segunda-feira, 30 de abril de 2018

As guerras entre fundamentalismo e modernidade

Quando eu tinha 8 ou 9 anos, fui raptado momentaneamente por uns lunáticos bem-intencionados. Minha irmã mais nova e eu estávamos a explorar o Festival FIBArk (First in Boating the Arkansas [Primeiro a Navegar o Arkansas]), em Salida, Colorado, quando fomos atraídos pela promessa de doces em um pequeno trailer onde estavam outras crianças. Descobrimos que, para ganhar os doces, teríamos de penar diante de um curta-metragem sobre Jesus, o qual, se me lembro bem, retratava em detalhes os tormentos que aguardam os incrédulos no próximo mundo. Após o filme, um jovem pastor de cabelo alinhado e uns quatro ou cinco do seu rebanho falaram algumas chatices. Por fim, o pastor disse, “Antes de vocês saírem, deixem-me fazer uma pergunta. Há alguém aqui que não aceitou Jesus Cristo como o seu salvador pessoal? Levante a mão se você ainda não foi salvo”.
Não sei que teimosia me fez levantar a mão – gosto de pensar que eu estava protestando contra a coercitiva conversa fiada que acabara de presenciar. Em todo caso, não foi porque o filme me assustou – eu sabia que já estava salvo. Havia convidado Jesus para dentro do meu coração, frequentava a igreja e muitas outras coisas. Sabia também que não gosto dessa gente – se soubesse a palavra, teria dito que eles eram sebosos.
Qualquer que tenha sido o motivo, eu levantei a mão e, quando o pastor nos dispensou, dois adultos me impediram de sair com as outras crianças. Eles rezaram por mim e, apesar dos meus pedidos cada vez mais apavorados para sair, eles se recusaram a me liberar até que eu dissesse “Aceito Jesus Cristo como meu senhor e salvador”, o que eu terminei fazendo; saí correndo do trailer para me juntar à minha irmã, sem sequer aceitar os doces e folhetos de Jack Chick .
Esse foi meu primeiro encontro com o evangelicalismo protestante conservador, mas não seria o último. Cresci em Colorado Springs – sede da ‘Foco na Família’ [2] e o tipo de cidade onde um amigo meu de escola uma vez encontrou um grupo de pessoas sentadas em círculo, no meio da rua, diante da casa de alguém. Ele perguntou o que eles estavam fazendo e um deles respondeu: “Aqui vive uma bruxa; estamos rezando pela alma dela”.
No entanto, o pastor luterano da igreja onde eu fui crismado era extraordinariamente aberto às minhas tentativas juvenis de reconciliar o racionalismo que eu havia herdado do meu pai, um ateu liberal, com a atração que eu sentia pelos ensinamentos de Cristo. Por exemplo, eu era fortemente contra a doutrina do inferno, alegando que não era justo o criador sujeitar ao fogo eterno pessoas que, em primeiro lugar, jamais pediram para nascer e tão somente porque elas não conseguiram decifrar os mistérios da vida em seu insignificante período de tempo na Terra (ou por qualquer outro motivo). Poderia um hindu ser censurado por praticar o hinduísmo, tendo ele nascido em uma cultura hindu? O pastor conversava comigo a respeito de alegorias e metáforas e estava disposto a concordar que era improvável que um Deus de amor se parecesse com a caricatura acima de gases sulfurosos apresentada por pregadores enfurecidos. Ele estava mais interessado na graça e nesse sujeito estranho que irritou as autoridades da antiga Galileia e exortou os ricos a vender seus bens e a dar o dinheiro aos pobres. Ele não tinha medo de dizer “Eu não sei” e “Também tenho esse problema”.
‘Apóstolos da razão’
Não consigo lembrar o nome desse homem, mas eu lhe devo muito. Ele não impediu que eu debandasse para um ateísmo de ocasião, entre a adolescência e os meus 20 anos, mas, graças ao seu exemplo, foi mais fácil retornar a uma versão mais liberal do cristianismo, posteriormente. Ele era exatamente o tipo de administrador da palavra de Deus que, no passado, deixava sem dormir homens como Carl Henry e Harold Ockenga – homens que, guiados por uma abominação da modernidade e uma crença na infalibilidade bíblica, lideraram um movimento neoevangélico que culminaria no fundamentalismo da Coalizão Cristã [3], de Ralph Reed, e no cretinismo criacionista atual.
Em Apóstolos da razão, Molly Worthen, professora de história da Universidade da Carolina do Norte, traça a história intelectual do moderno evangelicalismo estadunidense, definido segundo ela por uma “crise de autoridade”. “Três perguntas unem os evangélicos”, ela escreve:
como reconciliar fé e razão; como conhecer Jesus; e como agir publicamente na fé após a ruptura da cristandade.
Worthen começa o seu relato em 1942, com a fundação da Associação Nacional de Evangélicos, em St. Louis [Missouri], “um movimento intelectual consciente de pastores, estudiosos e evangelistas, dentro da comunidade protestante conservadora”. Esses neoevangélicos, nas palavras de Carl Henry, procuravam mostrar que “a cosmovisão cristã é não apenas intelectualmente defensável, mas... também explica a realidade e a vida de um modo mais lógico e compreensível que as alternativas modernas”. Seguindo o exemplo de seu professor, Gordon Clark, preocupado que os evangélicos estivessem negligenciando “os problemas políticos, sociais, científicos e filosóficos que agitam” o século 20, Henry convocou os cristãos a se engajarem no secularismo, em um nível especificamente ideológico.
Worthen segue o curso das ondas da ofensiva evangélica, resultando em círculos cada vez mais abrangentes, a ponto de abarcarem os píncaros mais altos do poder nos Estados Unidos. Ao longo do caminho, linhas de batalha dentro e entre as várias denominações são meticulosamente redesenhadas – menonitas e wesleyanos vs. a tradição reformada, presbiterianos vs. pentecostais, batistas do sul vs. batistas do sul. Worthen é uma retratista fascinante, especialmente quando ela relata os choques de gerações que surgiram entre os evangélicos, nos anos 1960. Eis o jovem Wes Craven sendo afastado do cargo de editor-chefe da revista dos estudantes da Faculdade de Wheaton [Illinois] por ter publicado “histórias moralmente complexas e perturbadoras”. Eis o reitor da Universidade Biola [Califórnia] assegurando a ex-alunos irados que “nós não apoiamos... cantores de esquerda nem visitas a cervejarias, a qualquer hora, muito menos em uma tarde de domingo”. Alguém pode largar o livro de Worthen com a imagem de um caos pastelão em um navio naufragando, todas as mãos se chocando em tentativas conflituosas de tirar a água e tapar os furos (ao menos até que a direita cristã decidisse abandonar o barco e sequestrar o iate de passageiros do Partido Republicano).
A chave para entender as ansiedades que levaram o evangelicalismo conservador a essa ação frenética está em uma expressão de Henry, ’cosmovisão’ [world-life view], uma tradução estranha de Weltanschauung, palavra que, no dizer de Worthen, tem obcecado os neoevangélicos: “Eles a entoam sempre que escrevem sobre o declínio da cristandade, a dissociação entre fé e razão e a necessária alfinetada dos Evangelhos em cada ponto crítico do pensamento e da ação”. Eles não pinçaram o termo de [Immanuel] Kant, mas de teólogos reformados, e ele passou a representar um conjunto de orientações e premissas, as quais, uma vez descobertas e articuladas, poderiam reunir o corpo disperso de fiéis em uma nova igreja militante.
A fé própria do capitalismo tardio
