sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Partido grego é acusado de ataques racistas e assassinatos

O relatório de 697 páginas do gabinete do procurador-geral parece um thriller. Mas ele trata de coisas que a população grega antes consideraria inconcebíveis. Ele pinta um quadro de um partido neonazista que ataca de forma aberta e vigorosa o sistema democrático, de uma forma não vista na Europa há décadas.

De forma direta ou indireta, o relatório acusa 69 membros ou simpatizantes do partido político Chrysi Avgi, ou Amanhecer Dourado –entre eles 16 membros do Parlamento grego– de participação em homicídio ou tentativa de homicídio, lesões corporais sérias, crimes de ódio violentos, roubo, chantagem ou incêndio criminoso. O procurador-geral Isidoros Dogiakos descreve em detalhes meticulosos as estruturas de uma organização criminosa que está sendo dirigida de dentro do Parlamento grego.

Oito parlamentares do partido atualmente estão detidos aguardando julgamento, incluindo o porta-voz e ideólogo-chefe do partido, Ilias Kasidiaris, além do chefe do partido, Nikos Machaloliakos. Outros três parlamentares estão atualmente sob prisão domiciliar, enquanto cinco outros estão proibidos de deixar o país. Os investigadores esperam levar o caso a julgamento no início do ano que vem.

'Todas as características de uma organização criminosa'

A determinação com que as autoridades da Justiça grega agora estão perseguindo os extremistas é nova. Por algum tempo, os políticos e a polícia davam de ombros diante dos ataques perpetrados contra estrangeiros, gays e críticos como sendo ações isoladas de indivíduos confusos. Mas a crescente brutalidade dos ataques levou a uma mudança de pensamento, com o momento da virada ocorrendo com o assassinato de um rapper antifascista, Pavlos Fyssas, há um ano.

O Amanhecer Dourado "exibe todas as características de uma organização criminosa", concluíram os investigadores em seu relatório. Particularmente característica é "a estrutura militar, a hierarquia absoluta", assim como a "obediência cega" aos comandos dados pela liderança do partido, declara o relatório, obtido recentemente pela "Spiegel". Nele, os investigadores dizem estar "certos" de que nenhum desses atos violentos teria ocorrido "se não tivessem sido ordenados e apoiados pela organização criminosa/partido, especialmente pelo seu alto comando".

Como exemplos, 11 atos de violência particularmente cruéis estão listados. Além de homicídios e tentativas de homicídio, eles incluem ataques a estrangeiros e ativistas de esquerda.

Em junho de 2012, por exemplo, os investigadores declaram que um grupo de bandidos do Amanhecer Dourado atacou uma casa em Perama, um subúrbio de Atenas, onde estavam quatro trabalhadores egípcios da indústria pesqueira. Os bandidos de direita feriram gravemente um dos homens e forçaram os outros a fugir. Um ano depois, eles atacaram membros comunistas de um sindicato trabalhista na mesma cidade. Em Vainia, na ilha de Creta, bandidos armados com madeira espancaram vários paquistaneses em seus lares.

Tropas de assalto moldadas segundo a SA nazista

Em grande parte, "tropas de assalto" do Amanhecer Dourado executam esses ataques de uma forma que lembra a SA nazista. Seus membros costumam usar uniformes negros e capacetes e também carregam bastões ou porretes semelhantes. Os investigadores do gabinete do procurador-geral também descobriram que as tropas de assalto recebem treinamento especial, comparável ao dado às "unidades de elite das forças armadas". Michaloliakos, o líder do partido, que é chamado de "Führer" dentro deste, em uma clara referência a Hitler, gosta de descrever as tropas de assalto como seu "exército disciplinado" e "coluna de ferro".

Grupos extremistas de direita violentos também existem em outros países europeus, mas o que diferencia o Amanhecer Dourado é o fato dele agora estar representado no Parlamento nacional há dois anos. Antes das eleições parlamentares gregas de 2012, o partido era uma organização pequena não levada a sério politicamente. Em outubro de 2009, ele obteve parcos 0,29% dos votos. Com tão poucos votos, por que alguém se importaria quando o "Führer" do Amanhecer Dourado proclamou abertamente sua admiração pelo Nacional-Socialismo?

O relatório dos investigadores alega que Michaloliakos disse no início de 2011: "Eu tenho um grande respeito pelo que a Alemanha de Hitler representava". Sete meses depois, ele teria dito: "Se precisarmos, nós sujaremos nossas mãos". Os investigadores também alegam que o líder do partido ameaçou um publisher contrário, dizendo: "Se houver justiça, então ele será pulverizado. Ele e seus filhos judeus".

Na época, entretanto, ninguém estava prestando atenção suficiente.

Então veio a crise da dívida. Os europeus intervieram com duras medidas de austeridade e, somadas ao aumento dramático do desemprego, os neonazistas se tornaram cada vez populares. Muitos votos de protesto dados ao partido vieram dos conservadores e de pessoas que sofreram em consequência da crise. Em junho de 2012, o Amanhecer Dourado entrou pela primeira vez no Parlamento, obtendo 18 cadeiras. Mesmo hoje, o partido ainda obtém 15% de apoio nas pesquisas.

Ataques crescentes

De repente, os neonazistas se tornaram políticos eleitos. Eles também realizaram o que prometeram. "Usando a proteção fornecida pela imunidade parlamentar", escreveram os investigadores, o Amanhecer Dourado começou a organizar combates de rua. O número de ataques cometidos por suas tropas de assalto e gangues de motociclistas cresceu rapidamente.

