sábado, 26 de julho de 2014

Ofensiva em Gaza cria novos inimigos de Israel entre árabes israelenses


Aya Manaa foi buscar tranquilidade na colina que domina Rame, no centro da Galileia, no norte de Israel. Sentada na mesa de um restaurante frequentado pelos jovens árabes da vizinhança, essa jovem vaidosa de 27 anos toma um drinque, com o olhar vagando entre seu vilarejo, Majd el-Kurum, a cidade judaica vizinha de Karmiel e o lago de Tiberíades ao longe.
Com a voz ainda afetada pelas inalações de gás lacrimogêneo, ela conta sobre a manifestação de segunda-feira (21) na cidade árabe de Nazaré. Junto com centenas de outros palestinos cidadãos de Israel e representantes de todos os partidos políticos árabes, ela protestou contra a guerra em Gaza e a continuidade da ocupação israelense.
As portas das lojas haviam sido baixadas após a convocação para um dia de greve geral em homenagem às vítimas de Chadjaiya, na Faixa de Gaza.

"Eu saía para as ruas para jogar pedras"

A manifestação pacífica descambou para um confronto entre dezenas de jovens, armados com pedras e o rosto coberto por lenços, e um mesmo tanto de policiais da tropa de choque, alguns montados a cavalo, respondendo com bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e canhões de água. Vários deles foram presos, elevando para mais de 400 o número de árabes israelenses interpelados desde o início das manifestações em junho.
Muitos deles são jovens demais para terem vivido as manifestações de outubro de 2000, durante as quais os habitantes de Nazaré e outras cidades árabes haviam protestado em massa em solidariedade à Segunda Intifada na Cisjordânia e em Gaza.
Treze foram mortos ao longo de nove dias de tumultos contra a polícia e extremistas judeus, consumando a ruptura com a maioria judaica. Eles haviam reforçado a adesão à causa palestina da minoria árabe israelense (20% da população), descendente dos palestinos que permaneceram em Israel após a criação do Estado em 1948.

Aya tinha 14 anos na época. Um de seus amigos, Asil Asla, estava entre as vítimas.
"Eu saía às ruas para jogar pedras. Meu pai queria me impedir, mas eu tinha raiva", ela conta.
Nascida em uma família de figuras politizadas, desde muito jovem ela participou de todas as comemorações da Nakba, que marca a "catástrofe" da criação do Estado de Israel no dia 15 de maio de 1948, e do Dia da Terra, em 30 de março, contra o confisco de terras palestinas por parte de Israel a partir de 1948.
"A Palestina histórica está diante de meus olhos, mas eu poderia ter nascido em Gaza ou nos campos palestinos do Líbano", ela diz.

Seus pais entendem seu engajamento, mas sua forma de viver, seu celibato e suas ideias progressistas destoam em uma sociedade palestina conservadora.
Depois de estudar em Jerusalém e no exterior, Aya agora se vê como uma das líderes da nova geração de manifestantes. Uma juventude que não se reconhece mais nos partidos políticos árabes e perdeu o medo das antigas gerações.
De Haifa até Gaza, passando por Ramallah, todos se coordenam através das redes sociais para conduzir ações coletivas, para apoiar os prisioneiros em greve de fome ou a realocação dos beduínos do deserto de Neguev.

Jovens em mal-estar social

As tensões suscitadas pela morte de três israelenses sequestrados na Cisjordânia em junho, pela morte do palestino Mohammed Abou Khdeir, e depois pela operação em Gaza reforçou a adesão.
"Jovens não politizados começaram a vir às manifestações. A situação sócio-econômica na comunidade é catastrófica. Com essa guerra em Gaza, Israel criou para si novos inimigos", explica Aya.
Os líderes políticos árabes temem não estar em condições de controlar esses jovens em pleno mal-estar social, que não se sentem mais israelenses do que seus pais.
"Nunca nos tornamos israelenses porque nem os judeus querem que sejamos israelenses. Eles criaram uma nação judaica, mas não uma nação israelense", explica Jafar Farah.
O diretor da associação Mossawa ("igualdade", em árabe) tem observado uma "escalada na incitação ao ódio entre os políticos judeus, a mídia e a opinião pública".
A operação militar em Gaza atiçou as dissensões. "No trabalho evito as discussões. Meus colegas judeus falam de seus filhos ou de seus parentes convocados pelo exército para a operação. Já eu penso em meu povo e nos filhos daqueles que sofrem uma agressão", conta Aya, lembrando que os palestinos de Israel são dispensados do serviço militar.

Aya defende a ideia de um Estado único para os israelenses e os palestinos. Mas ela tem tido cada vez mais dificuldades para acreditar nisso.
"Com os acontecimentos e os crimes de racismo, não vejo esperança. O país foi construído em cima da paranoia e do medo do outro. É preciso ser duro e violento para viver aqui", ela explica. Aya também defende a ideia de um boicote econômico como meio de passar uma mensagem. "Israel fez de nós consumidores. Devemos boicotar o comércio das cidades judaicas", ela acredita.

Reportagem de Hélène Sallon, para o Le Monde, reproduzida no UOL.

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