sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Morre Vivienne Westwood, a grande rainha do punk e ícone fashion, aos 81 anos


Morreu nesta quinta-feira a estilista britânica Vivienne Westwood, aos 81 anos. Conhecida pela influência no estilo e na estética punk e por seu ativismo ambiental, ela estava em sua casa, em Londres, segundo um comunicado dos seus representantes.

Westwood nasceu na vila de Tintwistle, em Derbyshire, na Inglaterra, e se mudou para Londres com a família nos anos 1960, com 17 anos. Em 1962, ela se casou com Derek Westwood, com quem teve um filho e de quem herdou o sobrenome com o qual ficou conhecida.

Sua vida começou a mudar em 1965, após um divórcio, quando ela conheceu o então estudante de arte Malcolm McLaren, e passou a se dedicar à moda. Os dois ficaram juntos por 18 anos e tiveram um filho, mas nunca se casaram.

Uma das figuras mais emblemáticas do punk britânico, McLaren foi empresário e um dos principais responsáveis pelo sucesso do Sex Pistols, que desencadeou toda uma cena de música jovem, rebelde e agressiva no país. Na biografia "Vivienne Westwood", ela descreve o relacionamento dos dois como destrutivo, mas feliz, com muitas brigas, e tratando o artista como uma pessoa de personalidade infantil.

"Não choro desde a época em que vivia com Malcolm. Ele precisava me ver chorar todos os dias. Não conseguia sair de casa sem tentar me deixar chateada. Então parei. Sinto inveja das pessoas que conseguem chorar", disse a estilista ao jornal The Observer, em 2014.

Autodidata, Westwood vendia bijuterias e roupas usadas no famoso mercado da Portobello Road antes de abrir sua primeira loja com McLaren, chamada Let It Rock, em 1971. Mas foi a partir de 1974, quando o casal abriu a polêmica e seminal butique Sex, na King’s Road, que eles começam a ganhar destaque na capital britânica.

Além de camisetas com mensagens provocantes, de Westwood e McLaren, a loja também vendia peças consideradas obscenas, incluindo roupas fetichistas. O espaço ganhou fama entre a juventude roqueira, e tinha entre seus frequentadores os integrantes do Sex Pistols, que se reuniram para tocar em 1975 sob mentoria de McLaren —o nome da banda, a propósito, foi escolhido a partir da loja.

Westwood idealizou o visual do grupo, que desencadeou uma revolução musical com o sucesso da música "God Save the Queen" e acabou servindo de vitrine para a loja, depois rebatizada de Seditionaries. O estilo incluía as camisetas com mensagens antissistema e uma pegada DIY —o "do it yourself" ou "faça você mesmo"—, incorporando o sentimento punk da época.

Uma das peças mais conhecidas dessa época é a camiseta estampada com a recriação de uma foto da rainha Elizabeth 2ª com uma tarracha na boca. A roupa foi criada a partir da mesma imagem que estampa a capa de "God Save the Queen".

A estilista foi pioneira e um ícone do estilo que foi tachado pela imprensa como uma afronta aos bons costumes, mas que influenciou nomes como Mick Jagger, Iggy Pop, David Bowie e Debbie Harry. Foi Westwood quem criou o símbolo do movimento anarquista —o famoso círculo com a letra "A".

Com a incorporação do punk pelo mainstream, Westwood e McLaren seguiram novos caminhos e fizeram seu primeiro desfile em 1981, em Londres. No ano seguinte, a estilista se tornou a segunda britânica a desfilar uma coleção em Paris.

Sua primeira coleção depois da separação de McLaren veio em 1985, e a partir dali ela se consolidou como uma estilista de alta-costura. Ao longo das décadas, seus desfiles mostravam referências a vestimentas históricas e faziam paródias das elites britânicas.

Na década de 1990, fez um diálogo entre França e Reino Unido, num movimento chamado de anglomania. São dessa época os desfiles memoráveis de Naomi Campbell usando plataformas de quase 23 centímetros, em 1993, e Kate Moss fazendo topless e tomando sorvete com o rosto inteiro como Maria Antonieta, em 1994.

