quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Consumo aumenta, criminalidade cai, e Colorado embolsa US$ 700 mi em um ano de maconha regulamentada


Os cenários catastrofistas não se concretizaram. Um ano após a legalização da venda de maconha para uso recreativo no Estado do Colorado, o balanço da iniciativa é considerado altamente positivo. "As pessoas falavam que os adolescentes iam se jogar na maconha, que os adultos iam ficar chapados e não iam mais trabalhar... Nada disso aconteceu", comemora o advogado Brian Vicente, um dos redatores da Emenda 64, através da qual 55% dos eleitores do Colorado autorizaram, em novembro de 2012, a produção e a venda de maconha aos adultos maiores de 21 anos.
O processo foi muito controlado. O Colorado se encontra na vanguarda da luta pelo fim da proibição, e, por isso, está sendo observado de perto. Por enquanto, a aposta foi um sucesso.
Não se veem nuvens de maconha pairando sobre a cidade. A criminalidade caiu 10%, segundo o FBI, e o número de acidentes de trânsito também. É proibido fumar em lugares públicos, inclusive em parques e cafés. As compras são limitadas: uma onça (28,34 gramas) por pessoa para residentes de Colorado, 7 gramas para visitantes. Cada planta é registrada em um arquivo central informatizado, cada movimento é anotado, cada funcionário é registrado e precisa bater ponto. "Tínhamos dez anos de experiência com a maconha medicinal", explica o advogado.
O "modelo do Colorado", para usar a expressão da Brookings Institution, não pretende desencorajar o consumo, mas sim regulá-lo e tributá-lo – US$ 40 milhões (R$ 108 milhões) do produto dos impostos são destinados às escolas. "Somos guiados por três princípios: evitar que a maconha caia nas mãos de crianças, dos criminosos e de outros Estados", explica Barbara Brohl, diretora do departamento fiscal do Estado. O número de consumidores não é a preocupação principal do poder público. A única missão que ele tinha era "regulamentar a maconha como o álcool."
O próprio Estado não produz, mas concede as autorizações de venda e de produção, e estabelece o número de pés cultiváveis, o que lhe permite exercer um controle sobre a quantidade comercializada. Ele tampouco interfere nos preços: "Por acaso o governo da França estabelece o preço do vinho?", questiona Ean Seeb, do Denver Relief, uma das mais antigas clínicas de Denver.
E o consumo de maconha, aumentou? Os partidários da legalização afirmam que o número de usuários não variou de maneira significativa (já eram 9% dos adultos) e que os "novos" consumidores são ex-fumantes que não têm mais medo de aparecer. De qualquer maneira, as receitas dobraram em um ano. Até o final de 2013, o faturamento da maconha era limitado aos cerca de 110 mil pacientes que usavam maconha medicinal. No final de 2014, ele chegará a US$ 700 milhões (R$ 1,89 bilhão), segundo uma estimativa provisória, ou seja, o dobro. "Está claro que o número de consumidores aumentou", diz Andy Williams, o fundador da Medicine Man, uma clínica que teve um faturamento de 9 milhões este ano (ante 4,5 milhões em 2013).

Boom de trabalho para eletricistas

Outra vantagem para a economia foi a questão do emprego. Mais de 13 mil pessoas trabalham nas estufas e nas lojas, sem contar os empregos indiretos. O Colorado tem vivido um boom de trabalho para os eletricistas, uma vez que as plantas requerem iluminação especial.
Contrariando previsões catastrofistas, o turismo aumentou. Nas estações de esqui, 90% dos clientes das "pot shops" são visitantes. "Tragam o comprovante de seu pacote de esqui e receberão um preço especial: uma onça por US$ 25", prometem as propagandas.
Restam dois pontos obscuros. As autoridades foram pegas de surpresa pela moda dos "comestíveis", que são os biscoitos, brownies, balas e bebidas com doses de cannabis mal compreendidas pelos consumidores. Diversos incidentes – além de crianças chegando ao pronto-socorro depois de terem ingerido "gummy bears" (balinhas de gelatina) de maconha – obrigaram o Estado a endurecer a regulamentação sobre a rotulagem e as dosagens.
As autoridades usaram parte da receita da venda da maconha para financiar uma campanha eduacativa. Como disse o coordenador da legislação para o Estado, Andrew Freedman, "toda a indústria foi criada para pessoas que fumavam com frequência. Ela precisa aprender a educar os recém-chegados ao mercado."
Além disso, Oklahoma e Nebraska entraram com uma ação na última quinta-feira (18) junto ao Supremo Tribunal, acusando o Colorado de ter aberto "uma perigosa brecha no sistema de controle federal das drogas". Para Mason Tvert, do grupo pró-legalização Marijuana Policy Project, "esses caras estão do lado errado da História. As pessoas se lembrarão deles como aqueles que quiseram manter a proibição do álcool após o fim da Lei Seca."

Reportagem de Corine Lesles, para o Le Monde, reproduzida no UOL.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Há o que se aprender com os nativos apesar da violência, diz cientista


O escritor e pesquisador Jared Diamond, que lança um novo livro no Brasil, ao que parece deu a volta por cima.
Ele tinha tudo que um divulgador de ciência poderia querer. Especialista "só" em antropologia, evolução, fisiologia, geografia e história, ganhou um Pulitzer por "Armas, Germes e Aço" (1998, 1,5 milhão de exemplares). Escreveu ainda obras como "Colapso" (2005) e "Por que sexo é divertido?" (1997) –sim, some ambiente e sexualidade à lista.
Isso até 2009, quando foi acusado de fraudar na revista "New Yorker" relatos sobre uma guerra tribal na Papua Nova Guiné, onde viveu por anos. Dois papuanos o processaram por terem sido citados. Diamond e David Remnick, editor da revista, negaram as acusações e um acordo posterior acabou com a ação.
O livro "O Mundo até Ontem", que a editora Record está lançando agora, é uma volta à carga ousada. Primeiro, por tratar, por vários capítulos, justamente do tema da guerra tribal, sempre com muitos relatos –é o livro mais "papuano" de Diamond.
Em segundo lugar, por meter a mão em uma cumbuca perigosa: a guerra entre os antropólogos sobre a violência nas tribos tradicionais.

