terça-feira, 26 de novembro de 2013

O acordo Lula/Irã era melhor

O acordo, efetivamente histórico, alcançado domingo entre o Irã e as seis grandes potências me obriga a voltar ao acordo de 2010 entre Brasil, Turquia e Irã.
Do ponto de vista das potências, o acordo que Luiz Inácio Lula da Silva e Celso Amorim ajudaram a costurar era melhor.
Explico: o entendimento previa, expressamente, o envio de 1.200 quilos de urânio pobremente enriquecido para enriquecimento na Turquia, para ser depois devolvido ao Irã preparado a um nível tal que lhe permitiria o uso para fins medicinais, mas impossibilitaria a utilização para fazer a bomba.
Convém lembrar que, desde sempre, o objetivo das potências que negociam com o Irã é impedir que o país persa chegue à bomba.
É bom lembrar também que foi o presidente Barack Obama quem, em carta a Lula, considerou "fundamental" a menção aos 1.200 quilos, no acordo que o Brasil então começava a costurar.
A lógica desse item é simples de explicar: retirando de seus estoques os 1.200 quilos, o Irã não teria material suficiente para continuar trabalhando na bomba, se essa for a sua real intenção, como suspeita o Ocidente, mas que Teerã nega uma e mil vezes.
Por que o acordo de 2010 é melhor que o de domingo? Também simples de explicar: o novo entendimento não tira do Irã um único quilinho de urânio. Logo, evitar que o país continue a enriquecer urânio a níveis suficientes para chegar rapidamente à bomba vai depender, única e exclusivamente, das inspeções internacionais.
No acordo Irã/Turquia/Brasil, ao contrário, o enriquecimento --e unicamente até o patamar de uso pacífico-- seria feito no exterior, sem necessidade de inspeções, sempre complicadas e passíveis de burla.
Parêntesis: não creio que o Irã pretenda burlar as inspeções com as quais se comprometeu no domingo. Seria convidar os EUA e as demais potências a restaurarem as sanções que tanto dano provocaram ao governo e à população. Danos tamanhos que forçaram o regime à negociação com uma predisposição inédita em dez anos de impasse.
Ainda assim, o acordo de 2010 daria mais segurança aos que temem que os aiatolás estejam mentindo quando dizem que não querem a bomba, até porque ela seria anti-islâmica.
Havia ainda no entendimento da era Lula um item que falava na "oportunidade de começar um processo prospectivo, que criará uma atmosfera positiva, construtiva, não-confrontacional, conducente a uma era de interação e cooperação".
Ora, o acordo de domingo também cria essa "atmosfera positiva e construtiva", mas com três anos e meio de atraso.
A vantagem do acordo de 2010 não significa reduzir a importância do que foi alcançado no domingo.
Com todas as ressalvas que possam ser levantadas, prevalece a análise do sítio "Al Monitor":
"A alternativa [ao acordo] seria mais sanções, que provavelmente resultariam em menos monitoramento, mais centrífugas, mais enriquecimento acima de 5% (...) e crescentes perspectivas de um ataque militar".


Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo

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