quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Definição de lacerdinha

Leitores, acostumados com o meu rigor conceitual, pedem-me, ainda que tardiamente, uma definição de lacerdinha, termo que cunhei como contribuição para a sociologia política brasileira. Como nunca me furto aos meus compromissos intelectuais, passei um mês refletindo antes de me aventurar neste passo digno de figurar nos dicionários de ciência política. Lacerdinha não é um insulto nem uma adjetivação. Trata-se de um indexador, um elemento descritivo, neutro, imparcial e objetivo. Graças a esse conceito já posso figurar no panteão dos grandes pensadores brasileiros, ao lado dos magistrais Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.
Confesso que, depois de muita reflexão, encontrei a definição de lacerdinha pronta num original de livro que me foi passado para leitura pelo escritor Nilson May. O original, jamais publicado, é de um ex-ajudante de ordens do presidente Juscelino Kubistchek. Nesse trabalho memorialístico, o autor alcança momentos de grande precisão conceitual. É o que acontece quando define o udenista, o integrante da UDN, partido de Carlos Lacerda, o homem que mais estragos fez na vida dos brasileiros no século XX, o golpista golpeado por seus golpistas. Um pensador jamais deve recusar o que encontra pronto. Se for humilde, como eu e como todos os grandes, adotará o achado como um diamante caído no colo num fim de tarde.
Nunca vi um diamante cair no colo de alguém num fim de tarde. Nem em qualquer outro momento do dia. Mas já vi gatas espetaculares, mais valiosas do que diamantes, caírem no colo de felizardos. Não me queixo. Imagino, portanto, que uma coisa valha pela outra e ajude o leitor a decifrar essa imagem saída desta minha mente surpreendente e capaz de metáforas tão inesperadas quanto a imagem de um sapo na capa da revista Carta Capital logo depois da ida dos mensaleiros para a cadeia.
O que terá Mino Carta querido dizer com essa escolha tão singular?
Vamos ao que interessa, o conceito de lacerdinha. O ex-ajudante de ordens de JK faz uma breve introdução: “Não se pode aceitar a UDN como um simples partido. Nem todos os seus integrantes são udenistas legítimos, bem como há muito espírito udenista integrando outros partidos”. Essa é verdade é tão certeira que há udenistas em partidos atuais, udenistas depois da UDN, udenistas de esquerda, de direita, de centro, todos bradando contra os comportamentos espúrios dos outros. Sempre dos outros.
O autor explica: “A UDN deve ser encarada principalmente como estado de espírito. Todo vendilhão da Pátria falando em patriotismo; todo desonesto falando em honestidade; todo amoral falando em moralidade; todo ditador falando em democracia; todo mistificador falando sempre em verdade; enfim, todo aquele que fala exatamente o contrário daquilo que está sentindo ou fazendo, está devidamente possuído do espírito udenista. Assim, meus caros leitores, quando um udenista de boa estirpe falar em democracia, prepare seu lombo para apanhar. Se falar muito em honestidade, trate de abotoar seus bolsos”. Eis o lacerdinha. A sociologia fica me devendo mais esta.
Um achado sem precedentes.

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