VIOLÊNCIA

Diamond parte do princípio de que a espécie humana surgiu há 6 milhões de anos. Durante quase todo esse período, vivemos em pequenas tribos baseadas na caça e na coleta. As sociedades estatais que conhecemos só começaram a aparecer há 5.400 anos.
Ou seja, o comportamento humano evoluiu quase que inteiramente nessas sociedades primitivas. As que restaram intocadas, como os ianomâmi, na fronteira do Brasil com a Venezuela, estudados por Napoleon Chagnon, e os povos da Papua Nova Guiné, estudados por Diamond, seriam janelas para esse passado que nos moldou.
O problema é que esse "quem somos de verdade" não é muito bonito. Chagnon, que estudou os ianomâmi, aponta que os índios eram muito violentos e que sua motivação principal para a guerra poderia ser resumida em uma palavra: mulheres –os ianomâmi mais cruéis e egoístas eram justamente os que deixavam mais descendentes.
Chagnon, como mostra o documentário "Segredos da Tribo" (2010), de José Padilha, foi muito atacado por outros antropólogos, mas Diamond, que cita o colega várias vezes em seu novo livro, o defende.
"Os estudiosos e acadêmicos tendem a gostar dos povos tradicionais entre os quais vivem durante vários anos", afirma Diamond.
"Eles não querem que 'seu' povo seja visto como mau. Eles sabem que estigmatizá-los como belicosos é uma desculpa usada justificar abusos, mas negar a realidade por causa do mau uso político é uma má estratégia."
Diamond aponta que, em proporção à população total, as sociedades tradicionais matam em média dez vezes mais em guerras do que os Estados modernos. Nesse sentido, mesmo com bombas atômicas e Holocausto, viver no Japão ou na Alemanha do século 20 era mais seguro do que entre caçadores-coletores.
Ele conta ainda detalhadamente no livro diversos casos de ataques e guerras na Papua Nova Guiné, recheados de emboscadas e traições.
Aceitar que as taxas de violência entre os povos tradicionais são mais altas não significa, porém, que tais povos não tenham lições a dar.
Diamond dedica vários capítulos a elas. Poderíamos aprender com a maneira como tais povos lidam com crianças, por exemplo, dando mais autonomia a elas.
Além disso, a exemplo de tais tribos, poderíamos reduzir a quase zero o consumo de açúcar ou sal, que nos levam à obesidade e à hipertensão.
Ele faz ainda um chamado a uma maior compreensão com atitudes como o infanticídio de crianças deficientes nas tribos: é fácil criticar quando se vive em uma sociedade com comida abundante, onde escolhas tristes e difíceis não são necessárias, diz.

DISCÓRDIA POLÍTICA

A briga dos antropólogos ganha contornos mais ferozes por ter implicações políticas. Se Diamond e Chagnon estiverem certos, Rousseau e a ideia de "bom selvagem" estavam errados.
Chagnon critica o marxismo dos colegas antropólogos. Sociedades de caça e coleta não seriam mais igualitárias porque o capitalismo destrói o homem, mas apenas porque é mais difícil acumular bens.
Outra consequência da vocação humana a certo egoísmo: qualquer tentativa voluntarista de reorganizar a sociedade esbarraria nisso –estaríamos fadados ao cenário "Revolução dos Bichos", em que os líderes da revolução acabam focados nos seus interesses.
Edward Wilson, biólogo americano estudioso de formigas e outro especialista "em tudo" (seu último livro tem o modesto título de "O Sentido da Existência Humana"), resume tal visão em uma frase. Sobre o marxismo, disse: "Teoria maravilhosa. Espécie errada."

O Mundo Até Ontem
Autor Jared Diamond
Editora Record
Preço R$ 65 (614 págs.) 

Ricardo Mioto, para a Folha de São Paulo

O homem da goela de ouro


O homem da goela de ouro

Morre aos 70 Joe Cocker, voz rouca de Woodstock e um brilhante cantor de grandes covers do rock
THALES DE MENEZESEDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"

O mais improvável astro do rock morreu nesta segunda (22), de consequências de um câncer no pulmão, aos 70 anos.
Joe Cocker era feio (ele era o primeiro a admitir), tinha a voz rouca que fez vários agentes o aconselharem a desistir da carreira, tinha uma movimentação no palco que parecia uma crise de espasmos e passou quase toda a carreira só cantando covers de grandes nomes do rock e do blues.
Inglês de Sheffield, Cocker morreu em sua casa em Crawford, no Colorado (EUA). A mudança de país pode servir para representar também sua evolução, de cantor que se apresentava em pubs nem um pouco respeitáveis nos anos 1960 àquele que defendeu a canção vencedora na cerimônia do Oscar em 1983.
A vida de Cocker mudou em agosto de 1969, quando seu empresário, depois de muita insistência, conseguiu convencer os organizadores do Festival de Woodstock a escalar o cantor e sua Grease Band.
O público se encantou com sua performance. Seu rosto contorcido, ao cantar "With a Little Help from My Friends", dos Beatles, é desde então uma das imagens marcantes do festival mais famoso do rock.
A canção, gravada no estúdio com Jimmy Page em fase pré-Led Zeppelin, dava nome a seu primeiro disco, lançado quatro meses antes.
Das dez faixas, apenas três eram autorais. Além da cover dos Beatles, gravou duas de Bob Dylan ("Just Like a Woman" e "I Shall Be Released").

