quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Em Chicago, as gangues são as famílias dos jovens


Anjo Perea é um jovem de 20 anos com rosto de criança que mora no lado errado desta cidade que tem muitos lados errados. Em determinado momento do ano passado – dois anos depois que seu pai foi assassinado – ele concluiu que havia ficado muito perigoso frequentar o ensino médio. Ele abandonou e agora faz um curso online em busca de um diploma de equivalência.
Em uma cidade ameaçada por conflitos entre gangues, Perea não está sozinho em sua escolha. Números confiáveis são evasivos, mas um ex-funcionário sênior das escolas públicas de Chicago disse que um "número substancial" de estudantes estão "motivados a ter um boa educação mas fazem uma escolha racional de não ir à escola por conta do risco e do medo justificado".
Este é um entre muitos fatores por trás da constatação de um estudo recente de que Chicago está em 25º lugar entre as 30 maiores cidades norte-americanas onde uma criança nascida na base da pirâmide da renda tem probabilidade de chegar ao topo.
Jovens como Perea levantam questões difíceis que a classe política norte-americana tem dificuldades para responder. Qual é o principal culpado pela situação – as escolas sem dinheiro, a escassez de empregos e a saúde funesta (como muitos liberais argumentariam); ou o crime e a desordem, a erosão dos valores familiares e uma cultura decadente que celebra a violência (como muitos conservadores diriam)? Por trás dessa questão há uma bem mais difícil que há muito existe nesta república: até que ponto se pode julgar que as pessoas têm alguma escolha sobre o que se tornam?
Ouvir a história de Perea é lembrar como as escolhas podem ser enigmáticas. Sugerir que Perea é responsável pela vida que encontrou parece tão inadequado quanto sugerir que ele não o é.
Ele é um filho do caos, criado nas ruas do oeste da cidade, onde a falta de escolha e as escolhas ruins conspiram cruelmente. Ele nasceu de pais que disse nunca ter conhecido até os 12 anos e foi criado por um grupo rotativo de idosos. Ele entrou para as gangues porque seus integrantes eram os únicos que perguntavam se o menino estava com fome, disse. "Todo mundo precisa de uma família de algum tipo, não importa de que forma ou que tipo", disse Perea.
Ele não é inocente. Sua primeira prisão, aos 13, por queimar latas de lixo, prenunciou muitas outras. As armas entraram em sua vida, e ele as conhecia dos dois lados do cano. Em poucos meses a partir do início de agosto de 2010, ele levou um tiro, seu pai foi assassinado e sua mãe voltou para a prisão, onde passou a maior parte da vida. Depois, com a ajuda de uma entidade beneficente chamada Programa de Direito para Jovens, Perea começou a cortar suas ligações com as gangues.
Mas suas bochechas ainda carregam as iniciais das ruas que ele antes protegia, tornando-o um alvo em ruas diferentes. Ele foi a um estúdio de tatuagem e fez a primeira de uma série de remoções. Então ele percebeu que o estúdio, numa área comandada por gangues rivais, era muito perigoso para que ele voltasse, e por isso ele não voltou.
Conseguir trabalho também é complicado. Uma fábrica a quatro ou cinco quarteirões da casa lhe ofereceu recentemente um dia de trabalho na empilhadeira. Perea teve que recusar porque sabia que podia ser atacado ou mesmo baleado se andasse por aqueles quarteirões.
Das últimas vezes em que tentou, ir para a escola de ônibus foi ainda mais perigoso, porque na rua pelo menos é possível correr. No ônibus, os garotos das ruas rivais, quando veem um rosto novo, invariavelmente perguntam sua afiliação: "O que você está fazendo?"
A negação verdadeira de Perea – "Não se preocupe com isso. Eu não estou representando nada" – não costumava evitar que apanhasse.
Não é coincidência, diz Perea, que jovens criados como ele cresçam tão duros. "Eu sempre tive raiva por não ter ninguém", disse ele. "E isso é o que os outros fazem: eles descontam a raiva uns nos outros porque também se sentem assim."
Por enquanto, sua ambição é simplesmente lidar com a situação. Mas ele sonha em fugir, com sua namorada e seu filho, para um lugar onde ninguém os conheça. Talvez a Flórida. Ele esteve lá antes e ficou impressionado com o fascínio das pessoas por sua cidade e o desejo de visitá-la. "Você não deveria fazer isso", Perea dizia. "Chicago pode arruinar a vida de alguém."


Reportagem de Anand Giridharadas para o the New York times, reproduzida no UOL. Tradutor: Eloise De Vylder

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