Westwood viu seu faturamento crescer depois que um vestido assinado por ela apareceu em "Sex and the City - O Filme", comédia romântica lançada em 2008. A peça de seda cor de champanhe, usada pela personagem Carrie Bradshaw, foi responsável por alavancar as vendas da marca Vivienne Westwood em quase 20% de um ano para o outro.

Rainha da estética punk, Westwood era conhecida por seu comportamento livre. Numa de suas histórias mais conhecidas, a estilista foi ao Palácio de Buckingham receber uma homenagem no que parecia um look comportado. Ela deixou claro aos fotógrafos, no entanto, que estava sem calcinha ao rodar sua saia.

"Desde os primeiros dias do punk nos anos 1970, tenho sido uma ativista contra a guerra e pelos direitos humanos", disse ela, em entrevista em 2020. "Nas redes sociais, uso a moda para envolver as pessoas na política. Se as pessoas não estão cientes, como vamos salvar o mundo da corrupção e das mudanças climáticas?"

Militante ambiental, a britânica manifestou apoio a protestos brasileiros em 2013. "As pessoas estão frustradas com o excesso de consumismo e a falta de valores mais profundos. É preciso ir para as ruas para mudar isso", disse a este jornal na época.

Westwood também afirmou, naquele mesmo ano, que o movimento punk foi, no fundo, "uma revolução de marketing". "Ajudou a vender muitos pinos de metal", disse. "E eu me cansei do punk rock quando vi que a única anarquista era eu. No fundo, os caras só queriam se divertir."


Reprodução da Folha de São Paulo

O Pelé que conheci


Contar aqui os maravilhosos lances que vi Pelé protagonizar nos gramados, os incontáveis gols ou os acessos de genialidade sem igual seria como chover no molhado. 

Felizmente, está quase tudo documentado, em filmes, fotos e relatos.

O que não está apenas aumenta o mito, porque transforma também em lenda o melhor de todos os tempos, como os famosos gols de placa no Maracanã, contra o Fluminense, e o da rua Javari, que era para ter sido recriado por Steven Spielberg para o filme "Pelé Eterno", ideia infelizmente arquivada por causa do custo. 

Contarei aqui apenas o que testemunhei quando estive ao seu lado a trabalho ou a passeio, desde a primeira vez em que o vi até a derradeira, depois que nos afastamos, exatamente por ocasião do lançamento do filme, em 2004, quando nos abraçamos calorosamente e achei que ele ficou alegremente surpreso em me ver.

Estive a poucos metros dele pela primeira vez em 1970, na redação da revista "Placar". 

Tenho a foto, assim meio de papagaio de pirata, mas não fomos além de uma apresentação formal e um aperto de mãos. 

Pelé não era para meu bico, era para o de Michel Laurence. E não foi até 1993, quando o entrevistei para "Playboy", em Cuenca, no Equador.

Daí em diante, e durante os oito anos seguintes, tivemos uma relação muito próxima, a ponto de tê-lo indicado e feito o meio de campo com Fernando Henrique Cardoso para que ele viesse a ser ministro extraordinário do Esporte na primeira gestão do tucano e a ponto de ele me pedir que escrevesse sua biografia autorizada. 

Obra que não escrevi porque, em junho de 2001, Pelé participou do que ficou conhecido como o "pacto da bola", a reaproximação dele com João Havelange e Ricardo Teixeira. Ambos estavam de joelhos, asfixiados pelas CPIs do Futebol e da CBF, quando, por motivações meramente comerciais comandadas por um dos sócios de Pelé, o Rei lhes deu o oxigênio para que seguissem em em suas reinações por mais uma década, até que tivessem de renunciar aos seus postos na Fifa, no COI e na CBF. 

Então, decepcionado, perguntei a ele como escrever o capítulo sobre "o dia em que Edson traiu Pelé". 

O Rei não entendeu, achou que era radicalismo, que poderíamos discordar sem chegar a tal ponto, mas não era assim que eu via.

