quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Para os refugiados afegãos no Irã, contradições dolorosas

Eles têm poucos direitos, podem ser presos ao serem avistados e privados de um julgamento, e frequentemente são deportados quatro, cinco ou mais vezes –e tão logo cruzam a fronteira eles retornam.

Às vezes eles são vítimas da justiça de vigilantes. Rotineiramente, como imigrantes ilegais, trabalho lhes é negado.

Mas apesar de todos esses problemas, até 3 milhões de imigrantes afegãos ainda consideram a vida melhor de modo geral no Irã, com maiores oportunidades de trabalho e educação e mais direitos para as mulheres.

Essa situação frequentemente contraditória é tratada em um novo relatório divulgado pelo Human Rights Watch na quarta-feira. O estudo mostra que os afegãos no Irã são rotineiramente privados de seus direitos como refugiados e submetidos a abusos arbitrários.

Mas eles continuam seguindo para o país, em números que tornaram o Irã o principal destino para os afegãos que deixam seu país: 800 mil afegãos estão registrados como refugiados no Irã e 2 milhões adicionais como imigrantes não documentados. O Paquistão tem 1,5 milhão de refugiados afegãos registrados e entre 500 mil e 1 milhão de afegãos não documentados.

Os afegãos ainda são os refugiados mais numerosos do mundo. O número oficial deles, 2,6 milhões, é mais que o dobro dos dois maiores grupos de refugiados seguintes, somalis e sírios –e quando as estimativas de imigrantes não documentados são incluídas na soma, a vantagem cresce.

A incerteza em torno do futuro do país reverteu anos de declínio de saída de refugiados do país, nos quais os afegãos retornando superava em número aqueles que deixavam o país. Por anos, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados realizou um programa de repatriação voluntária, oferecendo ajuda e assistência para reassentamento aos afegãos que voltavam do Paquistão e do Irã. Em 2012, aproximadamente 94 mil afegãos aderiram aos programa.

Mas até o momento em 2013, apenas 37 mil afegãos retornaram, apenas 8 mil deles do Irã.

Isso significa que o Afeganistão conta de novo com uma saída líquida de pessoas, em números não vistos desde a invasão americana em 2001. Os afegãos que buscam asilo no Ocidente e nos países industrializados chegaram a 36 mil em 2012, segundo a agência de refugiados da ONU, e o Ministério dos Refugiados e Repatriações afegão diz que os números mais recentes mostram que 60 mil afegãos pediram asilo neste ano.

Para aqueles sem meios para fugir para a Europa, Américas ou Austrália, o país de escolha se tornou o Irã, que conta com melhores perspectivas de emprego e educação do que o Paquistão, e onde muitos afegãos falam a língua. (O persa é estreitamente relacionado à língua dari amplamente falada no Afeganistão.)

Mas à medida que o número de afegãos ali cresce, o Irã tornou quase impossível para eles conseguirem o status de refugiados, que lhes daria direitos legais internacionais e acesso a ajuda, atendimento médico e educação.

"O Irã está deportando milhares de afegãos para um país onde o risco é tanto real quanto sério", disse Joe Stork, vice-diretor para Oriente Médio e Norte da África do Human Rights Watch, enquanto o relatório de 124 páginas do grupo era divulgado na quarta-feira. "O Irã tem a obrigação de ouvir os pedidos de status de refugiados dessas pessoas, em vez de detê-las e jogá-las do outro lado da fronteira, para o Afeganistão."

O relatório expressou preocupação em particular com as condições das crianças afegãs, muitas das quais entram sozinhas no Irã à procura de trabalho para suas famílias em casa. Em muitos casos, as crianças afegãs encontradas nas ruas são presas pelas autoridades iranianas e sumariamente deportadas, as separando de famílias que podem estar no país há anos.

Como outros deportados, espera-se que essas crianças paguem por seu transporte até a fronteira e pelo alimento enquanto estão detidas na detenção e nos centros de trânsito. Aquelas que não podem frequentemente são agredidas e passam fome, segundo entrevistas citadas no relatório.

"As crianças imigrantes afegãs no Irã podem ser presas virtualmente a qualquer momento, com pouco ou nenhum acesso ao processo legal devido ou às proteções garantidas às crianças segundo a lei internacional", disse o relatório.

No geral, disse o Human Rights Watch, até 1.500 pessoas por dia são deportadas pelas duas travessias oficiais de fronteira do Irã com o Afeganistão –particularmente pela travessia de Islam Qala, uma cidade arenosa na principal estrada até a cidade de Herat, no oeste do Afeganistão.

Em uma escala menor, a mesma coisa está acontecendo no Paquistão.

"Esses países na verdade têm sido extremamente pacientes e flexíveis ao lidarem com milhões de pessoas, e em grande parte tiveram que arcar sozinhos com o impacto desses números", disse Bo Schack, o representante da agência de refugiados da ONU no Afeganistão, na quarta-feira.

O Irã, em particular, não recebe o tipo de ajuda internacional e de caridade para os refugiados que o Paquistão recebe, em parte devido às sanções do Ocidente.

Ao mesmo tempo, notou o Human Rights Watch, o Irã adotou um plano para expulsar 1,6 milhão de residentes ilegais até 2015, além de também pressionar os refugiados legais a partirem. Até o momento, ele teve pouco sucesso.

"O Irã tem arcado com o fardo de receber uma das maiores populações de refugiados por mais de três décadas, mas precisa atender os padrões internacionais no tratamento dado a eles", disse Stork, o representante do Human Rights Watch. "O Afeganistão pode estar ainda mais perigoso agora do que quando muitos desses refugiados partiram. Agora não é hora do Irã mandá-los de volta para casa."

Reportagem de Rod Nordland, para o The New York Times, reproduzida no UOL. Azam Ahmed, em Islam Qala (Afeganistão), contribuiu com reportagem.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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