Apóstolos da razão, portanto, é um capítulo da história mais ampla da secularização e, como tal, é uma interessante companhia ao livro Uma era secular [4], de Charles Taylor, que li paralelamente. “É lugar-comum que algo que mereça” o título de secularização “tenha acontecido em nossa civilização”, escreve Taylor. “O problema é definir exatamente o que é que aconteceu”. (A versão popular vulgar mantém que a ciência, em algum sentido, provou que a religião é falsa; isto é simplesmente outro modo de dizer que o cientificismo é a fé própria do capitalismo tardio.) A despeito do conteúdo exato de secularização, os neoevangélicos de Worthen perceberam que a imagem coerente do mundo, um pressuposto compartilhado da verdade da religião cristã, desapareceu. E eles começaram a tentar descobrir como restaurá-la.
O interessante é que as soluções propostas estão frequentemente assentadas sobre as metodologias do próprio secularismo. Worthen reconta as tentativas evangélicas de reforçar dogmas pré-modernos usando as ferramentas da antropologia, da sociologia e do empirismo moderno – as mesmas formas de conhecimento que eles muitas vezes condenaram por terem deixado Cristo de lado. Isso é perversamente apropriado, considerando o argumento de Taylor de que a própria Reforma estabeleceu as bases para a secularização. O que [Max] Weber diagnosticava (tomando emprestado de [Friedrich] Schiller) como “o desencantamento do mundo” começou como o desencantamento sistêmico no interior do cristianismo. Na abolição do “sagrado do culto e da vida social” e em sua “atitude instrumental”, visando a ordem social, o protestantismo radical prepara o caminho para o humanismo. Ele não faz isso sozinho e ele próprio pode ser visto como o produto de forças econômicas em mudança, mas há um sentido importante no qual os evangélicos se descobriram vítimas da própria armadilha. Assim, não é de todo surpreendente encontrar Carl Henry argumentando que a verdade bíblica é proposicional, ao que Clyde Kilby, professor em Wheaton, rapidamente retrucaria, “Como podem os Salmos ser proposicionais?”.
Foi ingenuidade dos neoevangélicos, sem dúvida, pensar que eles simplesmente poderiam formular uma visão de mundo, como se isso fosse uma questão de decisão individual. Todavia, eles reconheceram um fato real a respeito do mundo e de suas épocas, isto é, que as opções básicas para a compreensão da experiência vivida haviam mudado dramaticamente, e isso era algo recente. Como Taylor argumenta, ser um cristão no século 21 não é a mesma coisa como era ser um cristão em 1500, e nós poderíamos acrescentar que ser um ateu também já não é mais a mesma coisa.
Taylor usa o exemplo de uma pessoa possuída por espíritos malignos na Palestina do século 1: para aqueles que conviviam com tal pessoa, simplesmente não havia possibilidade de “alimentar a idéia de que essa era uma explicação interessante para uma condição psicológica, identificável puramente em termos intrapsíquicos, mas que havia outras etiologias, possivelmente mais confiáveis, para essa condição”. Nós, por outro lado, “não podemos ajudar, mas estamos cientes de que há uma variedade de diferentes constructos, pontos de vista em relação aos quais pessoas razoavelmente esclarecidas e inteligentes podem de boa vontade discordar, e o fazem”. Não podemos ajudar “vivendo nossa fé também em uma condição de dúvida e incerteza”.
Foi essa dúvida e incerteza que os evangélicos da história de Worthen tentaram exorcizar e, claro, eles podem também ter tentado recriar as condições sociais da Galileia do Novo Testamento. O que os filósofos chamam de ‘fundamento’ [‘background’], Taylor escreve, mudou: de um, no qual um constructo teísta ingênuo era quase onipresente, a outro, “no qual o constructo de todo mundo se mostra como tal; e no qual, além disso, a incredulidade tornou-se a opção padrão principal para muitos”. Essa transformação não pode ser desfeita, exceto por outra transformação igualmente fundamental, e tais eventos não podem ser provocados deliberadamente.
Ateus de graduação
Uma consequência infeliz dessa mudança de fundamento é que, como a incredulidade parece ser a única interpretação plausível a um número cada vez maior de pessoas, elas acham difícil entender o motivo de alguém adotaria uma posição diferente. Desse modo, “elas chegam a teorias bastante equivocadas para explicar a crença religiosa”, deixando-nos expostos a livros grosseiros [ignorant books], como os de Richard Dawkins, Christopher Hitchens e Daniel Dennett. Veja, por exemplo, Dawkins falando a respeito de Tomás de Aquino, uma discussão tão inepta que é como se Noam Chomsky decidisse publicar um livro introdutório sobre rock pesado [black metal]. (Veja, em A experiência de Deus, a elegante demolição que David Bentley Hart faz da análise de Dawkins.)
Os ‘ateus de graduação’, como o filósofo Mark Johnston os chama em Salvando Deus, foram definitivamente refutados por Hart, Terry Eagleton, Marilynne Robinson, o próprio Johnston e outros. Podem ser divertidos como carnificinas intelectuais – é como assistir Jon Stewart cutucando Glenn Beck [5]. Evidentemente, porém, Richard Dawkins é apenas um sintoma. Já encontrei ateus que parecem não só nunca terem conhecido um crente educado e inteligente, mas que duvidam da existência de tal criatura.
A mim me parece que esses incrédulos perderam algo fundamental a respeito da natureza do ser, como ela se manifesta ao animal humano, algo que as principais tradições teístas tentam abordar com um pouco mais de nuance e generosidade do que o positivismo lógico, em suas versões atualizadas, consegue reunir. Obviamente, você não tem de acreditar em Deus para se sentir humilhado e desorientado diante do que [Martin] Heidegger chamou de “a questão do significado do Ser”. (Na verdade, eu muitas vezes penso que a noção de “crença” é mais problemática do que deveria.) Mas você tem de reconhecer que há uma questão, “a grande questão que gira em torno de você”, como John Ashbery coloca: “sua presença aqui”. E você tem de reconhecer que se trata de algo fora do âmbito das ciências naturais.
Um dos piores aspectos do evangelicalismo conservador, especialmente em suas orlas fundamentalistas, é que muitas vezes o seu literalismo incentiva o ateísmo néscio da variedade Dawkins. Se o cristianismo de fato abrigasse as crenças de que a Terra foi criada 6.000 anos atrás, de que a homossexualidade é um mal e de que Noé realmente construiu uma arca gigantesca, eu também não ia querer ter nada a ver com isso. Imagino que Richard Dawkins nunca prendeu uma criança de terceiro ano em um trailer, obrigando-a a confessar que a teoria do equilíbrio pontuado é falsa.
Mas o cristianismo, ouso dizer, não abriga tais crenças. Como de costume, Marilynne Robinson chamou a atenção para esse ponto com uma contundência eloquente:
As pessoas que insistem que a sacralidade das Escrituras depende da crença na criação em seis dias literais parecem nunca insistir em uma leitura literal de “dá a quem te pede” [Mt 5, 42] ou “vende o que tens, e dá-o aos pobres” [Mt 19, 21]. De fato, sua política e economia os alinham precisamente com aquelas de seus adversários, que anseiam por se livrar dos fracos e por soltar as grandes forças criativas da concorrência. Os defensores da “religião” fizeram com que a religião parecesse uma tolice, ao mesmo tempo em que emudeceram diante de um prolongado e altamente efetivo ataque aos pobres.
Em 1931, C. S. Lewis foi convertido durante um passeio ao luar com J. R. R. Tolkien. No intervalo dessa caminhada, Lewis escreveria mais tarde, Tolkien o convenceu de que “a história de Cristo é simplesmente um mito verdadeiro”. Taylor, Robinson, Hart e Johnston – todos os quais estão abertos às verdades de outras religiões, assim como às do cristianismo – nos ajudam a entender o que isso significa. Apóstolos da razão, uma história emocionante, ainda que parcial, das cinzas das guerras fundamentalismo vs. modernismo, nos ajuda a entender o que elas não significam.
*

