terça-feira, 25 de novembro de 2014

Cresce adoção de armas autônomas

Cresce adoção de armas autônomas

Armas dispensam supervisão humana
Por JOHN MARKOFF

Num dia ensolarado do ano passado, ao largo da costa do sul da Califórnia, um bombardeiro B-1 da Força Aérea americana lançou um míssil experimental que pode ter apontado a direção das guerras no futuro.
Inicialmente, pilotos a bordo do avião direcionaram o projétil, mas, na metade do caminho até seu destino, ele cortou comunicações com seus operadores.
Sozinha, sem supervisão humana, a arma decidiu qual de três embarcações atacar, atingindo um cargueiro de 80 metros, sem tripulantes.
Cada vez mais, a guerra é guiada por softwares. Hoje, drones armados podem ser operados por pilotos que estão a milhares de quilômetros de distância do campo de batalha.
Mas agora, dizem alguns cientistas, os fabricantes de armas ingressaram em um novo e perturbador terreno, desenvolvendo armas que dependem de inteligência artificial, não de instruções humanas, para decidir o que alvejar e quem matar.
À medida que essas armas ganham inteligência e agilidade, críticos temem que será cada vez mais difícil controlá-las. Embora a precisão de mira possa poupar vidas de civis, críticos temem que armas que independem de supervisão humana possam aumentar a probabilidade de guerras, pois travá-las será tão fácil quanto apertar um botão.
O Reino Unido, Israel e a Noruega já estão utilizando mísseis e drones capazes de atacar radares, tanques ou navios inimigos sem controle humano direto. Depois de lançadas, as chamadas armas autônomas usam inteligência artificial e sensores para selecionar alvos e iniciar um ataque.
Os mísseis "fire and forget" Brimstone britânicos, por exemplo, prescindem de ajuda humana para distinguir entre tanques, automóveis e ônibus e podem caçar alvos numa região previamente designada, sem supervisão. Os Brimstones se comunicam entre eles, compartilhando seus alvos.
Porém, agora estão sendo desenvolvidos armamentos com capacidades mais avançadas de autogovernança. "Já está em curso uma nova corrida armamentista", disse Steve Omohundro, especialista em inteligência artificial na Self-Aware Systems.
No ano passado, Christof Heyns, relator especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, pediu uma moratória do desenvolvimento dessas armas.
O Departamento de Defesa dos EUA lançou uma diretiva exigindo autorização de alto nível para o desenvolvimento de armas capazes de matar sem supervisão humana. Mas alguns cientistas dizem que o avanço acelerado da tecnologia já tornou a diretiva obsoleta.
"Nossa preocupação é como são definidos os alvos e, o que é mais importante, quem os define", disse Peter Asaro, do Comitê Internacional para o Controle de Armas Robóticas, grupo de cientistas que defende restrições ao uso de robôs militares. "São alvos definidos por humanos? Ou os sistemas decidem automaticamente o que é um alvo?"
Em 1998 os EUA fizeram o lançamento experimental de um míssil antinavios Harpoon que usou uma forma inicial de autodirecionamento. O míssil se confundiu, tomando como alvo um cargueiro indiano que penetrou na zona de teste por engano. Um tripulante morreu. O Harpoon continua em uso.
Novos tipos de radares, lasers e sensores estão ajudando mísseis e drones a calcular sua posição com mais precisão. O sistema de visão identifica padrões nas imagens e ajuda as armas a distinguir alvos. Essas informações podem ser interpretadas rapidamente pelos sistemas de inteligência artificial, de modo que um míssil ou drone possa fazer sua própria análise durante o voo.
O míssil antinavios testado na Califórnia, o Long Range Anti-Ship Missile, está sendo desenvolvido para os EUA pela Lockheed Martin. A intenção é que ele voe centenas de quilômetros, manobrando por conta própria para evitar radares, e fora de contato radiofônico com humanos.
Em 2012, uma diretiva do Departamento de Defesa traçou uma separação entre armas semiautônomas, cujos alvos são selecionados por um operador humano, e armas autônomas, capazes de caçar e atacar alvos sem intervenção. Segundo a diretiva, as armas do futuro "precisam ser projetadas para permitir que comandantes e operadores exerçam níveis apropriados de avaliação humana quanto ao uso de força". O Departamento de Defesa diz que o novo míssil antinavios é semiautônomo e que os humanos estão suficientemente presentes em suas decisões sobre definição de alvos e ataques a lançar.
"O míssil vai operar de modo autônomo quando buscar a frota inimiga", disse Mark A. Gubrud, do Comitê Internacional para o Controle de Armas Robóticas. "Estamos falando de algo bastante sofisticado que eu descreveria como inteligência artificial não submetida a controle humano."
Paul Scharre, que liderou o grupo que redigiu a diretiva do Departamento de Defesa, disse: "É válido perguntar se o míssil atravessa essa linha".
Alguns especialistas em controle de armas dizem que exigir apenas controle humano "apropriado" é uma definição muito vaga e que isso vai acelerar o desenvolvimento de sistemas que automatizam o ato de matar. Heyns, da ONU, disse que os países precisam concordar em limitar suas armas às que incluem controle humano "importante". "Tem que ser semelhante ao controle que um comandante exerce sobre suas tropas."
Para Heyns, sistemas que permitem que humanos passem por cima das decisões do computador podem não satisfazer esses critérios. As armas que tomam suas próprias decisões agem com tanta rapidez que, em pouco tempo, os humanos não vão conseguir alcançá-las.
Além disso, muitos dos sistemas são projetados para permitir que os humanos se afastem do controle. O míssil antirradares israelense Harpy fica aguardando até um radar inimigo ser ligado. Então ele o ataca e destrói por conta própria.A Noruega pretende equipar seus bombardeiros com o Joint Strike Missile, capaz de caçar, reconhecer e detectar um alvo sem intervenção humana.
Analistas militares como Scharre alegam que armas automatizadas podem resultar em menos matanças em massa e menos baixas civis. Por exemplo, em 16 de setembro de 2011, aviões de guerra britânicos dispararam duas dúzias de mísseis Brimstone contra tanques líbios que estavam fazendo disparos contra civis. De acordo com um porta-voz, foram destruídos simultaneamente oito ou mais tanques, salvando a vida de muitos civis.
Para Scharre, teria sido difícil operadores humanos coordenarem esse tipo de precisão.


Reportagem do The New York Times, reproduzida na Folha de São Paulo

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