segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Após matar, canibalizar e estripar 20 mil pessoas, homem se diz convertido

Após matar, canibalizar e estripar 20 mil pessoas, homem se diz convertido


Em uma terça-feira há cerca de seis anos, foi feita uma tentativa de quantificar a culpa de Joshua Milton Blahyi. A presidente de sua Libéria nativa havia nomeado uma comissão de nove membros composta por ativistas de direitos humanos, advogados, jornalistas e sacerdotes para determinar o que ele havia feito durante a guerra civil. No início da audiência de 132 minutos, eles lhe fizeram uma pergunta: "Quantas vítimas havia?" As imagens em vídeo da audiência mostram Blahyi sentado, usando calças brancas, camisa branca e sapatos brancos, refletindo sobre a questão. Quantos ele havia matado?
Ele olhou para a frente, para a sala grande e opulenta em que a audiência acontecia. Parecia ao mesmo tempo concentrado e relaxado. O local onde a comissão agora estava sentada tinha sido ocupado durante a guerra por uma poltrona presidencial derrubada, uma pilha de fezes e um piano Steinway preto brilhante. As pernas do piano haviam removidas com cuidado, como se amputadas cirurgicamente. Na época, Blahyi controlava as ruas da capital da Libéria, Monróvia, e usava um nome diferente.
A guerra, que durou de 1989 a 2003, custou 250 mil vidas. Um milhão de pessoas deixou o país e até 20 mil crianças foram recrutadas como soldados. Repórteres levaram para casa fotos de crianças-soldado usando máscaras de Halloween e perucas femininas, comendo corações humanos e decorando os cruzamentos das ruas com ossos. Famílias pagaram por feitiços que esperavam oferecer-lhes proteção, quer com dinheiro ou sacrificando um membro da família. Os líderes adotaram nomes de guerra que podiam ter sido retirados de filmes, ou de pesadelos, como Geral Rambo, General Bin Laden, General Satanás.
Blahyi tinha uma reputação de ser mais brutal que outros líderes militares. Todo mundo sabe seu nome de guerra, que ele diz que nunca perderá: General "Butt Naked", ou Bunda Nua, em tradução livre. Ele era um canibal que preferia sacrificar bebês, porque acreditava que a morte destes prometia maior proteção. Ele entrou em batalha nu, usando apenas tênis e carregando um facão, porque acreditava que isso o tornava invulnerável – e ele de fato nunca foi atingido por uma bala. Seus soldados apostavam se uma mulher grávida teria um menino ou uma menina, e em seguida, cortavam a barriga para ver quem estava certo. Blahyi hoje é pastor e frequenta o clube de xadrez aos sábados.
Quando questionado sobre suas vítimas, ele virou a cabeça para o lado e limpou a garganta. Ele só aprendeu a falar inglês há alguns anos, e escolheu as palavras com cuidado. Ele havia raspado o rosto e sua cabeça enorme, e o suor escorria pela testa. No final, ele disse: "Eu não sei o número... total... o número total... mas se... se eu... fosse calcular... tudo o que fiz... seria... não deveria ser menos de 20 mil."
Um assassino equiparado a poucos
Há poucas pessoas no mundo acusadas de um número de assassinatos semelhante ao de Blahyi. Mas ninguém respondeu às acusações da mesma forma que ele. Kaing Guek Eav, chefe da prisão do Khmer Vermelho no Camboja, onde cerca de 15 mil pessoas foram torturadas e assassinadas, considerou a si mesmo como um secretário comum que obedeceu ordens, como todos os outros na máquina.
O general sérvio bósnio Ratko Mladic, acusado de atos de genocídio que levaram à morte de 8 mil pessoas em Srebrenica e 11 mil em Sarajevo, chamou as acusações de "palavras monstruosas" que ele nunca tinha ouvido antes. E o general Augustin Bizimungu, que ajudava a fazer as listas de morte em Ruanda, não disse nada.
Blahyi respondeu a cada pergunta com consciência, mesmo quando foi questionado sobre o sabor da carne humana. A gravação da audiência, em que ele é confrontado com as suas declarações anteriores, é guardada no arquivo nacional da Libéria.
"'Eu recrutei crianças de nove ou dez anos de idade.' Está certo?"
"Sim."
"'Eu plantei a violência nelas. Expliquei para elas que matar pessoas é um jogo." Isso está correto?"
"Correto."
"'Quando eu atirava num inimigo e o feria, eu abria suas costas e comia seu coração vivo.' Isso está correto?"