Tempos depois, em maio de 2002, sob o pretexto de me mostrar a letra de uma canção que havia feito, ele me mandou um bilhete dizendo que "irmãos também brigam: às vezes por ciúmes e outras por amor. Uns perdoam e outros não".

Entre a entrevista em Cuenca e a dura conversa que tivemos quando anunciei que desistia de fazer o livro, vi Pelé atuando nas mais diferentes situações, sem nada que o desabonasse, ao contrário. 

A começar pela entrevista.

A edição brasileira da revista "Playboy", que eu então dirigia, completaria 18 anos em 1993, atingiria sua simbólica maioridade, e decidiu romper a tradição de jamais repetir uma entrevista. 

É claro que o escolhido para a ruptura foi ele, o Rei.

Marcada para ser feita no Guarujá e em seu apartamento em São Paulo, e desmarcada duas vezes, acabou por acontecer no Equador, onde Pelé estava para comentar a Copa América para a Rede Globo.

Eu já havia arquivado a ideia quando recebi uma surpreendente ligação dele propondo que eu fosse encontrá-lo em Cuenca: "Passo o dia sem fazer nada, esperando os jogos da noite", justificou. 

Na primeira das combinadas duas sessões de seis horas cada uma, sem interrupções, ainda nos preâmbulos, perguntei se fazia tempo que ele, conhecido chorão, não chorava. 

Respondeu que dias antes havia chorado ao falar com a mãe, Celeste, por telefone.

Ao começar a contar por que, desabou em prantos. 

O motivo era prosaico, mas ao se recompor, o Rei estava nu, desarmado, diante do entrevistador. 

A primeira sessão foi tão rica em revelações que a segunda serviu apenas como checagem. 

Achei que era eticamente correto perguntar a ele, embora tudo estivesse devidamente gravado, se mantinha o que dissera, tal a gravidade de algumas revelações, como a denúncia de corrupção na CBF ou até mesmo os detalhes de seu relacionamento com a apresentadora Xuxa.

Candidamente ele me olhou gravemente e perguntou: "Você não disse que é uma entrevista especial, nunca feita pela revista? Então tem mesmo de ser especial". 

Nas chamadas de capa da festiva edição de 18 anos, uma se destacava: "Saiba por que Pelé diz onze vezes 'eu nunca falei disso antes'". 

A repercussão da entrevista foi tal, reproduzida em diversas edições internacionais da Playboy que, por retaliação, e para perplexidade dos americanos, João Havelange o impediu de participar do sorteio para a Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, o mercado que Pelé havia aberto quase 20 anos antes ao ir jogar no Cosmos de Nova Iorque.

Ricardo Teixeira nos processou e para minha alegria e admiração, embora, repita-se, tudo estivesse gravado, Pelé não só não se eximiu do que dissera com o clássico "não foi bem que eu quis dizer" ou "fui mal interpretado", como fez questão de isentar o entrevistador, ao dizer em juízo que este "não fez nada mais do que reproduzir fielmente o que eu disse". 

Nasce daí, mais que a velha e obrigatória admiração pelo jogador, a admiração pelo homem. 

Passamos a nos ver regularmente, fizemos alguns trabalhos juntos como a "Feira Internacional do Esporte", promovida pela Lemos Britto Congressos e Feiras, com apoio da revista "Placar", que eu também dirigia. 

No ano seguinte, em 1994, Fernando Henrique Cardoso, na euforia da conquista do tetra, e na esteira do sucesso do Plano Real, foi eleito presidente da República. 

Na Copa dos Estados Unidos, que Pelé comentou para a Globo, não me lembro exatamente se em Detroit ou em Dallas, o Rei me fez pagar um enorme mico.

Combinamos uma entrevista ligeira no hotel em que ele estava hospedado, almoçamos juntos no restaurante do hotel e, na saída, ele me perguntou se eu estava de carro para ir ao treino da Seleção Brasileira. Respondi que não, que tomaria um táxi e ele reagiu, dizendo que mandaria me levar. Aceitei e desci para portaria. O carro que me levaria era simplesmente uma daquelas compridas limousines cafonas e chamativas, com vidros escuros. Tentei escapar, mas ele, às gargalhadas, não permitiu. Disse que iria comigo, de fato entrou no carro, só que quando chegamos e saltei em frente ao campo do treino, Pelé ficou no trambolho e mandou o motorista ir embora, me expondo à situação de ter de explicar para todos os jornalistas que viam a cena o que acontecia, correndo ainda o risco de passar por mentiroso.

