Poucas vezes viu-se tamanha desinformação como antes desta Copa. A previsão era dantesca. Caos nos aeroportos, estádios incompletos, gramados incapazes de abrigar jogos de várzea, tumulto, convulsões sociais, epidemias. Os profetas do caos capricharam: alguns apostaram que as arenas só ficariam prontas após 2030. Só faltou pedirem à população que estocasse alimentos em face da catástrofe.
Diante de um cenário diametralmente oposto, os mensageiros do apocalipse ensaiam explicações. A principal é a de que a alegria do povo brasileiro suplantou a penca de problemas que estava aí, a olhos vistos, e ninguém queria enxergar. Desculpa esfarrapada.
Se é inquestionável que os brasileiros têm uma tradição amistosa, ela por si só não ergue estádios decentes, melhora aeroportos, acomoda milhares de turistas e garante acesso aos locais das partidas. Problemas? Claro que houve, mas infinitamente menores do que os martelados pela imprensa em geral. Muita gente mentiu, ou, no mínimo, não falou toda a verdade –o que em geral dá no mesmo.
Durante um tempo quase infinito, os brasileiros foram vítimas de uma carga brutal de notícias irreais. Se tudo estava tão atrasado e fora dos planos, como a Copa acontece sem contratempos maiores do que os de outros eventos do gênero? Talvez o maior legado deste choque entre fantasia e realidade seja o de que, acima de tudo, cumpre sempre duvidar de certas afirmações repetidas como algo consumado.
A profusão de instrumentos de informação atual, ainda bem, oferece inúmeras alternativas para que opiniões travestidas de certezas sejam postas à prova. Mais do que nunca, desconfiar do que se ouve, assiste e lê é o melhor caminho para tentar, ao menos, aproximar-se do que é real.
No final das contas, é bom que essa distância entre versão e fato tenha ficado escancarada num ano eleitoral. Se com a Copa foi assim, imagine doravante, quando está em jogo o cargo mais importante da República. A enxurrada de algarismos para mostrar um país à beira do abismo ocupa boa parte do noticiário "mainstream". Na outra ponta, estatísticas de toda sorte surgem para falar o inverso. Quem tem razão?
Nessa hora, o decisivo é avaliar como está a vida do próprio cidadão e como ela pode ficar se vingar a proposta de cada candidato. O mais difícil, como sempre, é descobrir se estes têm coragem de dizer o que realmente pretendem realizar.
Trecho de texto de Ricardo Melo na Folha de São Paulo.
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