O retrato devastador que o repórter Fabiano Maisonnave traçou de algumas escolas médicas da Bolívia fala por si só. Não obstante, cerca de 25 mil estudantes brasileiros estão matriculados nessas instituições --o equivalente a 23% do total de alunos que fazem graduação em medicina por aqui.
Como a maioria não deve ter planos de migrar em definitivo para o país vizinho, esses jovens apostam que o mercado por médicos no Brasil seguirá atraente e que, em algum momento, conseguirão validar seus diplomas e voltar para casa. Os dados empíricos, porém, não recomendam otimismo. Em 2012, só 2,1% dos graduados na Bolívia passaram no Revalida, contra uma média de 8,7%.
Esse descompasso entre sonhos e competência mostra o que está acontecendo no setor. De um lado, faltam médicos no sistema público. As escalas de postos de saúde e hospitais aparecem com brancos. O envelhecimento da população também aponta para um mercado em expansão. O governo, portanto, tem interesse legítimo em ampliar a oferta de vagas em medicina e, emergencialmente, até em importar profissionais.
Há, é claro, um outro lado, que é o da qualidade. Garantir que todo brasileiro seja atendido sempre por um profissional preparado e atualizado exigiria mudanças fortes no processo de certificação, com a introdução de um exame de proficiência ao final da graduação, nos moldes da prova da OAB, e avaliações periódicas.
O problema é que esses dois objetivos são contraditórios. Se mais jovens cursarem medicina, iremos necessariamente recrutá-los entre candidatos menos preparados, o que fará com que a qualidade média dos graduados caia. E, se instituirmos testes mais rigorosos, formaremos ainda menos profissionais.
Uma alternativa seria redesenhar todo o sistema, reservando as visitas a médicos para casos mais graves. Mas esse é um assunto que todo o mundo prefere evitar.
Texto de Helio Schwartsman, na Folha de São Paulo.
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