É razoável supor que a quase totalidade dos judeus de Israel ficou furiosa com a posição do governo brasileiro de condenar a reação "desproporcional" de Israel aos ataques do Hamas.
É a conclusão inescapável de três pesquisas sucessivas do Instituto Democracia de Israel, feitas nos dias 14, 16/17 e 23. Mostram apoio à operação em Gaza de, respectivamente, 96%, 92% e 97% dos pesquisados (não foram ouvidos os israelenses árabes).
Pior: na média das três pesquisas, 45% acham que não foi usado suficiente poder de fogo, exatamente o contrário do que pensa o governo brasileiro. Com este concordam apenas pouco mais de 3% dos pesquisados.
Fica evidente que é incorreto supor que a ação de Israel se deve ao predomínio da direita e da extrema direita no governo que conduz a guerra. Binyamin Netanyahu é, indiscutivelmente, de direita, mas está agindo de acordo com o que pensa a esmagadora maioria do eleitorado --o seu eleitorado e o de todos os demais partidos, de direita, de centro ou de esquerda.
Pesquisa mais recente, divulgada domingo (27) pelo Canal 10, mostra impressionantes 89% dos consultados favoráveis a que a operação em curso resulte na derrubada do governo do Hamas em Gaza.
Se só na terça morreram cem palestinos, e ao menos 15 na quarta em apenas outra escola de Gaza, não é preciso muita ciência para deduzir o banho de sangue que custaria aprofundar a operação "Margem Protetora" até acabar com o Hamas.
Há, em Israel, quem diga que não adiantaria. O escritor israelense Etgar Keret, por exemplo, em artigo para "El País", diz que "ainda que eliminem a todos e a cada um dos combatentes do Hamas, alguém crê sinceramente que a aspiração dos palestinos à independência nacional vai desaparecer com eles?".
Reforça um ex-chanceler israelense, Shlomo Ben-Ami: "Nenhuma estratégia nacional será crível enquanto não se reconhecer que a continuidade do conflito debilita perigosamente as bases morais de Israel e sua posição internacional".
De fato, a radicalização da opinião pública está levando a um grau de intolerância em que "qualquer opinião --em especial qualquer opinião que não fomente o uso da força e a perda de vidas de soldados-- é nada menos que um intento de destruir Israel", escreve Keret.
O escritor está assustado com a repressão, inclusive com ameaças de morte, a quem discorde da posição majoritária --o que é claramente antidemocrático e, por extensão, cai na frase de Ben-Ami, sobre o debilitamento das bases morais de Israel.
A propósito: o "Times of Israel" divulgou vídeo em que manifestantes de extrema-direita festejam, inacreditavelmente, a morte de crianças em Gaza, aos gritos de "não haverá aula amanhã, [porque] já não há crianças em Gaza". Dá náuseas.
Pode-se sempre alegar que a extrema-direita é assim mesmo. O problema, para qualquer futuro processo de paz, se e quando for retomado, é que a extrema-direita em Israel só faz crescer e crescer o que aumenta o volume do grito "morte aos árabes".
Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo.
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