"Deixe-me ser mais preciso... Eu também deitava o corpo e fazia com que os soldados-mirins cortassem a pessoa em pedaços, para que eles não tivessem nenhum sentimento pelas pessoas."
"Você é o mesmo Joshua Milton Blahyi que hoje é chamado Blahyi o Evangelista?"
"Sim, senhora."
"Por que você decidiu, depois deste… passado, voltar para a Comissão de Verdade e Reconciliação?"
"Pela minha fé. Foi-me dito que eu deveria falar a verdade, e a verdade me libertará."
Homem de Deus, ou fraude?
Em um domingo de julho, cinco anos após a audiência, Blahyi prega para sua congregação. O odor dos resíduos dos matadouros invade a igreja em Monróvia. Lá fora, uma criança urina na areia. É a estação das chuvas, mas a igreja está cheia de jovens mulheres de vestidos coloridos, empresários engravatados e pais embalando seus filhos. Eles passaram três horas cantando, dançando e rezando.
Era mais parecido com um festival do que com uma missa na igreja e, então, quando os eventos chegam a um clímax, o homem que eles estavam esperando aparece: o pastor Blahyi. Ele usa uma roupa branca. Pega o microfone na mão e diz: "Tomem seus lugares. Aleluia. Quero falar com você sobre bênçãos. Louvado seja o Senhor."
Ele agora se chama Josué, nome do sucessor bíblico de Moisés. Ele prega a Palavra de Deus. Ele construiu uma missão para os antigos soldados-mirins que encontra nas ruas, e lhes dá comida e roupas. Ele adotou três crianças. Tem mais de 2.500 amigos no Facebook. Ele é grato quando é elogiado, e fica tão feliz quanto uma criança pequena quando alguém o abraça. "Ele é um bom menino", diz a mãe, que agora cozinha para os ex-soldados-mirins. "Generoso e engraçado", dizem seus filhos, que agora vivem com ele. "Uma nova pessoa", diz a esposa.
É possível que um criminoso de guerra possa se tornar um homem de Deus? Ou ele é uma fraude ? Essa é a acusação: de que ele coloca a máscara de pastor todos os domingos, mas que sob a máscara continua sendo um assassino.
Blahyi, de 42 anos, está sentado no terraço atrás de sua casa no norte de Monróvia. Ele é um homem corpulento que já teve o corpo de um lutador. Os vizinhos penduram roupas no varal. As crianças gritam no quintal da casa ao lado. Suas filhas, que estão em férias escolares, estão na cozinha fazendo uma maionese de frango para o jantar que está prestes a ser servido.
Blahyi gosta de ter a família ao seu redor. Ele fala sobre seu filho mais velho, Joshua , que agora tem 12 anos e está prestes a entrar no ensino médio, e que quer se tornar um engenheiro aeronáutico. Blahyi observa uma borboleta voando sobre as palmeiras. Seu olhar se suaviza quando ele fala sobre os filhos. "Acho que eles estão orgulhosos de mim", diz ele.
" Você dorme bem à noite?"
"Eu sou abençoado com um bom sono."
"Você está feliz?"
"Sim, muito."
"Você vai para o céu?"
"É o que diz na Bíblia. Aquele que acredita em Jesus não será condenado."
Blahyi nunca foi punido por seus crimes. A única ordem da Comissão da Verdade foi investigar os crimes. O Tribunal Penal Internacional em Haia só tem jurisdição sobre crimes cometidos a partir de sua fundação em 2002. Um tribunal especial com o poder de julgar crimes anteriores, como os de Ruanda, Camboja e ex-Iugoslávia nunca foi estabelecido para a Libéria.
Um tribunal como este poderia ser criado por meio de uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mas a ONU não tem regras claras de procedimento para casos como o da Libéria, e muitas vezes há uma troca entre justiça e estabilidade. Na Libéria, a estabilidade foi escolhida em detrimento de justiça, porque se todos aqueles que já mataram alguém no país fossem acusados de assassinato, ela provavelmente transformar-se-ia em outra Somália. No entanto, Blahyi está convencido de que acabará havendo um tribunal especial para a Libéria.
"Você estaria preparado para passar o resto da vida na prisão?"
"Eu aceitaria de boa vontade, assim como a pena de morte. Mesmo que eu pudesse fugir, eu não fugiria. Meu Senhor Jesus diz: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus."
"Como você se reconcilia com seus pecados?"