Texto de Michael Robbins, no Jornal GGN
Notas do tradutor
[1] Michael Robbins é escritor; autor, entre outros, de Equipment for living e das coletânias de poesia Alien vs. Predator e The Second Sex. Versão ligeiramente diferente deste artigo foi publicada no Observatório da Imprensa, em 14/1/2014. O artigo original, ‘You being here’, foi publicado na revista eletrônica Slate, em 6/1/2014. A tradução é de Felipe A. P. L. Costa.
[2] Para detalhes, ver aqui.
[3] Para detalhes, ver aqui.
[4] Sobre a edição brasileira deste livro, ver aqui.
[5] Ver aqui ou aqui.

O paradoxo da delação premiada

A Delação Premiada virou a “menina dos olhos” de uma parte da população brasileira. Não se sabe, porém se por conhecerem do tema ou se por ideologia “anti”, já que a Lava a Jato prendeu apenas sete políticos desde 2009 e cinco deles são do PT.

Numa leva de inovações teóricas iniciadas com Joaquim Barbosa e seu “Domínio do Fato”, até o “probabilismo penal jurídico cristão” de Deltan Dallagnol, o rol de inovações é tão estranho quanto de duvidosa serventia. Aliás, o próprio criador da doutrina do “domínio do fato”, Klaus Roxin, desautorizou a forma com que Joaquim Barbosa usou no mensalão. Era muito domínio e pouco fato. Vozes qualificadas contra as inovações brasileiras não faltam. Vão desde constitucionalistas como José Gomes Canotilho até penalistas mundialmente reconhecidos como o italiano Luigi Ferrajoli e Raul Zaffaroni. Aliás, Canotilho foi autor, junto com Nuno Brandão, de um parecer pedido pelo governo português sobre a Lava a Jato. Canotilho é límpido e transparente sobre a ilegalidade dos acordos de delação. Na mesma esteira, o juiz espanhol que mandou prender Pinochet, Baltasar Garzón, e o juiz da “Operação Mãos Limpas” na Itália, Gherardo Colombo, são ambos abertamente críticos aos desmandos e novidades produzidas pela turma jurídica brasileira nestes últimos tempos.
A citação destes “gringos” em nada desmerece a luta feita pelos brilhantes juristas que temos. Desde Pedro Serrano, Fernando Hideo Lacerda bem como os juízes Marcelo Semer e Rubens Casara – para ficar apenas nos que tenho algum contato – denunciam e questionam as “novidades” jabuticabescas colocadas em prática contra o PT e os governos progressistas. Peço desculpas a todos os que não cito, desde já. Não vai aqui qualquer demérito que não o da minha falha memória e minha ignorância. Cito os “gringos” para fugir do argumento muito “terra brasilis” de que os juristas que denunciam a Lava a Jato e Moro são “de esquerda”. Como se a posição política definisse a correção epistemológica com que se trata o objeto que se estuda. É claro que vozes vão dizer que Canotilho, Zaffaroni, Ferrajoli, Colombo e Garzón são pagos pelo PT e participam de alguma internacional comunista. Vão surgir inúmeros artigos de duas páginas, em blogs “liberais” “provando” a tese de que eles fazem parte do Foro de São Paulo. O irracionalismo é marca indelével destes tempos fascistas que vivemos.
Irracionalismo e ignorância à parte, o instituto da Delação Premiada não pode ser aceito como parte do ordenamento jurídico brasileiro. Há uma contradição histórica e sociológica evidente que inutiliza tal teoria do ponto de vista da aplicação da justiça dentro do sistema brasileiro. Não tenho conhecimento formal sobre processos e nem pretendo fazer teses a este respeito. Mas o direito é mais um vetor constitutivo da sociedade e como tal não é alheio à compreensão e crítica de cientistas sociais e nem imune, como objeto de estudo, ao olhar de outros que não juristas.
Apenas alguns juízes – e sempre os mesmos – acham que os juízes são uma casta imune à corrupção. Apenas alguns juízes – e sempre os mesmos – defendem a infalibilidade do juiz e sua natureza humana diferenciada, muito parecida com as doutrinas religiosas medievais sobre o Papa ou a forma como a constituição brasileira tratava o imperador em 1824. Infalibilidade, inimputabilidade, inquestionabilidade e soberania total dos atos. Trocamos UM imperador por cerca 3000 imperadores-juízes que (quando muito) julgam a si próprios e seus pares. Regiamente pagos, definem o quanto querem ganhar. E a isto chamamos jocosamente de “república”.
Voltando ao instituto da Delação Premiada, ele surge no direito anglo saxônico e é implementado fortemente nos EUA. O “plea bargain” nos EUA tem uma série de restrições formais. São aceitos apenas um plea bargain por crime imputado, negando que o juiz possa usar várias “confissões” como forma de prova sobre outros réus, num processo de formação de culpa por cumulação de “confissões”. Lá, as informações usadas não valem sem provas (e não apenas evidências) que as consubstanciem, e o réu que faz o “plea bargain” que tem por obrigação oferecer, senão as provas, ao menos meios concretos para que as investigações as encontrem. Existem também diferenças sobre quem pode oferecer benesses ao suplicante do plea bargain, quanto suas penas podem ser minoradas e em nenhum momento é imposto ao suplicante que abra mão de seus direitos em todas as instâncias, como ocorre na Lava a Jato. Muitas pessoas citam o fato de “as instâncias superiores” terem mantido as condenações e não questionado os métodos de Moro, mas poucos sabem que ao fazer o acordo com o MP brasileiro, o suplicante abre mão de discutir este acordo em todas as instâncias acima do MP. Ou seja, não há questionamento porque é parte do acordo cercear o direito fundamental do cidadão de recorrer a tribunais e órgãos colegiados!
