domingo, 30 de junho de 2013

TARSO GENRO DEVERIA DEVOLVER OS LIVROS

O governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro da Justiça, Tarso Genro, deveria pedir à sua polícia que devolva aos militantes da Federação Anarquista Gaúcha os livros que capturou durante uma diligência feita em sua sede.
Apreender livros não fica bem para um governador que se diz empenhado numa "revolução democrática". A situação piora quando se vê que o chefe da Polícia Civil, delegado Ranolfo Vieira Jr., informou que "é importante dizer que foi apreendida vasta literatura, eu diria assim, a respeito de movimentos anarquistas".
O comissário Genro sabe que a expressão "vasta literatura" vem de outro tempo, quando apreenderam até "O Vermelho e o Negro", romance de Stendhal. No caso, admita-se que em muitos países do mundo pensa-se, como em Porto Alegre, em recolher obras de Noam Chomsky. Em 2002 o professor esteve em Porto Alegre para o Fórum Social Mundial, festejado pelo PT. O comissariado mudou, e Chomsky não acompanhou os novos tempos.
O problema torna-se significativo quando se sabe que na "vasta literatura" estava um volume de "Os Anarquistas no Rio Grande do Sul", com histórias e fotos de velhos militantes (todos mortos) do anarquismo local. Ele foi publicado em 1995, informando que os "direitos desta edição" eram da Secretaria de Cultura de Porto Alegre, na gestão do prefeito Tarso Genro. O autor, João Batista Marçal, jamais recebeu um tostão pela obra.


Reprodução de trecho da coluna de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo
Morre aos 92 anos a fotógrafa e artista plástica Alice Brill
DE SÃO PAULO

Morreu na madrugada de ontem, aos 92 anos, a fotógrafa e artista plástica Alice Brill, em Itu (a 101 km de São Paulo). A causa da morte não foi divulgada.
Nascida na cidade de Colônia, na Alemanha, em 1920, Brill veio ao Brasil com a mãe, fugindo do nazismo, em 1934.
Em São Paulo, trabalhou para a revista "Habitat", fazendo fotos de arquitetura e obras de arte. No início dos anos 1950, foi convidada por Pietro Maria Bardi (1900-1999), então diretor do Masp, a fazer um registro fotográfico da cidade, obra pela qual ficou conhecida.
"Ela utilizou a foto como leitura de um país que já era dela, mas também como exploração de um país que ia conhecendo", disse à Folha Sérgio Burgi, coordenador de de fotografia do Instituto Moreira Salles, que guarda um acervo de mais de 14 mil negativos da fotógrafa.
Formada em filosofia pela PUC de São Paulo em 1976, fez mestrado e doutorado na USP em estética e artes visuais. Publicou livros sobre artistas como Mario Zanini (1907-1971), entre outros.
O corpo foi cremado na tarde de ontem no cemitério da Vila Alpina, na zona leste. Ela deixa quatro filhos e netos.


Reprodução de notícia da Folha de São Paulo

Ataques de drones no Iêmen insuflam revolta contra EUA

Ataques de drones no Iêmen insuflam revolta contra EUA
Aviões não tripulados fazem dezenas de vítimas civis no país; entrevistados negam terrorismo e descrevem pavor
Casa Branca vê ataques como necessários para combater a Al Qaeda; analistas veem risco de radicalizar população
DIOGO BERCITOENVIADO ESPECIAL A SANAA (IÊMEN)

Ahmad Muhammad Hassan entrega um punhado de fotografias à reportagem. Nas imagens, um veículo destruído, corpos destroçados e a terra coberta de sangue. "Este é o presente dos Estados Unidos para o Iêmen", diz.
Em janeiro, quatro pessoas de sua vila, a 40 km de Sanaa, capital do Iêmen, foram mortas por drones, os aviões não tripulados usados pelos EUA em ações contra terroristas.
São algumas das vítimas recentes da política americana que tem travado, neste país árabe montanhoso e empobrecido, uma versão à distância da guerra ao terror.
Os drones se tornaram, para os iemenitas, símbolo de intervenção externa com dano colateral intolerável. Entrevistados narraram dias de pavor, aterrorizados pelo zumbido --"como o de um gerador"-- e pelos sobrevoos.
Hoje, moradores de vilarejos sabem que, quando esses aviões rondam suas casas, o que pode vir depois são disparos de mísseis letais.
Além de centenas de membros de grupos terroristas mortos pelos drones, há dezenas de civis desvinculados do extremismo --como, afirma Hassan, seus vizinhos.
"Temos costumes na nossa tribo. Se alguém rouba, cortamos a mão. Se uma pessoa mata alguém da vila, deve ser morta. O que você acha que vamos fazer depois de ser atacados por aviões? Não vamos nos esquecer dos EUA."
A história de Hassan é recorrente na sede da organização Hud, que desde 1998 reúne queixas de violações a direitos humanos nesse país.
"As pessoas estão raivosas", diz o porta-voz Musa al-Namrani. "Elas acreditam que foram atingidas sem razão, e o sentimento antiamericano cresce na sociedade."
O governo dos EUA insiste no programa como antídoto à Al Qaeda, cuja franquia mais violenta hoje é baseada no Iêmen. Mas, para pessoas próximas às vítimas, os bombardeios têm efeito oposto e podem radicalizar a população.
"As crianças são nosso maior problema", diz Ahmad Ali al-Qadi, de um vilarejo a 140 km da capital. Seu primo foi morto em ataque há um ano, deixando mulher grávida e filho pequeno. "O que podemos contar a elas quando aviões matam a família?"
Como várias pessoas ligadas às vítimas, Qadi nega a presença da Al Qaeda no vilarejo. "Impossível. Se um membro da família expressasse simpatia ao terrorismo, o próprio irmão o mataria."
Para Faraa al-Muslimi, líder da organização Resonate, as ações militares resultam da falta de entendimento americano da situação no Iêmen.
"De Washington, a tecnologia de drones parece fascinante. Se você observar o que ocorre no solo, verá que é um dos maiores pecados para a própria segurança dos EUA."
Em abril, Muslimi disse ao Senado americano que "as pessoas estão aterrorizadas e repensando a concepção que têm a respeito da Al Qaeda".
"Vi a Al Qaeda pagar compensação a vítimas, reconstruir casas e recrutar membros com base na ação de drones", diz. Já as famílias das vítimas reclamam da ausência do Estado, mesmo para ajudar a recolher os corpos.

DESINFORMAÇÃO

A ineficiência do governo iemenita está também na ausência de dados precisos sobre as vítimas. ONGs coletam relatos de mortes e, às vezes, enviam relatórios à ONU. Mas é difícil precisar quais dos mortos eram alvos e quais foram atingidos por acidente.
Em contato com famílias de vítimas, essas ONGs têm tentado trazer a questão dos drones para a esfera pública. Em Sanaa, ainda pouco afetada por ataques, alguns moradores apoiam a prática.
"Dizem que o país sofre com a Al Qaeda e que é necessário pará-los", afirma Baraa Shaban, da entidade britânica Reprieve. "Nós temos de advogar para que essa não seja só a causa de ativistas."
"Pensávamos que os drones afetassem especificamente as famílias. Hoje, nós vemos que toda a comunidade vive sob medo, sem saber quando e onde vão atacar."


Reprodução da Folha de São Paulo.