Ao final de 1994, FHC me convidou para assumir a Secretaria de Esportes do governo federal. Recusei e propus que ele convidasse o Rei. O presidente pediu que eu fizesse o meio de campo e organizasse um encontro sigiloso entre ambos. Foi quando pude de alguma forma me vingar do mico da limousine.

Combinamos um café da manhã em minha casa para que o Rei e o presidente se encontrassem e se conhecessem. Mas como entrar com Pelé incógnito, num prédio de apartamentos? Propus que ele fosse no porta-malas de meu carro, mas, é claro, Sua Majestade não topou. O jeito foi deitá-lo no banco de trás e cobri-lo para entrar na garagem. 

Ao tomarmos o elevador, porém, um jovem que saía com sua bicicleta nos viu. Não era novidade a presença de gente do futebol em minha casa —Sócrates a frequentava amiúde—, mas eis que meia hora depois chega o presidente eleito, com uma caravana de jornalistas a segui-lo. 

A desculpa oficial era a de que ele apenas estava visitando um ex-aluno e cumprindo a promessa feita caso ganhasse a eleição. 

O interfone não parava de tocar na cozinha até que decidi atender e ouvi de um companheiro se era verdade que o Pelé estava em minha casa. Respondi com uma evasiva: "Você não acha que basta o presidente?". 

Depois, quando FHC foi embora e me pediu para falar com os meus colegas é que eu soube que o menino da bicicleta ao voltar para casa e ver todo aquele aparato quis saber o que estava acontecendo e ouviu que se tratava da presença de FHC em minha casa, provavelmente para me convidar para ser ministro. Foi ele então que o jovem informou: "Que FHC nada, é o Pelé que está aí. Eu vi".

Neguei que tivesse sido convidado aos meus colegas e sai novamente pela tangente em relação à presença de Pelé: "Não basta o presidente, vocês ainda querem o rei?", repeti. 

Minutos depois sai com meu automóvel para ir para Editora Abril e uma repórter do SBT, sozinha, me esperava. Esperta, desconfiada e persistente, ela jurava que Pelé estava no carro. Deixei-a ver por dentro, até abri o porta-malas e fui embora. 

Só horas depois, no chão do carro de minha mulher, coberto, Pelé pôde sair de minha casa. 

O Pelé ministro foi um caso à parte. 

Escrevi do discurso de posse a quase todos os demais que ele levou no bolso e raramente leu, por preferir improvisar.

E vi cenas impagáveis, como a que atrasou a sua posse em mais de uma hora, porque ele atendeu à fila com cerca de 100 funcionários do hotel em que nos hospedamos exatamente na hora em que estava prevista a solenidade, única, exclusiva, no Palácio do Planalto, também do único ministro cujo anúncio surpreendeu o país, segredo guardado por dias sem fim. 

Pelé passara dois dias no hotel prometendo que autografaria o que lhe pedissem, mas só na hora de ir embora. E assim foi feito na garagem, quando os empregados com seus filhos, bolas, camisas e blocos, foram atendidos pacientemente, com direito a ter o nome de cada um na dedicatória. "Pelé, o presidente está esperando", diziam aflitos os seus assessores. "Ele pode esperar. Eu que não posso não cumprir o que prometi", respondia calmamente o Rei. 

Tempos depois, o vi recusar, ao telefone, três datas propostas por Bill Clinton para um encontro na Casa Branca. "Você ficou maluco?", perguntei. "Maluco por quê? Ele é que quer me conhecer. Eu já conheci uns sete presidentes dos Estados Unidos e três Papas", respondeu. Na lista dos presidentes norte-americanos, ele incluía Robert Kennedy.