Assim que o MP abre o procedimento da “Delação Premiada” o procurador que está a frente do suplicante é Deus, Rei, seu confessor terreno e seu carrasco ao mesmo tempo. Não há nada que controle o MP, nada que possa questionar este processo de arrancar informações. Nada nem ninguém que esteja como testemunha de TODAS as informações oferecidas em comparação com as usadas pelo MP. Em resumo, o MP não tem obrigação alguma de usar as informações recebidas. Pode focar em seus interesses, decidir sozinho pela pertinência da delação, sua extensão, sua profundidade e tudo mais que a cerca.
Chama a atenção especialmente aqui o fato de que NÃO HÁ QUALQUER ESTÍMULO AO CONTRADITÓRIO NESTE PROCESSO. Há o interesse do MP de condenar X e para isto ele leva Y a delação premiada. X vai falar sobre Y por interesse em sua liberdade, diminuição de pena ou mesmo extinção do processo. Tudo, pois, beneficia Y. A quem a delação ataca, por exemplo X, não está nem tem seus advogados presentes! O MP por óbvio não pode fazer o duplo papel de incitar a colaboração e oferecer o contraditório ao mesmo tempo, e o juiz não poderia (embora Moro tenha inventado a figura do “juiz-assistente de acusação”) oferecer críticas a delação por violação total do princípio da equidistância. Em suma, o ato da delação se constitui numa arma mortal nas mãos do Estado que “prova” o que quiser, contra quem quiser, fulminando de uma só vez o princípio da paridade de armas entre defesa e ataque e reduz a relação entre indivíduo e Estado a uma mera formalidade entre escravo e feitor.
Agora imaginem uma delação “vazada” e tornada pública.
Seria mais justo oferecer o réu à execração pública e depois enforca-lo aos gritos histéricos dos “homens de bem”.
O principal problema da Delação, entretanto, não está na sua metodologia interna, que já vimos é totalmente contra os princípios de direito brasileiro. O principal problema é que no sistema anglo-saxônico os juízes não são nem perto das divindades olímpicas brasileiras. Nos EUA, por exemplo, as decisões da Suprema Corte não têm poder cogente. Não podem ser obrigadas imediatamente sobre os entes federativos. É preciso que a União aja para impor uma decisão e neste espaço existe a resistência política dos Estados, e até das municipalidades. Os EUA, ao contrário do que todos pensam, não tem na Justiça a última voz, mas na política. Até por isto a Suprema Corte exerce suas funções com um imenso cuidado para não romper as relações de poder entre os entes e entre o cidadão. Um exemplo que ocorre agora, Trump ordenou uma série de medidas duras para atacar imigração e imigrantes ilegais dentro dos EUA. O Estado da Califórnia se negou a cumprir e não há nada que Trump possa fazer para OBRIGAR o cumprimento de sua ordem. Trump pode aplicar penalizações econômicas e negociar politicamente uma solução. Pode apelar para a Suprema Corte e, de novo, o que a Suprema Corte decidir fica submetido à relação de poderes política.
Significa dizer que no Brasil um juiz manda e, por mais tresloucada que seja sua ordem, se sustentada por seus pares deve ser cumprida. Quem assim não o fizer vai preso. Isto só existe nos EUA no nível local. O efeito prático é que nos EUA toda decisão judicial é uma decisão socialmente construída e não fruto apenas da “consciência individualmente monitorada” do julgador. Se a Suprema Corte começar a se tornar draconiana, rapidamente os estados passam a se opor às decisões. Isto leva aos juízes a decisões realmente calcadas em pontos que sejam entendidos como socialmente sustentáveis para O CONJUNTO da sociedade. A decisão leva em conta a correlação de forças, os entendimentos, a historicidade e as repercussões sobre as comunidades e sobre o país, além da simples noção de “mérito”.
No Brasil os juízes têm tocado o “foda-se” e os desembargadores se tornam “bullies”, ameaçando prisão e defendendo seus pares contra tudo e contra todos.
Um último ponto a ser tocado, é que o “impeachment” nos EUA existe exatamente para conter os juízes. Nunca um presidente norte-americano foi retirado do cargo por impeachment, mas cerca de 15 juízes foram retirados por meio do impeachment. Se colocado este “detalhe” na balança, fica evidente que os juízes tendem muito mais a controlar suas ações, em vista da possibilidade de sofrerem sanção pelos seus abusos. É muito melhor a forma de controle entre os poderes lá do que o que ocorre no Brasil. Além do fato de que, em muitos estados, juízes, promotores e delegados de polícia são cargos eletivos.
Não há comparação entre o “plea bargain” americano e a “delação premiada” no Brasil, do ponto de vista da sociologia dos poderes. Lá é um incentivo controlado que pode ser usado pelo réu. Os seus resultados são contraditados em todas as instâncias, inclusive com controle social e político sobre os juízes e suas sentenças. No Brasil, a delação premiada é um instrumento ditatorial do Estado, que culpa quem quiser, quando quiser e da forma que quiser. Se você juntar isto com os vazamentos midiáticos seletivos, as proibições a perícias e provas da defesa e o conluio, via corporativismo, amizade ou laços familiares, do judiciário, temos a Lava a Jato.
Na verdade, temos a semente do fascismo, da lei em movimento e o fim de qualquer valor ou prática que se ligue minimamente à ideia de República. O termo república vem do latim “res” “publicum”, que quer dizer “coisa do povo”. E nenhuma República pode aceitar o poder de um juiz e um promotor armados com a delação premiada e amigos, familiares ou “seguidores” nos tribunais superiores. A delação premiada não faz justiça, mas justicia quem o juiz e o promotor bem quiserem.