Ao quebrar a lei de seu país, Snowden prestou um serviço importante

Edward J. Snowden, o responsável pelas denúncias sobre o monitoramento de ligações telefônicas e de e-mails realizado pelos EUA mundo afora, tem sido chamado de todo o tipo de coisa pelos membros do congresso norte-americano durante as últimas semanas – incluindo "desertor" e culpado por crime de "traição". Os promotores federais dos EUA prepararam uma acusação sigilosa contra ele.
Ao mesmo tempo, ele tem sido elogiado por Julian Assange, o fundador do WikiLeaks, como um membro da geração "jovem e com formação técnica que foi traída por Barack Obama". Para Assange, o presidente Obama é o real "traidor". Em todo o mundo e nos Estados Unidos, muitas pessoas simpatizam com Snowden. Elas consideram os vazamentos promovidos por ele como uma ação necessária destinada a defender as liberdades individuais contra a vigilância em massa promovida pela Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, que se armou da tecnologia necessária para coletar e analisar os rastros digitais deixados por nossas vidas online.
Então, quem é Snowden? Um geek que se valoriza demais e traiu seu país e sua empregadora, a Booz Allen Hamilton, além de expor os Estados Unidos a um maior risco de sofrer atentados terroristas, e que pode – intencionalmente ou não – ter disponibilizado seu tesouro cheio de segredos para a China e a Rússia, países que já não são inimigos, mas que são potências rivais dos EUA?
Ou será que ele é um corajoso jovem norte-americano determinado a lutar – e enfrentar o risco de uma longa sentença de prisão – contra a guinada que seu país deu após o 11 de setembro? Uma guinada em direção à invasão da vida dos cidadãos, à vigilância cada vez mais intrusiva, à coleta indiscriminada de dados realizada nos restos digitais do mundo (que são armazenados em uma fortaleza de um milhão de metros quadrados no estado de Utah) e aos poderes de um condescendente tribunal secreto para emitir mandados para permitir espionagem internacional e a coleta indiscriminada de e-mails.

Exercício de imaginação

Snowden, que aparentemente está escondido na área de trânsito do aeroporto de Moscou, desapareceu. Talvez uma forma de avaliar o que ele fez é imaginar como as coisas ficariam se ele nunca tivesse existido. Eu não sou muito bom em traçar cenários alternativos pertinentes – afinal, a história hipotética é, ao mesmo tempo, irresistível e sem sentido – mas, neste caso, o exercício pode ser útil.
Se ele não existisse, nós não ficaríamos sabendo como a NSA, por meio de seu programa Prism e de outras iniciativas, transformou-se, nas palavras dos meus colegas James Risen e Eric Lichtblau, "no senhorio virtual dos ativos digitais de norte-americanos e estrangeiros". Nós não saberíamos como a NSA foi capaz de acessar as contas de e-mail ou do Facebook nem os vídeos de cidadãos do mundo inteiro. Nós também não saberíamos como a NSA obteve secretamente os registros telefônicos de milhões de norte-americanos nem como, por meio de pedidos enviados ao complacente e secreto Tribunal de Vigilância de Inteligência Estrangeira (Foreign Intelligence Surveillance Court – F.I.S.A.), a agência foi capaz de obrigar nove empresas de internet dos Estados Unidos a se dobrarem a suas demandas e concederem acesso às informações digitais de seus clientes.
Nós não estaríamos debatendo se os Estados Unidos realmente deveriam ter transformado os serviços de vigilância em um grande negócio, oferecendo contratos de prospecção de dados (data-mining) a empresas como a Booz Allen e, durante esse processo, concedido autorizações de acesso praticamente irrestritas a milhares de pessoas que provavelmente não deveriam recebê-las. E um debate sério não estaria, finalmente, ocorrendo entre os europeus – que tem pontos de vista mais rigorosos em relação à privacidade – e os norte-americanos sobre onde se encontra o equilíbrio entre a liberdade e a segurança.
Nós provavelmente não teríamos a legislação apresentada pelo senador Patrick Leahy, democrata de Vermont e presidente da Comissão Judiciária, para reforçar as garantias de privacidade e exigir mais fiscalização. Também não existiria a carta enviada por dois democratas ao diretor da NSA, o general Keith B. Alexander, na qual eles afirmam que um relatório do governo sobre atividades de vigilância realizadas no exterior "contém uma declaração inexata" (e onde é que essa afirmação deixa as alegações de Alexander sobre a eficácia e a necessidade do programa Prism?).
Em resumo: esse debate aguardado há muito tempo sobre o que o governo dos EUA tem feito ou não em nome da segurança após o 11 de setembro – ou seja, os critérios adotados pelo tribunal da FISA, as salvaguardas e a supervisão relacionadas a ele e ao programa Prism e a proteção das liberdades civis contra os apetites devoradores das agências de inteligência armadas com novas tecnologias trituradoras de dados – não estaria ocorrendo. Pelo menos não agora.

Abalo

Tudo isso foi necessário porque, desde que foram atacados de uma maneira inimaginável, os Estados Unidos passaram por um grande período de desorientação. As instituições que garantem o equilíbrio entre os três poderes e que emolduram a democracia norte-americana e as liberdades civis falharam. O congresso deu um cheque em branco ao presidente para que ele travasse uma guerra onde e quando ele bem entendesse. A imprensa quase não questionou a marcha rumo à guerra no Iraque, que começou devido a falsos pretextos. Guantánamo zombou dos devidos processos legais. Os Estados Unidos, nas palavras do próprio Obama, comprometeram seus "valores básicos" enquanto o presidente ganhava "poderes ilimitados". A frase de Snowden sobre a "tirania do carcereiro" é exagerada, mas ainda assim, preocupante.
Um dos aspectos mais marcantes da presidência de Obama tem sido a grande distância entre sua retórica sobre essas questões desde 2008 e quaisquer ações corretivas. Se há algo a ser mencionado é o fato de Obama ter dobrado gastos com segurança à custa dos direitos supostamente inalienáveis dos norte-americanos: daí a importância de alguém disposto a denunciar.
Snowden quebrou a lei de seu país. Nós não sabemos o que ele ofereceu – se é que ele ofereceu alguma coisa – à China ou à Rússia ou o que ele pode ter sido coagido ou induzido a entregar a esses países. Mas, ao escolher como destino a Rússia, ele se colocou do lado de Estados que suprimem os direitos individuais e usam a internet como um instrumento de controle e perseguição. As ações dele enviaram uma mensagem errada.
Ainda assim, ele prestou um serviço muito importante. A história – aquela, a verdadeira – vai julgá-lo com carinho.
Texto de Roger Cohen, para o International Herald Tribune, reproduzido no UOL. Tradutor: Cláudia Gonçalves

Fotógrafo Bert Stern morre aos 83 anos



O americano, famoso por ter feito as últimas fotos da atriz Marilyn Monroe, morreu na última quarta (26), em Nova York, nos Estados Unidos.
Em seus 50 anos de carreira, Stern registrou imagens de celebridades como Audrey Hepburn, Sophia Loren, Twiggy e Elizabeth Taylor.