Os investigadores do gabinete da promotoria pública apontaram que os membros do Parlamento exerciam um papel especial nos eventos. Eles davam diretamente as "ordens ou aprovação final para as ações" por meio de células locais do partido. O relatório declara que os parlamentares fizeram repetidas vezes aparições como "líderes das tropas de assalto durante as ações violentas ou ilegais". Como exemplo, eles citam Rafina, onde, segundo reportagens na imprensa, os neonazistas realizaram uma "caminhada" pelo mercado municipal, batendo em comerciantes estrangeiros e destruindo bancas. Depois, o parlamentar Kostas Barbarousis alegou: "Nós impusemos a ordem".

Os promotores também alegam que os parlamentares aparecem com frequência nos tribunais e delegacias de polícia para "ajudar os infratores presos". Eles também se deixavam voluntariamente ser filmados, algo que agora volta para assombrá-los. Além de armas, os investigadores apreenderam vídeos, gravações de televisão, fotos e mensagens de texto. Os investigadores também estão analisando o conteúdo de grampos telefônicos e o depoimento de testemunhas.

Uma abordagem altamente organizada

O assassinato em setembro de 2013 de Fyssas, o cantor de esquerda, fornece um exemplo da abordagem altamente organizada dos criminosos de direita. Os investigadores descobriram que eles estavam observando o rapper famoso enquanto ele assistia uma partida de futebol em um bar em Pireu, junto com amigos. Os extremistas alertaram suas tropas de assalto por mensagem de texto e quando Fyssas e seus amigos deixaram o bar à meia-noite, "um grupo de 30 pessoas uniformizadas com bastões de madeira" aguardava por ele, segundo o relatório. Xingamentos e uma briga ocorreram em seguida, terminando no homicídio. "Enquanto dois ou três membros do Amanhecer Dourado batiam e seguravam Pavlos Fyssas, Georgios Roupakias o apunhalou duas vezes no coração e uma vez na perna", alega o relatório.

A polícia prendeu Roupakias, que prontamente reconheceu ser membro do Amanhecer Dourado. Uma testemunha alegou posteriormente que uma "ordem central do parlamentar Ioannis Lagos" foi dada para membros do partido "eliminarem" o músico, "assim que o encontrarem". O relatório alega que o ataque ocorreu com conhecimento do porta-voz do Amanhecer Dourado e com permissão de seu "Führer".

O fato de os neonazistas poderem desencadear sua ira por tanto tempo até as autoridades agirem também é um produto dos laços estreitos entre as forças de segurança do Estado e os políticos. Kasidiaris, o porta-voz do partido, por exemplo, gosta de conversar com o governo quando precisa de conselhos políticos. Os neonazistas até mesmo buscaram conselhos de Takis Baltakos, um ex-assessor do primeiro-ministro, sobre posições de votação de assuntos controversos. Ele também teve apoio do político quando a procuradoria-geral deu início à investigação do Amanhecer Dourado.

'Sem evidência, não há nada'

Durante uma reunião com Baltakos, Kasidiaris chamou o gabinete do procurador-geral de marionete do governo e também compartilhou comentários pejorativos sobre o promotor-chefe do caso. Baltakos concordou e o tranquilizou, segundo o relatório, dizendo que "sem evidência, não há nada". O significado pode muito bem ter sido: não se preocupe, você não tem nada a temer do governo. Baltakos também insultou o primeiro-ministro a certa altura na conversa. Kasidiaris gravou as conversas e posteriormente as tornou públicas.

Os extremistas de direita também desfrutam de grande apoio entre as forças de segurança. Nos locais de votação especiais para policiais, o partido obteve uma votação acima da média nacional, com até 20% dos votos em alguns locais. Muitos funcionários públicos eram membros do partido e participavam das atividades de direita do Amanhecer Dourado durante seu tempo livre.

Enquanto isso, um relatório do Escritório de Investigação Interna, que foi entregue ao gabinete do procurador-geral, documenta a ligação estreita entre policiais e extremistas em 130 casos. Os exemplos mostram que, em muitos lugares, a polícia sistematicamente se recusou a aceitar queixas prestadas por estrangeiros e que ela às vezes era paga pelo Amanhecer Dourado para agir assim. O documento também mostra como policiais insultavam racialmente refugiados, davam as costas durante ataques contra eles ou até mesmo participavam deles fora de seu horário de trabalho. No presídio de Amygdaleza, um funcionário, trabalhando em prol do Amanhecer Dourado, até mesmo documentava o espancamento dos presos estrangeiros. A "Spiegel" também obteve a lista desse e outros crimes semelhantes, que é tanto longa quanto perturbadora.

O procurador-geral agora espera fazer com que o Amanhecer Dourado seja extinto. O líder do partido e seus fiéis negam as alegações e falam em conspiração. Em uma entrevista dada na detenção, o porta-voz do partido, Kasidiaris, alegou recentemente que o relatório da investigação não fornece evidências, "absolutamente nada". Ele então descreveu o Amanhecer Dourado como "um partido que respeita a democracia".

Mas como um investigador rebateu, "verdadeiros democratas não precisam de armas".

Reportagem de Manfred Ertel, para a Der Spiegel, reproduzida no UOL. Tradutor: George El Khouri Andolfato.

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