FÓRMULA DE COVERS

Essa receita foi adotada em toda a carreira, inclusive no segundo álbum, lançado ainda em 1969 para aproveitar sua popularidade depois de Woodstock. O disco saiu em novembro, com apenas uma faixa escrita por Cocker. A lista de covers incluía Dylan, Lennon & McCartney, Leon Russell e George Harrison.
Com a dissolução da Grease Band, ele partiu para um projeto megalomaníaco: uma banda com mais de 20 músicos, a Mad Dogs & Englishmen. O disco que leva o nome do grupo é um álbum ao vivo, enorme sucesso de vendas.
Cocker manteve um ritmo intenso na estrada, mas o excesso de álcool fez com que passasse um ano e meio afastado da música no início dos 1970. Os problemas com drogas iriam acompanhá-lo pelas décadas seguintes, de vários maços de cigarro e garrafas de uísque por dia a fases de consumo de cocaína e heroína.
Cocker seguiu atuante, mas atraía só os fãs que envelheceram com ele, perdendo espaço entre os jovens.
Ao começar uma fase mais "careta" nos anos 1980, ele gravou com Jennifer Warnes "Up Where We Belong", tema do filme "A Força do Destino", com Richard Gere. Vencedora do Oscar, foi a música mais tocada nos EUA em 1982.
Com esse foco pop, Cocker iniciou uma fase de grandes vendagens. A música "You Can Leave Your Hat On", do álbum "Cocker" (1986), foi incluída na trilha de "Nove Semanas e Meia de Amor", dando a ele mais um sucesso mundial.
No ano seguinte, mais uma vez ganhou as paradas, com "Unchain My Heart".
Nas últimas duas décadas, ele continuou gravando e excursionando. Foram 22 álbuns de estúdio --o último deles é "Fire It Up", de 2012.
Veio ao Brasil em 1991, para cantar no Rock in Rio 2, e em 2012, quando fez shows em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte.

ANOS INCRÍVEIS

Cocker marcou presença também na TV. Em 1976, se apresentou no humorístico "Saturday Night Live" e o ator John Belushi (1949-1982) fez uma imitação sensacional de seu estilo careteiro e desengonçado. O dueto dos dois em "Feelin' Alright" é impagável.
Em 1988, sua versão de "With a Little Help from My Friends" virou tema da série "Wonder Years", exibida no Brasil como "Anos Incríveis".
Cocker teve dois relacionamentos duradouros. De 1963 a 1976, namorou Eileen Webstar, amiga de adolescência em Sheffield. Em 1978, conheceu a americana Pam Baker, companheira até a morte.


Reprodução da Folha de São Paulo


DISCOGRAFIA

6 álbuns essenciais

With a Little Help from My Friends (1969)
Disco de estreia, com vários covers. Além da faixa título, duas de Bob Dylan e "Don't Let Me Be Misunderstood", sucesso do Animals

Joe Cocker! (1969)
Mais covers de Bob Dylan e dos Beatles -incluindo "Something", de George Harrison- e "Bird on the Wire", balada do cantor canadense Leonard Cohen

Mad Dogs & Englishmen (1970)
LP duplo ao vivo com sua superbanda. Canta "Honky Tonk Woman", dos Rolling Stones, e "Feelin' Alright", de Dave Mason, que virou um hit

I Can Stand a Little Rain (1974)
Disco um tanto amargurado, traz um de seus sucessos mais marcantes, "You Are So Beautiful", composta por Billy Preston e Dennis Wilson

Cocker (1986)
Nada roqueiro, o álbum tem várias baladas para tocar nas rádios. Nele está "You Can Leave Your Hat On", que foi para a trilha do filme "Nove e Meia Semanas de Amor"

Unchain My Heart (1987)
Este álbum consagrou Joe Cocker para um público mais maduro. A canção que dá título ao disco acabou se transformando em sucesso de rádios FM, insistentemente tocada até os dias de hoje

Reprodução da Folha de São Paulo

Joe Cocker morre aos 70 anos

Joe Cocker morre aos 70 anos

Com mais de 40 anos de carreira, o cantor lutava contra um câncer no pulmão

Morreu nesta segunda-feira, aos 70 anos, o cantor britânico Joe Cocker. Nascido na cidade de Sheffield, na Inglaterra, o músico com mais de 40 anos de carreira, lutava contra um câncer no pulmão. 

Cocker, que tocou em Porto Alegre em 2012, foi atração do Woodstock por duas vezes, e ficou conhecido mundialmente pela sua versão de “With A Little Help From My Friends”, dos Beatles, em 1969. 

Sua discografia abrange mais de 20 álbuns, e dentre os principais sucessos também se destacam “Unchain My Heart”, “You Are So Beautiful” e “You Can Leave Your Hat On”, trilha do filme “Nove Semanas e Meia de Amor”. 

Ao lado de Jennifer Warnes, levou um Grammy pela canção “Up Where We Belong, em 1982. Seu último trabalho, “Fire It Up”, foi lançado em 2012.

Reprodução do Correio do Povo

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Dilma tinha razão ao temer a cartelização das concessões


Um dos grandes embates de Dilma Rousseff foi a tentativa de fixação de um teto da TIR (Taxa Interna de Retorno) nos leilões de concessões públicas. Desde as mudanças no modelo de energia, ela ainda Ministra de Minas e Energia, mostrava preocupação em reduzir o chamado custo Brasil.
Um dos grandes problemas de competitividade eram justamente as tarifas públicas totalmente liberadas nos períodos anteriores.
Na sua primeira experiência em concessões rodoviárias, Dilma definiu tetos para a TIR. Foi bem sucedida, com a entrada de concorrentes espanhóis.
Nos movimentos seguintes, o modelo empacou. As empreiteiras refugaram e criou-se o impasse. Havia indícios de acerto entre elas, boicotando os leilões para forçar a uma mudança de modelo. Acabou sendo vitoriosa a tese de que se deixasse a TIR liberada, a competição se incumbiria de reduzir as tarifas.

