Após surto, Arábia Saudita tenta conter novo vírus
Por BEN HUBBARD e DONALD G. McNEIL Jr.
JIDDA, Arábia Saudita - O terror se espalhou pelo maior hospital da cidade após o vírus se alastrar pelas enfermarias, passando de leito em leito e atingindo dezenas de pessoas.
Alguns médicos e enfermeiros se recusaram a tratar os doentes ou faltaram ao trabalho. Pacientes entraram em pânico.
Um cirurgião viu um homem com uma perna quebrada tentando fugir da sala de emergência para não contrair a doença. "Todo mundo ficou com medo", comentou o cirurgião, Mohammed Ahmed, falando do aumento dos casos de Mers nesta primavera.
Foi o momento mais sombrio desde a chegada à Arábia Saudita, no final de 2012, da nova doença conhecida como Síndrome Respiratória do Oriente Médio, ou Mers (sigla em inglês). Mais de 700 casos ao todo já foram documentados em 20 países, quase todos ligados à Arábia Saudita. Mais de 250 doentes já morreram.
A disseminação repentina de um vírus desconhecido, novo e fatal remete aos primórdios da Sars, ou Síndrome Respiratória Aguda Grave, doença que apareceu em dezenas de países e deixou mais de 770 mortos, principalmente na Ásia em 2003.
O vírus da Mers circula especialmente em uma região que é um ponto de união do islã. Cidade portuária, Jidda é o ponto de chegada da maioria dos 2 milhões a 3 milhões de peregrinos que anualmente fazem o hajj, ou peregrinação a Meca. Riad, a capital saudita, tem o segundo maior número de casos de Mers depois de Jidda, e também já houve casos em Meca.
As autoridades sauditas sabem que precisam combater a doença com urgência e agora dizem que já controlaram o surto. Mas o fato de o número de casos e mortes ter mais que triplicado desde o final de 2013 levou especialistas em saúde a identificar falhas graves no modo em que a crise vem sendo tratada pela monarquia ultraconservadora e afeita ao sigilo do país.
Em abril deste ano, o rei Abdullah afastou o ministro da Saúde e seu vice, levando especialistas a sugerir que a iniciativa poderia resultar em maior transparência e cooperação internacional.
Uma comissão da Organização Mundial da Saúde disse que os surtos de Mers em hospitais devem ser investigados para averiguar se protocolos de segurança foram desrespeitados.
"Isto é algo que pode ser controlado", disse Hanan Balkhy, diretor-executivo para prevenção e controle de doenças infecciosas nos hospitais da Guarda Nacional da Arábia Saudita. "Se fosse o ebola, eu mesmo iria ao rei e lhe diria: 'Precisamos isolar o reino'."
Sars e Mers são coronavírus, assim chamados por seus formatos. Acredita-se que os dois vírus tenham se originado em morcegos, mas a Mers contagia camelos, que são comuns no Oriente Médio, e parece chegar mais facilmente aos humanos, possivelmente no leite de camelo não pasteurizado. O vírus se alastra entre pessoas com menos facilidade que a Sars.
O surto deste ano sugere que lapsos no sistema de saúde saudita, mais do que os camelos, provocaram a disseminação do vírus.
A maior parte dos novos casos de contágio está ligada a hospitais e outras instalações de saúde. O maior número de casos aconteceu no hospital Rei Fahd, em Jidda. Médicos disseram que a má administração, a superlotação e a higiene deficiente ajudaram o vírus a se espalhar no hospital.
O surto aconteceu na época do ano de mais movimento no hospital, quando muitos sauditas estão de férias, levando a mais acidentes de carros, lesões esportivas e outros problemas, disseram médicos. Novos pacientes de emergência foram aceitos numa área já superlotada, e muitas enfermarias que deveriam abrigar quatro pacientes receberam até 12.
Nem todos os casos suspeitos de Mers foram devidamente identificados e isolados, e os pacientes levaram o vírus por todo o hospital, sem saber que o faziam.
Além disso, alguns profissionais médicos não cumpriram normas de higiene, deixando de usar máscaras ou lavar suas mãos com a devida frequência.
O novo ministro da Saúde, Adel Fakieh, pediu ajuda à empresa de consultoria corporativa McKinsey & Company e abriu um centro de comando em Jidda para rastrear os casos.
No hospital Rei Fahd, Imad al-Jahdali, diretor do estabelecimento desde maio, dividiu o hospital em duas partes, sendo uma delas reservada exclusivamente para pacientes com Mers. Qualquer pessoa com febre e problemas respiratórios é rapidamente isolada para exames. Os casos confirmados de Mers vão para quartos individuais com portas de vidro que se fecham hermeticamente.
Agora, o número de novos casos informados no país parece estar caindo.
Tariq Madani, que chefia a força-tarefa criada pelo Ministério da Saúde para combater a Mers, disse: "A causa mais direta dessa melhora -depois da bênção de Alá, é claro,- é a implementação rígida dos controles de infecção nos hospitais".
Ben Hubbard escreve de Jidda, e Donald G. McNeil Jr. de Nova York
Reprodução de notícia do The New York Times, na Folha de São Paulo.
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