sexta-feira, 4 de julho de 2014

Livro e filme denunciam homofobia no Marrocos


Livro e filme denunciam homofobia no Marrocos
Por AIDA ALAMI

PARIS - Ele nasceu na biblioteca pública de Rabat, no Marrocos, onde o pai trabalhava como zelador e onde a família morou até ele completar dois anos de idade.
Durante a maior parte de sua infância, conseguiu esconder sua sexualidade, mas os trejeitos afeminados lhe renderam gozações e violência, mesmo que depois tenham se transformado em inspiração artística.
Há cerca de oito anos, o escritor Abdellah Taïa, hoje com 40, se assumiu perante os leitores de seus livros e a imprensa, aparecendo na capa de uma revista sob o título: "Homossexual, apesar de todas as dificuldades".
Com isso, ele se tornou um dos poucos a declarar publicamente sua orientação sexual no Marrocos, onde a homossexualidade é considerada crime. E confessa que o mais difícil foi enfrentar a família. "Eles choraram e gritaram; eu chorei com a reação deles, mas nunca vou me desculpar. Nunca", conta o autor, que hoje vive em Paris, na França.
Em fevereiro, Taïa exibiu seu filme, "L'Armée du Salut", no Festival Nacional de Cinema, em Tânger. Adaptação de seu livro de mesmo título, a promissora estreia na direção deu ao mundo árabe o primeiro protagonista gay. Já exibido nos festivais de Nova York, Toronto e Veneza, ganhou o prêmio máximo do Festival de Angers, na França.
"L'Armée du Salut" é baseado na infância/adolescência do autor, o despertar de sua sexualidade, o fascínio pelo irmão vinte anos mais velho, os encontros com homens maduros em vielas escuras e a complexa relação com a mãe e as seis irmãs, que gozavam dele por ser muito afeminado e muito ligado a elas.
"Muitos marroquinos têm relações sexuais com homens, mas, como pareço afeminado, era considerado o único homossexual. No Marrocos a tensão sexual está presente em todo lugar. Eu quis mostrar isso no filme sem apelar para cenas explícitas, para me manter fiel a esse comportamento meio que secreto", diz.
Uma noite, quando tinha treze anos e estava em casa com a família, um grupo de homens bêbados começou a chamá-lo na porta de casa, pedindo que descesse para "diverti-los". Depois desse incidente, decidiu mudar -e eliminou os maneirismos afeminados para evitar que homens mais velhos lhe pedissem favores sexuais.
Levou o aprendizado do idioma francês a sério porque queria se mudar para a Europa, longe da opressão.
"Não podia viver no Marrocos. O bairro inteiro queria me estuprar. Ali é muito comum o abuso por parte de um primo ou vizinho, e você não conta com a proteção da sociedade. O estupro é insignificante".
Taïa passou a infância assistindo a filmes egípcios. A liberdade do cinema daquele país, que mostrava mulheres sem véus e bebidas alcoólicas sendo consumidas livremente, deram-lhe esperança. "Foram eles que me salvaram", afirma.
Ele se considera muçulmano. "Não quero me dissociar do islamismo. Ele faz parte da minha identidade".
Suas obras geraram críticas e reações negativas. Seu estilo foi execrado e considerado indisciplinado, como se tivesse sido ditado por alguém. Há quem diga que é justamente a crueza de seus textos que o torna autêntico e comovente.
Taïa confessa que sempre quis ser diretor. Tornou-se escritor por acidente, depois de registrar seus pensamentos e experiências em um diário para aprender francês.
Hoje mantém um bom relacionamento com a maioria dos parentes, embora o irmão mais velho continue afastado. Logo depois de se assumir gay, a mãe morreu. Atualmente mantém uma relação cordial com as irmãs.
Apesar disso, Taïa ainda acha muito difícil voltar para a terra natal. "Não posso falar com eles. Sou só um ser humano e sei que eles têm vergonha de mim. Sempre achei isso. Não é que eu queira que tenham orgulho. Sei que eles não têm."


Reportagem do The New York Times, reproduzida na Folha de São Paulo

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