Com a Lava Jato explicitando de maneira inédita o cartel das empreiteiras, fica claro que Dilma tinha razão.

Qual o caminho? Inabilitar as grandes empreiteiras criaria um vácuo imediato nas obras públicas, podendo afundar mais a economia. Por outro lado, não há a menor condição de se manter o modelo anterior.

A solução - de médio prazo - talvez seja a de fortalecer as médias empreiteiras.

Há cerca de 20 habilitadas a se tornarem grandes. Necessitam de capitalização e de quadros técnicos. Há capitais e engenheiros disponíveis em toda a União Europeia, em função da crise econômica.

Um caminho alternativo seria:

Seleção de empreiteiras médias em condições de crescer.

Trabalho conjunto com a BM&F para prepará-las para abertura de capital.

Road show na União Europeia, mostrando a carteira de obras de infraestrutura para os próximos anos, assim como o perfil das empreiteiras.

Trabalho simultâneo com o setor de máquinas e equipamentos, para sincronizar as encomendas de máquinas com o cronograma de obras.

Um Mais Engenheiros, para trazer engenheiros de fora para suprir a carência de mão de obra do setor.

No prazo imediato, a celebração de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com as grandes empreiteiras, sem prejuízos das ações penais em curso, e que incluísse de alguma maneira condições que permitissem o fortalecimento das médias empreiteiras.

A Lava Jato criou uma situação inédita: quebrou a espinha dorsal do cartel. A partir daí, provavelmente estarão dispostas a perder todos os anéis, para preservar o pescoço.

Reprodução do Blog do Luís Nassif

A Justiça malufou


A lista de políticos divulgada como sendo produto da delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa carece de grandes novidades. De uma forma ou de outra, a maioria dos nomes já havia sido liberada em ritmo variável, de acordo com o calendário eleitoral.
O comitê tucano instalado na Polícia Federal imprimiu ritmo acelerado até o fechamento das urnas, na tentativa vã de emplacar o candidato da oposição. O esforço culminou com aquela capa de uma revista que entrou para a história como uma das maiores vergonhas da imprensa nacional.
Ainda assim a lista de Costa tem seus atrativos. Apesar de ter dito publicamente no Congresso que a bandalheira na Petrobras vem de longe, o ex-diretor acusou sobretudo gente que pertence à base do atual governo. Houve duas exceções: Eduardo Campos (PSB) e Sérgio Guerra (PSDB), unidos por uma circunstância trágica, a morte, normalmente nestas horas sinônimo de anistia ampla e preventiva.
Chama a atenção também que a operação Vaza Jato, paralela à investigação oficial, esteja sendo tão parcimoniosa quanto às supostas delações da outra testemunha-chave, o doleiro Alberto Youssef.
Ele pareceu útil para construir aquela capa já referida, desmoralizada no mesmo dia por seu próprio advogado. Fala-se que ele tem sua própria lista de políticos, mas estranhamente os nomes não pingam com tanta sofreguidão quanto os apontados por Costa.
Por que será? Um palpite: o doleiro atua com o ilícito faz muito tempo. Foi personagem destacado na finada CPI do Banestado, criada para investigar esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que teve seu auge entre 1996 e 2002. Youssef estreou ali no papel de delator premiado. Jurou se afastar do crime, mas a carne é fraca. A CPI acabou em pizza, como de costume.
Salvos casos isolados --entre eles o de doleiros como Youssef--, nenhum dos políticos e milionários citados na época conheceu o xadrez. Presume-se, no entanto, que a agenda de Youssef seja bem mais ecumênica e explosiva que a do ex-diretor da estatal.
Presume-se, repita-se, uma vez que a Lava Jato tem sido marcada por procedimentos nada ortodoxos. Todos têm o direito de desconfiar quando o suposto fato de se apontar um retrato na parede já vira indício de incriminação de um ex-presidente! A espetacularização e o viés partidário, infelizmente, conspiram contra a reputação de um trabalho investigativo que poderia, e ainda pode, espera-se, contribuir para a depuração do habitat político e empresarial brasileiro.
Motivos para descrença na imparcialidade judicial, aliás, só têm crescido nos últimos tempos. Nem se fale dos momentos vexatórios oferecidos por magistrados que desrespeitam normas em blitz e aeroportos e ainda contam com a retaguarda de seus pares. O buraco está acima. Um dos exemplos mais frescos envolve o deputado Paulo Maluf, de currículo sobejamente conhecido.
O parlamentar é perseguido no mundo inteiro, menos no país onde cometeu crimes. Pode viajar ao exterior apenas na imaginação, lendo as placas das ruas do bairro chique onde mora em São Paulo. Pois bem, aqui no Brasil Maluf recuperou o status de ficha-limpa. Para isso, o Tribunal Superior Eleitoral, à sua moda, mandou os escrúpulos às favas. Manobrou, aguardou a viagem de um dos ministros a favor da condenação do deputado para refazer a votação original e inverter o placar. Chocante. Assim é duro achar saída neste beco.


