Não importa quem começou, se FHC ou Lula. Importa que, com o nome de Bolsa-Família, o mecanismo disparou. Nada tem sido tão eficaz para desconcentrar um pouquinho a renda no Brasil. Todos os argumentos contra o Bolsa-Família são pífios, ideológicos, rasteiros e partidários. Todo país desenvolvido sério tem o seu bolsa-família. Ajudas sociais fazem parte da realidade de qualquer nação com um mínimo de comprometimento com a dignidade humana. Só os ignorantes e os perversos não sabem disso. A ideia de que o Bolsa-Família serve para comprar votos é risível. Toda política pública bem-sucedida “compra” votos. Os empresários são comprados com reduções de impostos ou empréstimos do BNDES a juros camaradas.
Volto a citar um livro que me foi indicado por um leitor intrépido que me abalroou na rua. Se dependesse de mim, seria a obra mais vendida da Feira do Livro de Porto Alegre, depois de “Jango”, claro: “A sociedade justa e seus inimigos – desvende as estruturas e as práticas que sustentam as desigualdades”, organizado por Antônio David Cattani e Marcelo Ramos Oliveira. Nessa coletânea de artigos, um texto se destaca, “Bolsa rico”, de Maria Lucia Fattorelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e auditora fiscal durante 29 anos.
Repito o que escrevi aqui a partir do artigo de Lucia Fattorelli: qual é o maior problema do Brasil, o bolsa-família ou o “bolsa rico”? A autora explica: “Desde a década de 1970, as desigualdades sociais se agravaram, principalmente devido à opção do financiamento do Estado pelo endividamento ao invés da adoção de uma tributação justa”. Na prática, o Estado capta dinheiro privado disponibilizando títulos a juros altos, o que alimenta uma camada de especuladores ociosos. A tributação regressiva, com muitos impostos indiretos e isenções a certos setores, onera mais os pobre do que os ricos.
O Brasil gasta muito e mal? Sim, 45,05% do Orçamento Geral da União vão para a dívida pública, um mecanismo de redistribuição da riqueza nacional para os mais ricos.
Em 2012, os gastos com a dívida pública consumiam R$ 2,52 bilhões por dia. Maria Lucia Fattorelli faz uma comparação interessante: o gasto com o Bolsa-Família, no mesmo período, “correspondeu a apenas oito dias do Bolsa Rico”. Ela assinala também que a Constituição (art. 166) estabelece um curioso privilégio: “Os pagamentos da dívida não se submetem à limitação da indicação dos recursos aplicada às propostas orçamentárias dos demais gastos”. O parasitismo no Brasil nada tem a ver com o Bolsa-Família, mas sim com a bolsa rico. Aqueles que combatem o bolsa-família fazem-no por ardil político, por insensibilidade social ou por darwinismo despudorado.
Tudo isso me faz pensar num trecho do discurso de Jango, em 13 de março de 1964, no comício da Central do Brasil: “É apenas de lamentar que parcelas ainda ponderáveis que tiveram acesso à instrução superior continuem insensíveis, de olhos e ouvidos fechados, à realidade nacional”. Jango caiu por causa dessa lucidez.
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