terça-feira, 30 de agosto de 2016

Os quatro cavaleiros impolutos do combate à corrupção e o crime da incendiária Janaína

O julgamento de Dilma Rousseff ficará para a história.
O discurso da presidente afastada diante dos senadores foi tão bom que eles fingiram não entender.
A respostas de Dilma foram tecnicamente perfeitas.
Ela mostrou ao senador Lasier Martins, apoiada na lei, que não cometeu crime nos decretos suplementares.
Dilma foi tão serena que seus adversários puderam bancar os cavalheiros.
O golpe contra Dilma tem seus “heróis”.
Quatro cavaleiros da luta contra a corrupção para limpar o Brasil da sujeira esquerdista: Michel Temer, Eduardo Cunha, Romero Jucá e José Agripino Maia. Como se diz, agora, vai. Ah, vai!
Quatro cavaleiros da isenção no processo: Aécio Neves, Antonio Anastasia, Aloysio Nunes e José Serra.
O senador que se educou para pior: Cristóvão Buarque.
Instituição acima de qualquer suspeita (por se considerar inalcançável): STF.
Por fim, o crime de Janaína Paschoal. Era quase meia-noite, quando a advogada Janaína fez sua perguntinha à presidente Dilma. Quis saber por que o Brasil tinha crescido menos do que Chile, México e outros em 2014.
O crime da Janaína é o de condenar a presidente por erros na política econômica.
É o crime que a maioria dos senadores também cometerá.
Um crime de irresponsabilidade. Derrubar presidente por não cumprir promessas ou errar na gestão.
Não está na lei.
É o crime de oportunismo.
Saem os corruptos. Assumem os seus aliados nos crimes.
Pra frente, Brasil!

Pouca violência com muita desigualdade?

Situações extremas fazem pensar.
Porto Alegre anda assolada por uma onda de violência.
Não há como não entender a ira das pessoas com a insegurança e com a crueldade dos bandidos.
Parte do problema é de responsabilidade do governo, que afrouxou a segurança, por questões de caixa ou de ideologia do tamanho de Estado, e desestimulou as polícias, sinalizando um campo livre para os bandidos.
Não há como não compreender o desejo de justiçamento ou de justiça expedita de muitas pessoas.
Mas resolve? Foi assim que o mundo com baixa taxa de criminalidade resolveu seus problemas?
Um amigo me diz que violência se resolve com violência.
Outro me repete que bandido bom é bandido morto em qualquer situação.
Não se pretende, que eu saiba, porém, executar sumariamente todos os bandidos presos.
Em situação de enfrentamento, é necessário ponderar todos os fatores envolvidos, a começar pelo estresse.
Mesmo assim, também se deve considerar o treinamento dos agentes do Estado.
É claro que entre a morte de um policial e a morte de um bandido, “prefere-se” a morte do bandido.
Prefere-se, mais ainda, que o policial não precise morrer e que, neutralizado, o bandido seja preso.
Nas sociedades democráticas, mesmo nas que admitem a pena de morte, ela é o resultado de um julgamento.
Pensemos o problema por partes.
Qual é a causa maior da violência urbana no mundo? Uma hipótese: a desigualdade. Por desigualdade não se deve entender a pobreza absoluta. Um país pode ser muito pobre e ter baixa taxa de criminalidade. É o caso de Gana. Por desigualdade deve-se entender a distância entre os muito ricos (poucos) e os demais (muitos). Especialmente em situações de culto ao consumismo. Como conciliar  a extrema incitação ao consumo inútil com moderação em sociedades perpassadas pela perda de referências, pelas drogas e pela sensação de urgência e de atalho?
É possível citar um país com alto equilíbrio na distribuição das suas riquezas e alto índice de violência cotidiana?
Não.
Basta pensar na Suécia como exemplo.
Se é possível citar país pobre com pouca criminalidade, é impossível citar um país com distribuição equilibrada e alto grau de violência. A desconcentração de renda parece ser uma pista para diminuir a violência. Os exemplos exitosos são incontáveis: países escandinavos, França, Suíça, Bélgica, Alemanha… Nesta hipótese, a questão não é moral, mas pragmática. Se diminuindo a concentração de riquezas a violência cai, por que não fazer isso?
A explicação para não fazer isso pode ser esta: a visão de que a desigualdade (alta concentração de riquezas) é “natural” e que ninguém deve ceder parte do que possui para ter paz. Se posso ter muito, por que terei menos? Se posso ter quase tudo, por que entregarei uma parte? A resposta poderia ser esta: porque, em determinadas situações, as de extrema separação entre os poucos ricos e os muitos não ricos, com alto culto aos objetos e violento estímulo ao desejo, uma parte da população explode em violência. O criminoso, neste sentido, não é vítima da desigualdade. Ele é o resultado nefasto de uma engrenagem. O que se quer? Evitar a violência? Por que não alterar a engrenagem?
Voltamos ao ponto anterior: por que se teria de fazê-lo? Em outras palavras, por que não se poderia ter paz, segurança e baixa criminalidade com muita desigualdade (vista como resultado  dos esforços de cada um)?
Se a maioria dos não ricos ou até dos muitos pobres aceita a sua condição e luta bravamente pela sua vida, por que todos não poderiam fazer o mesmo? É uma perspectiva. Concretamente não tem sido assim. Por que não?
Porque não funciona. Não tem funcionado. É uma constatação. Pode-se conferir isso em séries de dados disponíveis. Uma parte da população, por razões diversas, não aceita o pacto proposto.  O crime surge como um horizonte. É como o combate ao tráfico de drogas. Parece uma ideia correta. O resultado, porém, não tem sido convincente.
Não seria o caso de mudar a leitura do fenômeno?
Cite-se um país democrático, ou com pretensões a ser uma democracia, com altíssimo grau de desigualdade relativa (distância entre ricos e não ricos) e com baixa violência (taxa de mortes por cem mil habitantes/ano?
A violência é menor quando há homogeneidade: todos pobres; todos ricos; a maioria no meio da tabela.
O custo de uma sociedade com alto grau de desigualdade e baixo índice de violência é um aparato repressivo caríssimo e eficaz ou um sistema ideológico (de convencimento do lugar de cada um na sociedade) dispendioso.
A violência é fruto da impunidade ou da desigualdade?
Certamente desses dois fatores.
É possível resolver o problema pela punibilidade sem mexer na desigualdade?
É o sonho de alguns, de muitos.
Os países com baixa taxa de criminalidade e democracia indicam outro caminho, uma via que associa os dois termos da equação: a redução da desigualdade e o rigor nas punições. Curto, médio e longo prazo para quem não começou.
Não é a educação que conta mais?
Países com menos desigualdade tendem a ser muito fortes em educação.
Não se pode confundir educação com adestramento.
Não quero ir para Cuba, salvo pelo clima. Prefiro a Suécia.
Uma Suécia com clima tropical me cairia muito bem.
Não desejo a ninguém um ataque por bandidos.
Desejos a todos, inclusive aos que me desejam mal, paz e equilíbrio nas opiniões.
Sociedades altamente democráticas, com baixa criminalidade, muita educação e baixa concentração de riquezas, costumam não ter problemas com Direitos Humanos. A origem do contrato social é esta: cada um cede um pouco da sua liberdade para ter mais segurança. Não se dá o mesmo em relação à riqueza de uma nação?
Como diria o Padre Vieira, não tive tempo de ser breve.

