Não é a primeira vez que as Forças Armadas brasileiras tapam o sol com a peneira sobre torturas e mortes durante a ditadura que comandaram com apreço e afinco a partir de 1964. É de rir deitado. A Comissão da Verdade pediu ao Exército, à Aeronáutica e à Marinha sindicâncias sobre os horrores cometidos nas suas instalações durante o regime militar.
A resposta veio cristalina: nada aconteceu. Nenhuma irregularidade.
É piada. Humor de coturno.
No popular, que carinhas de pau!
Nada teria ocorrido no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Belo Horizonte e em Recife.
O Exército mandou um relatório vazio com 42 páginas de conversa fiada. A Aeronáutica gastou 145 páginas para não dizer coisa alguma. A Marinha precisou de 268 páginas para se fazer de morta.
Os engraçadinhos da Aeronáutica chegam a contar parte da história da aviação no mundo.
A Marinha trata da imigração oriental para o Brasil no século XIX.
Os arquivos do CIEx (Centro de Inteligência do Exército) não foram tocados.
A esperteza continua. Em 1981, montou-se um atentado no Rio-Centro para tentar colocar a culpa nos que se opunham à ditadura. Agora, a bomba é mais inofensiva: esconder a cabeça na areia e fazer de conta que nada aconteceu.
Só tem um jeito: revisar a lei da anistia para botar torturador na cadeia. Fernando Jorge, em “Cala a boca, jornalista”, descreve uma das cenas de tortura mais devastadoras dos primeiros dias do regime militar de 1964, acontecida em Recife.
Jorge cita uma declaração de um militar, Hélio Ibiapina, torturador de primeira hora em Pernambuco, feita ao jornalista Márcio Moreira Alves na frente de Dom Hélder Câmara. Algo para entrar na história universal da infâmia sem Borges:
“Muitas vezes o senhor tem vindo ao IV Exército reclamar de torturas contra presos políticos. Traz os nomes e as torturas a que esses homens foram submetidos e não sei como consegue estas informações. Invoco o seu testemunho para dizer que nunca neguei que as torturas existissem. Elas existem e são o preço que nós, os velhos do exército, pagamos aos jovens. Caso tivessem os oficiais jovens empolgado o poder, os senhores estariam hoje reclamando não de torturas, mas de fuzilamentos. Nós torturamos para não matar.” Essa citação, que já mostrei aqui outras vezes, chama a atenção de quem pesquisa a nossa história recente. Eu destaquei parte dela em Jango, a vida e a morte no exílio.
É a confissão de um torturador de primeira hora. Castelo Branco mandou Ernesto Geisel investigar. O futuro ditador voltou com um resultado espantoso: nada mais do que boatos. A ditadura era surda, cega e cínica.
Deve ser genético.
Reprodução do Blog do Juremir Machado da Silva.
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