Notícia da Folha de São Paulo

Poder dos EUA foi construído com crises e Estado, diz obra


Poder dos EUA foi construído com crises e Estado, diz obra
Acadêmicos analisam papel dos EUA na formação do capitalismo global
ELEONORA DE LUCENADE SÃO PAULO
As enormes desigualdades e inseguranças promovidas pelo capitalismo provocam protestos e revoltas que são terreno fértil para que ideias de alternativas ao modelo sejam replantadas. Há muitos sinais de exaustão da crença nos mercados e uma crescente impaciência com as instituições políticas que promovem a globalização.
A afirmação está na conclusão de "The Making of Global Capitalism, the Political Economy of American Empire" (A Construção do Capitalismo Global, a Política Econômica do Império Americano, editora Verso), dos canadenses Leo Panitch e Sam Gindin.
Não, esse não é um livro sobre os atuais protestos no Brasil ou em outros lugares. Trata da história e da economia norte-americana desde o final do século 19 até os dias de hoje. Mostra os passos para a construção do poder dos EUA, enfatizando o papel do Estado no processo.
Panitch é cientista político, e Gindin, economista. Ambos são professores da Universidade de York, em Toronto (Canadá) e estruturaram o livro seguindo linhas marxistas.
Até chegar à conclusão acima, descrevem momentos de exuberância, crises, resgates. Ressaltam a importância do Tesouro e do Banco Central (Fed) na definição de políticas que consolidaram a força norte-americana no mundo.

ESTADOS E MERCADO

Os autores começam desconstruindo a "falsa dicotomia entre Estados e mercados". Narram como o Estado atuou para estabelecer regras para a propriedade e competição que facilitaram a expansão das empresas dos EUA e a acumulação de capital.
Tarifas de proteção à produção nacional, programas de infraestrutura, financiamento à inovação: tudo foi usado para a montagem do poder americano no início do século 20. Na área externa, deu apoio a ditadores locais e a proprietários de terras, o que ajudou a bloquear desenvolvimento.
Fornecedor vital de materiais e dinheiro na Primeira Guerra Mundial, os EUA deslancharam o seu papel de potência mundial nos anos 1920. No final daquela década, produziam mais de 80% dos carros do mundo.
Veio a crise de 29, o New Deal, a Segunda Guerra Mundial. O livro aponta que o acordo de Bretton Woods significou a institucionalização do papel predominante dos EUA na gestão monetária internacional e o Plano Marshall enquadrou a Europa.
Na crise dos anos 1970, quando os lucros das empresas caíam, os autores afirmam que "a principal ameaça ao capitalismo global foi o número crescente de expropriações por ano de investimentos no Terceiro Mundo". Elas passaram de uma média de seis, na primeira metade dos anos 60, para 56 na primeira metade dos anos 1970.
O livro aborda os empréstimos de petrodólares das instituições norte-americanas "a ditaduras latino-americanas". O lucro era tentador. Segundo os autores, atingiu o pico de 233% de capitais e reservas dos bancos em 1981.
A partir da crise dos anos 1970, transformações ocorreram no campo das finanças e das estruturas de produção. O poder de reivindicação dos trabalhadores foi enfraquecido e houve a explosão das tecnologias digitais.

CRISE

Panitch e Gindin analisam o desmoronamento das hipotecas nos EUA e mostram como o Estado salvou bancos e lançou "o maior estímulo fiscal da história norte-americana em tempos de paz". Para eles, "a crise reforça o papel do império dos EUA".
Sem se aprofundar em avaliações sobre outros países, os intelectuais canadenses dizem que a China está longe de ameaçar a hegemonia dos EUA: avaliam que ela parece duplicar o papel suplementar que o Japão desempenha no modelo.
Talvez esse seja um ponto que merecesse maior análise. Assim como os aspectos políticos e militares. No conjunto, porém, o livro expõe algumas raízes globais do mal-estar de hoje.

THE MAKING OF GLOBAL CAPITALISM
AUTORES Sam Gindin e Leo Panitch
EDITORA Verso
QUANTO US$ 29,95 (R$ 65,40, 464 págs.)

Reprodução da Folha de São Paulo

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Polícia expulsa ativistas de escolas no Chile


Polícia expulsa ativistas de escolas no Chile
Manifestantes ocupavam colégios onde haverá eleições primárias; 122 foram detidos

A polícia chilena retirou ontem os estudantes que ocupavam 21 colégios da capital, Santiago. As escolas servirão no próximo domingo como locais de votação para as primárias das eleições presidenciais do Chile.
Os manifestantes, que se mobilizaram anteontem pedindo reformas na educação, disseram que não voltariam a ocupar prédios públicos até as primárias.
"Os violentos não vão prevalecer. Vamos proteger melhor o patrimônio público, que é permanentemente destruído por esses delinquentes", disse o presidente Sebastián Piñera.
Ele pediu ao Congresso rapidez na aprovação de medidas que darão mais poder aos Carabineros (polícia) para diluir os protestos.
Segundo o governo, a maioria das expulsões na capital ocorreu de forma pacífica, apesar de 122 pessoas terem sido presas e de um policial ter ficado ferido.
Ontem, houve novos confrontos entre jovens e a polícia durante manifestações que levaram milhares de pessoas às ruas de Santiago e de Concepción, no sul do país.
A tensão social no Chile aumentou com a perspectiva da votação do próximo domingo, na qual os partidos escolherão os candidatos para as eleições de novembro.
A favorita, por ora, é a ex-presidente Michelle Bachelet, da centro-esquerdista Concertação. 


Reportagem da Folha de São Paulo

Qual baderna?


Em agosto de 1792, Maria Antonieta devia achar que os que se juntavam na frente das Tuileries eram baderneiros ignorantes.
Em dezembro de 1773, o governador inglês da província de Massachusetts devia pensar a mesma coisa dos "filhos da liberdade", que se disfarçavam de índios, subiam nos navios, jogavam o chá no mar e não queriam pagar os impostos.
Na época, Samuel Adams explicou que, mesmo se esses homens fossem apenas vândalos descontrolados, eles seriam, de fato, os defensores dos direitos básicos do povo das colônias.
A maioria dos paulistanos (e, suponho, dos brasileiros) pensa como Samuel Adams e deseja que as manifestações continuem, por uma razão que está muito além da tarifa dos ônibus: a relação do poder público com os cidadãos do Brasil é, sistematicamente, há muito tempo, de descaso e desrespeito, se não de abuso.
A escola e a saúde públicas são o destino resignado dos desfavorecidos. A insegurança se tornou uma condição existencial, tanto no espaço público quanto dentro da própria casa de cada um. O atraso da Justiça garante impunidades iníquas.
Claro, nossa arrecadação per capita é menos de um terço da dos EUA, por exemplo. Ou seja, talvez tenhamos os serviços públicos que podemos nos permitir.
Convenhamos, seria mais fácil aceitar essa triste realidade 1) se a corrupção não fosse endêmica e capilar, especialmente na administração pública, 2) se os governantes baixassem o tom ufanista de nossos supostos progressos e sucessos, 3) se a administração pública não fosse cronicamente abusiva e desrespeitosa dos cidadãos e de seus direitos.
Além disso, o dinheiro no Brasil compra uma cidadania VIP, na qual não só escola, saúde e segurança são serviços particulares, mas a própria relação com a administração pública é filtrada por um exército de facilitadores e despachantes.
A sensação de injustiça é exacerbada pela constatação de que muitos representantes procuram ser eleitos para ganhar acesso à dita cidadania VIP. Por isso, hoje, circulam aos borbotões, na internet, propostas de reforma política em que, por exemplo, 1) os membros do Legislativo e do Executivo seriam obrigados a recorrer, para eles mesmos e para seus filhos, aos serviços da educação e da saúde públicas, 2) os congressistas não teriam nenhum regime privilegiado de aposentadoria, 3) os congressistas não poderiam votar o aumento de seus próprios salários etc.
Para piorar, os representantes parecem se preocupar pouco com os compromissos de seu mandato e muito com sua própria permanência nos privilégios do poder. Por isso, por exemplo, eles compõem alianças que desrespeitam e humilham seus próprios eleitores.
Nesse contexto espantoso, é patética a indignação com os "baderneiros" e mesmo com a margem de delinquentes comuns que se agregaram às manifestações.
O poder, quando não é efeito de graça divina, vem dos próprios cidadãos e é condicional: só posso reconhecer e respeitar a autoridade que me reconhece e me respeita. Uma autoridade que me desrespeita merece uma violência equivalente à que ela exerce contra mim.
Além disso, é bom não perder o senso das proporções. "Olhe, olhe!", grita um repórter, enquanto a tela mostra alguém que foge de uma loja saqueada levando algo no ombro. Tudo bem, estou olhando e não estou gostando, mas minha indignação é mais antiga e por saques muito maiores.
Outro repórter pensa nos coitados que perderão o avião, em Cumbica, por causa dos manifestantes que bloqueiam o acesso ao aeroporto. Mas o verdadeiro desrespeito é o de nunca ter construído uma linha de trem entre São Paulo e o maior aeroporto do país.
O ministro Antonio Patriota se declarou indignado com o vandalismo contra o Palácio do Itamaraty. Com um pouco de humor negro, eu poderia suspeitar que os apedrejadores talvez tenham precisado um dia dos serviços de um consulado no exterior. Mas, deixemos. Apenas pergunto: se esses forem vândalos, então o que são, por exemplo, os latifundiários desmatadores da Amazônia?
Enfim, à presidenta Dilma gostaria de dizer: não acredito que os "baderneiros" das últimas semanas tenham envergonhado o Brasil --nem mesmo quando alguns depredaram o patrimônio público. Presidenta, você sabe isto mais e melhor do que muitos de nós: o que envergonha o Brasil é uma outra baderna, bem mais violenta, que dura há 500 anos e que gostaríamos que parasse.


