A capacidade de resiliência política de Binyamin Netanyahu, premiê israelense, está mais uma vez sendo testada. O primeiro-ministro se encontra cercado por incêndios, de naturezas diversas, e todos têm por origem a linha repressiva adotada pelo governo e as crescentes garantias concedidas à direita ultranacionalista e religiosa.
Um erro policial cometido contra um árabe israelense, morto no sábado (8), estendeu o atual ciclo de violência para além de Jerusalém, na direção do norte do país. A Jordânia, parceira regional, chamou de volta seu embaixador em Tel Aviv e manifestou uma ira sem precedentes em razão das ameaças que estariam sendo feitas contra a mesquita Al-Aqsa, terceiro lugar mais sagrado do islamismo. Por fim, a coalizão governamental tem sofrido sérios abalos, dividida entre os centristas e a direita dura.
Na cidade árabe de Kafr Cana, perto de Haifa (norte), um jovem de 22 anos, Kheir Hamdan, foi morto na noite de sexta-feira por um policial. Um "assassinato a sangue frio", segundo o prefeito, que provocou a fúria dos árabes israelenses. Estes representam 20% da população do país, mas se consideram tratados como cidadãos de segunda classe. Um vídeo da tragédia derrubou a versão inicial dos policiais de Nazaré, que alegaram estar em risco de morte. Só que o vídeo mostra Kheir Hamdan batendo nos vidros do carro deles, com um objeto que poderia ser uma faca, e depois recuando. Um policial sai então do veículo e atira contra ele a uma distância de dois metros, sem aviso.
"Fator de instabilidade"
Entrevistado pelo jornal "Ma'ariv", o pai de Kheir Hamdan afirmou acreditar que os policiais "o mataram a sangue frio porque ele era árabe". Essa convicção também se manifestou em representantes locais e deputados árabes, sendo que alguns destes ameaçaram nas últimas semanas boicotar a Knesset. Houve confrontos com a polícia na entrada de Kafr Cana, no domingo, e em outras cidades povoadas em sua maioria por árabes israelenses. Foi feito um chamado para uma greve geral, e dezenas de estudantes protestaram em frente às universidades de Tel Aviv e Haifa. Durante esse tempo, os tumultos continuavam nos bairros árabes de Jerusalém Oriental, como Shuafat, Sur Baher e Wadi Joz, enquanto a polícia temia novas investidas com carros por parte de palestinos.
Nesse clima de alta tensão, e apesar da evidência do erro policial, nem a cúpula da polícia, nem o governo emitiram qualquer crítica contra os oficiais envolvidos. O diretor da polícia, Yohanan Danino, deu total apoio a eles. No dia 5 de novembro, o ministro da Segurança Pública, Yitzhak Aharanovitch, pareceu dar carta branca aos policiais ao declarar: "Um terrorista que ataca civis merece ser morto."
Já o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, publicou no sábado um comunicado ameaçando privar de sua nacionalidade os árabes israelenses que agissem contra o Estado, aparentemente em reação a palavras de ordem ditas pelos manifestantes em Kafr Cana. "Agiremos contra os atiradores de pedras, contra aqueles que bloqueiam as estradas e aqueles que clamam pela criação de um Estado palestino no lugar do Estado de Israel", ele declarou. "Vou pedir ao ministro do Interior que considere a destituição da nacionalidade para aqueles que pedem pela destruição do Estado de Israel."
Para o deputado Ahmed Tibi, uma das vozes mais influentes da comunidade árabe israelense, "Netanyahu é um fator de instabilidade. Sua declaração corresponde totalmente à de Ehud Barak, seu antecessor, no momento da Intifada de 2000: uma ausência total de empatia pelos cidadãos árabes, arrogância e leviandade". Em outubro de 2000, treze árabes israelenses foram mortos durante confrontos com a polícia. Nenhum oficial foi condenado por uso de balas de verdade, lembrou recentemente o jornal de esquerda "Haaretz".
Binyamin Netanyahu aposta na mobilização repressiva permanente contra o Hezbollah no norte, o Hamas no sul e os islamitas infiltrados no país. Ele praticamente não dá atenção aos pedidos de transparência sobre a ação da polícia. Em compensação, a ira da Jordânia é um problema para ele.
Linha vermelha
No domingo, o primeiro-ministro jordaniano, Abdullah Ensour, condenou "nos termos mais firmes os acontecimentos das últimas semanas em Jerusalém" que correspondem "a um plano governamental intencional e claro para mudar a configuração" na Esplanada das Mesquitas. A excelente colaboração no combate aos jihadistas é uma coisa, mas a mesquita Al-Aqsa representa uma linha vermelha para o reino hachemita, que no entanto não pretende questionar o tratado de paz assinado em 1994.
Netanyahu reafirmou seu comprometimento com o status quo sobre a esplanada, segundo o qual os judeus podem ir ao Monte do Templo como turistas, mas sem rezar. Mas o primeiro-ministro jamais condenou claramente as visitas ao local de certos deputados de direita, inclusive do Likud, que são vistas como provocações pelos palestinos.
"É um governo de guerra e de violência, que não conhece a linguagem da diplomacia, do direito internacional e da legitimidade", afirma Hussam Zumlot, conselheiro de política externa do Fatah, partido do presidente palestino Mahmoud Abbas. "É um bando de ideólogos que transforma um conflito nacional em conflito religioso. Eles seguem um grande plano: o uso desproporcional da violência para provocar os palestinos."
Falta de diálogo com os palestinos, aumento da violência, prosseguimento da colonização na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental: não é à toa que vem vacilando a heteróclita coalizão constituída por Netanyahu. No sábado, o ministro do Meio Ambiente, Amir Peretz, anunciou sua intenção de deixar o governo. "A deterioração aparece em cada domínio, diplomático, social e econômico", ele declarou, opinando que Netanyahu se tornou "refém de sua direita."
Esse membro do partido centrista Hatnua tem pouco peso político. A líder de seu partido, Tzipi Livni, que é ministra da Justiça, não tem a intenção de seguir seu exemplo de imediato. Eleições antecipadas não fortaleceriam o Hatnua. "A última coisa de que precisamos agora são eleições", disse Netanyahu no dia 22 de outubro. No dia 6 de janeiro haverá prévias dentro de seu partido, o Likud, e apesar de tudo ele será o grande favorito.
Texto de Piotr Smolar, para o Le Monde, reproduzido no UOL.
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