Pelé e Clinton acabaram se conhecendo só no Rio de Janeiro, quando o político visitou o Brasil e ambos fizeram embaixadinhas numa favela carioca. 

Pelé era assim. Capaz de esnobar o homem mais poderoso do mundo, mas incapaz de não atender o cozinheiro do hotel, sua mulher e seus filhos. 

Ou capaz de um dia me telefonar e pedir para que eu agendasse um encontro dele com Dom Paulo Evaristo Arns: "Guru-mór (andou me tratando assim...), soube que você se dá bem com Dom Paulo e eu queria marcar uma audiência com ele. Você faz isso pra mim?", quis saber.

"Claro que faço, mas você não precisa de mim para isso. Basta sua secretária ligar para a Cúria Metropolitana e tenho certeza de que ele irá onde você marcar", devolvi. 

Ao que ouvi dele: "Não, guru-mór, eu é que irei onde e quando ele marcar". 

Assim foi feito. 

Pelé era capaz de surpreender os próximos como surpreendia seus marcadores em campo.

Um belo dia recebi em meu escritório um emissário de Pelé com um pequeno pacote e um protocolo que eu tive de assinar na frente do portador. 

Ao abri-lo, vejo um relógio antigo, de bolso, de prata, com a efígie do busto de Pelé em alto-relevo na tampa e de corpo inteiro no verso. Internamente, na tampa, uma dedicatória: "Ao Juca, com agradecimento, seu irmão Edson Pelé".

Não entendi nada, não era nenhuma data especial, liguei para Celso Grellet, sócio dele, que me explicou que Pelé ficara sabendo que eu colecionava relógios e quis me presentear. 

Liguei também para ele, agradeci e a vida seguiu até que no dia 31 de dezembro daquele ano, 1995, Pelé ligou para desejar feliz ano novo e perguntou se eu estava "cuidando bem do relógio".

Respondia que sim, que o mantinha guardado na gaveta de meu criado-mudo, quando fui interrompido: "Então você não está cuidando bem. Este relógio, que ganhei de um fã relojoeiro suíço é único e, com a cópia da Taça Jules Rimet, era uma das duas coisas que eu guardava no cofre de meu banco", informou. 

Sim, eu imaginava que o relógio era daqueles presentes para poucos, supunha que houvesse, sei lá, dez exemplares, talvez 30, mandados fazer pelo Rei. Mas, não! Era filho único de mãe solteira. Hoje em dia está tão bem guardado que até me esqueço de onde.

Outra surpresa dele foi aparecer, sem avisar, na festa de relançamento da "Placar", no Ginásio do Ibirapuera, também em 1995, evento para o qual, para não constrangê-lo, nem o convidei. 

Pelé sempre foi assim. Lealmente desinteressado na relação com os amigos.

Embora, em regra, com a exceções que a confirmam, rodeado por pessoas que viam nele apenas uma mina de ouro e o exploraram e enganaram porque, além da generosidade, a simploriedade também foi uma de suas marcas registradas, a que o levou a cantar, compor e atuar no cinema, além de se autoelogiar mesmo que na pessoa do Edson. 

Daqui por diante não haverá mais Edson para falar de Pelé. 

O mundo tratará de reverenciá-lo não só como o Atleta do Século 20, mas por todos os séculos, amém.


Texto de Juca Kfouri, no UOL

Juro que em 2023, ano dos meus 80 anos, largarei velhos costumes


Todo fim de dezembro, prometo a mim mesmo ser outra pessoa no ano que virá. Revejo os defeitos que me enxovalham a autoimagem e dificultam a minha existência.

Para não transformar a coluna de hoje num rosário de lamúrias, prezada leitora, vou me restringir aos defeitos publicáveis, não falarei daqueles que relego às catacumbas da consciência.

Meu pai era contador, dizia preferir o inferno depois da morte para ficar livre dos papéis. Talvez por traço genético, sempre tive problemas com a papelada, nem a internet me libertou dela. Quando um artigo científico ou texto literário impresso cai em minhas mãos, por irrelevante que pareça, coloco sobre a mesa de trabalho para ler ou reler mais tarde, mesmo sabendo que envelhecerá naquele local.

