Vigiando uma das ruas mais movimentadas ruas desta cidade estão as sentinelas de um regime odiado.
As estátuas de soldados do Exército Vermelho, trabalhadores, agricultores e jovens cientistas sobre a Ponte Verde, sobre o Rio Neris, no centro da cidade, são os últimos grandes monumentos públicos aqui que ainda proclamam o comunismo, uma ideologia rejeitada pela Lituânia há mais de duas décadas, quando o país se tornou a primeira parte da União Soviética a declarar independência.
Com as camisas apertadas contra os torsos amplos, e casacos e saias esvoaçantes em torno de pernas musculosas, as estátuas ao estilo do realismo socialista mantiveram-se firmes diante das tempestades políticas que têm assolado a capital do país. Mas elas têm tido menos sucesso ao resistir à destruição do tempo. Depois de mais de seis décadas a céu aberto, o ferro está carcomido e enferrujado. Um soldado só está em pé por causa de parafusos e braçadeiras. As costas de um jovem cientista estão marcadas por uma grande fissura.
A decadência das estátuas tem suscitado questões difíceis para o país ainda emergente, prático e filosófico. Será que dinheiro público deveria ser gasto para restaurar as obras ou elas devem ser removidas? É melhor preservar os símbolos de um passado ruim e indesejado ou tentar esquecê-lo?
"Não seria uma perda se elas fossem demolidas por completo", disse Kestutis Masiulis, membro do Parlamento e ex-vice prefeito de Vilnius. Ele disse que as estátuas insultam os lituanos, que sofreram sob um governo que expropriou terras, esmagou a liberdade acadêmica e profissional e submeteu mais de 300 mil pessoas à detenção, prisão e exílio em campos de prisioneiros da Rússia. "Às vezes, sinto que a experiência negativa deve ser apagada de alguma forma", disse ele.
Outros, como Lolita Jablonskiene, curadora-chefe de Galeria Nacional de Arte do país, defendem uma atitude mais "complicada".
Ela não quis dizer se acha que as estátuas devem ficar ou ir embora. Mas disse que elas precisam ser reparadas, acrescentando que ela "em geral é contra destruir sinais da memória", especialmente numa cidade onde russos da era czarista, poloneses, soviéticos e lituanos se revezaram demolindo os monumentos uns dos outros, e onde agora há poucos vestígios de uma comunidade judaica antes próspera eliminada no Holocausto.
"Nós ainda estamos discutindo como arte pública deve de fato ser feita hoje em dia", disse Jablonskiene. Os lituanos precisam decidir se a arte pública é para "representar certos símbolos do Estado ou é para para a população se sentir confortável na cidade."
A Lituânia, é claro, não é o único país a enfrentar esses dilemas num continente convulsionado pelo fascismo e comunismo durante grande parte do século 20. No entanto, em Vilnius, a influência da história e o desejo de mudança competem muito vividamente.
Um dos monumentos mais conhecidos que surgiram desde a saída dos soviéticos é um tributo a Frank Zappa, o músico norte-americano iconoclasta que não tem nenhuma ligação com a Lituânia. Um grupo de lituanos fez um lobby para o busto, que ostenta um rabo de cavalo, logo depois da independência, como uma maneira de marcar uma nova era de liberdade de expressão.
Em outro lugar, uma escultura de John Lennon, assassinado em 1980, foi erguida no ano passado no local que antes era ocupado por um vasto monumento ao líder soviético Vladimir Lenin. A peça, feita de areia e intitulada "Imagine", como a música, já foi retirada para manutenção, deixando o local, a praça Lukiskes, próxima à antiga sede da KGB, estranhamente vazia.
Várias competições foram realizadas desde meados da década de 1990 para criar planos para dar um novo propósito à praça, embora nenhuma das propostas tenha conseguido apoio público suficiente para ser realizada.
O futuro das estátuas na Ponte Verde está suspenso no limbo desde pelo menos 2005, quando o governo usou uma lei de patrimônio histórico para declarar a ponte e 6 mil outros sítios culturais como marcos protegidos. Os opositores das estátuas citam uma lei posterior que proíbe símbolos do período soviético e também da ocupação nazista. Visível no topo de um mastro de bandeira erguido por um dos soldados está o emblema soviético da foice e do martelo.
Há três anos, Yuri M. Luzhkov, então prefeito de Moscou, ofereceu-se para pagar a restauração de algumas das estátuas antes do 65º aniversário da derrota da Alemanha nazista pelas forças soviéticas. Autoridades de Vilnius recusaram a oferta.
Em agosto, Arturas Zuokas , prefeito de Vilnius, anunciou um plano de reformar as estátuas. Ele espera que o projeto leve dois anos e custe até US$ 200 mil sem que seja necessário remover as estátuas, mesmo temporariamente.
Para apaziguar os oponentes, Zuokas colocou uma placa – já enferrujada para parecer "vermelho sangue" – sob as estátuas dos soldados para explicar a brutalidade da ocupação soviética, e propôs acrescentar placas semelhantes sob as outras figuras. "É uma espécie de concessão", diz ele. "Não precisamos agir como os soviéticos" que "demoliram quase tudo do passado", disse ele.
Outra alternativa, apoiada pelos União de Presos Políticos e Deportados da Lituânia, um grupo que representa os antigos presos políticos, deportados e suas famílias, é levar as estátuas ao Parque Grutas, um parque temático particular dedicado à era soviética.
O parque foi ideia de Viliumas Malinauskas, um empresário lituano que fez fortuna vendendo frutas e cogumelos. Agora ele cobra 20 litas, ou quase US$ 8, para os visitantes que desejam mergulhar em lembranças da era soviética, com guias vestidos com lenços vermelhos dos Jovens Pioneiros e uma vasta coleção de arte, iconografia, medalhas, livros , bandeiras, cartazes e pinturas.
Os pontos altos do parque incluem a estátua de Lenin, que foi removida de Vilnius. Ela agora está em um bosque enevoado; o polegar direito faltando se tornou uma entrada para pássaros que ali fazem seus ninhos. Malinauskas diz ter selecionado um novo lar para as estátuas da Ponte Verde, acima de um pântano, se as autoridades decidiram vendê-las ou emprestá-las
"Construirei uma nova ponte para elas", disse ele.
Reportagem de James Kanter, para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradução: Eloise de Vylder
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