Texto de Fernando Horta, no Jornal GGN

terça-feira, 24 de abril de 2018

Como se enxugasse gelo

Há dezesseis dias, Lula é um preso político do Estado de exceção que tomou o Brasil.
O resultado prático desta prisão, contudo, não foi bem avaliada nem pelo judiciário, nem pelos opositores políticos de Lula. O tão abominado “jeitinho” brasileiro, marca por muitos anos dos nossos políticos, agora é usado pela Justissa em sua cruzada moralista contra a esquerda. Mostra, pois, que qualquer crítica a este nosso traço cultural é apenas preconceito. Desde o primeiro grau, até Carmem Lúcia, a prisão de Lula foi concertada unicamente a partir do princípio do “eu posso, eu faço”. Desde a falta de provas, apresentações espalhafatosas para a mídia, vazamentos ilegais até a decisão vergonhosa dos três desembargadores de Porto Alegre, havia ainda, internacionalmente, um fio de respeito pelas instituições brasileiras. Diversos jornais e analistas estrangeiros se postavam com cuidado para falar do tema. Era sim, o processo brasileiro, eivado de irregularidades e claramente político, mas era custoso ao mundo ocidental olhar para o Brasil e ver a história da Europa recontada. Tudo na lava a jato é semelhante às perseguições dos tribunais nazistas e fascistas. O Velho Mundo não estava preparado para aceitar que o fascismo estava de volta, e pelas mãos dos (supostamente) mais “educados” e “cultos”.
A lava a jato perdeu de vez a luta pela narrativa internacional a partir do “jeitinho” de Carmem Lúcia, denunciado ao vivo em plenário por Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Celso de Mello, em pautar o julgamento ao invés das ações de questionamento constitucional. Ficou ainda mais evidente a imensa diferença de capacidade técnica entre a procuradora-geral e os advogados de defesa. Aos observadores internacionais ficava patente que não havia sequer o convencimento institucional da culpa de Lula. E os que ali estavam a defender isto eram, ainda, péssimos atores. O desespero de Sérgio Moro, atropelando ritos e etapas formais do direito, para mandar prender Lula, lembra o estado de ejaculação precoce de adolescentes. Moro viu uma canela, um decote e não se aguentou. Aos observadores internacionais, que aprenderam que o Direito é composto igualmente por forma e conteúdo, as ações de Moro foram outra evidência de que a fascista lava a jato não tinha qualquer legalidade.
Lula se deu ao cárcere. Apesar da resignação incontida e brilhante de São Bernardo do Campo.
Na última semana, a Justissa brasileira vem perdendo ainda mais licitude. Uma juíza, cuja legitimidade resta inteiramente num concurso com três provas, achou por bem barrar um prêmio Nobel da Paz em seu intento de visitar Lula. Do alto do conhecimento social e histórico acumulado pela Juíza para passar em seu concurso, ela acreditou que não apenas proibir as visitas, mas espezinhar Pérez Esquivel seria uma boa mensagem da Justissa brasileira para o mundo. “O problema é dele” teria dito a juíza ao negar Esquivel e Boff. A foto de Leonardo Boff, com sua bengala e barbas brancas, sentado à frente do calabouço que enfiaram Lula, na República de Curitiba, é um míssil nuclear sobre o que restava de confiança na Justissa deste país.
Hoje, ao mesmo tempo que surgem outras notícias a respeito de mais negativas dada pela juíza a senadores, personalidades internacionais, candidatos à presidência, de dentro do calabouço aparecem narrativas redentoras. Policiais que têm contato diário com Lula publicam que, em quinze dias com o presidente, começam a “ter dúvidas” sobre a vilania do preso político. Um policial inclusive, relata que Lula é simples, educado e atencioso com todos. Este mesmo policial menciona que tinha “certeza” da culpa de Lula e hoje não há tem mais.
Os resultados dos 16 dias de prisão política de Lula são assustadores, do ponto de vista interno e internacional. Internamente o Partido dos Trabalhadores assiste a uma onda de filiações que, em números relativos, supera os melhores momentos da presidência de Lula. A esquerda brasileira parece finalmente ter entendido que a união é o único caminho e até Ciro Gomes, vejam só, assina pedido de visita ao ex-presidente. Jovens trabalhadores pelo país inteiro mandam vídeos de apoio a Lula, cartas inundam o calabouço onde está preso. A vigília do acampamento à frente grita toda manhã “Bom dia presidente!”, ao que fontes confiáveis dizem que Lula, com lágrimas nos olhos responde: “Bom dia meu povo”!.
Lula arrebenta o judiciário brasileiro. O MP racha e surgem grupos a assinar manifestações contra a flagrante prisão política. Os bravos magistrados da Associação de Juízes pela Democracia fazem o que a vergonhosa OAB de Lamachia se furta covardemente de fazer. Não surpreende a quem conhece a trajetória do presidente da OAB no RS. Advogados são desrespeitados em todo o país, o próprio Direito perde sua consistência e encontra na AJD a voz que a OAB trocou por rompantes políticos. Lula preso desmascara o “jeitinho” do STF, o populismo punitivista com “pitadas de psicopatia” de Barroso, Fux e Fachin. Lula preso, mostra que a Rosa foi sim vencida pelos canhões. E isto tudo via twitter.
Como se não bastasse, surgem evidências de que a Odebrecht teria pago Cunha para sabotar Dilma. O Karma veio imediato, a empresa foi destruída e o neto do fundador preso. Aécio, que ombreia na adolescência com Moro, descobriu como é duro e custoso acabar com a democracia. Se não foi o “primeiro a ser comido”, já está sendo cozinhado em fogo brando, juntamente com a desprotegida irmã. O MTST invade o famoso “muquifo do Guarujá” e mostra que as notas das “reformas” e “melhorias”, usadas por Moro para tentar chegar a um montante crível de corrupção, são falsas. O apartamento é mal construído, mal pensado e com acabamentos que nenhum pedreiro, com um mínimo de competência, faria pior. O famoso elevador se resume a uma portinhola que este que vos escreve pensa não conseguiria entrar.
Mas o pesadelo não terminou. Temer, acossado cada vez mais internamente por sua conhecida trajetória com desconhecidas transações e empresas, não ganhou um milímetro de apoio interno ou internacional. As exportações brasileiras caem para a União Europeia ou são até proibidas. E para o observador desatento as desculpas dadas pelos europeus parecem “técnicas”, mas são no exato modelo das condenações da lava a jato. O recado é claro, a cruzada moralista de Moro e seu culto de adoradores continuam a fazer mal ao Brasil, principalmente para a sua economia.
Nenhum candidato da direita tem chance no pleito que se segue. O primeiro colocado é Lula, que preso já ganha no primeiro turno. O próximo mais votado é “quem Lula indicar”, segundo as pesquisas. O terceiro mais votado é um tal de “brancos e nulos”, caso Lula seja proibido e decida não legitimar as eleições. O quarto mais votado é o mundialmente reconhecido “perigo para a Democracia”, Jair Bolsonaro. Que recentemente descobriu que pode recuperar a economia brasileira explorando o leite de ornitorrinco da Amazônia.
Por qualquer ângulo que se veja a prisão de Lula, ela está sendo brutalmente devastadora para a Justissa brasileira. E, enquanto Moro for tomado como Sua Santidade do judiciário, todo este poder continua afundando. Não tardará para que o Legislativo exerça sua histórica revanche. Em menos de cinco anos diversas leis contra o poder e mordomias do judiciário serão silenciosamente aprovadas. E Moro terminará numa vara a julgar pensões e aposentadorias do INSS. Bem longe dos holofotes. O que será devastador para seu inflado ego.
Uma das mais odiosas formas de tortura e punição medieval era o “emparedamento”. O prisioneiro era preso com correntes junto a um muro e outro muro de pedras era erigido na sua frente. Virtualmente se apagava o sofredor da vida material, não deixando sequer vestígios de sua existência material. A lava a jato tentou, mas é Lula quem empareda a Justissa brasileira. Prender Lula é como tentar enxugar gelo.
Bom dia, Presidente!

Fernando Horta, no Jornal GGN.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

O caso do tríplex em Guarujá, o juiz Sergio Moro e o juízo de exceção

Vimos que a competência criminal se fixa em razão do lugar: o lugar da infração ou o lugar do domicílio do réu. O foro competente para julgar a questão do tríplex atribuído a Lula seria então: ou Brasília, ou Guarujá, ou São Bernardo do Campo. Como é que esse caso foi parar em Curitiba?

Bem, digamos que, na ação X movida contra vários réus, a competência se determinará pelo seu domicílio, e eles têm domicílio em comarcas diferentes.

Então, o juiz de uma dessas comarcas poderá ter estendida sua competência, para que possa julgar todos os réus, no mesmo processo. A isso pode-se chamar de conexão, ou continência. Se a ação penal já começou contra um dos réus, e depois tem início outra, contra outro, diz-se que há prevenção do primeiro juízo.

