sexta-feira, 4 de julho de 2014

Iranianos resistem à pressão do governo para ter filhos

Iranianos resistem à pressão do governo para ter filhos
Por THOMAS ERDBRINK

TEERÃ - Com pouco mais de 30 anos, casados e com boas perspectivas de sucesso profissional, Bita e Sherag poderiam estar pensando no próximo passo lógico em suas vidas: ter filhos. Mas, para eles e para um número crescente de jovens iranianos da classe média, que são profundamente pessimistas a respeito do futuro de seu país, criar um filho é uma possibilidade extremamente remota.
Bita, que aprecia o fato de seu marido ter pedido que ela mantivesse o sobrenome de solteira, disse que fez dois abortos, o que é ilegal no Irã. "Estamos decididos a não ter filhos", afirmou.
Preocupado com a forte queda nas taxas de fertilidade que poderão zerar o crescimento populacional no prazo de 20 anos, o governo do Irã está tentando persuadir as famílias a terem mais filhos. O líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, disse no inverno passado que estava "tremendo de medo" com a "questão perigosa" do declínio populacional. "Daqui a alguns anos, quando a atual geração jovem envelhecer", declarou, "não haverá remédio."
Com um programa de 14 pontos anunciado em maio, autoridades da área de saúde esperam que a população do Irã dobre para 150 milhões em 2050. As internações hospitalares para partos agora são gratuitas, e as mulheres ganharam licenças-maternidade mais longas. Ao mesmo tempo, subsídios para preservativos e pílulas anticoncepcionais, assim como vasectomias grátis, foram cancelados. Outdoors na capital mostram um pai sorridente com cinco crianças subindo uma colina de bicicleta, deixando para trás um pai visivelmente triste na companhia do filho único.
Pais que têm de fato cinco filhos agora podem receber um bônus de US$ 1.500, mas é provável que pouquíssimas pessoas por aqui se sintam atraídas por essa oferta.
Hadi Najafi, um rapaz de 25 anos que está desempregado, disse que não tem dinheiro para se casar, ainda mais com os aluguéis subindo 25% ao ano. "Quem tem muitos filhos é muito rico ou muito irresponsável", comentou Najafi. "Essas são as únicas possibilidades."
Uma das grandes causas dos problemas econômicos do Irã são as sanções impostas pelo Ocidente nos últimos anos para punir Teerã por seu programa nuclear.
O número de filhos por casal caiu para 1,3, mais típico de um país desenvolvido e com alta renda como a Alemanha.
Paradoxalmente, o Irã nunca teve tantas pessoas em idade reprodutiva como agora. Quase 70% da população de 77 milhões têm menos de 35 anos, porém muitos desses jovens são profundamente pessimistas.
O arquiteto Sherag e Bita, recém-formada na faculdade, citaram uma série de problemas para justificar seu pessimismo: um Estado invasivo e sua ideologia conservadora, uma economia periclitante e instabilidade política.
"Ao ir para a cama, não sabemos sequer o que irá acontecer quando acordarmos", disse ele.
"Não quero colocar crianças neste inferno", disse ela.
Essa atitude é amplamente disseminada entre a classe média em Teerã.
"Mesmo juntando nossos salários, meu marido e eu não temos condições de alugar uma casa, então nos alternamos entre as casas de nossos pais", explicou Negar Mohammadi, gerente de um dos restaurantes mais conhecidos de Teerã.
"Se eu abrisse mão do meu emprego para ter filhos, como conseguiríamos alugar uma casa para nós?"
Algumas mulheres e ativistas de direitos humanos suspeitam que a pressão oficial por mais filhos também visa manter as mulheres em casa, conforme os clérigos conservadores acham correto.
"Se as mulheres ficarem mais dependentes financeiramente de seus maridos e do sistema político, priorizando o bem-estar da família em vez de sua própria saúde e educação, isso dificultará muito mais a mobilização pelos direitos da mulher", analisou a socióloga Azadeh Kharazi.
A questão da fertilidade também tem um viés sectário. Embora dominem o Irã, os xiitas são uma minoria em termos mundiais, perfazendo de 10% a 20% do total de muçulmanos. As taxas de natalidade em países de predomínio sunita são bem mais altas do que entre os xiitas, assim como as taxas da minoria sunita que vive no Irã.
Tahereh Labbaf, conselheira médica do Supremo Conselho da Revolução Cultural, disse que a taxa de natalidade dos muçulmanos sunitas no país é de cerca de quatro filhos por casal. "Isso é muito sensato", é a opinião dela, segundo o site conservador Tasnim.
O fator crucial para reverter o declínio populacional é a economia, opinou Mohammad Jalal Abbasi-Shavazi, chefe do departamento de demografia na Universidade de Teerã.
"Precisamos tentar gerar empregos para que as pessoas se sintam seguras e possam fazer planos", disse ele.
O desempregado Najafi disse: "Sempre nos dizem que teremos um futuro brilhante, mas não nos deixam viver agora. Se as coisas melhorassem na minha vida, eu teria uns 12 filhos para partilhar minha felicidade".


Reportagem do The New York Times, reproduzida na Folha de São Paulo.

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