Se tivesse lido 10% dos livros que se acotovelam nas estantes e das revistas científicas empilhadas entre eles, seria um médico de notório saber e o homem culto que sempre desejei ser. As prateleiras abarrotadas no escritório de casa olham para mim como um anátema bíblico que vocifera: "Lembra-te homem: és ignorante e da ignorância jamais te libertarás".

Planejo, então, doar os livros adormecidos há décadas, comprados para atender a interesses que perdi ou que chegaram a mim porque me foram dados por pessoas queridas ou pela incapacidade de me separar deles. Apesar dos fracassos anuais em realizar essa tarefa, juro que agora será diferente.

A mesma dificuldade tenho com as roupas que disputam centímetro a centímetro o espaço no armário. Órfão de mãe desde a tenra infância, aprendi a pregar botões, a fazer pequenos reparos, a manter passadas as camisas e as calças e a engraxar os sapatos até o couro brilhar.

Eles me retribuem com a longevidade: tenho calças e camisas com 20, 30 anos e até mais. Muitas saíram de moda, são usadas quase nunca, mas permanecem ao alcance de meus olhos para deixar claro que sou um desses privilegiados que acumulam mais do que o necessário.

A despeito das tentativas infrutíferas dos anos anteriores, prometo que desta vez vou doar as roupas que passo meses sem vestir. Mas cada peça traz uma recordação: uma viagem, a pessoa que me presenteou, um momento de vida, a qualidade da confecção, a beleza da estampa ou outra desculpa qualquer para disfarçar o apego despropositado do acumulador.

Tenho mais amigos do que tempo para conviver com eles. Todo ano prometo visitá-los, convidá-los para vir em casa, sair para tomar cerveja. Promessas vãs, embora reiteradas toda vez que um deles se vai, acontecimento cada vez mais frequente à medida que envelhecemos, porque a vida é um palco em que o cenário muda a toda hora e os personagens se retiram um a um, condenando o espectador desatento à
perplexidade da solidão.

Cinquenta anos de medicina me ensinaram que o corpo é nosso bem mais precioso. Você, caríssimo leitor, perguntará: "O idiota levou meio século para descobrir o óbvio?". Claro que não, mas demorei mais do que devia para agir como quem adquiriu a consciência de que a atividade física é essencial para uma vida mais plena e, possivelmente, mais longa.

Comecei a correr maratonas quando fiz 50 anos. No início, quis provar a mim mesmo que se conseguisse completar 42 quilômetros, não me sentiria velho. Continuo a corrê-las com o mesmo objetivo e para evitar as condições patológicas que afligem homens da minha idade, manter a vitalidade para trabalhar e para as atividades que sempre tive.

A disciplina que dediquei aos treinamentos para ter corrido cerca de 25 maratonas permitiu que eu completasse a última delas em outubro passado, aos 79 anos. Apesar de reconhecer o privilégio de chegar a essa idade nessas condições, quando muitos de meus contemporâneos já se foram, enquanto outros ainda resistem, mas cheios de limitações, não estou satisfeito.

Você, leitora, vai me achar ridículo, absurdo, mas carrego a frustração de que o excesso de trabalho, a indisciplina e a preguiça nunca me permitiram fazer uma prova bem preparado.

Chego ao fim destruído, com ímpetos de deitar no asfalto e chorar de exaustão. Em 2023, farei 80 anos, pretendo treinar com a regularidade exigida para cruzar a linha de chegada ainda com disposição para continuar correndo. É, talvez eu seja ridículo mesmo.


Texto de Druazio Varella, na Folha de São Paulo

sábado, 17 de dezembro de 2022

As crianças têm uma única responsabilidade: sustentar a magia do Natal


Minha família já está em polvorosa organizando a tradicional e inescapável ceia natalina. Assuntos de grande importância pipocam no grupo de WhatsApp, todos relacionados à comida. Nosso pequeno núcleo familiar preza por uma mesa farta para suprir a falta que se manifesta nesta época do ano: não temos crianças na família.