Qual a razão para que a competência de um juiz se amplie para outros casos assemelhados, seja por conexão, continência ou prevenção? A razão é a unidade processual: faz-se uma única instrução processual, profere-se uma única sentença. Proferida a sentença, caso surja depois — em Brasília, em Guarujá ou em São Bernardo — um novo caso que tenha pontos de contato com aquele, qual o juízo competente? O de Curitiba? Evidentemente, não. Porque a sua competência prorrogou-se apenas para aqueles casos, tendo em vista a unidade de sua instrução e julgamento. Não nasceu, daí, uma competência perpétua e universal daquele juízo, com relação a todos os casos assemelhados. E caso o juízo de Curitiba se arrogue essa competência, transforma-se-á em juízo de exceção.

Já tivemos juízo de exceção no Brasil durante a ditadura de Getúlio, com o Tribunal de Segurança Nacional, criado em 1936. Por isso, diz a Constituição brasileira, em seu artigo 5º-LVII: “Não haverá juízo ou tribunal de exceção”.

Quando 12 membros do Ministério Público Federal formularam a denúncia quanto ao tríplex, entregaram a petição inicial diretamente ao juiz da 13ª Vara Criminal de Curitiba (o juiz Sergio Moro). Saltaram por cima do juiz distribuidor, dizendo, na própria petição, que havia conexão com dois outros processos daquela vara: os processos 500661729.2016.4.04.7000/PR e 5035204- 61.2016.4.04.7000/PR. Ao receber a denúncia, o juiz da 13ª Vara fez menção a vários outros processos, mas principalmente à Ação Penal 5083376­05.2014.404.7000, que envolvera a empresa OAS. E, ao proferir a sentença condenatória, declarou-se competente por prevenção, pois “a investigação iniciou-se a partir de crime de lavagem de dinheiro consumado em Londrina/PR e que, supervenientemente, foi objeto da ação penal n. 5047229-77.2014.404.7000”.

Aberrações como essas seriam facilmente corrigíveis, seja mediante apelação, em segunda instância, seja mediante correição por parte do Conselho Nacional de Justiça.

Não sei dizer — pelo menos até aqui — o que aconteceu no CNJ. Mas posso dizer o que aconteceu no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Criou-se, ali, uma turma de exceção, ao se atribuir a um único desembargador a competência para relatar todos os casos da “lava jato”. Em outras palavras: criou-se, com isso, uma blindagem contra a parcialidade, a suspeição e os abusos de poder do juiz Moro. De modo que, sempre que fossem arguidas essas matérias, seriam sumariamente rejeitadas por essa turma. Escusado dizer que um juiz de exceção açambarca a competência de todos os outros juízes do mesmo grau. E que uma turma de exceção açambarca a competência de outras turmas do mesmo tribunal.

Também não sei dizer — pelo menos até aqui — o que aconteceu no Superior Tribunal de Justiça, que negou Habeas Corpus a Lula. Mas sei dizer o que aconteceu no Supremo Tribunal Federal, onde o ministro Teori Zavascki, e depois o ministro Luiz Edson Fachin, foram instituídos ministros excepcionais da “lava jato”. Só que, ali, a mão do gato operou com mais sutileza e ardil.

O que é a “lava jato”? Quem melhor a define é o juiz Moro — detentor da competência universal e excepcional nessa matéria — ao receber a denúncia do tríplex.

Alguém poderia alegar que não acredita no que estou dizendo porque isso seria uma ignomínia, inconcebível tratando-se de dignos e decentes magistrados. Eu lhe responderia assim: pense, meu caro, duas vezes.


Do Conjur, visto no DCM.

As reações à prisão de Lula

Houve os que se desesperaram, considerando que Lula é vítima de um complô da classe dominante. Entendo. De qualquer forma, somos sempre todos vítimas de distorções cognitivas induzidas por nossas emoções e crenças. Enxergamos sobretudo o que confirma nossas próprias pré-concessões (é o que os psicólogos chamam de "viés de confirmação").
Outros se regozijaram como se fosse a melhor terça de Carnaval da vida. Em geral, compensamos nossas frustrações odiando qualquer outro que alcance o que ele queria —é o viés do carniceiro: não somos toureiros e, por isso, assistimos uma corrida de touros na esperança de que o toureiro seja encornado.
Mas, com algumas exceções, pareceu-me que os que festejavam fossem menos numerosos, menos barulhentos e talvez menos felizes do que eles mesmos esperavam ser.
O que me leva ao terceiro grupo. Distantes dos aflitos e dos festeiros, encontrei muitos que (como a maioria) consideraram justificada, se não justa, a prisão, mas não festejaram: ao contrário, eles ficaram profundamente tristes. Eu me sinto próximo desses, porque a notícia da prisão de Lula me deixou triste.
Triste por Lula estar na prisão? Bom, a idade do preso condiz dificilmente com o rigor da prisão; talvez por eu estar envelhecendo, até a prisão de Paulo Maluf, no ano passado, me deu pena.
Mesmo assim, acho que a tristeza não foi por Lula, mas pelo Brasil, que é minha casa. Fiquei triste pelo fracasso que a prisão de Lula representa: fracasso do Brasil, fracasso nosso, de todos e para todos.
Claro, o próprio Lula, nesta altura, diria que o governo dele não foi fracasso algum e que "nunca antes neste país" etc. Tudo bem, talvez nunca antes neste país um presidente tenha sido tão preocupado com a sorte dos mais desfavorecidos. É possível, mas não foi suficiente.
Passei o fim de semana após a prisão revendo os debates e aos jingles de campanha desde 1989: Lula lá, Sem Medo de ser Feliz...
Lembrei-me, detalhadamente, daquele domingo de novembro em que parecia que ele poderia ganhar. Com Marcelo Vinãr, amigo uruguaio que me visitava naqueles dias, percorri Porto Alegre (onde eu morava): as bandeiras, o gesto do polegar e indicador para desenhar um L, as buzinas, os sorrisos nas ruas.
Muito além do entusiasmo partidário dos petistas, havia no ar uma enorme esperança, de um país menos desigual, mais digno, onde todos viveríamos melhor.
É o fim dessa esperança que me entristece com a prisão de Lula —tanto mais por ser um fim envergonhado, de rabo entre as pernas.
A tristeza vem com uma ponta de irritação: o governo que carregava a esperança de tantos, se não de todos, não soube (ou não quis) transformar o molde de nossas eternas repetições --por insuficiência, por incompetência e talvez simplesmente por falta de coragem.
O molde brasileiro é complexo. Uma de suas componentes essenciais é uma "Elite do Atraso" (como lembra Jessé de Souza, Leya), a qual se constituiu numa colonização saqueadora e na invenção de um modo de produção escravocrata.
Como já escrevi anos atrás ("Hello Brasil!", que atualizei agora, Três Estrelas), essa elite não veio para criar um país e fomentar a existência de seu povo —veio para se enriquecer (e, eventualmente, levar o butim embora).
Outros diriam que o aspecto essencial é a falta de limites entre público e privado. De fato, esse "outro" aspecto é só corolário do anterior: para a elite saqueadora não há bem comum, não há comunidade de destino, não há interesse da nação —não há nação. Para essa elite, o Estado é um dispositivo que ela compra e vende para estender seu poder sobre o povo e as coisas.
Exemplo. Nos anos 1980, conheci um empresário brasileiro preocupado com a importação (do Oriente) de produtos análogos mas muito superiores aos dele. Perguntei se não poderia modernizar, formar melhor sua mão de obra e competir. Ele me disse que seria bem mais em conta distribuir dinheiro a políticos que instaurassem impostos de importação sobre os produtos concorrentes.
Os governos do PT tentaram corrigir a miséria produzida pelas elites saqueadoras; infelizmente, talvez para se manter no poder, eles continuaram usando o Estado como um mercado de interesses privados ou partidários.
E a esperança de um novo Brasil foi para o brejo.