Texto de Contardo Calligaris, na Folha de São Paulo.

Com o devido reparo à tal da questão histérica da corrupção, que Mitterhof fala no texto anterior.

As manifestações e a economia


As manifestações que tomaram conta do país partiram de uma reivindicação concreta, a revogação de reajustes nas tarifas de ônibus, para ecoar insatisfações amplas.
Ainda assim, elas podem ser resumidas na exigência de um Estado de bem-estar social mais bem acabado, com educação e saúde de qualidade etc.
Havia também reclamações contra a carga tributária, a inflação e a corrupção. Ao que parece, há um entendimento de que o combate à corrupção liberaria recursos para atender a todas as demandas e ainda reduzir os impostos e a inflação.
A corrupção é perniciosa e piora o atendimento à população. Ela precisa ser cotidianamente combatida. No entanto, não tem o poder de resolver todas as mazelas do país.
Um discurso anticorrupção muito geral é regressivo e paralisante, pois estabelece prejulgamentos e falsas dicotomias, dificultando o enfrentamento dos problemas. Tentei tratar disso na coluna "Corrupção?", de 01/11/2012.
Mas o tema de hoje é outro. Mesmo difusas, as reivindicações mostram que os avanços dos últimos anos estão longe de ser suficientes.
É verdade que tais avanços não se limitaram ao crescimento econômico e ao consumo massivo. Por exemplo, de 2001 a 2011, cresceram os gastos em relação ao PIB com educação (de 4,8% para 6,1%) e saúde (de 3,2% para 3,8%), o que se reflete na melhora de vários indicadores, como o aumento do percentual de adultos com o ensino médio completo e a queda da mortalidade infantil.
O problema é que o Brasil não é rico o bastante para que seja possível prover os serviços públicos desejados. É preciso retomar o crescimento para dobrar a renda per capita em 15 anos ou 20 anos, atingindo o piso dos países avançados.
Isso não quer dizer que os desejos vindos das ruas são insensatos. Pelo contrário, a ampliação do Estado de bem-estar social, além da melhoria direta dos serviços públicos, gera uma demanda autônoma por parte do Estado, que induz crescimento pelo efeito multiplicador da renda.
Essa elevação do gasto público também reduz as despesas familiares com os serviços essenciais, elevando os salários reais e distribuindo a renda. Por exemplo, a redução das tarifas do transporte público alivia o orçamento dos mais pobres.
Esse processo é poderoso porque eleva a propensão ao consumo. Afinal, seria estranho que alguém que ganha pouco --e não tem acesso integral ao padrão básico de consumo moderno-- poupe parte dos aumentos reais que obtém.
Há um círculo virtuoso: acelerar a melhora do Estado de bem-estar social favorece o crescimento, que, por sua vez, cria as condições para que os serviços públicos possam seguir melhorando.
Porém essa estratégia mexe com o equilíbrio de políticas estabelecido pelo atual governo na economia.
A sua grande aposta foi acelerar a redução dos juros rumo ao padrão global. Tal iniciativa é crucial para a normalização das condições de crédito no Brasil. Mas o impacto imediato no crescimento é limitado: o investimento é condicionado principalmente pelas perspectivas da demanda, e não pelo custo do dinheiro.
No campo fiscal, a ação do governo envolveu desonerações tributárias para favorecer a produção nacional em relação à externa.
Essas desonerações atenderam a antigas reivindicações empresariais pela redução do custo de produzir no Brasil. Houve ainda o ganho associado à desvalorização cambial, que torna os preços das mercadorias brasileiras menores em dólar.
Ainda assim, o crescimento não foi retomado. As margens de lucro puderam se recompor, mas isso não gera demanda, que é o vetor do investimento privado.
A questão em jogo é que o fortalecimento do Estado de bem-estar social disputa recursos fiscais com essa "agenda da competitividade", cujo montante previsto de desonerações para 2013 é de R$ 70 bilhões.
A demanda por mais serviços públicos também pressiona a geração de superavit primários, cuja meta para este ano supera R$ 100 bilhões. Com uma dívida pública líquida de apenas 35% do PIB, o fim do superavit primário não é um problema. Entretanto, superá-lo exige romper com a sabedoria econômica ortodoxa, que continua sugerindo mais austeridade.
Esses são dois conflitos políticos que precisarão ser enfrentados para atender ao chamado das ruas.


Texto de Marcelo Mitterhof, na Folha de São Paulo.


Acerca do texto sobre corrupção de Mitterhof, procure na Folha de São Paulo também. 

