Ou espie em uma escola particular cara e conte quantos alunos e professores são negros, e quantos são serventes.

Eu apliquei recentemente o teste do pescoço em uma sorveteria cara em um bairro rico de São Paulo. Cinco dos sete funcionários eram negros, em comparação a um entre 30 clientes – e suspeito que ele era estrangeiro. Então, em um ônibus municipal, dentre duas dúzias de passageiros, eu notei que era uma das apenas três pessoas brancas.

Para melhorar esta situação, o governo brasileiro introduziu nos últimos anos alguns poucos programas afirmativos, como destinar para minorias raciais um certo percentual de empregos no Serviço Público e vagas em universidades públicas. Ele também concedeu direitos parciais de propriedade para nove comunidades formadas por quilombolas (descendentes de grupos de escravos fugitivos). Apesar desses direitos de propriedade serem garantidos pela nossa Constituição, apenas estimados 5,8% das 214 mil famílias que vivem em quilombos as receberam.

O mais antigo programa de ação afirmativa em universidade existe há 10 anos, mas ainda enfrenta fortes críticas. Um dos maiores jornais do Brasil assumiu uma firme posição editorial contra as cotas raciais em universidades, argumentando que um sistema que encoraje a diversidade socioeconômica bastaria. Os críticos às vezes consideram as cotas como discriminação reversa ou temem que possam incitar o ódio racial em nossa imaginada "democracia racial", onde negros e brancos brincam lado a lado nas ruas sem serem baleados no peito.

É como Adichie disse. O Brasil ainda está em negação.

Texto de Vanessa Bárbara, para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradutor: George El Khouri Andolfato

A crise política e a Tríplice Aliança

A crise política atual é uma crise de poder da Presidência da República. É lá que se cria o vácuo político. Vários grupos tentam prevalecer-se desse vácuo para ampliar seu poder e influência no país. E, nesse jogo oportunista, acabam se constituindo em fatores de desestabilização política.
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O principal fator de desestabilização reside na aliança pontual - e precária - de três grupos principais: o Ministério Público Federal, os grupos de mídia e a geleia geral representada pelo presidente da Câmara Eduardo Cunha, na qual se misturam evangélicos, baixo clero, interesses econômicos obscuros entre suspeitas mais graves.
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No primeiro momento, há quase um triângulo em que a hipotenusa são os grupos de mídia e os catetos o MPF e o grupo de Cunha. Ao mesmo tempo, o MPF investiga Cunha, o que aumenta a confusão e a instabilidade da tríplice aliança.
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A recente visita do procurador Deltan Dallagnol à Folha e o prêmio de O Globo recebido pelo juiz Sérgio Moro são a parte mais visível e menos importante dessa parceria. O MPF e o juiz Moro conseguiram midiatizar o julgamento da Lava Jato e, com isso, se impor sobre o Judiciário e sobre as restrições constitucionais ao seu trabalho.
É sintomática a maneira como levaram o caso José Dirceu para esse campo. O procurador diz que Dirceu recebeu pagamento de empreiteiras da Lava Jato. Dirceu mostra que houve trabalho de consultoria visando abrir mercado em países onde mantém relacionamento político. As empreiteiras confirmam. Ai o procurador diz que, de fato, o trabalho ocorreu, mas o pagamento foi descontado da propina do PT.
A informação não está em nenhum prova ou mesmo em delação premiada. Um dos prisioneiros comentou com um dos procuradores. Simples assim. Quem necessita de Código Penal tendo a chance de fazer justiça com as próprias mãos e as próprias manchetes?
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A mídia dá respaldo a essas arbitrariedades, da mesma maneira que puxou o tapete do MPF quando o alvo foi Daniel Dantas, da Operação Satiagraha, ou a Camargo Correia, da Operação Castelo de Areia. Aliás, na consultoria internacional de Dirceu não há nenhuma explicação para o contrato com uma empresa do grupo de Nizan Guanaes.
A pauta está com a mídia e será tirada sempre que ela quiser. Os procuradores e o juiz Moro sabem disso, mas aproveitam o momento para manobras oportunistas.
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Por sua vez, Eduardo Cunha aproveitou o vácuo para avançar firmemente sobre a estrutura de poder. Como atrapalha Dilma, recebe blindagem dos grupos de mídia. E aí o jogo fica curioso.
Numa ponta, o MPF investiga Cunha; na outra, a mídia blinda, escondendo sua biografia da forma mais canhestra possível - já que não existe político mais notório que Cunha.
Acontece que Cunha representa, também, os grupos evangélicos, que cada vez mais se apresentam como força política e midiática - a maior ameaça ao predomínio da Globo vem dos canais evangélicos e a maior ameaça às democracias têm sido de grupos religiosos que resolvem militar na política.
Em algum ponto do futuro, a parceria deixará de interessar ao establishment da mídia. Aí trará à tona a extensa capivara de Cunha e o MPF dará o golpe final.
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Resta saber qual o grau de influência que cada grupo acumularáæ até a implosão da Santa Aliança.

Reprodução do Blog do Luís Nassif