terça-feira, 25 de novembro de 2014

O governo e o inferno são os outros


Debate de 2015 será sobre quem vai pagar a conta do ajuste, não sobre necessidade de ajustar
A cada vez e mês confirma-se que a receita do governo não vai crescer nada ou quase isso neste ano. Soube-se ontem que, contada até outubro, a arrecadação de impostos do governo foi 0,45% maior que a de até outubro do ano passado, descontada a inflação. A princípio, a situação não deve ser muito diferente em 2015. "A princípio" quer dizer, com exceção da hipótese de aumento de impostos.
Ainda que a despesa não crescesse no ano que vem, seria necessário arrumar mais dinheiro, pois o governo entrou demais no vermelho. Deixar tudo como está vai redundar apenas em juros mais altos, inflação mais alta e descrédito mais duradouro no futuro do país.
A pergunta óbvia é: para quem a conta vai sobrar?
Dilma Rousseff e seus novos economistas podem optar por aumentos disfarçados de impostos, refazendas, como o fim da redução do IPI sobre carros etc., que acaba mesmo em dezembro. Podem fingir que a presidente-candidata não prometeu, em rede nacional, reajustar a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (sem reajuste dos valores mais gente paga imposto, mais gente paga mais imposto, caso tenha tido algum reajuste salarial).
Mas isso mal dá para cobrir as partes do Orçamento que vão ficar à mostra com as despesas adicionais decorrentes do aumento do salário mínimo em 2015 (benefícios sociais vários e aposentadorias e pensões do INSS).
Quase impossível que Dilma 2 renegue a decisão de reduzir impostos sobre folha de salários das empresas e sobre a cesta básica, com o que daria um tapa no povo e no desemprego.
Sem aumentar imposto, é possível arrecadar um tico mais ou deixar de perder, ao menos, com reajustes dos preços atrasados de combustíveis e eletricidade, conta em parte bancada pelo governo.
Não dar reajuste real algum (além da inflação) aos servidores públicos federais é um outro modo de catar moedas. "Choque de gestão" e "combate à corrupção": que venham, mas na melhor das hipóteses rendem muito pouquinho no curto prazo ("pouquinho" em termos fiscais, do buraco das contas do setor público, em R$ 250 bilhões, no ano).
É comum a gente ouvir "que o governo corte seus gastos". Hum. Parece então que "o governo são os outros", para arremedar de modo ainda mais enviesado a frase da peça de Sartre. O grosso do gasto do governo vai para INSS e pagamentos de benefícios sociais, juros, salários e aposentadorias de servidores públicos, educação, saúde e, pouco, para investimentos em "obras". Não escoa para um universo paralelo, para outra dimensão.
Um grande e razoável conflito político razoável de 2015 (2016, 2017...) não vai se dar a respeito de controlar ou não o aumento da dívida. Mais quatro anos disso, se não sobrevier um tumulto, quebramos. Quem vai pagar a conta, repita-se, vai ou deveria ser o motivo do embate. O melhor seria fazer logo um aumento de impostos vinculado a uma limitação de despesa por vários anos, tributação que não recaia nem sobre os mais pobres nem sobre empresas (mas sobre a renda dos donos delas). Vai ser preciso muito esforço para alguém acreditar num programa desses (mais imposto com controle de despesa). Mas é o que temos.


Texto de Vinicius Torres Freire, na Folha de São Paulo

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