Morre Gene Wilder, o Willy Wonka de 'A Fantástica Fábrica de Chocolate'

Gene Wilder, ator conhecido pelo papel de Willy Wonka na primeira versão de "A Fantástica Fábrica de Chocolate", longa de 1971, morreu aos 83 anos, segundo informações de sua família à agência de notícias Associated Press nesta segunda (29). A causa da morte não foi divulgada, mas, segundo a revista "Hollywood Reporter", o ator lutava contra o mal de Alzheimer.
Wilder —cujo nome real era Jerome Silberman— nasceu na cidade de Milwaukee, no estado norte-americano de Wisconsin, em 11 de junho de 1933. Começou a atuar nos teatros, e estreou na TV em 1962, com a série "Armstrong Circle Theatre".
Foi figurante no clássico "Bonnie e Clyde", de 1967 —longa em que interpretava um refém—, e ganhou reconhecimento como Leopold Bloom na comédia "Primavera para Hitler", que Mel Brooks lançou em 1968, rendendo a ele uma indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante em 1969. Wilder se tornaria, aliás, figura recorrente na filmografia de Brooks, com quem também filmou "O Jovem Frankenstein", de 1974.
Esta última produção acabou rendendo a Wilder sua segunda indicação ao Oscar, desta vez na categoria de melhor roteiro adaptado.
Wilder também protagonizou um dos episódios da comédia "Tudo o Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo E Tinha Medo de Perguntar", que Woody Allen lançou em 1972. No filme, ele interpreta um médico que se apaixona por uma ovelha.
Além das nomeações da Academia, Wilder recebeu duas indicações ao Globo de Ouro, pelos papéis em "A Fantástica Fábrica de Chocolate", de 1971, e "O Expresso de Chicago", de 1976.
Em 2003, ganhou um Emmy pela participação na série "Will & Grace".


Reprodução da Folha de São Paulo

domingo, 28 de agosto de 2016

Lista

Medo e Delírio em Las Vegas", de Hunter Thompson; "Mãos de Cavalo", de Daniel Galera; "O Colosso de Marússia", de Henry Miller; "A Ditadura da Moda", Nina Lemos; "Um Ano na Provence", de Peter Mayle; "Paris É uma Festa", de Ernest Hemingway; "O Flâneur", de Edmund White; "Pornopopeia", de Reinaldo Moraes; "Leite Derramado", de Chico Buarque; "Cozinha Confidencial", de Anthony Bourdain; "Em Busca do Prato Perfeito", de Anthony Bourdain; "Na Pior em Paris e em Londres", de George Orwell; "O Imperador", de Ryszard Kapuściński; "O Único Final Feliz para uma História de Amor É um Acidente", de João Paulo Cuenca; "Do Fundo do Poço se Vê a Lua", de Joca Reiners Terron; "A Árvore dos Desejos", de William Faulkner; "A Dama do Cachorrinho", de Anton Tchékhov; "Iniciantes", de Raymond Carver; "Big Sur", de Jack Kerouac; "O Faroeste", de Claude Fohlen; "Os Detetives Selvagens", de Roberto Bolaño; "Noturno do Chile", de Roberto Bolaño; "Estrela Distante", de Roberto Bolaño; "As Aventuras de Huckleberry Finn", de Mark Twain; "Hell's Angels", de Hunter Thompson; "O Tempo dos Assassinos", de Henry Miller; "A Dama do Lago", de Raymond Chandler; "A Balada de Bob Dylan", de Daniel Mark Epstein; "Notre-Dame de Paris", de Victor Hugo; "Mar Morto", de Jorge Amado; "Vinho & Guerra", de Don e Petie Kladstrup; "Retratos Parisienses", de Rubem Braga; "Contos Reunidos", de João Antônio; "A Vida de Joana D'Arc", de Erico Verissimo; "A Espuma dos Dias", de Boris Vian; "Ao Sul de Lugar Nenhum", de Charles Bukowski; "Mulheres", de Charles Bukowski; "Hollywood", de Charles Bukowski; "Factótum", de Charles Bukowski; "A Paz Conjugal", de Honoré de Balzac; "Grande Sonho do Céu", de Sam Shepard; "O Irmão Alemão", de Chico Buarque; "O Cheirinho do Amor", de Reinaldo Moraes; "Macário", de B. Traven; "Três Contos", de Gustave Flaubert; "Águas-fortes Portenhas", de Roberto Arlt; "A Neve Estava Suja", de Georges Simenon; "Bola de Sebo e Outros Contos e Novelas", de Guy de Maupassant; "A Autobiografia de Alice B. Toklas", de Gertrude Stein; "O Sol Também se Levanta", de Ernest Hemingway; "200 Crônicas Escolhidas", de Rubem Braga; "O Paraíso das Damas", de Émile Zola; "Írisz: as Orquídeas", de Noemi Jaffe; "Grandes Esperanças", de Charles Dickens; "Se Liga no Som", de Ricardo Teperman; "Crônicas - Vol. 1", de Bob Dylan; "Minha Luta 1 - A morte do Pai", de Karl Ove Knausgård; "O Coração É um Caçador Solitário", de Carson McCullers; "A Balada do Café Triste", de Carson McCullers; "Trinta e Poucos", de Antonio Prata; "Walkscapes - O Caminhar como Prática Estética", de Francesco Careri.
E poemas de Maiakóvski, Baudelaire, Chacal, Dylan Thomas, Rimbaud, Alberto Martins, Angélica Freitas, Fabiano Calixto, García Lorca, Marília Garcia, Eduardo Sterzi, Eucanaã Ferraz, Cecília Meireles, Antonio Cisneros e Wally Salomão.
Eis a lista do que leram juntos nos últimos dez anos, nas manhãs de sábado e de domingo, ela deitada com o iPad no colo -se distraindo pra se concentrar-, ele sentado perto da janela com a página aberta onde cai a luz.
De vez em quando um avião. De vez em quando os urubus.


Fabrício Corsaletti, na Folha de São Paulo

sábado, 27 de agosto de 2016

Capa Nova

O escritor Eduardo Alves da Costa lançou na quarta (24) os cinco primeiros títulos da edição de sua obra completa. Passaram pela Livraria da Vila da Fradique Coutinho o ator Juca de Oliveira, o cineasta Sérgio Bianchi e o ex-senador Eduardo Suplicy. A artista Jac Leirner e o empresário Facundo Guerra com sua filha, Pina, também compareceram.


Reprodução de parte da coluna de Mônica Bérgamo, na Folha de São Paulo.