Texto de Ricardo Melo, na Folha de São Paulo

Tarda o Rio de farda


O secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, propôs na sexta-feira (19) que sejam demitidos da Polícia Militar o major Edson Santos e o tenente Luiz Felipe de Medeiros, acusados de desaparecer com o pedreiro Amarildo de Souza, na Rocinha, em 14 de julho de 2013. Bela ideia, mas tardia.
Desde sua inauguração, em setembro de 2012, a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha era comandada pelo major Edson. Quem conversasse com um morador da favela escutava que o oficial agia como um chefe de milícia. Agressões e extorsões eram o modus operandi da sua tropa (ou de parte dela). Torturar e matar Amarildo foram o corolário de uma rotina de arbitrariedades.
Se Beltrame não tinha conhecimento dessa situação, é grave: o secretário não estava a par da conduta abertamente irregular do comandante de uma das unidades mais importantes do projeto de segurança mais importante do Rio. Se estava, demorou a agir e não evitou o pior. Agora pede as demissões, mas ainda não consegue responder: cadê o Amarildo? Continua-se sem saber o que foi feito do corpo do pedreiro.
O governo estadual pode não ter ouvido queixas na Rocinha porque conversa muito menos do que deveria com os moradores de favelas. Seu principal objetivo parece ser emparedá-los --com fuzis, tanques, caveirões e todo um vocabulário bélico, como "ocupação" e "pacificação"-- para dar a tal "sensação de segurança" ao resto da cidade.
E esse resto ainda faz enriquecer as empresas de segurança privada. Uma delas, com forte presença nos bairros mais ricos e também vencedora da licitação do Maracanã, foi criada e é dirigida por um tenente-coronel da PM que trabalhou na segurança pessoal de Sérgio Cabral.
Em 2007, o então governador chamou a Rocinha de "fábrica de produzir marginal". Este pensamento predomina entre as autoridades do Rio.

Texto de Luiz Fernando Vianna, na Folha de São Paulo

Idosa conclui curso de direito aos 94 anos


Idosa conclui curso de direito aos 94 anos

Lindaura Arruda prova que não há limite de idade para realizar um sonho



Aos 4 anos de idade, ela já estava alfabetizada. Aprendeu a ler e escrever em casa, com uma carta do ABC, estimulada pelo pai, farmacêutico apaixonado pela leitura. Com 57 anos, casada e mãe de seis filhos, formou-se em farmácia, na Universidade Federal de Pernambuco. Mas o sonho mesmo era ser advogada. Tanto que, agora, aos 94 anos, Lindaura Cavalcanti de Arruda concluiu a segunda graduação: o curso de direito, na Faculdade de Ciências Humanas de Pernambuco. Disposta, ela não pensa em parar de estudar. Planeja fazer pós-graduação no próximo ano. Segunda-feira passada ela recebeu homenagem da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas.
"Eu me renovei nesses cinco anos que passei na faculdade de direito. Completou minha vida. Achei uma maravilha, adquiri mais conhecimento”, afirma Lindaura, enquanto mostra a monografia sobre os direitos dos empregados domésticos na legislação brasileira. O trabalho lhe rendeu três notas 10 da banca e uma menção de louvor. Para escrevê-lo, contou com a ajuda do neto advogado Mário César Cavalcanti e a orientação do professor Luiz Andrade de Oliveira.
“Foi uma honra termos uma aluna com 94 anos, em perfeita lucidez, frequentando pontualmente as aulas, fazendo assiduamente os trabalhos, provas e pesquisas, dando um exemplo flagrante de dedicação. Comprovou que, com determinação, podemos concretizar os sonhos que almejamos e nunca é tarde para novas realizações”, destaca Luiz Oliveira. “Aprendemos muito com Lindaura e vemos que, às vezes, desistimos por tão pouco”, complementa o professor da faculdade, mantida pela Sociedade Pernambucana de Cultura e Ensino (Sopece).
A ideia de fazer o curso de direito partiu da filha caçula, Verônica Arruda. Percebendo que a mãe estava em depressão, alguns anos após ter ficado viúva, a filha perguntou se ela gostaria de entrar na faculdade. Sem titubear, Lindaura respondeu de pronto que sim. Matriculada como portadora de diploma na Sopece, a futura bacharel em direito não perdeu um dia de aula.
Moradora de Água Fria, na Zona Norte do Recife, foi e voltou para a faculdade de ônibus. Na ida, estava sempre acompanhada de Rosilda Silva, 54, cuidadora que está com ela há duas décadas e que serviu de inspiração para a escolha do tema da monografia. Na volta, sozinha, Lindaura preferia pegar o ônibus com destino ao Centro do Recife para que, no caminho maior até sua residência, pudesse apreciar as ruas e avenidas da cidade.
“Não gosto de computador. Não sei nada dessas máquinas. Fiz todos os meus trabalhos escritos à mão. Mas pretendo entrar em um curso de informática só para ter mais conhecimento”, diz Lindaura. A letra caprichada e a organização dos trabalhos eram motivo de elogios dos docentes. Também dos colegas de turma. “Muitas vezes me pediam para copiar trechos do que eu escrevi”, relata. “Os estudantes de hoje em dia não querem nada com a vida. São pouco responsáveis”, observa.
Com a conclusão da graduação, já sente falta da rotina de ir para a faculdade. “Ganhei uma bolsa da Sopece para cursar pós-graduação. Enquanto eu andar, vou continuar estudando”, garante Lindaura, que vai comemorar a formatura em março próximo com a colação de grau e um churrasco, que terá a presença (e os aplausos) dos seis filhos, 11 netos e seis bisnetos.


Reprodução do Jornal do Comércio, de Pernambuco. 