Texto de Contardo Calligaris, na Folha de São Paulo.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

O fakenews de Mirian Leitão sobre a Petrobras

De um analista de mercado:
A proliferação de sites de conferência de notícias tem um bom caso para ser analisado. Incluisve para comprovar que as checagens não se resumem a meras conferências factuais, mas ao pleno entendimento de conceitos.
No seu comentário na CBN, na hora do almoço, Miriam Leitão comunicou pela enésima vez que a Petrobras estava quebrada quando a presidente Dilma Rousseff deixou o governo. E agora foi salva por Pedro Parente.
Será fácil para os sites de checagem conferirem a veracidade ou não dessas afirmações.
Em 2015 a Petrobras levantou US$ 18,5 bilhões no mercado financeiro. Todas as emissões de bônus tiveram demanda varias vezes maior que a necessidade, todas tiveram boas notas de rating e foram lideradas por top bancos globais.
Em 1º de junho de 2015, ainda no governo Dilma, a Pwetrobras levantou US$2,5 bilhões em bônus de 100 ANOS de prazo, um prazo exótico e só aceito para emissoras de primeiríssima linha. A demanda foi de quatro vezes o necessário. A emissão foi liderada pelo Deutsche Bank e pelo J.P.Morgan. E já estava em plenop andamento a campanha do "petrolão" e de pichação da empresa pela mídia.
Em 17 de maio de 2016 a PETROBRAS emitiu bônus de 5 anos, valor de US$ 5 bilhões e bônus de 10 anos, valor de US1,75 bilhões, demanda 3 vezes maior.
Em 9 de janeiro de 2017 a Petrobras emitiu US$ 4 bilhões de bonus com a finalidade de recomprar bônus com vencimento para 2026, operação típica de empresas super liquidas e que estão com o caixa folgado. Na realidade, a Petrobras estava antecipando o pagamento de dividas, da mesma maneira que fez com financiamentos do BNDES.
Ao contrario do que diz Miriam Leitão, propagando um bordão com SIGNFICADO POLITICO , a Petrobras nunca esteve sequer remotamente perto de ser empresa quebrada. Durante todos os governos do PT até o fim do governo Dilma a PETROBRAS fez emissões regulares de bônus sem qualquer dificuldade de colocação, as emissões sempre tiveram OVERSUBSCRIPTION, demanda sempre no mínimo três vezes superior à oferta.
Uma semana antes da posse de Pedro Parente (1.6.2016), a Petrobras colocou com extrema folga emissão de bônus em Nova York.
A propagação dessa narrativa de ""Petrobras quebrada"" interessa especialmente ao grupo que hoje comanda a Petrobras, para justificar a queima de ativos a toque de caixa e a qualquer preço e mais a frente para embasar o grande projeto de privatização da Petrobras , já comprado por algumas candidaturas presidenciais, como a de Alckmin.
Para essa empreitada Miriam Leitão é uma das vozes de criação da lenda politico-financeira da " PETROBRAS QUEBRADA", uma solene mentira.

Luis Nassif, no Jornal GGN

Com Aécio réu, a justiça deixou de ser injusta?

Aécio se tornou réu no Supremo, dizem as manchetes. Agora a justiça no Brasil deixou de ser injusta?

A resposta é não. Aécio tornado réu é, na verdade, a demonstração final do quanto o judiciário brasileiro é incapaz de atingir as lideranças da direita.
1) À direita, os atingidos pela justiça são políticos inexpressivos ou decadentes, como é o caso de Aécio. Nem em seus melhores tempos ele teve uma fração da importância que Lula tem. Foi candidato presidencial sustentado pela força da mídia e do dinheiro, nunca alguém com liderança própria. Hoje, é o proverbial "cachorro morto". Não se sabe sequer se terá condições de concorrer a deputado em Minas. O impacto da decisão do STF sobre Aécio, na eleição presidencial programada para outubro, é literalmente zero.
2) A denúncia de que Aécio se beneficia do esquema de corrupção em Furnas, amparada em fartas evidências, tem mais de dez anos. A divulgação da conversa do senador do Leblon com Joesley Batista, aquela do "tem que ser um que a gente mata", completa aniversário no mês que vem. Aécio continua livre, continua senador e continua sem ter que temer uma justiça célere. Já no caso de Lula, como se sabe, os processos são despachados antes de dar tempo de piscar.
3) Não foi a direita que elegeu uma presidente e a viu ser derrubada, no início do mandato, por um golpe parlamentar alimentado pela midia e pela Lava Jato e abençoado pelo Supremo. O fato de que o Judiciário permitiu o golpe e avaliza todos os retrocessos do governo Temer, por mais inconstitucionais que sejam, prova do lado de quais interesses ele está.
4) Por fim, o mais importante. A justiça justa investiga os suspeitos, decide de acordo com as provas e pune os culpados. Há fartos indícios de que Aécio é culpado: rastros de transações bancárias, documentos, gravações do próprio senador. Processá-lo e eventualmente condená-lo é simplesmente seguir as regras. Já Lula foi investigado apenas por ser Lula, antes de existir qualquer suspeita contra ele; foi condenado sem qualquer atenção às provas; e está sendo punido sendo inocente. Podem colocar na cadeia um milhão de Aécios, mas nada disso conserta esta arbitrariedade.#LulaLivre

Texto de Luis Felipe Miguel, no Jornal GGN

domingo, 15 de abril de 2018

Minha absoluta indignação em face deste absurdo 'lawfare' contra o ex-presidente Lula

Através dos breves textos abaixo, manifesto toda a minha indignação sobre a perseguição que vem sendo efetivada contra o ex-presidente Lula pelo nosso parcial “sistema de justiça criminal”.

Estas manifestações foram escritas após o Supremo Tribunal Federal ter julgado improcedente o pedido de “Habeas Corpus”, ajuizado em favor do referido ex-presidente e o Tribunal Regional da 4ª.Região ter determinado o início da execução provisória de sua pena de prisão, aplicada em controvertido processo. Neste momento, a prisão do ex-presidente já foi decretada.
1 - CASO LULA. NÃO PERDOAREI TODOS AQUELES QUE FORAM, DE ALGUMA FORMA, RESPONSÁVEIS PELA PRISÃO DO EX-PRESIDENTE LULA.

