quarta-feira, 30 de julho de 2014

A VERSÃO DE LACERDA PARA O VOTO DO BRASIL


A tensão entre a diplomacia brasileira e a israelense por causa do conflito em Gaza, classificado como "massacre" pela presidente Dilma Rousseff, jogou luz sobre uma figura histórica: o diplomata brasileiro Oswaldo Aranha. Ele presidiu a sessão da ONU que aprovou a partilha da Palestina, com a posterior criação do Estado de Israel.
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No livro "Depoimento" (ed. Nova Fronteira), o ex-governador e jornalista Carlos Lacerda deu a sua versão para o fato histórico: segundo ele, Aranha, chefe da delegação do Brasil para a Assembleia da ONU, teria votado contra a orientação do governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, transmitida a ele pelo então ministro das Relações Exteriores, Raul Fernandes.
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"O Oswaldo Aranha mudou o voto do Brasil. Fez o Brasil votar a favor da partilha da Palestina, ou seja, da criação do Estado de Israel. Nessa ocasião, comecei uma série de artigos combatendo essa posição, sustentando que o Brasil, tendo uma comunidade judaica tranquila e uma comunidade árabe também tranquila, não tinha que se meter numa partilha que, necessariamente, ia dar numa guerra, e que o Brasil não devia participar dessa responsabilidade", diz Lacerda.
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"Que o senhor [então presidente americano Harry] Truman tomasse posição porque precisava do eleitorado judaico dos EUA, compreende-se, mas nós, que não precisávamos disso, tínhamos que nos abster."
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Segundo ele, o Brasil "deveria se poupar, porque não tendo ou não podendo ser suspeitado de intuitos imperialistas, poderia futuramente até ser usado como um dos intermediários possíveis entre as partes litigantes, ao passo que, tomando partido, teria que sustentar o seu voto o resto da vida".
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Lacerda passou então a atacar o chanceler.
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"Um dia Raul Fernandes me chamou ao Itamaraty e disse: Carlos, você, além de jornalista, é meu primo, então não vou mostrar ao jornalista, vou mostrar ao meu primo porque não quero que você me julgue mal'. E mostrou suas instruções [a Oswaldo Aranha]: Na questão da Palestina deveis abster-vos de votar'."
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Oswaldo Aranha, segundo Lacerda, ignorou solenemente. "O fato é que o Oswaldo, envolvido pelo [jornal] The New York Times', envolvido pelo clima muito pró-judaico de Nova York, envolvido enfim por uma série de coisas, tornou-se, assim, um dos heróis da nação israelita, porque mudou o voto do Brasil."
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Lacerda disse ainda que Oswaldo Aranha "pode ter tido outros méritos, menos esse: a presidência [da Assembleia da ONU] só coube a ele porque era rotativa".


Reprodução de parte da coluna de Mônica Bérgamo, na Folha de São Paulo

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