O dia em que a corte ficou nua


É assustador quando uma garota de 25 anos (Leila Saraiva, do Movimento Passe Livre) constata "um despreparo gigantesco do governo" para tratar de mobilidade urbana, afinal o tema que incendiou originalmente a rua.
Palavra de testemunha ocular, posto que Leila participou da reunião da presidente Dilma Rousseff com o MPL.
Seria um comentário assustador, qualquer que fosse o presidente. Mas torna-se exponencialmente grave quando a mandatária em questão gosta de ser vista como gerente, como técnica.
Pior ainda é que comentário semelhante poderia ser aplicado ao tratamento da questão política, o verdadeiro nó que amarra o país, não só de parte do governo federal, mas de todas as esferas de poder.
É despreparo uma governante lançar solenemente uma proposta --a tal reforma política via processo constituinte exclusivo-- para derrubá-la menos de 24 horas depois, supostamente por ter se convencido de que era inconstitucional. Pode ser, pode não ser, uma vez que juristas, políticos e até ministros do Supremo Tribunal Federal bateram cabeça em torno da inconstitucionalidade da proposta.
Joaquim Barbosa, o chefe do Poder Judiciário, por exemplo, deu todos os sinais, embora em linguagem tortuosa, de que prefere uma constituinte exclusiva, a partir de um argumento irrefutável: o Congresso ordinário já demonstrou à saciedade que não tem a menor vontade de mexer no jogo que beneficia seus membros.
O recuo de Dilma significa que ela deixa a tarefa de "oxigenar o sistema político" nas mãos de quem o poluiu até níveis insuportáveis.
O Congresso deu, aliás, na mesma terça-feira, mais provas de que também é afetado por "gigantesco despreparo". Votou quase por unanimidade o fim da PEC 37, mas não por convicção. Havia ao menos 200 deputados favoráveis a ela, mas todos (menos nove) enfiaram a viola no saco com medo da rua. Ainda bem que o fizeram, mas não pode ser o volume da voz da rua o único elemento para decidir o voto.
Que o Congresso está agindo só para acalmar a massa, à espera de que ela se canse, prova-o o fato de que Renan Calheiros --ele também na mira da rua-- não mencionou entre as medidas que quer votar com urgência a eliminação, por exemplo, dos "auxiliares de embarque" regiamente pagos, à disposição dos congressistas nos aeroportos. É apenas um dos incontáveis privilégios inaceitáveis de que gozam os políticos --e nenhum será tocado se o voto for distrital ou seguir como está, se o financiamento das campanhas for público ou não.
Para fechar o círculo, no mesmo dia em que a presidente anunciava mais verbas para mobilidade urbana, o "Valor Econômico" demonstrava que o programa Mobilidade Urbana-Grandes Cidades, lançado em abril de 2012, não saiu do papel: "De um total de R$ 10,2 bilhões de repasse da União disponíveis a fundo perdido, menos de 7% foram contratados. Ou seja, há R$ 9,5 bilhões parados no Ministério das Cidades".
O "gigantesco despreparo" é, pois, do Estado brasileiro.


Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo

Livro atribui 'revoltas de junho' a vácuo da oposição


Livro atribui 'revoltas de junho' a vácuo da oposição
Lançada apenas em e-book, obra escrita em dez dias pelo filósofo Marcos Nobre, da Unicamp, analisa protestos sob a ótica da crise na representação partidária

Segundo os cálculos do professor de filosofia Marcos Nobre, 48, nos últimos dez dias ele dormiu um total de 40 horas. No resto do tempo, ele escreveu um livro.
"Choque de Democracia" é a primeira obra publicada sobre o que ele chama de "as revoltas de junho", os movimentos de rua que se espalharam pelo país.
O trabalho inaugura um novo gênero editorial no país. Aquilo que os americanos chamam de "instant books", livros feitos em tempo recorde para tratar de um fato de grande destaque na sociedade, já existia, mas o trabalho de Nobre abre a série dos "instant e-books".
A obra sairá só em formato eletrônico, à venda nas principais livrarias virtuais, como Amazon, Kobo e Apple Store, a partir de hoje.
Ela abre o selo de "instant e-books" (obras sobre temas "do momento", lançados só em versão eletrônica) da editora Companhia das Letras, o Breve Companhia.
"Choque de Democracia" é, como ilustra seu subtítulo, "Razões da Revolta", um ensaio que analisa como a história política recente do país levou, ou ajudou a levar, aos protestos recentes.
Um dos termos centrais do texto, que tem extensão de 35 páginas, é "peemedebismo", conceito cunhado por Nobre há alguns anos.
Embora a palavra, que se refere ao arranjo institucional para a manutenção do poder, tenha sido batizada em homenagem ao PMDB, pioneiro dessa cultura política, ela é aplicável a qualquer agremiação partidária.
É esse, por sinal, um dos grandes problemas do país na visão do autor.

ATÔNITO

Nobre, professor da Unicamp e pesquisador do centro de estudos Cebrap, defende que é contra o "peemedebismo" que se articularam as manifestações de rua.
Não à toa, o sistema político ficou, nas palavras dele, "atônito" com os protestos. "Não entendeu nem podia entender o que acontecia. Ao longo de 20 anos, esse sistema cuidou tão bem de se blindar contra a força das ruas que não podia entender como as ruas o tinham invadido com tanta sem cerimônia", escreve.
Os "20 anos" se referem às decorrências de outra onda de manifestações populares, a dos caras-pintadas, em 1992. "As ações do Fora Collor' e a ideia de que seria possível tirar um presidente levaram o sistema político ao pânico", diz Nobre à Folha.
"Inventou-se nesse momento a ideia de que o presidente só se mantém no poder se houver supermaioria parlamentar."
Para ele, esse processo (elemento central da "peemedebização") atravessou as duas últimas décadas no país, com um breve intervalo no início do governo Lula.
"O PT hesitou em embarcar nisso, mas, depois do mensalão, Lula chamou todo o PMDB ao governo. Um marco disso foi a defesa que ele fez de Sarney em 2009."
Nobre crê que foi nesse ponto que o sistema político começou a "girar em falso".
Se no governo de Fernando Henrique Cardoso havia, ele argumenta, uma oposição estruturada, a conduzida pelo PT, daí por diante ela se extinguiu. "A oposição terminou em 2009", afirma. "Aí o peemedebismo' toma o sistema todo. A oposição migra para a situação."
Essa ausência estaria no coração das "revoltas de junho". "Quando há uma oposição organizada, o governo é forçado a ter unidade, porque, quando os opositores começam a fazer críticas, as diferenças internas da situação têm de se acertar. Não há mais isso no Brasil."

DESCOMPASSO

O professor de filosofia diz que esse processo coincide com o do crescimento da internet no país, da popularização das redes sociais e o amadurecimento da sociedade.
"O sistema político está em descompasso com o grau que a democracia já atingiu na sociedade brasileira." É a este choque que o autor se refere no título (alusão irônica a outros "choques").
"Que a faísca das revoltas de junho' esteja associada ao transporte público, exemplar em ineficiência, má qualidade e preço exorbitante", não é o fator fundamental.
"Junho de 2013 carrega uma multidão de reivindicações, frustrações e aspirações", diz Nobre, que afirma ter ido a diversas passeatas.
Ele sustenta no livro que é marcante que uma parte expressiva dos manifestantes tenha crescido sem formação política. "Quem nasceu da década de 1990 em diante, por exemplo, não assistiu a qualquer polarização política real", escreve.
As "revoltas de junho" representariam, para ele, um "aprendizado democrático fundamental" de como se manifestar. "Espero que delas surja uma frente antipeemedebismo'", manifesta-se.