Sem campanha, conseguimos fazer das eleições uma pantomima

Provavelmente na semana que vem o processo de impeachment de Dilma Rousseff estará encerrado. Com ele, poderá começar uma nova e radiante era na história brasileira. Afinal, o povo se levantou em uma verdadeira sublevação cidadã contra a corrupção reinante no Estado e agora é senhor de seu destino. A economia entrará novamente nos trilhos, livre agora dos arcaísmos que a prendiam a uma legislação trabalhista oriunda do getulismo. A doutrinação ideológica que reinava nas escolas e universidades será enfim combatida e nossos alunos poderão pensar livremente. O mundo já percebe este novo país que nasce, deixando-se encantar pela simpatia e pelo gingado do Brasil com sua olimpíada contagiante e inesquecível. Celebremos então a ressurreição nacional. Agora, tudo ficará bem.
Talvez não seja desta forma que você esteja a vivenciar este momento, mas parece ser assim que alguns setores hegemônicos da formação da opinião pública gostaria que fosse.
Não foi muito diferente na Argentina. O governo Macri foi saudado como o fim do populismo fiscal e político. Seus resultados estão aí para quem quiser ver: no primeiro trimestre do ano mais de 1,3 milhão de pessoas voltou à classe pobre, fazendo este número saltar de 29% da população argentina para 34%. A isto, certos jornais e revistas chamam de "sucesso".
O Brasil tem uma grande "expertise" nesta área. Já na ditadura militar, tínhamos que aguentar o cinismo de presidentes que diziam "O país vai bem, mas o povo vai mal". A frase era muito boa. Havia um país do qual o povo não participava. País que produzia milagres que, como se dizia à época, faziam o bolo crescer para depois ser repartido. No final, o bolo cresceu, mas apenas para a casta de sempre. Bem, agora o país está pronto novamente a ir bem, enquanto seu povo cai no abismo.
Afinal, os peões já estão postos no tabuleiro. O "governo" e seu ministro banqueiro já anunciou corte de 45% da verba de investimentos das universidades, mostrando o nível do seu comprometimento com a educação nacional. Ele luta por novas leis trabalhistas que visam precarizar as condições de trabalho, generalizar as terceirizações e os parcos direitos que o trabalhador brasileiro.
No mesmo momento em que políticas desta alcunha são gestadas, o lucro líquido dos cinco principais bancos brasileiros foi de R$ 30 bilhões. Sim, alguém ganhou enquanto você perdia.
Quando a economia voltar a crescer, os níveis salariais médios serão ainda mais baixos, os níveis de desigualdade voltarão aos índices de sempre. Mas isto não fará muita diferença, pois sua casa será inundada, como na boa época da ditadura militar, com propaganda oficial travestida de notícia. Sempre haverá uma olimpíada para celebrar, sempre haverá um circo sem pão. Como dizia Oswald de Andrade e Pagu em seu jornal "O homem do povo": "Nesta vida tudo é passageiro, menos o motorista e o motorneiro", pois estes vão precisar trabalhar em condições draconianas de sempre para o ônibus continuar a andar e garantir a riqueza dos cartéis.
Enquanto isto ocorre, a classe política resolveu neste momento brincar de eleições. Sim, as eleições brasileiras sempre tiveram uma vocação para a farsa, haja vista a história de nossa República Velha com suas eleições de fachada que não passava de acerto entre grupos de oligarcas.
Ao que parece, elas voltaram com força. Afinal, eleições? Que eleições? Sem campanha, com regras feitas sob medida para esvaziar debates e excluir candidatos, com partidos que não representam nada, conseguimos fazer das eleições uma pantomima. O povo brasileiro percebe isto a ponto de mostrar um desinteresse soberano por uma eleição que ocorrerá em pouco mais de um mês.
Mas em um país no qual uma presidenta é afastada por uma claque de corruptos a partir de um "crime" criado sob encomenda em um acerto de contas, em uma briga de gangues entre ocupantes do mesmo barco de "governabilidade", onde membros do seu próprio partido, como o prefeito de São Paulo, dizem que "golpe" é uma palavra muito dura, isto enquanto seu partido continua sua práticas políticas degradadas de sempre fazendo negociação no varejo com os próprios "golpistas", o que significa afinal "eleições"?


Texto de Vladimir Safatle, na Folha de São Paulo

Morre escritor Michel Butor, ícone do 'Nouveau Roman', aos 89 anos

O escritor francês Michel Butor, um dos criadores do movimento "Nouveau Roman" ao lado de Alain Robbe-Grillet e Claude Simon, morreu nesta quarta (24), aos 89 anos, informou sua família ao jornal "Le Monde".
A morte de Butor, laureado com o prêmio Renaudot por "La Modificación", em 1957, foi confirmada à AFP pela editora Gallimard.
O escritor morreu no hospital de Contamine-sur-Arve, na região de Haute Savoie, segundo o jornal francês.
Para os críticos, Butor, autor de livros em diversos gêneros, inovou as estruturas narrativas com "La Modificación". Seus romances, ensaios e poesias escapavam aos padrões.
Por ocasião da exposição que lhe consagrou na Biblioteca Nacional da França (BNF) em 2006, Butor declarou que "escrever é derrubar barreiras".
Em 2013, recebeu o grande prêmio de literatura da Academia francesa.
Nascido em 14 de setembro de 1926, em Mons-en-Baroeul, filho de um inspetor ferroviário, Michel Butor, diplomado em filosofia e doutor em letras, fez carreira como escritor e professor.
Pai de quatro filhas, Butor teve como trabalho derradeiro uma obra publicada há quatro meses na coleção "Os Autores da Minha Vida".


