"Vida intensa e breve, pensou a lebre, correndo sobre as ervas do mundo." Roubo essas linhas do poeta português José Agostinho Baptista porque elas são a trilha sonora dos meus dias. Ou, pelo menos, desses últimos anos.
Caminho para os 40. E, com uma nitidez arrepiante, sinto que o tempo acelera como nunca.
Explico: aos dez, aos 20, o tempo passava com um ritmo mais lento. O ano acadêmico era longo. As férias de verão, também. E os dias, cada dia, tinham minutos que duravam horas e horas que duravam semanas.
Subitamente, os dias encolheram. E, com os dias, as horas e as semanas. Como explicar o fenômeno?
Dois anos atrás, ao passar pela vitrine de um sebo em Nova York, deparei-me com um livro que prometia explicar as minhas inquietações.
Mas o tempo, sempre o tempo, impediu-me de anotar o título e o autor: atrasado para um jantar e na companhia de terceiros, continuei a caminhar --e a vitrine, afastando-se de mim, como se eu fosse um emigrante a bordo de um navio, vislumbrando a terra materna cada vez mais longe.
Para piorar as coisas, a noite ia alta, o sebo estava fechado --e eu regressava de madrugada para Lisboa. Nenhuma possibilidade de lá voltar. E a certeza de que o tempo continuaria a ceifar misteriosamente o meu tempo --e a privar-me da deliciosa lentidão do passado.
Contei todos esses episódios à alma caridosa que partilha os meus dias. E ela, com um talento de Sherlock Holmes, localizou o livro e o ofereceu a mim.
Escrito pelo psicólogo holandês Douwe Draaisma, o título é de uma literalidade que envergonha: "Why Life Speeds Up As You Get Older" ("por que motivo a vida acelera à medida que envelhecemos", Cambridge University Press, 277 págs.). Nem eu diria melhor.
Em rigor, a obra não lida apenas com a aceleração do tempo quando a idade avança. Trata-se de uma coleção de ensaios sobre o papel da memória (e do esquecimento) na forma como percebemos o passado e o futuro.
Mas o ensaio que dá título ao livro ilumina algumas das minhas perguntas porque Draaisma vai revisitando as teorias que a psicologia e as neurociências foram avançando para o fato. É impossível resumi-las todas nesta coluna. Mas duas mereceram a minha especial atenção.
A primeira foi exposta por Jean-Marie Guyau no século 19 e, no essencial, repetida ou intuída por literatos diversos --de Thomas Mann a Albert Camus, sem esquecer esse mestre do metrônomo que dá pelo nome de Marcel Proust.
O tempo acelera porque os nossos dias, tomados pelas rotinas próprias da vida adulta, surgem despojados da variedade dos verdes anos. Aos dez, aos 20, o nosso roteiro biográfico mudava. Constantemente. Imprevisivelmente.
As férias de verão eram longas porque eram cheias. O ano acadêmico era longo porque as aulas, os estudos, mas também o reencontro com os amigos e os estragos na companhia deles, faziam de cada dia uma refeição completa.
Aos 40, aos 50, a refeição torna-se repetitiva --casa, trabalho, casa. De tal forma que os dias nos parecem cópias uns dos outros. E, talvez por isso, concentrados e consumidos em um único sopro.
A explicação tem o seu interesse, escreve o autor, mas talvez as coisas sejam mais simples.
E uma segunda tese, que Douwe Draaisma elege como sua, diz-nos que o tempo acelera porque nós já não aceleramos como antigamente. Como o próprio escreve, o corpo corria mais rápido do que o rio do tempo; mas hoje ele se atrasa pelas margens.
Em rigor, o tempo não acelera; o tempo mantém-se rigorosamente igual. Nós é que não: organicamente falando, biologicamente falando, repetimos os mesmos gestos --mas anoiteceu, entretanto.
E anoiteceu mesmo: caminho pelas ruas de Londres e penso nas explicações do prof. Draaisma. Será que a minha vida rotineira precisa de alguma adrenalina suplementar?
Ou o envelhecimento do corpo é um fato --e a atitude mais inteligente é parar de correr atrás da criança que eu fui e que leva sempre vantagem sobre os meus passos mais lentos?
São perguntas que se dissipam no frio. Até porque há presentes de Natal para comprar.
Curioso: Natal. Falta um mês para celebrar a data e eu poderia jurar que ainda ontem estava a celebrar.
Texto de João Pereira Coutinho, na Folha de São Paulo.
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