Processo demorou demais por culpa do STF


Processo demorou demais por culpa do STF
Decisão é importante no plano simbólico, mas atraso revela que a defesa não é o maior entrave à eficiência do Judiciário

Natan Donadon praticou peculato (desvio de verba pública) e formação de quadrilha entre os anos de 1995 e 1998, mas os crimes só foram julgados pelo STF em 2010.
A pena, no entanto, não começou a ser cumprida, pois a decisão não era definitiva. Faltava julgar os embargos de declaração, o que ocorreu ontem, 15 anos após os crimes.
A decisão tem importância simbólica e jurídica. No plano simbólico, é a primeira vez, desde a Constituição de 1988, que o STF julga, condena e manda prender um deputado federal. Isso aumenta a confiança na Justiça.
A população sabe --e as estatísticas provam-- que o sistema penal funciona de forma diferente em razão da renda, escolaridade ou poder politico do réu. A prisão de Donadon, por si só, não altera as estatísticas, mas manda uma mensagem importante de que a impunidade para determinados crimes pode diminuir.
No plano jurídico a decisão também é importante. Prestigia a presunção de inocência, segundo a qual a punição só deve ocorrer quando há decisão definitiva, com trânsito em julgado. Mas, se a prisão estava certa e os princípios também, qual a razão de tanta demora? Culpa da defesa? Recursos infinitos?
A ação no STF só teve início em 2005 e andou bem até 2008. Três anos é um prazo razoável para julgar um processo criminal. Mas ficou parada por um ano e três meses esperando para entrar na pauta de votações, em 2010, e mais cinco meses até a publicação da decisão, em 2011.
A defesa fez embargos em cinco dias. O Ministério Público levou um mês para dar seu parecer. O recurso ficou parado por mais dezoito meses até ser votado e outros três meses até ser publicado.
Novo recurso no prazo de cinco dias, mais um mês para resposta do Ministério Público e dois meses para a decisão que considerou o segundo recurso sem fundamento e tornou a condenação definitiva.
A demora não foi culpa da defesa. E sim da demora na investigação e na pauta de julgamento. São gargalos importantes na eficiência da Justiça. Questão de prioridades.
A decisão de ontem servirá de precedente para outros casos, como o mensalão, cujas condenações ainda não são definitivas. Encerrado o julgamento em 2012, embargos de declaração foram apresentados dez dias após a publicação da decisão. A lei não traz prazo para julgar. É responsabilidade do relator e do plenário. Será que o STF levará três anos para julgá-los?


Texto de Thiago Bottino, para a Folha de São Paulo.

Fantasma em Moscou: onde está Edward Snowden?


Edward Snowden estaria dentro de um terminal de trânsito de um aeroporto de Moscou há dias, mas não há evidência para provar. Enquanto sua ausência provoca novas teorias de conspiração, o Kremlin está tirando proveito do caso.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, incitou novamente os repórteres. Sim, Edward Snowden está em Moscou, ele disse a eles na noite de terça-feira (25), durante uma visita de Estado à Finlândia. E sim, o delator fugitivo dos Estados Unidos permanece na área de trânsito do Aeroporto Sheremetyevo, em Moscou.

Snowden é um "homem livre", disse Putin, provocando outro frenesi entre os jornalistas em Moscou, que tentam encontrar Snowden desde domingo. Os repórteres reviraram de novo os bares e restaurantes fast food na área de trânsito, sem contar os bancos onde passageiros se esticam para descansar. Eles também reviraram o "hotel-cápsula" do terminal, chamado V-Express, onde Snowden supostamente se hospedou.

O aeroporto tem uma "vasta quantidade de portas trancadas", notou o jornal "The New York Times" na terça-feira, "algo que uma pessoa não notaria sem passar 17 horas procurando por Snowden".

Mas não havia traço dele –exceto, é claro, pelo fluxo constante de citações que a agência de notícias russa "Interfax" recebe de uma fonte misteriosa, supostamente "próxima" de Snowden. O ex-prestador de serviço da Agência de Segurança Nacional (NSA), que vazou informação sobre o imenso programa de vigilância Prisma dos Estados Unidos, não pode comprar uma passagem aérea porque Washington cancelou seu passaporte.

"Snowden realmente existe?"

Cerca de 48 horas se passaram desde que o voo de Snowden pela Aeroflot, saído de Hong Kong, pousou em Moscou no domingo (23). Os jornalistas disseram que nenhum passageiro naquele voo se recorda de tê-lo visto. Não há fotos de Snowden na Rússia. Também não há nenhuma imagem dele feita pelas câmeras de vigilância do aeroporto –e há muitas câmeras lá.
"Será que Snowden esteve mesmo em Moscou?", pergunta o tabloide russo "Komsomolskaya Pravda". Os comentários dos leitores vão um passo além, perguntando: "Será que Snowden realmente existe?". O vácuo de informação está repleto de teorias de conspiração.
As declarações de Putin também não colocaram um fim à especulação. Se Snowden realmente é livre, por que ficaria tanto tempo em um terminal do aeroporto? Putin também alegou que a inteligência russa não teve nenhum contato com Snowden. Mas muitos observadores se recusam a acreditar que Moscou é capaz de tamanha restrição altruísta –particularmente diante do fato de que Ilya Kostunov, uma integrante do Parlamento russo, disse que o aparato de inteligência do país deve analisar "se Snowden tem documentos que ofereçam uma compreensão da ciberespionagem".

O jogo de especulação

E pegar Snowden não seria um feito para a inteligência russa, que em maio deteve e expulsou um diplomata americano sob acusações de espionagem? A presença de Snowden em Moscou é como um "salmão enorme saltando no colo de um urso pardo", segundo o site da revista americana "Time".
A única coisa que parece clara é que Snowden viajou para a Rússia. Mas, mesmo se for o caso, a área de trânsito do aeroporto de Moscou é uma opção estranha de refúgio. A longa duração de sua estadia pode significar que seu destino e sua rota de viagem não estejam mais sob seu controle.
É claro, assim como muita coisa cercando o caso de Snowden, isso é apenas especulação. Apesar da escassez de fatos, há alguns poucos cenários possíveis. Por exemplo, é provável que Snowden esteja tendo problemas com seu passaporte invalidado, o que torna viajar pelo mundo virtualmente impossível. Ele poderia ser forçado a pedir asilo na Rússia, uma opção que o Kremlin já ofereceu dias atrás. Mas, em troca de asilo, Snowden provavelmente teria que compartilhar alguns de seus segredos.
Isso certamente seria um golpe de propaganda sem precedente para Putin, particularmente após ele ter repreendido Washington e as poderosas agências de inteligência americanas, se retratando como o protetor potencial de um dissidente. A reputação de Snowden entre o público ocidental sofreria um sério abalo se ele fornecesse informação valiosa ao Kremlin, cujos serviços de inteligência são conhecidos por reprimir tanto a oposição quanto ativistas de direitos humanos.
Talvez Snowden ainda não tenha partido da Rússia porque as autoridades russas o prenderam, na esperança de descobrir mais detalhes sobre seu tesouro de dados secretos.
E também há uma chance de que Snowden não tenha partido da Rússia porque Moscou está hesitante em entrar em um conflito aberto com Washington. Na terça-feira, o secretário de Estado americano, John Kerry, adotou um tom bem menos agressivo em relação a Moscou, dizendo que não havia necessidade de "elevar o nível do confronto". Os Estados Unidos, ele acrescentou, estão "simplesmente requisitando um procedimento muito normal de transferência de alguém". Seu par russo, Sergei Lavrov, já reagiu furiosamente antes, chamando as ameaças americanas de "absolutamente infundadas e inaceitáveis".
Apesar da exibição frequentemente ostentosa de rixa diplomática entre a Rússia e os Estados Unidos, o fato é que ambos os países cooperam em muitos assuntos, variando desde a luta contra o terrorismo ao Afeganistão. Sim, o presidente Putin excluiu a possibilidade de entregar Snowden, citando a falta de uma base legal, porque os países não possuem um tratado de extradição. Mas o Departamento de Estado vê o assunto de modo diferente, notando que nos últimos anos vários criminosos procurados foram transferidos pelos Estados Unidos para as autoridades russas.
E, finalmente, Moscou poderia oferecer entregar Snowden em troca de Viktor Bout, um notório traficante de armas russo que cumpre pena de 25 anos nos Estados Unidos.