Reprodução da Folha de São Paulo

Argentina condena 28 repressores à prisão perpétua após 40 anos

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O julgamento da História

O Senado inicia nesta quinta (25) o julgamento do impeachment de Dilma Rousseff. Não será a primeira vez na história brasileira que se trama a deposição de um presidente sem qualquer fundamento constitucional. Em 1954 com Getúlio, em 64 com Jango e agora com Dilma. Processos distintos, é verdade, mas que contaram todos eles com uma "tríplice aliança", formada pelo engajamento do empresariado, a parcialidade da imprensa e a covardia do Congresso.
Em 22 de agosto de 1954, os militares liderados pelo brigadeiro Eduardo Gomes, candidato derrotado por Getúlio nas eleições de 50, lançaram um manifesto exigindo a renúncia do presidente e ameaçando apelar às armas. As condições para isso foram criadas ostensivamente pelos jornais de Carlos Lacerda, alimentando factoides contra o presidente e envenenando a opinião pública. No Congresso, os deputados endossaram os militares e clamavam pela renúncia presidencial, alegando que Getúlio não tinha mais "condições de governar". Deram a senha para o apoio ao golpe.
As brilhantes páginas de Lira Neto mostram como, dia após dia, a farsa foi sendo montada, com um bombardeio de acusações levianas, que iam de corrupção a homicídio, isolando Vargas e minando seu apoio social. Mostram também o papel da "República do Galeão", um poder acima dos poderes e que tomou o presidente como alvo, tal qual sua herdeira "República de Curitiba".
Mas a ausência de qualquer evidência contra ele se expressou de modo cabal na rejeição de um impeachment pela própria Câmara por "absoluta falta de fundamentação jurídica". Mesmo com uma base legislativa já desorganizada, Getúlio venceu por 136 votos a 35. O Congresso da época, embora covarde, não chegava aos níveis atuais de delinquência. Porém, o suicídio de Getúlio, com o consequente clamor popular, adiou os planos golpistas por uma década.
Em 1964, as mesmas forças voltaram-se contra João Goulart. Novamente, o movimento foi operado nas casernas e com participação decisiva da "tríplice aliança". O disparador foi o histórico Comício da Central da Brasil, em 13 de março, onde o presidente anunciou profundas reformas populares. A reação foi rápida. A oligarquia paulista e os grandes jornais insuflaram os ânimos contra a "ameaça comunista", organizando dias depois a famigerada Marcha da Família com Deus, que levou uma multidão às ruas contra Jango.
O golpe foi dado na sugestiva data de 1 de abril. E saudado no dia seguinte pela imprensa e pelo Congresso. Manchete de "O Globo": "Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada". O "Estadão", como sempre, foi além: "Vitorioso o movimento democrático". Essa foi a tônica do conjunto da imprensa brasileira.
No Congresso, o senador Auro de Moura Andrade não esperou nem os tanques esfriarem para declarar vaga a Presidência da República, mesmo com Jango em território nacional. A legitimação do golpe pelo Legislativo foi completada pelo deputado Ranieri Mazzilli, que apoiou o Ato Institucional 1, passando o poder ao general Castello Branco e dando ares constitucionais à ditadura que se iniciava.
O Congresso brasileiro, portanto, tem a tradição de apoiar golpes. Os pretextos foram mudando de nome com o tempo: em 54 era o "mar de lama" ou a rua Tonelero; em 64 era o risco da "república sindicalista"; hoje se chama "pedalada fiscal". Ninguém acredita muito neles, no fundo todos sabem que as razões são de outra ordem, mas afinal é da natureza dos golpes que não se assumam como tal.
As verdadeiras razões estão quase sempre ligadas a interesses econômicos. Em 54, tratava-se de interromper o "populismo" varguista, que havia acabado de dobrar o valor do salário mínimo e nacionalizado o petróleo com a criação da Petrobras. Em 64, a questão era barrar as reformas propostas por Jango, que até hoje continuam pendentes e necessárias.
Em 2016, apesar da maior complexidade do jogo, a mão invisível também se faz valer. Apesar das sucessivas concessões feitas por Dilma após as últimas eleições, apostando que teria governabilidade com a aplicação do programa adversário, a fome do empresariado e da banca era maior. A demanda é por um programa de espoliação de direitos que fará o ajuste de 2015 parecer keynesiano.
O programa de Michel Temer é desmontar a CLT, a previdência e liquidar os investimentos sociais. O que está em questão é desfazer de uma só vez o pacto da Constituição de 88 - com sua rede de proteção social - e o pacto lulista de 2003, que inclui a agenda de programas sociais e de investimento público. Um projeto como esse jamais passaria pelo crivo das urnas. Só pode tornar-se realidade pela via golpista.
Por todas essas razões, históricas e atuais, o julgamento que se inicia hoje tem cartas marcadas. É difícil crer em outro resultado que não a cassação do mandato da presidenta Dilma, por mais irrisório que seja o pretexto das pedaladas fiscais.
É importante contudo irmos além da visão de curto prazo. Uma coisa é o julgamento político do Senado, que atende a um clamor induzido, a interesses de ocasião e até mesmo a negociatas. Outra coisa é o julgamento que será feito pela história. Neste, quanto mais evidente a farsa, maiores as chances de Dilma ser absolvida e de seus "juízes" de agora serem os condenados de amanhã.
Afinal, Getúlio é tido hoje como um dos maiores líderes políticos de nossa história. E Lacerda não é nada mais que um golpista abjeto. Jango é lembrado pelo compromisso com o povo, expresso nas reformas de base. Já os militares que o golpearam estão marcados eternamente como responsáveis por um dos períodos mais sombrio da história brasileira.
O julgamento histórico é implacável, seu tribunal não admite negociatas. Aos senadores que votarem pelo golpe, prováveis vitoriosos de hoje, lhes restará o repúdio das gerações futuras e um lugar cativo na lata do lixo da história.



Texto de Guilherme Boulos, na Folha de São Paulo

Como após Copa, Brasil se autoengana com o sucesso da Olimpíada

Já há quem celebre ter o Brasil terminado na frente da Suíça, da Dinamarca, da Bélgica e da Suécia, como se isso tivesse algum significado.
O superintendente do COB, Marcus Vinícius Freire, foi ainda mais longe: reivindicou o 11º lugar para o Brasil, adiante da Holanda, pelo critério alfabético.
Ambos acabaram com o mesmo número de medalhas (19), e os holandeses com um ouro a mais, mas, você sabe, o H vem depois do B.
Como se vê, senso de ridículo anda em falta.
Estar adiante de países com IDH incomparavelmente melhor que o nosso revela apenas que a população brasileira é muito maior e que tais países dão mais importância ao esporte como fator de saúde pública do que para obter medalhas, opção óbvia também da maioria dos que terminaram à frente do Brasil, que ainda não sabe o que quer ser quando crescer em matéria esportiva.
O que já se sabe é que o governo interino pensa em cortar o Bolsa Atleta assim que for consagrado como permanente.
É conhecida a situação que se estabeleceu em 1996, depois da Olimpíada de Atlanta, quando o COB festejou a 25ª colocação, 11 posições adiante da Grã-Bretanha.
Tentou-se vender a ideia de que éramos melhores que os britânicos.
Esses trataram de demitir o ministro do Esporte, construir mais dois centros de excelência e, em 2000, em Sydney, recuperar seu lugar tradicional entre os dez primeiros, enquanto o Brasil caiu para 52º.
Caiu e não demitiu ninguém, ao contrário, continuou reelegendo Carlos Nuzman.
A Grã-Bretanha tinha todas as condições para seguir adiante, apenas havia bobeado na prospecção de talentos.
Nós vivemos de geração espontânea e nos surpreendemos com um Guga, com um Braz, ou com um Isaquias, sem que por isso o tênis, o salto com vara ou a canoagem se aproveitem de suas vitórias extraordinárias.
Repete-se agora o que se deu logo depois da Copa do Mundo.
O mundo gostou e isso basta, a outra face do complexo de vira-latas, que supervaloriza a opinião dos outros.
Com o tempo, quando o TCU parar de se queixar da falta de transparência do comitê organizador da Rio-16 e investigar para valer o que houve de superfaturamento e o que haverá de elefantes brancos, também a exemplo do que se deu na Copa do Mundo, o país verá a cor de rosa ser substituída por números em vermelho.
Pois não é que já houve até quem tenha escrito que o prefeito Eduardo Paes pode ter lá umas relações estranhas, mas merece elogios pelo que fez pelo Rio?
Quase o velho "rouba, mas faz" de sempre, mais aceito pela nossa elite do que o "rouba, mas distribui" do PT.
É óbvio que do ponto de vista esportivo a Rio-16 foi muito melhor que a Copa, porque, ao invés do 7 a 1, vieram as medalhas de ouro nos dois últimos dias do futebol e do vôlei, fecho emocionalmente brilhante para o ânimo do torcedor.
Do mesmo modo, ao contrário das pífias cerimônias de abertura e fechamento da Copa, as da Olimpíada foram belas, emocionantes e alegres, mesmo com o vendaval que assolou o Rio no encerramento.
Repita-se: a Rio-16 foi inesquecível e melhor que a encomenda.
O que não permite compará-la à de Londres.
Seria covardia.