Natal, essa época tão lúdica e nostálgica, na presença de crianças é completamente diferente. Estamos falando de um pessoalzinho que realmente acredita que um senhor saiu do Polo Norte sobrevoando todos os lares do mundo em um trenó, e que conseguiu, na surdina, invadir sua casa para deixar-lhe alguns presentes.

Presentes esses recebidos com euforia excepcional. Lembro da sensação de tirar de uma caixa um Nintendo 64. Hoje, recebo de bom grado um kit de sais de banho. É por isso que ouso dizer que as crianças têm uma única responsabilidade: sustentar a magia do Natal.

Nem eu nem meus irmãos tivemos filhos —ainda? E mesmo assim, neste ano, decidi presentear as crianças da minha família. Não sabia nada sobre a infância de meus pais e de minha avó. Aproveitei a intensa comunicação sobre o menu natalino para perguntar sobre as memórias mais felizes que guardam dessa época.

Minha mãe ganhou um concurso literário quando tinha dez anos e o prêmio era uma caneta tinteiro de ouro. A maior alegria do meu pai era ir nas matinês do Cinema Pax, aos domingos, assistir ao desenho "Tom & Jerry". Minha avó era apaixonada por seu boneco Bob, com corpo de pano e membros de porcelana, que a acompanhava em todos os lugares e nunca perdeu uma lasquinha sequer, tamanho o cuidado que ela tinha com ele.

Minha irmã nos perturbava com um arco e flecha de brinquedo. Gostava de se esconder atrás dos móveis e esperar o tempo que fosse preciso até alguém passar pela sala e tornar-se seu alvo. Meu irmão, que tem síndrome de Asperger, sempre gostou de brincar sozinho, imerso em mundos imaginários, mas era aficionado por jogos de tabuleiro, que permitiam uma conexão com a gente.

Minha lista de compras já está pronta. Agora só preciso saber onde encontrar uma caneta tinteiro, miniaturas de "Tom & Jerry", um boneco de porcelana, um arco e flecha, e escolher um jogo de tabuleiro. É o melhor presente que posso dar à pequena Manuela, que amava o Natal até às frutas cristalizadas: uma noite feliz.


Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo

Dezembro é foda


Quando eu era criança, meus avós maternos achavam dezembro um mês tristíssimo. Diziam que já tinham sofrido a morte de muitos amigos e parentes –incluindo a mais impensável de todas, a de um filho — e que, por isso, não conseguiriam comemorar mais nada na vida.

No entanto, celebravam jogos do Palmeiras, Copas do Mundo, aniversários, Páscoa. Era só dezembro que pegava pra eles. E como pegava! Meu avô tinha o "troço" (que é igualzinho ao meu "negócio", mas agora sabemos que se chama crise de pânico), e minha avó ficava com questões intestinais agudíssimas, soltava uma quantidade invejável de palavrões portugueses, contava a famigerada história de que, por conta de uma promessa, nunca mais poderia dizer a frase "estou com preguiça" (fazia uma mímica pra gente entender) e, por fim, chorava e ia dormir.

Na adolescência, notei que ocorriam fenômenos parecidos com meus pais. Era só chegar o final do ano para eles ficarem à flor da pele: "Dezembro é foda!". Evitavam sair de casa por causa do trânsito insuportável e do comportamento "apressado e violento" das pessoas; faziam as compras no começo de novembro para não verem os enfeites nos shoppings "sem saber direito o motivo"; e, de repente, todos aqueles amigos mais importantes não eram "exatamente como alguém da família", todos os parentes mais próximos não eram "exatamente o que podemos chamar de pessoas amigas".

Desde que tenho lembranças dos meus Natais, passei todos desejando que minha família pudesse aumentar. Filha única de pais separados, eu também era neta única e, obviamente, sobrinha única.

Sonhava que as poucas pessoas ali reunidas fossem mais tolas e emotivas. Eu fui criada numa espécie de hub do cinismo e do deboche. A gente tirava sarro de tudo e, sobretudo, de nós mesmos. Se passássemos a ceia com uma tia qualquer, ainda que por meia hora (meu avô detestava sair de casa), tal passeio rendia meses de deliciosas maldades e infinitas imitações.