'Corra, Snowden, corra'

Não importa o que tenha acontecido ou quais sejam seus motivos, o Kremlin já explorou o caso mais do que alguém poderia prever quando as revelações foram feitas. A mídia pró-governo da Rússia, que normalmente demonstra pouco afeto por dissidentes, está repentinamente repleta de elogios ao fugitivo americano de 30 anos.
"Corra, Snowden, corra", dizia a manchete do "Rossiyskaya Gazeta", um jornal publicado pelo governo russo. E o jornal "Izvestiya" escreveu triunfantemente que, na batalha contra Snowden e o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, os Estados Unidos estão usando a máscara preta de Darth Vader, e a máscara tem a característica de aderir à pele".
De fato, a estratégia do Kremlin no caso de Snowden é clara: fazer os pecados da Rússia empalidecerem diante da má conduta americana.
Benjamin Biddr, para a Der Spiegel, reproduzido no UOL. Tradutor: George El Khouri Andolfato

52 jornalistas sofreram agressões em protestos


Levantamento da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) indica que 52 jornalistas sofreram algum tipo de agressão durante a atual onda de protestos de rua em todo o Brasil.
estudo mostra que 34 agressões e ameaças foram de autoria da polícia, 12 vieram dos próprios manifestantes e ocorreram também 6 prisões –tudo em 11 cidades brasileiras.
“São Paulo foi o local onde houve mais casos –25, quase a metade do total. Fortaleza vem logo em seguida, com seis casos. O Rio de Janeiro teve cinco. O jornal Folha de S.Paulo foi o veículo com mais vitimas: 7 profissionais, entre repórteres e fotógrafos”.
No site da Abraji está disponível uma tabela com a relação completa dos jornalistas que sofreram as agressões e um breve relato de cada episódio.
O levantamento é parcial: há casos que podem não ter sido computados por diversas razões, inclusive quando veículos ou jornalistas preferem não ter suas estatísticas divulgadas.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Na muda


Era mais uma cena surpreendente dos tempos atuais. Noite de terça-feira. Moradores da Rocinha e do Vidigal (zona sul) ocupavam a av. Niemeyer, na hora do rush, em direção à casa do governador Sérgio Cabral (PMDB).
A polícia os acompanhou. Sem bombas nem balas de borracha. Os manifestantes se juntaram aos já acampados em frente à rua do governador, bloqueada pela PM.
"A Rocinha unida vai reivindicar seus direitos", gritaram. Mostraram que têm prioridades menos espetaculares e mais urgentes do que obras propostas por marketing eleitoral. "Teleférico pra quê?", questionaram, em referência à custosa obra do PAC 2, prevista para uma região em que valões escorrem cheios de esgoto.
Madrugada de segunda para terça. Moradores do Complexo da Maré (zona norte) esperavam cansados e assustados a hora de voltar para casa.
Viciados em crack e traficantes se aproveitaram de uma manifestação para fazer assaltos e escapar em meio a vielas sujas e mal iluminadas.
Policiais entraram na favela. Com caveirão, o blindado policial, e balas de fuzil. Dez pessoas morreram, entre elas um sargento do Bope. Moradores dizem ter havido truculência, abusos e tortura por parte da polícia, que alegou reagir a ataques.
A tropa policial no Rio está sob pressão. Acuada, acusada. Nas vielas das favelas e nas ruas do centro, não parece orientada a como agir e proteger cidadãos. Fotos e vídeos estão na rede escancarando o treinamento falho para conter multidões. Denúncias sobre abusos estão nas corregedorias esperando por apuração e punição.
A pressão das ruas teve efeitos rápidos e concretos. Os políticos ainda têm muito a responder e a trabalhar.
A segurança não é um detalhe no cotidiano do país. Falta colocar na agenda das ruas a reforma das polícias. Cidade muda não muda, escrevem alguns.


Texto de Paula Cesarino Costa, na Folha de São Paulo.

A vez da mídia


Partidos, Congresso, sindicatos, governantes --não há instituição democrática que não esteja sob o foco de críticas. Falta falar de outra instituição, a imprensa. Ou "a mídia", como prefere dizer quem já se põe no campo de ataque.
Acho que há três pontos a destacar. Em primeiro lugar, a ideia de que as redes sociais, como o Facebook, aposentaram a mídia tradicional. De um ponto vista, faz sentido. De outro, não.
Claro que, graças ao Facebook, foi possível avaliar, por exemplo, se valeria ou não a pena participar da manifestação de segunda-feira passada, dia 17 de junho. Quanto mais adeptos no mundo virtual, mais se sente que o momento de passar à vida real já chegou.
Não é tão claro o raciocínio de que, com as redes, elimina-se a função dos jornais e das empresas de comunicação. Muito do que se compartilha no Facebook, em termos de notícia e opinião política, tem origem nos órgãos jornalísticos organizados, sejam impressos, audiovisuais ou da própria internet.
Passo com isso ao segundo ponto. Quem está protestando contra o pastor Feliciano, a PEC 37, Renan Calheiros, os gastos da Copa, e outros mil problemas, teve sua indignação despertada pelas notícias dos jornais e da TV.
São as reportagens de sempre, com sua rotina de sempre, que acumularam essa insatisfação contra o sistema político. E, se a mídia noticiou os casos de vandalismo, também foram indispensáveis para mostrar os abusos policiais.
A imprensa sai então glorificada dessas movimentações? Com toda evidência, não. Houve ataques contra emissoras de TV e contra repórteres respeitabilíssimos, como Caco Barcellos. Há mais.
Acredito que, graças à conquista de um poder de autoexpressão possibilitado pela internet, as pessoas que se manifestam nas ruas e nas redes se sentem mal representadas na mídia tradicional.
Em parte, a "crise de representação" que se verifica no caso de partidos e Congresso se reflete nas relações entre imprensa e cidadãos.
Existe a sensação, claro, de uma desigualdade de poder de fogo: grandes empresas de comunicação podem mais do que sites e blogs isolados.
Há também um abismo geracional. Incluo-me entre os que envelheceram. E olhe que à minha volta, nos chamados formadores de opinião, nos analistas, comentaristas, sociólogos, filósofos, urbanistas, técnicos e economistas que, sempre os mesmos, são os entrevistados nessa época, a maioria está na ativa desde que eu era criança...
Quando o pensador mais ousado e "irreverente" da Globo se chama Arnaldo Jabor, talvez seja o momento de uma autocrítica.
A alienação, o distanciamento entre a imprensa e os manifestantes se dá em outros níveis também. Ao voltarem-se contra governantes, as passeatas denunciam o contraste entre o mundo oficial, movido a discursos eleitorais, planilhas técnicas e blá-blá-blá de marqueteiros, e uma realidade cotidiana da qual todos se esquecem assim que assumem o poder.
É injusto dizer que um jornal como a Folha se esquece de apontar falhas na saúde, nos transportes e na educação. Ao contrário, isso é noticiado todo dia, com investigação e detalhe.
Mas, assim como os políticos só parecem acordar para o interesse público às vésperas da eleição, também os jornais concentram-se excessivamente, a meu ver, no calendário eleitoral. Não há dia --mesmo nestas últimas semanas-- em que não saiam notícias sobre as movimentações de Aécio e Eduardo Campos, ao lado dos clássicos prognósticos de que Dilma vai se reeleger se a economia não piorar muito.
A rotina desse tipo de cobertura mata os jornais, e interessa a pouquíssimas pessoas. As próprias reportagens sobre corrupção e mazelas administrativas me parecem difíceis, chatíssimas de ler.
Há a obrigação de revelar dados, estatísticas etc., sem o que estaríamos retrocedendo a um jornalismo da Idade da Pedra. Ao mesmo tempo, acho que isso trouxe um risco de rotinização e tecnicalismo que afasta o leitor --e não adianta "emburrecer" a linguagem para trazê-lo de volta.
Chamo "emburrecer" o processo que leva à elaboração de boxes, por exemplo, dizendo "entenda o que é o mensalão", "entenda o que é reforma política" ou coisa parecida. "Entenda, é sua última chance".... Mas os manifestantes destes dias parecem estar entendendo mais do que se pensa.
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PS. Atribuí a Fernando Henrique, na coluna anterior, a frase de que "política é a arte do possível". A frase é de Bismarck (1815-1898). FHC criticou a ideia, dizendo que na verdade "a política é a arte de tornar possível o necessário, o desejável".


