Como sinal da importância que a Alemanha tem dado ao assunto, o Bundestag (parlamento alemão), que tomou posse no dia 22 de outubro, dedicou na segunda-feira (18) grande parte de sua segunda sessão plenária às escutas operadas pela NSA (Agência Nacional de Segurança) americana. Durante cerca de duas horas, o ministro do Interior, Hans-Peter Friedrich (União Cristã Social, CSU, direita bávara) e vários deputados trataram das revelações de Edward Snowden, o ex-consultor da NSA que conseguiu asilo em Moscou, sobretudo sobre a interceptação das telecomunicações de Angela Merkel efetuada pelos serviços secretos dos Estados Unidos.
Embora estivesse presente, a chanceler não se manifestou durante esse debate, mas ela usou o debate anterior – que tratava das relações com os países da Europa Central – para lembrar os Estados Unidos de qual era seu dever. "A relação transatlântica e, consequentemente, também a negociação para um tratado de livre-comércio, certamente estão comprometidas pelas suspeitas de coleta de milhões de dados por parte dos Estados Unidos. As acusações são gravíssimas. Tudo deve ser esclarecido e, mais importante ainda, no futuro será preciso construir uma nova relação de confiança", declarou Angela Merkel.
Ainda que em seguida a chanceler tenha tido o cuidado de lembrar que as relações entre os Estados Unidos e a Europa são de uma "importância superior", contrariando seu costume ela estabeleceu uma ligação direta entre as negociações para um tratado de livre-comércio e o escândalo das escutas.
"Covardia"
Depois, o ministro do Interior, que, no mês de agosto, ao voltar dos Estados Unidos, havia considerado que não havia escândalo nenhum, desta vez opinou que "os Estados Unidos precisam se explicar e não podem se enredar em contradições."
Evidentemente isso não foi suficiente para a oposição. Gregor Gysi, presidente da bancada parlamentar da esquerda radical Die Linke - e, portanto, em caso de grande coalizão entre CDU-SPD, líder do principal grupo de oposição - . criticou a "covardia" do governo e sugeriu que Edward Snowden recebesse o prêmio Nobel da Paz. Hans-Christian Ströbele, o deputado do partido verde aclamado como "herói nacional" pela publicação semanal "Der Spiegel" por ter sido recebido no final de outubro em Moscou por Edward Snowden, reiterou seu pedido para poder ouvi-lo como testemunha na Alemanha.
Dirigindo-se diretamente a Angela Merkel, Hans-Christian Ströbele lhe perguntou "se a chanceler não era grata a Edward Snowden". "Pelo menos você pode lhe agradecer por seu celular provavelmente não ser mais grampeado", ele disse. Sentada a poucos metros de distância, Angela Merkel engoliu em seco.
Nesse período um tanto peculiar, em que os ministros liberais continuam nos bancos do governo enquanto os deputados liberais sumiram do parlamento, o mais interessante de observar é o comportamento do SPD. O Partido Socialdemocrata não está mais totalmente na oposição, mas também não é situação. Logo, seus líderes têm hesitado. Frank-Walter Steinmeier, presidente do grupo socialdemocrata e possível futuro ministro das Relações Exteriores, certamente condenou a atitude americana, mas evitou criticar Angela Merkel ou Hans-Peter Friedrich. Ele simplesmente rejeitou a ideia defendida pelo ministro do Interior de apoiar a criação de uma internet europeia, por considerá-la pouco pertinente.
No final da sessão, o SPD ainda se juntou à CDU recorrendo a um subterfúgio para adiar uma votação sobre a criação de uma comissão de inquérito sobre a NSA, exigida pelo Die Linke.
A comoção provocada na Alemanha pelo caso das escutas americanas deve demorar para passar. Além das revelações de Edward Snowden, o jornal "Süddeutsche Zeitung" e a rede de televisão NDR publicarão ao longo de duas semanas, tendo iniciado na sexta-feira (15), o resultado de uma longa investigação sobre as atividades dos serviços secretos americanos na Alemanha.
O título dessa série que virará uma maratona televisiva e um livro é "A guerra secreta". Por ali já se descobriu que desde 2007 os serviços secretos americanos dispõem de um escritório no aeroporto de Frankfurt onde eles monitoram as listas de passageiros com destino aos Estados Unidos e às vezes impedem que alguns deles embarquem.
Os jornalistas também revelaram que supreendentemente o governo alemão havia confiado certas tarefas envolvidas na confecção de passaportes eletrônicos à filial alemã da empresa de informática americana CSC, que notoriamente trabalha para os serviços secretos americanos. Algumas informações são mais refutadas, outras menos, mas contribuem para um debate na Alemanha sobre a real soberania do país em relação ao "amigo americano."
Reportagem de Frederic Lemaitre para o Le Monde, reproduzida no UOL. Tradutor: Lana Lim
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