sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Jango em Brasília

Bela ideia, a da recepção conjunta, em Brasília, dos quatro ex-presidentes vivos e da presidente aos despojos de João Goulart, prevista para a manhã de hoje. Quaisquer que sejam os erros atribuíveis a João Goulart, com ou sem possível razão, entre eles não está ato algum de traição à democracia.
João Goulart foi parte ativa de um período dificílimo do Brasil, pela agitação política e social, pela ação de interesses estrangeiros, a exacerbação das ambições de poder, a conturbada descoberta de si mesma por toda a América Latina, tudo isso no quadro estrangulante da Guerra Fria. A violência valeu-se de todas as formas possíveis naqueles anos. João Goulart não a usou nunca. Lutou politicamente, mas não se vingou jamais, por nenhuma das tantas formas de vindita ao seu alcance, de algum dos autores da perseguição odienta de que foi alvo por inúmeros políticos, militares e meios de comunicação, desde quando ministro do Trabalho, no governo presidencialista de Getúlio, à sua derrubada e exílio.
Não é só ao presidente vítima de um feroz golpe militar que os cinco sucessores legítimos homenageiam. É também a um modo de ser na política, comprometido, no caso, por concessões e traços típicos da demagogia, mas preservado como convivência ou como enfrentamento sempre nos limites civilizados. Lembrança que Jango traz com muita utilidade quando já se prenunciam deslizes inquietantes nas atuais preliminares da eleição e, sobretudo, da possibilidade de reeleição.
Jango Goulart não volta a Brasília por nenhum desses componentes institucionais, políticos e pessoais do seu percurso na vida nacional. Na melhor hipótese, o que o traz obterá resposta apenas parcial a uma incógnita maior. Se provocada, sua morte não seria desvinculada de objetivos criminosos e políticos que não se limitavam à eliminação de uma só pessoa.
Por isso, tão ou mais importante do modo como se deu a morte de João Goulart, por enfarte natural ou provocado, ou nem exatamente por enfarte, é o fato de ser parte de uma sucessão coerente, lógica e quase simultânea de ocorrências sem explicação satisfatória: as mortes, e suas circunstâncias, também de Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda. As três em apenas nove meses. As três dos políticos capazes de maior mobilização em todo o país. Os três entendidos entre si desde formada a Frente Ampla que abalou a ditadura e por ela foi silenciada. Os três capazes de levantar apoios externos quando a ditadura se tornava incômoda aos Estados Unidos e sob pressão atritosa do governo americano.
A ditadura foi um regime assassino e torturador montado por militares com o apoio da maior parte da camada economicamente privilegiada do país. Não há motivo algum para dúvida.


Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo

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