"Eu visito as pessoas que machuquei, as vítimas de meus crimes. E tento ajudá-las."
"Você pede perdão?"
"Sim. Este é o momento mais difícil. Eu não sentia nada no passado. Agora eu sinto a dor."
"Do que você tem medo?"
"De encontrar Deus amanhã e Ele dizer: 'Você perdeu a oportunidade que lhe dei.'"
Lyn Westman, uma psicóloga norte-americana que o acompanhou por vários anos, conta a história do encontro de Blahyi com um antigo inimigo que o ameaçava com um facão. Blahyi caiu de joelhos e disse que estaria disposto a morrer se isso ajudasse o homem. O homem acabou abandonando-o.
"Não há nenhum vestígio de sua vida anterior", diz a esposa. Mas isso não é verdade. Blahyi visita suas vítimas há anos, até que elas o perdoam. E ele não quer o perdão comum. "Perdão total", diz ele, um perdão que deve vir das profundezas de seus corações. Este, diz ele, é o desejo de Deus, assim como a Bíblia diz em Efésios 4:32: "Sejam bondosos e compassivos uns com os outros, perdoando-vos uns aos outros, como em Cristo Deus vos perdoou". Dezenove de 76 vítimas já o perdoaram, diz ele. Mas a maioria das vítimas não quer nada com ele. Elas o atacam e repreendem, ou simplesmente saem em silêncio.
Ajoelhando-se diante da vítima
Faith Gwae é 77ª vítima que ele visita. Ele só sabe o primeiro nome dela, que ficou sabendo com o pastor da congregação que ela frequenta, que organizou a reunião. Gwae concordou porque o pastor tinha prometido que nada aconteceria com ela e que ela não teria que fazer nada, mas que a dor de sua perda diminuiria, como se ela estivesse em terapia.
Blahyi sabe que a prejudicou, mas não se lembra exatamente do que fez. Gwae vive no final de um atalho num assentamento sem eletricidade ou água corrente. O vilarejo se resume a algumas pequenas cabanas, com galos cantando em terrenos de capim seco. Há uma película de óleo nas poças. Gwae ganha o equivalente a US$ 27 por mês, trabalhando como professora em um dos piores bairros de Monróvia.
Blahyi desce de seu Jeep a algumas centenas de metros da cabana. Tem chovido e ele caminha cautelosamente pelo caminho, onde apenas alguns sacos de cimento o impedem de afundar na lama. Ele para na parte de trás da cabana. Olha para o céu cinza e, em seguida, para seus pés na terra. "Este é o meu caminho", diz ele. "Eu gostaria de ter alternativas."
Ela se vira quando ele se aproxima. Parece surpresa. Ele parece diferente em relação à última vez que o vira, há 22 anos. Ela tinha 16 anos e ele tinha 19 anos. Esta é a história que ela conta alguns dias depois, com longas pausas entre as frases, e sem Blahyi na sala. Era julho de 1991, ela e sua família moravam na periferia de Zwedru, no leste da Libéria. Quando sintonizaram o rádio na BBC, ouviam notícias sobre a guerra. Eles se perguntavam se deveriam ficar ou ir embora. Estavam na estação chuvosa e os rios estavam cheios. O rio Cavalla, que faz a fronteira entre a Libéria e a Costa do Marfim, estava intransponível. "A guerra não vai durar muito tempo", disse sua mãe, por isso a família decidiu ficar.
Um grupo da tribo Krahn estava à procura de inimigos dentro do país, o que, numa guerra civil, resume-se a qualquer membro de outra tribo. Seu irmão mais velho, Daniel, estava escondendo uma babá da tribo Gio que trabalhava para a família há anos. "Vai ficar tudo bem", disse a mãe. Faith ouviu os gritos do lado de fora das cabanas à medida que os homens se aproximavam. De repente, viu um homem nu apenas com um facão na mão. "Por que o homem está nu? " ela se perguntou. Então viu os outros homens, cerca de 25 deles, estima hoje, carregando armas.
Eles tinham ouvido falar que havia uma mulher Gio na aldeia. Daniel ficou na frente da babá para protegê-la. "Ela é um ser humano, como você e eu", disse ele a Blahyi. Blahyi respondeu com uma ordem. Um dos rapazes deu um passo à frente e cortou o pé de Daniel. Em seguida, cortou-lhe a perna na altura do joelho, depois a coxa e o quadril, subindo metodicamente pelo corpo. Eventualmente, seu irmão ficou em silêncio.
