quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Boicotar Olimpíada de Inverno de Sochi é errado, avisa drag queen


Várias organizações e celebridades estão pedindo para seja realizado um boicote contra os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014 como forma de protesto contra as duras políticas anti-gay que vigoram na Rússia. Mas uma drag queen de Sochi, a cidade que sediará os jogos, explica porque fazer isso seria errado.

A transformação de Andrey Kavaltshyan em Shushu, a drag queen, começa à meia-noite. Na boate Mayak, ele maquia seu colo, coloca um vestido de paetês dourados e sapatos de salto alto. Balançando os quadris, ele caminha todo empertigado até o palco. Agora Kavaltshyan é uma drag queen de Sochi, uma figura familiar nessa cidade localizada no sul da Rússia – isso em parte porque ele foi um dos primeiros homens a ter se declarado abertamente homossexual ainda na época da antiga União Soviética.

Kavaltshyan, 44, canta uma canção de amor brega e sentimental. Em seguida, outra drag queen, Armen, também conhecida como Brenda Bond, que voou de Moscou para Sochi, interpreta a canção-título do musical "Cabaret" vestida com uma roupa à la Liza Minnelli, com cintas-ligas e uma peruca loira. Ao terminar sua performance, Armen se dirige até o microfone e diz: "Para os estrangeiros da plateia e para os visitantes que vieram para os Jogos de Inverno, sejam bem-vindos à Rússia, sejam bem-vindos a Sochi e sejam bem-vindos ao meu ânus".

O público grita.

Essa é a cara da Rússia gay em Sochi, a cidade-sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014. Lá fora, os trabalhadores estão erguendo hotéis e arranha-céus, escavando e martelando para que tudo fique pronto a tempo para os Jogos de Inverno, que ocorrerão em pouco menos de três meses. Andrey e Armen são os únicos obstáculos que podem ficar no caminho dos jogos agora – isso caso eles decidam estimular um boicote ao evento esportivo devido às políticas contra os gays da Rússia.

Em junho passado, o parlamento russo transformou em lei um controverso projeto que proíbe "a propaganda de relações sexuais não tradicionais para menores de idade". A medida serve como uma desculpa para incitar o ódio contra gays e lésbicas. Essa é uma postura popular na Rússia, país onde 85% da população se opõem ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Tem havido muitas agressões a homossexuais na Rússia desde que essa lei foi aprovada. Organizações de defesa dos direitos dos homossexuais relatam que, atualmente, gays e lésbicas são frequentemente questionados sobre a possibilidade de pedir asilo no exterior. Vereadores da câmara municipal de São Petersburgo anunciaram abertamente que é aceitável agredir fisicamente os manifestantes que participam de paradas do orgulho gay. Um político do leste da Rússia propôs usar os cossacos e os soldados paraquedistas para chicotear publicamente gays e lésbicas, pois, como ele disse: "Afinal de contas, é para isso que a bunda foi feita".

Os atletas homossexuais em especial têm enfrentado um dilema: eles devem permanecer em silêncio, como exigem as autoridades olímpicas? Ou será que eles deveriam protestar? O ator norte-americano Harvey Fierstein comparou jogos promovidos pelo presidente Vladimir Putin com os Jogos Olímpicos de Hitler, que ocorreram em 1936 em Munique, e pediu a realização de um boicote.

Algumas coisas melhoraram, mas ainda existem problemas.

E como é que os homens gays de Sochi abordam essa questão?

Quando o show das drag queens terminou, depois de os artistas terem discursado enfaticamente contra os 38 bilhões de euros (US$ 51 bilhões) gastos nos jogos e sobre o prédio onde serão realizadas as apresentações de patinação artística, que se parece com um par de nádegas gigantes, Kavaltshyan falou sobre a lei aprovada pelo parlamento. Ele não gostou da legislação, pois ela incita ódio aos gays e lésbicas. Mas ele afirma não ser contra Putin. "E por que eu deveria ser? Nosso presidente tem lábios tão sensuais e um corpo tão firme e musculoso".

Deve haver um boicote? De jeito nenhum, diz ele.

Segundo Kavaltshyan, na realidade Sochi é uma cidade tolerante. Desde a era soviética havia uma área gay à beira mar, ao lado de uma praia de nudismo. "Às vezes eu fico deitado lá com um maiô e uma peruca e tenho prazer em atrair olhares", diz ele. Mas é claro que também há manifestações de ódio abertas contra gays e lésbicas. Há, por exemplo, o caso de um estudante do ensino médio de 17 anos que foi avistado recentemente por outros estudantes no Parque Lenin, um tradicional ponto de encontro gay. Depois disso, ele começou a ser tão atormentado que foi obrigado a mudar de escola.

Kavaltshyan e dois outros homens vestidos com roupas femininas foram perseguidos por adolescentes alguns anos atrás e só conseguiram escapar correndo para dentro do clube. Kavaltshyan suspira. Ele não quer falar sobre o assunto e diz que está chateado com as pessoas que "tentam me fazer dizer o quão terrível é a situação dos gays em nosso país". Mas, acrescenta ele, muitas coisas melhoraram para os homossexuais na Rússia. "Eu sei do que estou falando", diz Kavaltshyan. "No final da década de 1980, eu fui um dos primeiros a parar de fazer segredo sobre minha homossexualidade".

Quando Kavaltshyan começou a usar as roupas de sua irmã, com sete anos de idade, e quando ele fez sexo pela primeira vez, aos 13 anos, "as relações sexuais entre homens" ainda eram punidas com até cinco anos de detenção em um campo de prisioneiros. "Eu não pensava muito sobre isso", disse ele. "Eu nem sabia que era proibido". Foi apenas o presidente Boris Yeltsin, que, em 1993, revogou a lei, que havia sido originalmente promulgada durante o governo de Stalin.

Kavaltshyan havia acabado de se mudar de sua cidade natal, Apsheronsk, para Sochi. Depois de inicialmente ter trabalhando como cozinheiro, as novas liberdades que vieram com a queda da União Soviética lhe permitiram capitalizar sua condição de gay e ganhar dinheiro no processo. Ele tem se apresentado como drag queen desde 1995.

Reportagem de Matthias Schepp, para a Der Spiegel, reproduzida no UOL. Tradutor: Cláudia Gonçalves

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