Dias atrás, em rara declaração ofensiva desde a suspensão do ensaio desenvolvimentista há cerca de um ano, o governo, por meio do secretário do Tesouro, Arno Augustin, denunciou estar sob ataque especulativo do mercado financeiro.
Ato contínuo, como para confirmar a acusação, o dólar foi empurrado para cima, como se viu nesta semana. Por enquanto, os efeitos da pressão mercadista são moderados, mas há razões para supor que ouvimos só os primeiros toques de uma ópera dramática, que apenas acabará quando anunciado o nome do(a) próximo(a) presidente da República.
A julgar pelos instrumentos mobilizados, a partitura contém passagens marciais tonitruantes. No plano internacional, um arco expressivo de intérpretes já tomou assento nas fileiras da orquestra.
Quando setembro chegava ao fim, a revista "The Economist" dedicou 14 páginas para mostrar como o intervencionismo de Dilma tinha estragado tudo o que Lula fez de bom. Em seguida, a Moody's, uma das três principais agências mundiais de risco, rebaixou a perspectiva de avaliação do Brasil. Para completar, há duas semanas o FMI emitiu relatório em que a condução governamental é criticada por reduzir a credibilidade do país.
Em diversos arranjos, a linha melódica narra sempre a mesma história. Uma nação que era bem-vista pelos donos do dinheiro, pois tinha se arrumado de acordo com as regras imperantes no mundo, passa a ser objeto de desconfiança depois que um Poder Executivo hostil às leis da iniciativa privada resolveu mexer onde não devia, reduzindo juros, interferindo no câmbio e obrigando o setor elétrico a diminuir tarifas, só para ficar no principal.
Se a companhia fosse composta apenas de artistas globalizados, o tamanho da encrenca já seria razoável. Ocorre que se anunciam na boca de cena cantores que encenarão as partes locais do entrecho, prometendo sangue, suor e lágrimas. Desta feita, diferentemente do que aconteceu entre 2002 e 2010, os capitalistas nacionais parecem uníssonos na hostilidade à candidata do lulismo. Admitem até a volta do criador, mas passaram a enxergar a criatura com um misto de medo, raiva e desdém.
Talvez seja esta a explicação para os últimos movimentos do ex-presidente, que teria patrocinado um projeto de dar autonomia ao Banco Central para, em seguida, deixar transparecer que pode voltar a ser candidato. Em ambos os casos, haveria uma leitura segundo a qual para desfazer o roteiro anunciado, que tem capacidade para desorganizar a economia e, assim, colocar em risco a vitória em outubro de 2014, são necessários gestos fortes.
A ideia de autonomizar o BC foi vetada por Dilma. Resta ver se o próximo veto não vai recair sobre ela própria.
Texto de André Singer, na Folha de São Paulo.
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