A mordacidade, como tática de sobrevivência no mundo e no meu trabalho como roteirista de humor, é um talento vantajoso e recreativo em todos os outros meses do ano. Mas é absolutamente inútil e cruel em se tratando de dezembro. Ser uma pessoa irônica, em dezembro, é complicadíssimo. O mundo aparentemente está acreditando em absurdos como o amor e a fé, e você está lá, sozinha, montando esquetes que misturam libertinagem com escatologia em sua cabecinha doente.

Depois que meus avós morreram, minha mãe piorou muito. Passei a notar em seu rosto aquele semblante heroico de quem internaliza o mantra: "Vai, não adoece não, mais um ano! Força! Você é pobre demais pra abraçar a depressão!".

Hoje fica claro para mim que sou fruto de uma família que ria muito e não aparentava grande tristeza, mas era sim deprimida. E sei disso porque tenho a mesma doença. Nada grave que os paralisassem no resto do ano –apenas em dezembro. Nada grave que me bote de cama nos outros meses do ano –somente em dezembro. Eu tentei correr. Eu sou a única maçã da árvore da depressão da minha família que fez de tudo para cair muito longe. Eu rolei, dancei, capotei, me lancei, me esfolei inteira. Mudei de povoado, de arredores, de nome, de voz. E também fiz muita terapia. Apodreci e voltei verde e apodreci e voltei verde. Um looping ensimesmado e repetitivo de negação genética, cognitiva, espiritual, existencial e psicológica.

E isso tudo –ai, ai, dezembro é mesmo foda e já estou chorando– só me deixou ainda mais deprimida. (Saudade da angústia de não pertencimento que nos unia. Tinha sim muito amor, muita fé e muito Natal).


Texto de Tati Bernardi, na Folha de São Paulo

sábado, 10 de dezembro de 2022

José Simão e as manifestações antidemocráticas diante de quartéis


E a mãe de uma amiga tá acampada em frente ao quartel: "A velha tá louca? Tá! A velha tá histérica? Tá! Mas tá comendo e bebendo de graça, então deixa a velha lá". Rarará!


Trecho da coluna do José Simão na Folha de São Paulo. 

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Monumentos de Porto Alegre



– Afluentes do Guaíba (estátuas industriais italianas, 1866). Jardim do Dmae – Rua 24 de Outubro nº 200 (Moinhos de Vento).


– Mãe Oxum (Gilberto Silveira, 1999). Avenida Guaíba nº 727 (Ipanema).


– Índia Obirici (Nelson Boeira Fäedrich e Mário Arjonas, 1975). Viaduto Obirici (Passo D’Areia).


– Monumento à Literatura Brasileira / Carlos Drumond de Andrade e Mario Quintana (Leonardo Santana, 2001). Praça da Alfândega (Centro Histórico).


– General Osório (Hildegardo Leão Velloso, 1933). Rua dos Andradas, 1095 (Centro Histórico).


– Painel Recortado Homens e Touros (Xico Stockinger, 1972). Praça Dom Sebastião (Independência).


– Painel Loureiro da Silva (Vasco Prado, 1970). Viaduto Loureiro da Silva (Centro Histórico).


– Monumento a Júlio de Castilhos (Décio Villares, 1913). Praça da Matriz (Centro Histórico).


– Monumento ao Expedicionário (Antônio Caringi, 1957). Parque da Redenção (Farroupilha).


– Chafariz Imperial (Carrier-Belleuse, 1866). Parque da Redenção (Farroupilha).


– Monumento aos Açorianos (Carlos Tenius, 1974). Avenida Loureiro da Silva n° 1.155 (Centro Histórico).


– O Laçador (Antonio Caringi, 1958). Avenida dos Estados nº 1.175 (São João).



Fonte: Jornal O Sul - https://www.osul.com.br/porto-alegre-tem-visita-guiada-e-iluminacao-especial-em-12-monumentos-ate-domingo/