Reprodução da coluna de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo

Ueba! Plebiscito pro plebiscito!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Proponho um plebiscito pra saber se a gente quer um plebiscito! A gente resolve! Seria um PRÉbliscito! O cúmulo da democracia! Rarará!
Os políticos não querem largar o osso. E entendi tudo, a Dilma jogou a casca de banana no quintal do vizinho! Rarará!
E esta: "Oposição diz que Dilma atropela o Congresso". Grande ideia! Atropela mesmo. Atropela e depois dá ré pra garantir. Ops, sem violência!
E olha o que tava na tela da RBS, TV de Porto Alegre, durante o discurso da Dilma: "Próxima atração: Meninas Malvadas'". Rarará! Depois da malvada, as malvadas!
E atenção! Já tem gente dizendo que plebiscito é tipo uma enquete no Facebook. Rarará!
E o "Jornal Nacional"? O "Jornal Nacional" tá desorientado. Chama uma matéria de estradas interditadas em Minas e aí aparece o Galvão! Rarará! Que já devia ter sido interditado!
E atenção, manifestantes! Adesões internacionais! Revista "Contigo!": "Ícone gay, Cher critica Feliciano: Ele chama a si mesmo de cristão?'". Vem pra rua, Cher! Rarará!
E mais esta: "Brad Pitt cancela vinda ao Rio por causa dos protestos". Bundão! Chama o Chuck Norris e o Arnold Schwarzenegger que eles topam. E uma amiga disse: "O Brad Pitt dorme com a Angelina Jolie e tem medo de protesto?". Rarará!
E olha esta placa na manifestação: "Se as bombas são de efeito moral, joga no Congresso!". Apoiado! E mineiros do Mineirão! Cuidado hoje! O prefeito de BH declarou que "a PM tem que prender mais". Guloso! Rarará!
O perímetro dos estádios da Fifa é mais protegido que o do Congresso! Eu acho que vai rolar bomba de queijo e pão de gás! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
Piada pronta! Direto do site Uai: "Homem leva tiro no pênis em acerto de contas no Centro-Oeste de Minas". Como é o nome dele? Cássio Pinto! O pinto levou um tiro no pinto. E sabe qual é o apelido do Pinto? Maçaneta! Rarará!
E antes que me esqueça: Fifa, vá tomar no Fuleco! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!
Que hoje eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!


Reprodução da coluna de José Simão, na Folha de São Paulo

Mostra exibe olhar cru sobre a juventude


Mostra exibe olhar cru sobre a juventude
Filmes e fotos de Larry Clark, diretor de "Kids" e da polêmica série "Tulsa", chegam ao MIS proibidos para menores
Fotografias de jovens viciados resumem obra do artista que retratou a beleza física e os desvios da adolescência

Nas imagens de "Tulsa", um rapaz acorda e injeta na veia uma dose de heroína. Mais tarde, uma garota grávida, de cabelos platinados, também se droga numa roda de amigos. Esse filme mudo, que depois virou série fotográfica, fez muito barulho.
Larry Clark acabava de voltar do combate no Vietnã quando filmou, em 1971, esse retrato nada edulcorado dos jovens de sua cidade natal no Oklahoma, rincão conservador dos Estados Unidos.
No lugar de um paraíso suburbano, encontrou viciados sem rumo, violentos até não poder mais. Seu retrato de um jovem com um revólver em frente à bandeira americana virou símbolo de uma juventude transviada que a classe média do país queria ignorar.
Mas não podia. Suas fotografias, e seus filmes --como "Kids", de 1995, e "Ken Park", de 2002--, são obras de arte magnéticas, que envolvem tudo que é abjeto e aflitivo numa aura plástica sensual. Daí ele ser chamado de "pedófilo" por uma ala da crítica e de "gênio visionário" por outra.
Esse debate chega agora a São Paulo com a primeira individual de Clark no país, aberta amanhã no Museu da Imagem e do Som. Três anos atrás, uma mostra com imagens de "Tulsa", a série que vem agora ao MIS, foi censurada para menores em Paris --a primeira vez que uma exposição do artista americano sofreu esse tipo de restrição.
Na época, em entrevista à Folha, Clark chamou de "atitude covarde" a decisão do governo francês. "É um ataque contra a juventude", disse. "É como deixar adolescentes verem pornografia na internet e não deixar que vejam arte sobre eles num museu."
No MIS, as imagens de Clark estarão numa sala também proibida para menores. Isso porque, para alguns, sua obra pode ser enquadrada como pornografia, embora chancelada pelo establishment global das artes visuais.
Quando "Kids", que terá sessão no MIS junto a todos os seus longas e alguns curtas, foi exibido pela primeira vez no festival Sundance, muitos deixaram o cinema atônitos com a trama sobre garotos que só transavam com virgens para não se contaminar pelo vírus da Aids.
Esse realismo cru, com cenas de sexo filmadas sem cortes ou qualquer pudor, acabou legando a obra de Clark a um gueto de iniciados, fora do alcance de seu maior público alvo --os adolescentes.
"Quando comecei a fotografar as coisas ao meu redor, me perguntei por que não podia contar as histórias de forma verdadeira", disse Clark numa entrevista ao "New York Times". "Por que um artista deve segurar os socos?".
Mas também cabe perguntar o motivo por trás dessa obsessão pela juventude. Clark, hoje com 70 anos, conta que construiu todo o seu trabalho sobre a adolescência porque não viveu esse momento.
"Fui o último cara em Oklahoma a atingir a puberdade. Quando fiz 13 anos, meu pai parou de falar comigo", lembra. "Usei anfetaminas todos os dias, dos 16 aos 18."
"Tulsa' foi a recuperação desse momento perdido", diz Nessia Leonzini, curadora da mostra no MIS. "Até hoje ele tem essa nostalgia, uma obsessão total pela adolescência e pela beleza física dela."
E por seus desvios. Em "Ken Park", Clark mostra o suicídio de um garoto angustiado por engravidar a namorada. Sua turma também era mais do que disfuncional, com um jovem que mata os avós a facadas e outro que é abusado por seu padrasto.
Tudo, aliás, parece lastreado pelo sexo, mesmo em circunstâncias tabu, como a fotografia que fez de um menino com uma ereção apontando um revólver para a irmã nua e amarrada na cama.

CENSURA PRÉVIA

Nesse ponto, Clark serviu de inspiração para artistas como a também americana Nan Goldin, que retratou sem filtros o submundo das drogas e da prostituição. Ela também teve mostra sua censurada no Rio há dois anos --cancelada no Oi Futuro, a exposição teve de migrar para o Museu de Arte Moderna.
Causou comoção o fato de a artista retratar menores nus ou em situações eróticas --o mesmo que já estava havia anos na obra de Larry Clark.