Blahyi disse para que todos deitassem no chão. Os homens estupraram sua mãe e as irmãs, e depois as matou. Gwae diz: "Eles não me estupraram, mas me fizeram coisas sobre as quais não quero falar. Eles me deixaram com uma marca que eu sempre terei." Em algum momento, Blahyi disse que as coisas estavam se indo muito devagar, e que havia outras operações militares para realizar. Foi quando ele começou a participar.

Gwae às vezes se pergunta por que sua vida foi poupada. Talvez tenha sido Deus. Ou talvez os homens tenham achado que ela já estava morta.
"Deixe meu coração em paz"
Agora Blahyi está de volta. Ele caminha até ela. Sua mão esquerda está no bolso e ele se inclina contra a coluna branca da varanda com a mão direita. Seu ar é o de quem perdeu alguma coisa. Gwae está sentada num muro, de costas para Blahyi. Ambos estão esperando. Finalmente, Blahyi exala lentamente e diz: "… Irmã, só estou aqui para dizer que eu sinto muito. É tudo o que quero dizer. É isso."
Então, ele se ajoelha e coloca sua cabeça enorme no joelho magro da mulher. Ele agarra o pé dela, que calça meias cor de rosa, com a mão direita. Ele começa a chorar. Em seguida, soluço brota do peito de Gwae. Soa como se algo estivesse estourando dentro dela. "Por favor me perdoe", sussurra Blahyi. Em seguida, ele espera, ainda de joelhos na frente dela, mas nada acontece.
Eventualmente, ela diz: "Está tudo bem". Mas não é perdão. Ela só quer que ele pare. Ela balança a cabeça. Ela levanta a mão. Mais tarde, ela conta que sentiu como se estivesse prestes a morrer. Blahyi levanta-se e se afunda na única cadeira da varanda, uma velha cadeira de escritório preta.
Depois de alguns minutos, Gwae diz: "Eu não quero ouvir nada. Não quero dizer nada. Por favor, vá embora. Não me faça nenhuma pergunta mais. Deixe meu coração em paz."
Mas Blahyi não vai, recusando-se a desistir. Ele oferece dinheiro, mas ela se recusa. Ele pergunta a ela onde estão seus parentes, se é casada e porque mora sozinha. Ela só balança a cabeça. Ele ainda não sabe que matou sua família inteira. "Eu sei que não posso fazer nada por você", diz ele. "Mas, pelo menos... deixe-me fazer o papel de irmão, de pai, de alguém. Posso fazer o papel da família, se for possível." Os joelhos de Gwae começam a tremer. A coisa toda é tão falsa que a vontade é pegar Blahyi e levá-lo embora.
Ele tenta se aproximar dela falando sobre si mesmo. "Dói", diz ele. "Eu estava brincando com meus filhos recentemente, e nós estávamos rindo. E eu comecei a pensar: agora meus filhos estão rindo. E os outros filhos, os que eu matei?" Ele faz uma pausa, em seguida, disse: "Essas coisas me ocorrem. Cada dia é um desafio Sei que não posso chegar a todos. Tudo o que posso fazer é ter esperança."
Esta curta frase de autopiedade numa fracassada tentativa de perdão é suficiente para abrir uma conversa. Gwae, uma mulher magra, abre a boca e diz: "É algo que não acontece de imediato. É um processo. Deixe-me em paz. Depois de um tempo... Eu vou pensar sobre isso. Não vou acordar e dizer: ah, sim, eu te perdoo. Isso é impossível, você sabe."
"Eu sei", diz ele.
"Eu não sei", diz ela.
Há duas explicações possíveis para o que Blahyi está fazendo. A primeira é que ele vem fazendo um jogo de cinismo há 17 anos, o jogo do homem crédulo. Mas num país com total impunidade para os crimes de guerra, isso não faz muito sentido. "Aqui eles honram as pessoas sem honra", disse Blahyi.
O generall Prince Johnson, que mandou cortar as orelhas do ex-presidente, deixando-o sangrar até a morte, enquanto estava sentado à mesa com uma lata de Budweiser, agora é um senador no parlamento liberiano. Quando questionado sobre seus antigos crimes, ele diz: "Era uma guerra. Eu era um soldado". Por que Blahyi deveria se comportar como se fosse um sacerdote, e ir atrás de um passado no qual ninguém está realmente interessado? Ele poderia ter ido para a política ou aberto uma oficina mecânica, e ninguém na Libéria se surpreenderia.