Como insinuei em mensagem postada na semana passada, quero deixar claro que não manterei qualquer tipo de relacionamento, ainda que formal ou acadêmico, com qualquer dos "magistrados", membros do Ministério Público e policiais que foram responsáveis pela inconstitucional e ilegal prisão do maior líder popular deste país.

Lógico que isto não terá qualquer importância para estes "importantes" personagens do mundo jurídico. Entretanto, para mim, é um desabafo necessário, um grito contra a injustiça, contra o cinismo e a hipocrisia. Não os perdoarei jamais.

Torço até para não encontrar na Uerj, ainda que casualmente, os professores Fux e Barroso, pois sequer vou cumprimentá-los !!!

Quem acompanhou todo este lawfare contra o ex-presidente Lula sabe muito bem que não se trata apenas de discordar de entendimentos ou manifestações jurídicas. Cuida-se de não admitir práticas não republicanas e voluntarismos punitivistas que afrontam o nosso combalido Estado de Direito Democrático.

2 - MILHÕES DE BRASILEIROS VÃO CHORAR AO VER O SEU MAIOR LÍDER NO CÁRCERE.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DECIDIU QUE O EX-PRESIDENTE LULA SERÁ PRESO EM BREVE.

Emocionado, confesso que, enquanto estudioso do Direito, este foi um dos dias mais tristes da minha existência.

O maior líder popular da história deste país será preso em razão de um sórdido lawfare, conforme venho denunciando em vários textos escritos, acompanhado de centenas dos melhores juristas deste país.

Ao menos a minha filha Eliete Costa Silva Jardim, competente defensora pública e brava defensora dos direitos fundamentais da pessoa humana, tendo morrido prematuramente, foi privada desta decepção e tristeza.

Tenho dificuldade em admitir esta bárbara injustiça com um homem bom como é o ex-presidente Lula.

Se acreditasse em algum tipo de existência após a morte, estaria certo de que Eliete e D.Maria Letícia estariam agora chorando diante desta barbárie, como milhões de brasileiros vão chorar ao ver o seu maior líder no cárcere.

De minha parte, digo com veemência: jamais vou perdoar as pessoas que foram responsáveis por esta tragédia humana e social.

3 - POR QUE ESTA VOLÚPIA PARA PRENDER O EX-PRESIDENTE LULA, MAIOR LÍDER POPULAR DA HISTÓRIA DE NOSSO PAÍS ???

IMPOSSÍVEL O CONVÍVIO AMISTOSO COM ALGUNS DESTES MINISTROS, MESMO NO ÂMBITO ACADÊMICO.

A EMOÇÃO ME LEVA À RADICALIZAÇÃO.

Vendo e revendo o vídeo do julgamento do Habeas Corpus impetrado em favor do ex-presidente Lula, como professor de Direito Processual Penal por 38 anos e como cidadão crítico, fiquei indignado e perplexo com os votos de alguns ministros do S.T.F.

Não pude assistir a todo o julgamento ao vivo, porque estava fazendo uma palestra na Faculdade de Direito da U.F.R.J. sobre aspectos jurídicos da condenação do ex-presidente Lula no caso do “Triplex de Guarujá”. Tenho vários textos sobre este tema em minha coluna do site Empório do Direito.

Tendo em vista o que dispõe a Constituição da República e, mais especificamente, as regras do artigo 283 do Código de Processo Penal e artigo 105 da Lei de Execuções Criminais, o uso forçado de “firulas” jurídicas usado pelos Ministros Luís Fux, Luís Roberto Barroso, Fachin e Carmem Lúcia, chegou a ser constrangedor e deprimente, evidenciando que eles não desejavam enfrentar a questão de mérito do Habeas Corpus

Acho mesmo que talvez esteja faltando boa-fé e maior comprometimento ético em suas interpretações jurídicas. Não é possível aditar a petição inicial de um Habeas Corpus??? Por que???

Por outro lado, não teremos um verdadeiro Estado de Direito se o Supremo Tribunal Federal continuar decidindo de acordo com o que os ministros desejam que a norma jurídica diga e não de acordo com o que efetivamente ela diz.

Não se trata de decidir com base em estatísticas e argumentos punitivistas. Cuida-se de aplicar a Constituição Federal e o que está expresso nas leis processuais.

Destarte, a chamada "Lava Jato" não pode "aprisionar" o mais alto tribunal do país. A "Lava Jato" não pode tirar eficácia das normas constitucionais e negar vigência ao supra mencionado artigo.283 do Código de Processo Penal e ao aludido artigo 105 da Lei de Execução Penal. Que se mude então a legislação, mas que não se mutile e desconsidere o Direito posto.

Ademais, decidida a suspensão do julgamento do referido H.C. (suspensão esta injustificável e contra o Regimento Interno), tais ministros votaram a favor da prisão do ex-presidente, que ocorreria na próxima segunda-feira, não querendo nem mesmo aguardar o desfecho do julgamento da ação constitucional de tutela da liberdade. Chega a ser pura maldade.

A ministra Carmem Lúcia chegou mesmo a dizer que eventual prisão do ex-presidente poderia ser sanada facilmente através de alguma medida judicial. Muito estranho, pois o próprio H.C. já impetrado está demorando mais de meses para ser julgado e ainda não o foi !!!

A meu juízo, o correto é suspender todas as execuções provisórias de penas de prisão até o julgamento das ações diretas de controle de constitucionalidade que estão para entrar na pauta do julgamento pelo plenário do S.T.F. e que a ministra presidente se nega a “pautar” - (isto através de um Habeas Corpus coletivo).

Por que será que não viabiliza tais julgamentos? Tem receio do que será decidido? Quer prestigiar a “Lava Jato” e desprestigiar a Constituição Federal e o próprio Supremo Tribunal Federal?

Minha indignação é tamanha que digo de público: torço para não me encontrar, ainda que causalmente, com os dois primeiros ministros acima mencionados, nas dependências da nossa Faculdade de Direito da UERJ, onde todos lecionamos. A sanha punitivista destes ministros torna inviável nosso convívio fraterno ou amistoso e, de público, ouso radicalizar e romper as nossas melhores relações pessoais.

4 - REFLEXÃO QUE FALTA AOS PUNITIVISTAS.

Ao tratar da função do processo penal, em sala de aula, costumo dizer que o Estado Democrático de Direito sabe, de caso pensado, que vai assumir o risco concreto de absolver culpados, tendo em vista as garantias legais outorgadas aos acusados em geral.

Entretanto, sabe ele, outrossim, que não pode assumir igual risco de condenar inocentes. A persecução penal ao arrepio do sistema jurídico cria danosa insegurança para toda a sociedade.

Desta forma, o Estado Democrático de Direito sai também vitorioso quando, para não desrespeitar a Constituição e o ordenamento jurídico, acaba por absolver um culpado.

Em outras palavras: todos saem ganhando quando se respeita o "devido processo legal", quando se respeitam os princípios do processo penal democrático. Todos ganham quando o Direito ganha da sanha punitivista.

Talvez quem manda prender indiciados para forçar seus interrogatórios, quando eles têm direito ao silêncio, não saiba ou não concorde com o que se disse acima ...


Texto de Afrânio Silva Jardim, visto no Jornal GGN