Texto de Juca Kfouri, na Folha de São Paulo

A beleza e a arte não constituem nenhuma garantia moral

Gostei muito de "Francofonia", de Alexandr Sokurov.
Um jeito de resumir o filme é este: nossa civilização é um navio cargueiro avançando num mar hostil, levando contêineres repletos dos objetos expostos nos grandes museus do mundo.
Será que o esplendor do passado facilita nossa navegação pela tempestade de cada dia? Será que, carregados de tantas coisas que nos parecem belas, seremos capazes de produzir menos feiura?
Ou, ao contrário, os restos do passado tornam nosso navio menos estável, de forma que precisará jogar algo ao mar para evitar o naufrágio?
Essa discussão já aconteceu. Na França de 1792, em plena Revolução, a Assembleia emitiu um decreto pelo qual não era admissível expor o povo francês à visão de "monumentos elevados ao orgulho, ao preconceito e à tirania" –melhor seria destrui-los. Nascia assim o dito vandalismo revolucionário –que continua.
Os guardas vermelhos da Revolução Cultural devastaram os monumentos históricos da China. O Talibã destruiu os Budas de Bamiyan (séculos 4 e 5). Em Palmira, Síria, o Estado Islâmico destruiu os restos do templo de Bel (de quase 2.000 anos atrás). A ideia é a seguinte: se preservarmos os monumentos das antigas ideias, nunca teremos a força de nos inventarmos de maneira radicalmente livre.
Na mesma Assembleia francesa de 1792, também surgiu a ideia de que não era preciso destruir as obras, elas podiam ser conservadas como patrimônio "artístico" ou "cultural" –ou seja, esquecendo sua significação religiosa, política e ideológica.
Sentado no escuro do cinema, penso que nós não somos o navio, somos os contêineres que ele carrega: um emaranhado de esperanças, saberes, intuições, dúvidas, lamentos, heranças, obrigações, gostos. Tudo dito belamente: talvez o belo artístico surja quando alguém consegue sintetizar a nossa complexidade num enigma, como o sorriso de "Mona Lisa".
Os vândalos dirão que a arte não tem o poder de redimir ou apagar a ignomínia moral. Eles têm razão: a estátua de um deus sanguinário pode ser bela sem ser verdadeira nem boa. Será que é possível apreciá-la sem riscos morais?
Não sei bem o que é o belo e o que é arte. Mas, certamente, nenhum dos dois garante nada.
Por exemplo, gosto muito de um quadro de Arnold Böcklin, "A Ilha dos Mortos", obra imensamente popular entre o século 19 e 20, que me evoca o cemitério de Veneza, que é, justamente, uma ilha, San Michele.
Agora, Hitler tinha, em sua coleção particular, a terceira versão de "A Ilha dos Mortos", a melhor entre as cinco que Böcklin pintou.
Essa proximidade com Hitler só não me atormenta porque "A Ilha dos Mortos" era também um dos quadros preferidos de Freud (que chegou a sonhar com ele).
Outro exemplo: Hitler pintava, sobretudo aquarelas, que retratam edifícios austeros e solitários, e que não são ruins; talvez comprasse uma, se me fosse oferecida por um jovem artista pelas ruas de Viena.
Para mim, as aquarelas de Hitler são melhores do que as de Churchill. Pela pior razão: há, nelas, uma espécie de pressentimento trágico de que o mundo se dirigia para um banho de sangue.
É uma pena a arte não ser um critério moral. Seria fácil se as pessoas que desprezamos tivessem gostos estéticos opostos aos nossos. Mas, nada feito.
Os nazistas queimavam a "arte degenerada", mas só da boca para fora. Na privacidade de suas casas, eles penduraram milhares de obras "degeneradas" que tinham pretensamente destruído. Em Auschwitz, nas festinhas clandestinas só para SS, os nazistas pediam que a banda dos presos tocasse suingue e jazz –oficialmente proibidos.
Para Sokurov, o museu dos museus é o Louvre. Para mim, sempre foi a Accademia, em Veneza. A cada vez que volto para lá, desde a infância, medito na frente de três quadros, um dos quais é "A Tempestade", do Giorgione. Com o tempo, o maior enigma do quadro se tornou, para mim, a paisagem de fundo, deserta e inquietante.
Pintado em 1508, "A Tempestade" inaugura dois séculos que produziram mais beleza do que qualquer outro período de nossa história. Mas aquele fundo, mais tétrico que uma aquarela de Hitler, lembra-me que os dois séculos da beleza também foram um triunfo de guerra, peste e morte –Europa afora.
É isto mesmo: infelizmente, a arte não salva.


Texto de Contardo Calligaris, na Folha de São Paulo

Depois da Olimpíada, complexo de vira-lata é posto em questão

Não me inscrevi entre os pessimistas nesta Olimpíada, embora fosse temerário assegurar o sucesso que, em ampla medida, acabou acontecendo. O "não vai ter Copa" já tinha me deixado cético quanto às previsões de um grande desastre, e o que tivemos de errado foi bem pouco.
Com isso, entrou na moda a ideia de que temos um "complexo de vira-lata". A frase, que Nelson Rodrigues pôs em circulação numa época em que mal tínhamos conquistado uma Copa no futebol, vai sendo repetida com intensidade.
Descobrimos que não somos tão ruins assim, e os visitantes estrangeiros não saíram daqui achando que o país é um lixo. Houve mesmo situações em que nos portamos muito bem.
Afinal, um dos maiores escândalos com venda de ingressos irregular terminou com a prisão de irlandeses, e não de nossos compatriotas. Furtos na Vila Olímpica? Ora, as camareiras também foram vítimas –sem contar o caso de algumas que sofreram assédio de atletas estrangeiros.
Como bom vira-lata, achei que a polícia ia dar vexame quando desconfiou da versão dos nadadores americanos sobre o tal assalto que disseram ter sofrido. O vexame, entretanto, foi deles, e as autoridades brasileiras se mostraram competentes ao tratar do episódio.
Quanto aos resultados esportivos, inexistem motivos para a depressão. Ficamos à frente da Espanha e do Canadá, sem ter grande coisa a invejar da Holanda e da Hungria. O Brasil não é a piada que gostamos de achar que é.
Bom sinal que estejamos tomando consciência disso.
O problema é que falar em "complexo de vira-lata" tem outras consequências e implicações.
Falamos mal dele, e o "complexo" se torna, automaticamente, um defeito nosso –um defeito a mais, e, pior que isso, um defeito que só nós temos.
Assim, recriminar nosso "complexo de vira-lata" se torna uma vira-latice também. Ao contrário de outros povos –que se levam a sério, são patrióticos, orgulham-se de seu país–, somos colonizados, não temos autoestima, tomamos os Estados Unidos ou a Suíça como modelo de tudo... Logo, somos indignos, inferiores, rastaqueras. Em suma, somos vira-latas mesmo.
Fica evidente o curto-circuito lógico desse sentimento. Se de fato quisermos afastar nosso complexo, teríamos de dizer que ele não existe.
Ou então –esta a minha proposta– teremos de dizer que isso é uma qualidade nossa, não um defeito.
Talvez seja excelente, no fundo, o fato de não acreditarmos tanto em nosso país. Aliás, acho que sempre nos damos mal nas Olimpíadas quando de fato achamos que temos chance de ganhar.
As medalhas de ouro que tínhamos como certas, no judô ou na ginástica, terminam impondo uma pressão psicológica terrível sobre uns poucos atletas escolhidos para serem os salvadores da pátria. Ninguém pensava em canoagem nem sabia de Isaquias –e pode ser que isso tenha ajudado.
Denuncia-se o complexo de vira-lata porque seria um efeito de nossa mentalidade colonizada. Nossas elites, prossegue o raciocínio, idealizam os países europeus e lamentam que São Paulo não seja Paris.
É verdade. Tudo fica especialmente doído, no Brasil, quando pensamos que um país igualmente rico em recursos naturais, e de colonização também recente, se transformou numa potência mundial –refiro-me aos Estados Unidos–, enquanto nós ficamos para trás na corrida para o desenvolvimento.
Negar nossa inferioridade seria, acho eu, falta de qualquer senso crítico. Mas quem combate o complexo de vira-lata é também, num paradoxo, hipercrítico com relação ao país. Ou melhor, é crítico com relação às nossas "elites". Que seriam especialmente predatórias, antipatrióticas, entreguistas etc.
Isso talvez seja desconhecer a história das elites de outros países. Penso nas "elites" francesas durante a ocupação nazista, por exemplo. A direita aceitou alegremente o domínio dos alemães.
Com todas suas realizações culturais e científicas, Itália e Alemanha só conseguiram constituir-se como países no final do século 19: suas "elites" eram perfeitos exemplos de fracasso político. As "elites" americanas, até 1960, tinham um projeto de país que excluía largas parcelas da população negra.
Não se trata de defender as nossas. Mas de ver que o complexo de vira-lata pode ser forte, mesmo na mentalidade de quem o critica. Em vez de criticar nossa vira-latice, ainda acho melhor criticar o que, de concreto, torna o Brasil ruim.


Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo.

Alderico Ferreira da Silva - Baiano virou morador de rua em SP, mas nunca largou faculdade

RESUMO No ano passado, Alderico Ferreira da Silva, 57, largou o emprego num centro de assistência social e entregou a casa onde vivia sozinho de aluguel. Sem dinheiro, voltou para uma situação em que já esteve outras vezes –a de morador de rua. Convencido por colegas, só não largou a faculdade de enfermagem. Passando as noites em um abrigo, deve se formar no fim do ano e acaba de conseguir emprego em um hospital.
*
Desde criança em Salvador meu sonho era ser alguma coisa. Meu pai queria que eu fosse médico. Em casa eu era o caçula de cinco filhos. Mas o regime era muito rígido. Tempo da sola, da palmatória. Todo mundo se mandou.
Quando completei 13 anos eu disse "basta" e saí de casa. Comecei a trabalhar. Tudo o que aparecia na frente eu queria fazer. Em Salvador eu ficava em pensão. Em algumas das construções onde trabalhei tinha alojamento.
Não precisei pegar nada dos outros, nem fumar droga, nem vender porcaria. Meu pai me ensinou os valores. Sempre trabalhei, sempre procurei estudar. Mesmo nessa vida de rua, nunca pedi nada para ninguém. Se estiver sem emprego eu cato uma lata, quando não tem um bico eu pego papelão e vendo.
Em Salvador estava fraco de serviço, então vim para cá nos anos 80. No dia que cheguei em São Paulo já peguei um serviço, como auxiliar de manutenção em fábrica. Depois trabalhei como metalúrgico e morei em Santo André [ABC].
Aí comprei uma casinha em São Mateus [zona leste]. Um dia eu saí para trabalhar e quando voltei um pessoal [envolvido com tráfico de drogas] tinha tomado a casa.
Fui para Franca [no interior de SP], na época que tinha muita oferta de emprego lá. Fiz bicos carregando saca de café, trabalhando com papelão. Passei por várias outras cidades. Aí quando consegui um dinheirinho voltei para cá e fiquei no Arsenal da Esperança [abrigo na Mooca].
Não tinha mais casa, não tinha nada. Já estava com mais de 40 anos. Com essa idade ninguém conseguia nada. Então decidi fazer o ensino médio e terminei rapidinho.
Fui trabalhar no programa do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto [no Belenzinho]. Conversando com as profissionais deles, que falavam muito sobre os problemas das pessoas de rua, decidi fazer faculdade de enfermagem e consegui o Fies [financiamento estudantil] integral nos primeiros meses [para estudar na Uniesp].
Aluguei uma casa em São Mateus, bem distante daquele pessoal [que tomou a casa dele no passado]. Mas sabe como é, pessoa que faz faculdade, mora sozinha, paga aluguel e não tem ninguém...
Fui transferido pro Cratod [centro do governo estadual para tratar dependentes de álcool e drogas], fazia todo o trabalho de agente de saúde. Colocava o cara em pé e no outro dia ele estava drogado de novo. É desgastante.
Eu amava o que fazia. Mas quero ver o meu trabalho evoluir. Pedi para sair. Foi a maior loucura que fiz na vida. Minhas contas estavam se acumulando, eu tinha que estudar, o lugar era longe. Às vezes dormia só três horas por noite, estava esgotado.
Aí o aluguel atrasou e o dono me deu seis meses para acertar. Um dia um parente dele bateu na minha porta e entreguei a casa do jeito que estava, com mobília. Eu ia trancar a matrícula. Três colegas foram pra porta do albergue e disseram: "você tem que se formar este ano". Não tenho nenhuma DP [reprovação em disciplinas].
Encontrei o padre Júlio [Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua] e falei que estava fazendo faculdade de enfermagem. Pedi um trabalho. Ele tirou uma foto e colocou no Facebook. Consegui um trabalho. Começo no dia 5 como auxiliar administrativo do centro cirúrgico do Igesp [hospital na Bela Vista]. O que eu precisava era o emprego, para voltar a uma vida estável.
Ainda não me formei, estou com 300 horas de estágio para cumprir. Em mais alguns meses eu consigo. O sonho de toda a pessoa que mora no abrigo, no equipamento social, é ter uma "chavinha". Não tem problema de ser aluguel, ele só quer ter o seu lugar, a liberdade de ir e vir, um lugar só dele. E isso está nos meus planos.


Depoimento a Paulo Gomes, para a Folha de São Paulo.

Comentário rápido: é bom ter exemplos edificantes, o erro é pensar que todo mundo tem essa capacidade de superação como coisa fácil.