A segunda possibilidade é que Blahyi de fato mudou.
O homem que poderia saber a verdade é o Bispo John Kun Kun da Igreja Alma Vencedora em Monróvia. Foi ele que transformou o assassino em massa num homem de Deus. Ele é um homem respeitado na Libéria e na chefe de uma das igrejas mais influentes do país. Ele está atualmente em Robertsport, uma cidade costeira a 80 km a noroeste de Monróvia, participando de uma reunião de líderes de igrejas de todo o país.
Kun Kun é um homem calmo com um olhar claro. Ele se move com a fluidez de um atleta, mas seu discurso é medido como o de um ancião. Eis é a sua história: quando a guerra civil irrompeu novamente em abril de 1996, ele e outros líderes da igreja decidiram fazer algo contra o terror. Eles decidiram fazer aquilo que podiam fazer de melhor num país em que a fé desempenha um papel tão importante: pregar.
Mas, desta vez, eram os líderes militares que esperavam converter. Kun Kun foi escolhido para falar com o General Bunda Nua. Ele foi ao quartel militar de Blahyi, no sul da Monróvia, bateu à porta e entrou, o homem que encontrou lá estava inquieto e alegou que não tinha tempo para Kun Kun, enquanto desmontava e montava sua metralhadora.
Por que Blahyi viveu uma vida que consistia em matar? "Era a única coisa que ele sabia", diz Kun Kun . Acho que ele gostava do fato de que as pessoas tinham medo dele. Ele gostava de estar no comando. Pessoas dependiam dele."
Um criminoso sem juiz
Kun Kun disse a ele: "Tudo o que quero dizer é que Jesus ama você, e que ele tem um plano melhor para sua vida." Blahyi olhou para ele e não disse nada. Kun Kun fez uma oração e pediu para Blahyi fechar os olhos e repetir a oração depois dele. Ele não fechou os olhos, mas repetiu a oração. Então Blahyi foi até seu guarda-costas e atirou nos joelhos dele por deixar o bispo entrar. Blahyi mais tarde pediu perdão à família do guarda-costas. Kun Kun não sabia se era uma boa ideia visitar Blahyi novamente.
Mas ele voltou. E quando passou a conhecer Blahyi, percebeu que ele era um homem que tinha muito medo e acreditava que ele estava possuído por um demônio, e que estava à procura de uma saída, que era algo que Kun Kun poderia lhe oferecer. "Vamos rezar juntos", disse a Blahyi.
Blahyi encontra uma de suas passagens favoritas da Bíblia, João 3:16: "Deus amou tanto o mundo, que deu o seu único Filho, aquele que acredita nele não perecerá mas terá a vida eterna... Quem quer que acredite nele não está condenado." Blahyi encontrou, talvez, a única religião que pode perdoá-lo por cometer assassinatos milhares de vezes, perdoá-lo completamente e ainda reconhecer a grandeza de seu Deus neste ato de perdão. "Deus tem o poder de mudar qualquer pessoa", diz Kun Kun "até Bunda Nua".
Em seu sermão de domingo, o pastor Blahyi fala sobre o sofrimento de Jó, os sonhos de Jacó e os milagres de Jesus. Os membros de sua congregação fecham os olhos e estendem as mãos. Sua voz ergue-se cada vez mais alto até que ele grita enquanto corre entre as fileiras de fieis, erguendo o braço e gritando no microfone: "Deus, mostre-me o meu propósito. Mostre-me meu propósito, Deus, mostre-me o motivo por que nasci." As mãos levantadas dos seus ouvintes criar sombras na parede atrás dele. Parece que grandes mãos negras estavam atrás dele para ele, mãos das quais ele consegue escapar.
No dia seguinte, é assim que ele descreve seu propósito: "Acredito que Deus quer me usar como um sinal. Não importa quão longe uma pessoa chegue, ela tem potencial para mudar."
Talvez haja uma terceira possibilidade, que não envolve Blahyi usar uma máscara ou estar verdadeiramente reformado. Talvez Blahyi acredite sinceramente que mudou. E o país em que vive acredita nele também. E se todo mundo acredita, não é verdade? Se Blahyi de fato usa uma máscara todos os domingos, a pele por baixo já se adaptou à máscara. Neste caso, Blahyi continua sendo um criminoso sem juiz na terra.



Reportagem de Jonathan Stock, para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradutor: Eloise De Vylder.  

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