Dominicanos de origem haitiana vivem limbo jurídico
República Dominicana decide que filhos de imigrantes ilegais, mesmo os que nasceram no país, não têm mais direito à cidadania
Presentes na República Dominicana há gerações, haitianos com frequência são vistos com desconfiança ou com repúdio. Trabalham em empregos mal pagos, como faxineiros, na construção e nas enormes plantações de cana-de-açúcar.
Agora, intensificando uma longa discussão sobre o lugar que ocupam nesta sociedade, o Supremo Tribunal dominicano declarou que os filhos de imigrantes haitianos ilegais, mesmo os que nasceram há décadas no país, não têm mais direito à cidadania dominicana.
Com isso, foi posta em dúvida a situação legal de dezenas de milhares de pessoas que nunca conheceram outra identidade nacional senão a dominicana.
"Sou dominicana", disse Ana Maria Belique, 27 anos, que nasceu na República Dominicana e nunca viveu em outro país. Ela não pôde matricular-se na faculdade ou renovar seu passaporte, porque sua certidão de nascimento deixou de ser aceita. "Não conheço o Haiti. Não tenho família nem amigos lá. Esta é minha terra."
A corte instruiu as autoridades do país a fazerem uma auditoria de todos os registros de nascimento do país, com efeito retroativo até junho de 1929, para determinar quem não tem mais direito à cidadania.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados avisou que a decisão pode privar dezenas de milhares de pessoas de nacionalidade. E a aliança regional de nações caribenhas, da qual a República Dominicana vem tentando fazer parte, condenou o modo como pessoas em grande número estão "sendo mergulhadas num vácuo constitucional, legal e administrativo".
"Os números são espantosos: mais de 200 mil pessoas convertidas em apátridas", disse Laura Bingham, que estuda questões de cidadania para a organização Open Society Justice Initiative.
Ela e três outros especialistas em leis descreveram a decisão da corte dominicana como uma das maiores decisões de negação de nacionalidade nos últimos anos.
Em vista da história da relação entre os dois países que dividem a mesma ilha --relação às vezes cooperativa, às vezes tensa e ocasionalmente violenta--, a decisão da Justiça trouxe à tona um conjunto singular de tensões raciais e ressentimentos em relação às ondas de migrantes haitianos pobres.
De acordo com o último censo, cerca de 200 mil pessoas nascidas na República Dominicana têm pais haitianos, fazendo deste de longe o maior grupo de imigrantes.
Durante décadas, haitianos foram trazidos para a República Dominicana para cortar cana nas fazendas, recebendo salários ínfimos.
Altas autoridades do governo dominicano se reuniram recentemente para discutir como implementar a ordem da corte, contra a qual não cabe recurso.
Enquanto isso, o diretor de Migração, José R. Taveras, disse que as pessoas que ficaram no limbo receberão autorizações de residência temporária, enquanto o país traça um plano para lhes dar alguma forma de status imigratório. Mas, para muitos, isso significa perder vários benefícios de cidadania.
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