A mão fria de agosto

Ajeitou-se no catre, espichou bem as pernas já magras sem as carnes rígidas, mexeu os dedos imitando estar segurando as rédeas firmes como daquela feita que fora visitar Flora pela primeira vez. Olhou para o teto e ficou a admirar o picumã do rancho que tapava parte dos caibros, os mesmos caibros que ajudara a falquejar, um a um, quando ergueu aquela casinha simples ali no Durasnal, ao lado de um velho cinamomo, depois cercou de taquara, abriu um poço, fez uma ramada na frente. A ramada e as taquaras não existem mais, ele também não aguentou os tirões da vida, como as árvores e moirões, envelheceu e apodreceu. Foi esquecido, no início nada sentira, mas sente a falta dos filhos, sente a falta de Flora, do corpo da mulher que aquecia a cama nestes invernos tão gelados da Vila Rica. La pucha, mas como faz frio este tal de mês de agosto.
Vira o rosto e o lampião a querosene ainda alumia a fotografia deles, a única que ainda sobrou em casa. Onde foram parar as outras? Ali estão, na frente da casa, ele sentado, Flora ao seu lado, ambos rodeados pelos filhos. Então diminui a chama dançarina do lampião, fecha os olhos e fica a recordar (como faz sempre, noite após noite, nos últimos anos) da vida linda que tiveram durante alguns anos. Mas como dizia seu Neto, o capataz lá da Estância da Divisa, “Nada é para sempre”.  Não é mesmo, isso só descobriu bem depois, com o tempo a rodar. A gente quer que aquilo perdure, não passe nunca, mas não adianta. Os filhos e filhas crescem ligeiro, viram homens, viram mulheres e,  como as perdizes, soltam as asas para nunca mais voltar. No início voltam, aos finais de semana, depois essas visitas fugazes vão rareando, só de vez em quando, e, por fim, montam suas famílias e adeus.
Agora este vento desgranido uivando no oitão. Rapa daqui seu trabuzana, descomungado. É bem nesta hora da madrugada que lembra de um temporal muitos anos atrás, que levantou as folhas de zinco. Uma delas voou e cortou o pescoço da Nina, a vaca Jérsey que estava no potreiro ao lado. Tiveram que costurar o corte com linha de pesca, mas a Nina sobreviveu ainda muitos anos e deu leite para todos os filhos. Era corajosa. Flora também foi uma mulher corajosa, valente, sempre acordando cedo, preparando o café, tirando leite, arrumando os filhos para o colégio, cuidando da horta e das pequena  lavoura com mandioca, milho e  feijão. Tinha as mãos cheias de sulcos, calos, mas eram mãos doces e quentes, diferente dessa mão fria de agosto que vem chegando, querendo buscá-lo, no meio da madrugada, para atravessar o grande açude da vida. Ele não, nunca fora assim tão forte. Sente-se covarde, medroso.
Tenta levantar, já não consegue. Quer levantar mão até a caneca de água, mas seus músculos não lhe atendem mais. Então, de repente, começa a sentir um calafrio desde a ponta dos dedos dos pé, que sobe pelas canelas, subindo pelos joelhos. Sente palpitações no peito, abre os olhos e já não vê os caibros, o corpo estremece e o velho tropeiro vira a cabeça, olhos fixos no escuro da noite. No estertor, parece ter visto o vulto de Flora acudindo-lhe, por isso morreu com a mão estendida…

Texto de Paulo Mendes, no blogue Campereadas.

Para os jornais daqui e de fora, o Brasil seria incapaz de realizar a Olimpíada

Ainda que as palavras não levem a consequências práticas entre os filiados à Associação Nacional de Jornais, seu novo presidente justificou a posse com alguns conceitos apropriados a vários aspectos das transtornadas circunstâncias atuais. Marcelo Rech tratava das relações entre imprensa e internet, e para isso falou dos jornais:
"Devemos ser, os jornais, muito mais que transmissores de notícias. Devemos ser os certificadores profissionais da realidade. Em meio ao caos da abundância desinformativa [da internet], temos o desafio de sermos [...] aqueles que, graças a conceitos éticos e técnicas profissionais, oferecem os atestados de veracidade para a história".
Pois não façam cerimônia. É isso mesmo que esperam receber os que pagam por um jornal. A prova de que não recebem, ou mais uma, está no que o novo mandatário achou necessário dizer. E em termos ainda de um "desafio", de uma resposta em suspenso.
Despido do cuidado político conveniente à plateia, o que Rech formulou fica simples e direto: jornais precisam fazer jornalismo. Se não fosse essa a sua natureza, precisam fazê-lo porque jornalismo é algo essencial que os internautas só podem receber em parte. Por sinal, pequena em comparação com as redes de amadorismo pouco ou nada confiável, mais conduzido por interesses que por seriedade.
A Olimpíada deixa um bom exemplo da situação do jornalismo nos jornais, dispensando discutir o tão notório facciosismo político que deu substância e propagação à crise política, em especial à derrubada de Dilma Rousseff. Por todo o período de organização dos Jogos e da cidade para recebê-los, a campanha de desmoralização não deu trégua. Nenhuma obra ficaria pronta a tempo. O resultado dos trabalhos de organização seria o caos. Os projetos de mobilidade estavam errados e haveria problemas graves de transporte. O Brasil era incapaz de realizar a Olimpíada, e o Rio, muito mais.
Na ocasião da candidatura a sediar os jogos, porém, os jornalistas e os jornais com restrições à iniciativa foram pouquíssimos. Àquela altura, os críticos posteriores apoiavam ou estavam no muro: o governo Lula colhia êxitos e não era esperto ser do contra. O mesmo na fase ainda saudável do governo Dilma.
O sensacionalismo, degradação retomada, que leva as empresas editoras mais sérias a cometerem edições com cara dos "Diários da Noite" de Assis Chateaubriand, projetou-se para o exterior. Os jornais europeus e dos EUA sem interesses, hoje em dia, no Brasil, desancaram o país. As águas da Guanabara, segundo "pesquisa" sem precedente da Associated Press, intoxicariam os velejadores. O lixo quebraria barcos. As águas da lagoa Rodrigo de Freitas eram inutilizáveis, de tão fétidas. E os estrangeiros, coitados, não teriam como viver na cidade em que ninguém fala língua de civilizado.
Os de casa passaram as duas últimas semanas ciscando uma coisinha aqui, o pontinho ruim ali, em um provincianismo ciumento ou na tentativa inútil de se confirmar. Os de fora se esbaldaram em escrachar o país do assalto aos americanos. Até provar-se que são nadadores por esforço e desordeiros por vocação -e o jornalismo de lá dedicou-se, quase por unanimidade, a disfarçar a correção, atribuindo-a só a declarações policiais.
Nenhum evento civil no mundo tem a complexidade e a dimensão de uma Olimpíada. As obras e as disputas que se mostram são uma insignificância em comparação com o que as faz acontecerem.
É uma quantidade assoberbante de planejamento e de execução dos milhões de pormenores que se conjugam, em escolha e treinamento de milhares de pessoas, coordenação de tempos e ações para que tudo seja feito no seu momento, nas competições simultâneas e em lugares diferentes. O abastecimento alimentar dá uma ideia do gigantismo geral: o COB (Comitê Olímpico do Brasil) informa que em um só dia foram servidas quase 70 mil refeições no Parque Olímpico. Foi, este, um desafio com resposta.
Escrevo a 48 horas do encerramento, logo mais. Já se pode ter certeza de que, por sua beleza e organização, a Olimpíada brasileira recompôs muito do que o Brasil perdeu no mundo, nestes tempos de crise. Os jornais correram atrás.


Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo

Viver a Olimpíada na Cidade Maravilhosa valeu ouro

A abertura foi de ouro. Irretocável.
Quem quiser achar defeito, acha, porque faltaram referências a Pelé, a Ayrton Senna, a Chico Buarque (embora com uma linda orquestração de "Construção") ou a Jorge Amado. Mas é procurar pelo em ovo.
A simpatia de Usain Bolt, a superação de Michael Phelps, a graça de Simone Biles transcenderam, um privilégio sem tamanho poder ver seus desempenhos de perto, monumentos olímpicos de pele e osso.
Os esportes que valeram medalhas aos brasileiros foram quase sempre os mesmos, com as brilhantes exceções do boxe, e cabe discutir até que ponto é mesmo esporte uma atividade cujo objetivo é machucar o próximo, da espetacular canoagem e do salto com vara. Se bem que o atletismo tem o hábito de nos presentear com gente como Thiago Braz, de maravilhosa petulância, assim como Isaquias Queiroz, senhores de si, donos de seus narizes.
A alusão ao boxe, fique claro, não diminui em nenhum quilate o feito de Robson Conceição.
Doeu ver as mulheres do vôlei de quadra e de praia saírem derrotadas, mas aquela dor da perda digna, de quem perdeu para rivais superiores.
Valeu ouro ver os argentinos torcerem além do futebol. Uma aula de humor, de garra, de combustível para motivar os atletas hermanos.
Como valeu ouro viver a Cidade Maravilhosa que jamais esquecerá os dias olímpicos.
Rio de Janeiro de contrastes.
Da zona sul à Cidade Olímpica, o Brasil.
Do Leblon à Barra da Tijuca, passando pelo Complexo do Alemão -não confundir com o de vira-latas.
Da paisagem deslumbrante que a tensão entre o mar e a montanha proporciona, à miséria deplorável que assusta.
Valeu o ouro da festa democratizada, no chamado Boulevard Olímpico, na revitalizada zona portuária, o espaço para quem não faz parte da elite que pôde comprar ingressos para os Jogos.
Nunca se viu nada parecido, nunca se viu tanta gente assim, a ponto de ser preciso estabelecer mãos de direção para pedestres.
Lata, antes de mais nada, para os nadadores americanos que forjaram um assalto certos de que mais uma pedra na Geni seria aceita sem contestação, no que até tinham razão, pois os organizadores da Rio-16 logo pediram desculpas. Mas a mentira tem braçadas curtas. O medalhado virou merdalhado.
Lata também para essa gente branqueada que vaiou o francês na concentração e no pódio, comportamento inaceitável que decretaria, preciso fosse, a falência do sistema educacional brasileiro.
Lata ainda para os cruéis desalojamentos, manu militari, de famílias inteiras para as quais os Jogos também serão inesquecíveis, mas por razões opostas. Dolorosamente inesquecíveis.


Texto de Juca Kfouri, na Folha de São Paulo

Carlos Nuzman mostra cinismo e ingratidão

O presidente do COB e do comitê Rio-16, Carlos Arthur Nuzman, não tem salário, mas tem suas fontes
Carlos Nuzman está feliz e aliviado.
povo gostou da festa, os Jogos aconteceram e, apesar dos pesares, não houve nenhuma tragédia.
Se a Olimpíada esteve longe de ser a melhor de todos os tempos, será inesquecível para quem a viveu.
A definição perfeita sobre a Rio-16 veio do presidente do COI, Thomas Bach, que se referiu a ela, diferentemente da praxe a cada edição, não como a melhor, mas como uma "Olimpíada à brasileira".
Isso mesmo! À brasileira.
Com tudo que a expressão resume, entre qualidades e defeitos, vantagens e desvantagens.
O nosso calor humano, a nossa alegria, a nossa desorganização, a complacência, o jeitinho e o improviso.
É sabido que o importante são as competições e estas, graças ao COI, aconteceram brilhantemente, como brilhante foi o trabalho do SporTV, pau a pau com o que fez a BBC quatro anos atrás.
Mas Nuzman, treinado em usar o discurso para esconder o pensamento, vê tudo cor de rosa, nega o inegável, foge até da avaliação do desempenho esportivo do Time Brasil.
Com raras exceções, nada é fruto de uma política, quase tudo é por geração espontânea.
Tivesse chegado em nono e seria igualmente falso e não há por que esperar mais enquanto o Brasil não tiver Política Esportiva.
Além de cínico, diz não ter salário, mas "suas fontes", Nuzman é ingrato.
Ingrato com o ex-presidente Lula ao não citá-lo em nenhum momento, ele que foi o diferencial para permitir, na quarta candidatura, a vitória brasileira.
Monoglota e megalomaníaco, Lula não foi citado ou por ingratidão ou por covardia, porque ganhou no discurso de Barack Obama.
Ingrato também ao nem sequer agradecer aos empresários cariocas que financiaram a candidatura, como se não existisse ninguém além dele, Nuzman.
Ingrato ainda ao não falar de João Havelange, sem o qual não haveria Olimpíada no Brasil, embora aí talvez tenha sido por má consciência ou temor, porque sabe que o cartola recém-falecido pôs na parada o sinistro "homem da mala" Jean-Marie Weber, conhecido por seus métodos pouco ortodoxos para convencer eleitores.
Ex-homem-forte da fraudulentamente falida gigante do marketing esportivo ISL, Weber, que andava banido do mundo esportivo, apareceu triunfal e misteriosamente na reunião em Copenhague que elegeu o Rio como sede.
Escolha anunciada, ganhou o primeiro abraço de Havelange.
Não surpreende ver Nuzman agora, como na entrevista concedida a esta Folha, elogiar até a não alternância de poder.
Parece ter esquecido como terminou o reinado de seu omitido ídolo Havelange.


Texto de Juca Kfouri, na Folha de São Paulo

Primeira vez

A tocha olímpica mal se apagou e a Lava Jato voltou a incendiar o noticiário. A Procuradoria-Geral da República interrompeu as negociações com Léo Pinheiro, o ex-presidente da OAS. Ele acenava com uma delação capaz de implodir boa parte do sistema político.
O empreiteiro sugere ter dinamite para abalar todas as facções em guerra pelo poder. Até ser preso, ele era próximo de altos personagens do governo afastado e do interino. Também circulava na cúpula do Judiciário, uma zona de sombra que começa a ser iluminada pela investigação.
Pinheiro já deu pistas sobre Lula, Michel Temer e Aécio Neves, para citar apenas três políticos graúdos que orbitam sua delação. Ele participou das obras no sítio de Atibaia, negociou um repasse de R$ 5 milhões com o presidente interino e relatou o suposto pagamento de propinas na maior obra do tucano em Minas.
Os três citados negaram qualquer irregularidade, e o ônus das provas cabe ao empreiteiro, que ainda precisaria apresentá-las. O que importa aqui é mostrar como sua rede de contatos era ecumênica -e por isso, tornou-se especialmente explosiva.
Agora surgiu um fato novo: a revista "Veja" noticiou que Pinheiro citou o ministro Dias Toffoli, do STF, em conversas para fechar a delação. A menção parece frágil à primeira vista, mas elevou ao máximo a tensão entre a corte e os investigadores.
Sob forte pressão, a Procuradoria anunciou nesta segunda (22) que a negociação com o empreiteiro foi interrompida. Fontes da operação alegam que o motivo foi a quebra de confidencialidade. Ao evitar uma explicação pública, a Lava Jato jogou água no moinho de especulações.
Há diversas teorias na praça, mas nenhuma delas pode driblar um fato concreto. É a primeira vez que o vazamento de informações é usado como motivo para melar um acordo de delação. As acusações de Delcídio do Amaral, Sérgio Machado e Ricardo Pessoa jorraram à vontade antes de os três se livrarem da cadeia.


Texto de Bernardo Mello Franco, na Folha de São Paulo