Porque os grupos de mídia atacam os blogs

Na edição de ontem, a Folha publicou um resumo dos gastos de publicidade das empresas públicas. Entre os mais de 5 mil veículos programados, o jornal estipulou uma curiosa subdivisão: as verbas dos grupos de mídia e as verbas dos blogs e jornais online independentes - classificados por ela como "aliados do governo".
Na relação de mídia há rádios, sites de todos os tipos, revistas semanais  e revistas especializadas. Por que a fixação nos blogs - e em revistas independentes, como a Carta Capital - que receberam parcelas ínfimas da publicidade pública?
Essa implicância se explica por dois fenômenos centrais na crise dos grupos de mídia.
O monopólio da audiência
O primeiro deles é o fim do monopólio da audiência.
Na era pré-Internet havia enormes barreiras de entrada a novos grupos de mídia.
Na imprensa escrita nunca houve competição, pela necessidade de investimentos a se perder de vista; na televisiva e radiofônica, devido ao cartório das concessões.
Com a diversificação editorial no mercado de revistas, as grandes empresas do setor montaram  uma estrutura oligopolista, um pacto entre grupos de mídia e agências de publicidade (em torno do Bônus de Veiculação) que tem como agente legitimador das publicações impressas o IVC (Instituto Verificador de Circulação).
Quando começou a cair a tiragem da Veja, um dos estratagemas para turbinar a tiragem consistia em prorrogar a assinatura mesmo sem o consentimento do assinante e mesmo sem pagamento. Ou então proceder a uma vasta distribuição de assinaturas. Tudo entrava na conta das assinaturas pagas – a métrica que vale para medir tiragem. O custo da distribuição compensava mais do que a queda proporcional no faturamento publicitário.
No caso das TVs, o agente legitimador é o IBOPE. No último ano houve uma queda radical da audiência da Globo. Há suspeitas no ar de que essa aceleração da queda foi uma espécie de encontro de contas, ante a iminência da entrada de novos medidores de audiência e também da venda do IBOPE para um grupo internacional.
Até então, as agências de publicidade admitiam anunciar apenas em veículos auditados ou pelo IVC ou pelo IBOPE.
Com a Internet, duas barreiras deixaram de existir: a barreira da audiência e a barreira dos medidores de audiência.
A audiência de qualquer site ou blog pode ser auditada em tempo real por sistemas do Google ou por sistemas mais especializados. E o mercado de mídia deixou de ter públicos segmentadas por veículos.
A Internet rompeu definitivamente com as barreiras entre a mídia e outros setores. A disputa por públicos se dá em  sites de compras, portais de entretenimento, grupos religiosos, torcidas de futebol. Todos esses grupos se acotovelam na Internet disputando públicos e publicidade.
O que vende mais carro ou imóvel: uma publicidade em jornal impresso, em um site jornalístico ou em um portal especializado? O anúncio de uma geladeira é mais eficaz na página interna de um jornal ou no site de uma loja de departamentos?  Quem tem mais credibilidade perante seu público: um jornal ou um pastor?
Esse é o drama: portais de comércio online ou de outros tipos de audiência passaram a competir no mercado publicitário com os grupos jornalísticos.
O ranking da Alexa (o mais conhecido medidor de audiência em Internet) traz dados surpreendentes sobre o Brasil.
Na lista dos 25 sítios de maior audiência do país, os quatro primeiros são de redes internacionais: Google brasileiro, Facebook, Google internacional, Youtube. Só então aparecem dois brasileiros: Uol e Globo. Na sequência, quatro estrangeiros: Yahoo, Live (antigo Hotmail), Allexpress, Youradexchange. Na 10o posição o Mercado Livre; na 13a o Netshoes; na 16a o Megaoferta. Só então a Abril na 17o. Por alguma razão não entrou o Buscapé – que tem enorme audiência.
Nos Estados Unidos, os dois últimos bastiões da imprensa – os anúncios de produtos nacionais e os classificados – já migraram para outros veículos digitais.
O monopólio da informação/opinião
O que resta para os grupos de mídia? O último diferencial, exaustivamente explorado por Rupert Murdoch: o uso despudorado do poder de opinião.
O mercado de opinião é composto de diversos subgrupos homogêneos: operadores de direito, igrejas, torcidas de futebol, políticos, militares, sindicalistas, movimentos sociais.
A força maior dos grupos de mídia está na sua influência sobre os grupos centrais de poder: mundo jurídico, político, militar e econômico.
Embora numericamente desimportantes, esses grupos é que decidem políticas econômicas,  comandam  verbas privadas de publicidade, influenciam decisões judiciais, aprovam leis e controlam o próprio aparelho do Estado - e, através dele, mantem o controle sobre as grandes compras públicas do seu mercado, dentre as quais publicidade, assinaturas, livros didáticos etc., além de regalias no tratamento fiscal, com sucessivos perdões de dívida, inacessíveis às empresas comuns.
Por isso mesmo, é um terreno defendido a ferro e fogo  por seus donatários.
Dia desses conversava com o presidente de um grande grupo nacional, que já entrou em diversos setores. “Em cada setor, me dizia ele, as empresas já existentes nos tratam como concorrentes. No caso da mídia, qualquer ensaio de entrada e já somos tratados como inimigos”.
Pois justamente esse centro derradeiro de influência foi invadido nos últimos anos pelos zumbidos de um enxame de abelhas, os blogs.
Antes, o mercado de opinião era subdividido entre a linha noticiosa dos jornais e seus colunistas. Nas décadas de 90 e metade de 2.000, ainda sob os efeitos da marcha das diretas e da redemocratização, esse modelo permitiu uma razoável diversidade e uma relativa autonomia dos colunistas.
A partir de 2005 encerrou-se o pacto e os grupos de mídia montaram sua estratégia de guerra visando a conquista do poder político. Aboliu-se o contraditório dos jornais, o direito de resposta. E passou-se a se valer das reportagens como armas de guerra, sem preocupação até com a verossimilhança das informações veiculadas.
Esse modelo era de mais difícil aplicação nos anos 90 graças a algum espaço para a metacrítica jornalística. Quando o pacto aboliu as críticas entre jornais e entre colunistas, a imprensa perdeu o rumo. Não havia mais riscos de serem desmascarados mesmo nas matérias mais estapafúrdias. Foram contratados pitbulls para  desqualificarem  colunistas recalcitrantes, não lhes pemitindo espaço para defesa,  como forma de alijá-los dos jornais.
Os grupos de mídia - ainda influentes - perderam a diversidade e  passaram a falar para uma audiência cada vez mais restrita e hidrófoba, deixando ao relento os leitores mais qualificados, formadores de opinião.
É aí que surgem os blogs, cumprindo a função do colunismo sem amarras, valendo-se do poder de disseminação de informações da Internet. Basta um blog desmontar uma reportagem da grande mídia para o artigo se espalhar como rastilho pela blogosfera.
Pela primeira vez, a mídia se viu frente a críticos que transitavam na mesma plataforma tecnológica. Antes, o enfrentamento se dava via mimeógrafo, xerox e cartazes.
Estratégias de desqualificação
Os blogs têm audiência e atuam no creme do mercado de opinião: os formadores de opinião, que transitam entre blogs mais à esquerda e mais à direita para formar sua opinião. É um público qualificado, de adultos, bancarizados.
Muitos dos blogs tentam se estruturar como empresas. Como tal, alugam escritórios, contratam jornalistas, contatos publicitários etc.
Os ataques dos jornais - nítido na matéria da Folha - consistem em explorar a desinformação dos seus leitores, tratando o faturamento publicitário como se fosse uma mesada a uma pessoa física e não a compra de um espaço publicitário de uma empresa, da mesma natureza daquele oferecido pelos grupos jornalísticos.
Ou então, desqualificando a posição dos blogs. Mesmo que existam críticos do governo, não vale a crítica pontual – ou o elogio pontual. Só se aceita o padrão de guerra total dos grupos de mídia. E não se tolera o contraponto ao que a mídia publica.
Obviamente a desproporção de forças é imensa assim como a força de coerção preservada pelos grupos de mídia.
Tome-se o caso dos Correios em 2013 – com informações extraídas das planilhas da Secom.
Os Correios estão no centro do fogo da Lava Jato. Hoje em dia, é a empresa pública mais vulnerável, com estripulias diversas nas licitações internas, no aparelhamento e no Postalis, seu fundo de pensão.
Jamais mereceu uma reportagem mais aprofundada, apesar de fartamente citado nas declarações de Alberto Yousseff. E essa blindagem é garantida diretamente pela maneira como distribui suas verbas.
Em 2013, empenhou R$ 544 milhões em verbas publicitárias.
Desse total, destinou R$ 46 milhões para a TV Globo; R$ 3,3 milhões para a Editora Globo; R$ 1,4 milhão para a CBN; R$ 8,6 milhões para os canais a cabo da Globo; R$ 9 milhões para a rádio Globo.
Dentre os impressos, destinou R$ 5 milhões para a revista Veja; para as demais revistas da Abril, mais R$ 2 milhões.
Não incluiu nenhum veículo online alternativo para não incorrer na ira dos grupos de mídia.
Suspeitas não são as empresas que programam blogs ou mídia alternativa. São as que temem programá-los, por terem alguma forma de rabo preso.

Reprodução do Blog do Luis Nassif

A imagem da vergonha

Uma das imagens mais representativas da ditadura é a que mostra a guerrilheira Dilma Rousseff, aos 22 anos, sendo interrogada na Auditoria Militar do Rio de Janeiro, em 1970. Enquanto ela, após 22 dias sendo torturada, aparece de cabeça erguida, dois de seus interrogadores, vestindo uniformes militares, cobrem os rostos com as mãos, para não ser identificados.
Os ingênuos (ou os cínicos) podem especular que eles temiam por sua segurança. Correriam o risco de ser caçados pelos terríveis comunistas. A hipótese é improvável, já que o registro era oficial e, num tempo de rígida censura à imprensa, quase ninguém o veria. A foto se tornou pública apenas 41 anos depois, descoberta pelo repórter Ricardo Amaral.
Segundo nota divulgada na última segunda-feira pelo Superior Tribunal Militar, a Justiça Militar sempre teve "postura independente, transparente e imparcial (...), evidenciando espírito democrático e respeito à dignidade humana". Deveria, portanto, ser motivo de orgulho participar de uma audiência como aquela.
Talvez a dupla de constrangidos militares soubesse que a teoria dos "dois lados" é uma farsa. A Auditoria estava muito pouco preocupada com os direitos de quem ali chegasse vivo --parte morria na tortura ou era executada. Torturadores e assassinos não eram investigados e ainda ganhavam honrarias. O capitão Benoni de Arruda Albernaz, algoz de Dilma, recebeu 58 elogios oficiais em 27 anos de serviço.
A dupla poderia ter vergonha porque representava o Estado, e este não tem base jurídica (nem mesmo com o AI-5) para seviciar pessoas e sumir com corpos. Os militantes da luta armada não fizeram isso. E, por seus atos, foram condenados na Justiça, no pau de arara e nas covas clandestinas. Dos "dois lados", apenas um continua impune.

Texto de Luiz Fernando Vianna, na Folha de São Paulo

Adolescente é absolvido 70 anos depois de ser executado por homicídio nos EUA

A Justiça do Estado da Carolina do Sul (EUA) inocentou um adolescente negro de 14 anos pela morte de duas garotas brancas –70 anos depois de ele ser julgado culpado e ter a pena de morte executada.
George Stinney foi julgado, condenado e executado em apenas 83 dias após o assassinato de Betty June Binnicker, 11, e Mary Emma Thames, 7. Elas foram encontradas mortas em um bairro negro na cidade de Alcolu, em março de 1944. As meninas tinham ferimentos na cabeça, supostamente causados por golpes de barra de ferro.
A família de Stinney sempre acreditou na inocência do adolescente, que teria sido forçado a confessar o crime para servir de bode-expiatório, segundo o "Guardian", "de uma comunidade branca procurando vingar a morte de duas meninas". Ele foi a pessoa mais nova a ter a pena de morte executada nos Estados Unidos no século 20.
Em um julgamento nesta quarta-feira (17), a juíza Carmem Mullen anulou a sentença anterior e chamou o caso de "um episódio realmente infeliz" na história da Carolina do Sul. Para justificar a sentença que inocentou Stinney, a juíza afirma ter havido "violação dos procedimentos processuais que macularam sua acusação".
"A confissão simplesmente não pode ser considerada válida e voluntária, dados os fatos e circunstâncias desse caso, destacando-se a idade do acusado e sugestionabilidade", disse Mullen.
Ela se referia ao fato de o adolescente negro ter confessado o crime sem os pais ou um advogado estarem presentes, em interrogatório conduzido por policiais brancos. Ainda, o advogado público designado para defende-lo, Charles Plowde, "fez nada ou muito pouco" para ajudar o réu.
Aime Ruffner, irmã de Stinney, participou como testemunha de defesa no novo julgamento, ocorrido em janeiro, afirmando que estava com ele na hora em que o crime foi cometido por outrem, porém nunca foi ouvida pela Justiça até então. Os testemunhos de outros dois irmãos de Stinney também ajudaram a provar, setenta anos depois, a sua inocência.
"Eu nunca voltei [a Alcolu]. Eu amaldiçoei aquele lugar. Foi lá que minha família foi destruída e meu irmão, morto", disse  Ruffner. (Com Guardian e Washington Post)

Reprodução do UOL Notícias

Você é uma mulher rodada?

Quando vi a foto de um homem segurando um cartaz escrito: não mereço mulher rodada, achei que era algum tipo de brincadeira. Não era. Estava, lá, em uma página do Facebook, chamada Jovens de Direita. Pensei: o que é uma mulher rodada? Como fazem essa conta? Onde elas vivem? Do que se alimentam? Tiveram quantos namorados? Dormem de barriga pra cima ou de ladinho? Fazem as revisões em oficinas autorizadas? Separam o lixo? Fazem selfie pós-sexo? Usam Android ou iOS?
Para que não haja mais dúvidas, faça o teste, respondendo sim ou não:
- Levava seus namorados para dormir em casa e seus pais não se importavam
- Nunca pensou em se casar virgem
- Sua mãe conversou com você sobre métodos anticoncepcionais
- Já fez sexo no primeiro encontro
- Já fez sexo no primeiro encontro mais de uma vez
- Acredita que sexo é tão necessário quanto escovar os dentes
- Seu lema é 'não tem tu, vai tu mesmo'
- Seu lema é 'não tenho tipo, tenho pressa'
- Enquanto não encontra o cara certo, diverte-se com qualquer um
- Frequenta micaretas
- Não sabe quantos parceiros teve na vida
- Na verdade, nunca contou
- Já teve (tem) um PA e recomenda
- Acredita que 'lavou, tá novo'
- Transou com estrangeiros na Copa
- Transou com estrangeiros around the world
- Transou com colega de trabalho na festa da firma
- Transou com quem teve vontade
- Transou com anão
- Morou em mais de três cidades
- Morou em mais de três países
- Sabe que nem tudo que é PP, P, M, G e GG é tamanho de roupa
- Curte o tumblr "Mulher Rodada - Estive rodando e não dei pra você"
- Tem filhos –e não é mais casada
- Já fez canguru-perneta
- Já fez quadradinho de oito
Pontuação: Se respondeu 'sim' a cinco ou mais afirmações, você é rodada.
Se transou com gringos, vale dois pontos porque é rodada com estrangeiro. Se já fez o canguru-perneta, some mais cinco pontos, porque transa desde a época do Sai de Baixo. Se curte o Tumblr Mulher Rodada, some mais cinco pontos, além de rodada é descarada. Se morou em mais de três cidades, é rodada interestadual. Se morou em mais de três países, é rodada jetsetter. Se tem filhos, é rodada-Kinder Ovo. Se sabe o que é PA, é rodada com PhD. Se frequenta micaretas, some mais 10 pontos, quilometragem alta.
Resultado: Nunca terá uma chance no coração dos seguidores dos Jovens de Direita, nem de Babacas da Esquerda, Direita ou de Cima do Muro. Terá que se contentar com um cara que não seja um troglodita, com cérebro de minhoca.
PS1. Várias afirmações foram retiradas de sites, blogs e fóruns sobre o assunto. Sim, alguns homens trocam esse tipo de informação. Sim, algumas mulheres concordam com essas bobagens.
PS2. Eu sou uma mulher rodada. Seja uma você também. #sourodada


Texto de Mariliz Pereira Jorge, na Folha de São Paulo

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Brasil marcou um golaço ao financiar Mariel

Com o porto de Mariel e outros inúmeros investimentos em Cuba, o Brasil é um dos países que estão mais bem posicionados para se beneficiar da queda do embargo americano à ilha, cuja negociação foi anunciada hoje.
Alvo de críticas ferrenhas, o porto de Mariel, que recebeu cerca de US$ 800 milhões de financiamento do BNDES e foi tocado pela Odebrecht, está a apenas 200 quilômetros da costa da Florida.
Depois da dragagem, poderá receber navios grandes como os Super Post Panamax, que Dilma citou várias vezes durante a cúpula da Celac este ano, e concorrer com o porto do Panamá.
Mesmo sem a dragagem, já será concorrente de portos como o de Kingston, na Jamaica, e das Bahamas, bastante movimentados.
O raciocínio do governo brasileiro sempre foi o de "entrar antes da abertura para já estar lá quando caísse o embargo".
Essa estratégia se provou acertada.